Meu Captiveiro entre os Selvagens do Brasil (2ª edição)/Capítulo 41

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CAPITULO XLI
De como os selvagens foram para a
guerra e me levaram

Quatro dias depois reuniram-se no porto as canôas que iam para a guerra, vindo tambem o grande chefe Cunhambebe com os seus guerreiros.

O meu dono disse-me então que eu os acompanharia.

Roguei-lhe que me deixasse na taba, e talvez que Ipirú-guaçú concordasse nisso se Cunhambebe não interviesse determinando que eu fosse.

Não deixei transparecer a minha contrariedade, imaginando que se fingisse ir de bom grado talvez se dispensassem de grandes cautellas commigo e eu pudesse fugir ao chegar em terra tupiniquim.

A expedição compunha-se de quarenta e tres canôas, tripuladas com vinte e tres homens cada uma. E como tinham tomado bons augurios dos seus idolos e dos sonhos, achavam-se todos muito bem dispostos. A intenção dos expedicionarios era dirigirem-se á Bertioga pelas immediações do local onde me capturaram; ahi esconder-se-iam nas mattas vizinhas e aprisionariam a quantos pudessem.

Partimos a 14 de Agosto de 1554, mez em que um peixe, chamado pelos portuguezes tainha e pelos da terra parati sobe do mar para agua doce, afim de desovar. Os selvagens chamam a isso piracema. Tanto os tupinambás como os tupiniquins costumam sahir á guerra por este tempo, pois a apanha do peixe lhes permitte alimentarem-se durante a expedição.

Eu contava que tambem os tupiniquins já estivessem em marcha, pois soubera pelo navio portuguez que andavam elles em aprestos.

Durante a viagem os indios perguntaram-me varías vezes o que eu pensava da expedição e se esperava que fossem felizes.

Está claro que respondi affirmativamente; do contrario encolerizar-se-iam commigo. Tambem lhes predisse que os inimigos tupiniquins viriam ao nosso encontro.

Uma noite de muito vento apanhamos numa praia, que tambem se chamava Ubatuba, grande quantidade de tainhas. Ahi os indios conversaram commigo longamente, indagando de muita coisa. Em certo momento referi-me ao vento e disse-lhes:

— Este vento passa sobre muitos mortos!

Havia no mar uma outra porção de selvagens, descidos do rio Parahyba.

— Sim, responderam; estes que alli estão atacaram os inimigos em terra e muitos pereceram.

Mais tarde verifiquei que assim havia succedido.

Chegados a um dia de viagem do porto a attingir, arrancharam-se os indios numa ilha que os portuguezes chamam de S. Sebastião e os da terra Maembipe. A' noite Cunhambebe appareceu no acampamento e falou que eram chegados ás fronteiras do inimigo, e que, portanto, todos procurassem ter sonhos felizes e conserval-os na memoria para se guiarem.

Concluida a fala, os selvagens puzeram-se a dançar em honra dos seus maracás até tarde da noite. Depois foram dormir.

Quando meu dono, Ipirú-guaçú, deitou-se, não esqueceu de recommendar-me que tivesse bons sonhos.

Respondi que não me importava com os sonhos, pois eram sempre falsos.

Então, disse elle, pede a teu deus que aprisionemos muitos inimigos.

Ao raiar do dia reuniram-se os chefes em torno de uma panella de peixe frito, e emquanto comiam contaram uns aos outros os sonhos mais agradaveis. Alguns ainda dançaram em honra dos seus

idolos. Depois foi resolvido entrar nesse mesmo dia na terra dos tupiniquins, por um lugar chamado Boissucanga, onde esperariam que anoitecesse.

Sahindo de Maembipe perguntaram-me outra vez o que eu pensava da expedição.

Respondi ao acaso que tivessem coragem, pois em Boissucanga iriamos encontrar os inimigos.

Era minha intenção fugir em Boissucanga, distante apenas seis leguas do sitio onde me capturaram.

Proseguimos em nossa rota e perto de Boissucanga vimos de trás de uma ilha algumas canoas que vinham para nós.

Os tupinambás gritaram logo:

— Ahi vem os nossos inimigos tupiniquins!

Comtudo quizeram occultar-se atrás de uns rochedos para que as canôas inimigas passassem de largo. Mas os tupiniquins os perceberam e viraram de bordo, rumo á sua terra.

Então se lançaram contra elles os nossos a toda força dos remos, durante quatro horas. Alcançaram-nos.

Eram cinco canôas cheias, todos da Bertioga. Conheci-as logo. Numa estavam seis mamelucos, entre os quaes dois irmãos Braga, Domingos e Diogo. Resistiram os dois heroicamente, um com a zarabatana e outro com o arco. Resistiram durante duas horas a trinta canôas nossas. Quando se exgottaram suas flechas, os nossos deram-lhes em cima, capturando a uns e matando a outros.

Os irmãos Braga não foram feridos, mas dois dos mamelucos o ficaram bastante, o mesmo succedendo a alguns dos tupiniquins, entre os quaes havia uma mulher.

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.