Meu Captiveiro entre os Selvagens do Brasil (2ª edição)/Capítulo 42

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CAPITULO XLII
De como foram tratados os presos
na volta

Finda a refrega os expedicionarios cuidaram de regressar o mais depressa possivel ao porto de pernoite, que era Maembipe. Lá chegamos á tarde com o sol já a entrar. Os prisioneiros foram levados para as cabanas dos apresadores; quanto aos feridos, logo depois do desembarque os mataram alli mesmo, cortando-os em pedaços e assando-os.

Entre esses trucidados havia dois mamelucos christãos; um chamava-se Jorge Ferreira e era filho de um capitão portuguez com uma india; o outro tinha por nome Jeronymo.

O cadaver deste coubera ao indio Paraguá, morador da cabana em que eu residia. Paraguá assou a carne de Jeronymo á noite, a um passo distante do ponto em qu eu me achava deitado. Este infeliz mameluco era parente de Diogo Braga.

Nessa mesma noite, depois que os indios acamparam, fui á choça onde os indios conservavam os dois irmãos prisioneiros, ambos meus conhecidos da Bertioga. A primeira pergunta dos infelizes foi se iam ser devorados, ao que respondi que isso ficava

á vontade do nosso Pae Celeste, no qual os aconselhei que tivessem fé, pois estavam vendo como Deus me ia conservando entre os selvagens.

Indagaram depois do que havia acontecido ao seu primo Jeronymo.

— Já está assado, respondi. E tambem com estes olhos os vi comerem o filho do capitão Ferreira.

Ouvindo tão crua nova, não puderam os dois irmãos conter as lagrimas.Procurei consolal-os, contando que iam em oito mezes que eu lá estava e, pois, houvessem esperança.

— O mesmo fará Deus comvosco, se confiardes delle. Eu de mim me dôo mais que vós desta miseria, porque sou de uma terra extranha e desaffeito aos horrores desta gente; mas vós, que aqui nascetes e fostes creados, não vos devieis espantar do costume da terra.

— Estaes, responderam elles, estaes com o coração endurecido pela vossa propria desgraça e não podeis nos lastimar...

Nisto chamaram-me os selvagens da minha cabana, para indagar da conversa em que eu estava com os prisioneiros. Senti deixal-os, e por despedida ainda os confortei, aconselhando-os a se entregarem á vontade de Deus, pois que este mundo era um valle de lagrimas.

— Nunca o verificamos tanto como agora! foram as ultimas palavras que lhes ouvi.

Ao deixar a cabana atravessei todo o acampamento e vi os demais prisioneiros.

Ia sozinho, nenhum selvagens me guardava e poderia ter fugido por que estavamos a umas dez leguas da Bertioga. Não o fiz por amor dos prisioneiros. Se fujo, reflecti, zangam-se os indios e logo os matam; se fico, talvez Deus nos preserve a todos. Assentei de ficar, ao menos para consolar os infelizes.

Os selvagens mostraram-se muito satisfeitos commigo por haver predito que o inimigo viria ao ao nosso encontro e me declararam melhor propheta que os seus maracás.

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.