Mistério do Natal/IX

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Maria caminhava em silêncio, pensando naquela mãe que, repentinamente, passara da maior desventura à maior felicidade pelo prestígio das lágrimas misericordiosas.

- O pequenito dormia e a pobre mãe tinha-o por morto. Foi bastante que eu lhe tocasse para que logo abrisse os olhos.

- É que o despertaste, disse o patriarca sem aludir ao prodígio que testemunhara.

Ele ia notando, com discreta reserva, todas as maravilhas que se realizavam à passagem da Virgem; ribeiros que sustavam o curso oferecendo o leito enxuto para a travessia; árvores que se cobriam de flores, carregavam-se de frutos vergando generosamente os galhos; vozes que murmuravam; veios límpidos que rebentavam das pedras e, durante os curtos sonos da donzela não lhe passavam despercebidos anjos que rondavam em torno dos bosques pisando, de leve, os caminhos aveludados.

A mais e mais se lhe firmava n’alma a certeza de que as palavras que ouvira em sonho haviam sido pronunciadas por um mensageiro do céu.

Aquela era, em verdade, a eleita da Divina Graça, a Virgem pura de Judá, da qual devia nascer o Messias das gentes.

Ele acompanhava-a, não como esposo e sim como servo, adorando-a de joelhos quando a via adormecida.

Ela ignorava tudo. Sabia apenas que era mãe porque sentia no seio os movimentos do Ser Perfeito, no qual concentrava todo o seu amor.

Já lhe crescia o colo, pesando, arredondado e túrgido.

O amor preparava o alimento para aquele que se nutria de mistério.

- As mães sofrem tanto pelos filhos!... O amor das mães é como a rosa que cresce entre espinhos. Praza aos céus que meu filho não sofra enquanto for pequenino.

As crianças não falam, não atinam a indicar onde lhes punge a dor, de sorte que a gente não sabe como as há de aliviar quando sofrem.

- As mães adivinham.

- São tão fracas as criancinhas que tudo é perigo em torno delas. Tremo quando penso no meu pequenino filho que vai nascer, tão franzino e tão pobre. Onde o agasalharemos nós?

- Entre os nossos braços, como os pássaros resguardam o ninho entre os ramos.

- E o frio?

- Temos o nosso calor.

- E a fome?

- Os peitos maternos são dois celeiros sempre cheios.

- Haveis de amá-lo, senhor, e ajudar-me enquanto ele carecer de nós?

- Por ti, por Ele, por todos, disse José enlevado.

Chegavam a um bosque de tamareiras, onde havia uma cisterna cercada de musgo.

Um velho cego repousava à sombra, ouvindo cantar uma criança que brincava sentada nas folhas secas.