O Livro de Esopo/O leão e o pastor que lhe tira do pé uma espinha
[Fl. 19-r.][P]om emxemplo este doutor e diz que, amdamdo hũu lleom sseu camynho, entrou-lhe hũa espinha no pee; e este liom, amdando muy tribulado com esta espinha pella mata, encontrou-sse com hũu pastor que guardaua guaado. Ho pastor ouue gram medo quando vyo o lleom, e tomou hũu carneiro e pose-o d’auante o lleom: ho lleom nom lh’o quys tomar, e mostraua-lhe ho pee omde tijnha a espinha, e rrogaua ao pastor que lh’a tirasse. E o pastor tomou hũa ssouella, e tirou-lhe a espinha e muyto uurmo que ja trazia. Ho leom lanbia a mãao a este pastor.
Depoys que o lleam sse ssentio ssãao, ssenpre o acompanhou; e quando avia talamte de comer, amdaua a caçar das alimarias aa ssilua; e como auia sseu mantijmento, tornaua-sse ao pastor. Em tall guysa lhe guardaua sseu gaado, que llobo nem outra anymalia nom lhe fazia dapno; e com todo esto o leom escpreueo[1] muy bem no sseu coraçom o seruiço que lhe o pastor fezera.
E d’emde a poucos dias ffoy tomado aquele liom em hũu laço e foy posto em Rroma com outros liõoes. D’aly a çerto tempo o pastor fez hũu maleficio; e mamdou a justiça que o metessem com os liõoes, que o matassem: e ffoy posto amtre elles. /[Fl. 19-v.] O leam a que ell tirára a espinha ho conhoçeo e chegou-sse a elle e andaua-o lanbendo e defendia-o dos outros lleõoes que lhe nom fezessem mall. Veemdo os senadores[2] esta maravilha, forom muyto espantados, e por esto perdoarom a morte ao pastor.
Em este emxemplo este poeta nos dá emssinamemto que per pequeno nem gram tempo nom nos deuem d’esqueeçer os seruiços rreçebydos, mays ssenpre os deuemos teer no coraçom e dar bom gualardom aaquelles que nos boos seruiços fezerom. Mas aquell que boo he, assy ffaz; o que maao he, depoys que rreçebe o seruiço, nom sse quer lenbrar d’aquell de que[3] rreçebeo boas obras. Mas o leom, porque he nobre, lenbrou-sse da boa obra que lhe o pastor fezera, e deu-lhe boo galardom.