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O Piolho Viajante/XLV

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O amigo do tutto il mondo roeu a corda ao mestre de espada porque, em poucos dias, pôs-se a andar. Mandou-o chamar na véspera e disse-lhe estas razões:

— Meu rico patrício, amigo e quase parente. Eu não teria incómodo algum em lhe dar três ou quatro mil cruzados para princípio do seu estabelecimento, pois quem se recolhe à sua pátria com o melhor de trezentos, nenhuma diferença lhe faria tão pouca coisa. Mas como sou verdadeiramente seu amigo, tenho resolvido não só não lhe dar nada mas até mesmo não o recomendar a ninguém por não fazer a sua infelicidade. Porque vossemecê não sabe o que é a gente fiar-se em dinheiro ou em protecções. Não faz caso de mais nada, descansa e, por fim, nada adquire. As avessas aquele que se vê sem meios alguns de subsistência porque não dorme a excogitá-los, até acertar. Tal me sucedeu a mim e tal sucederá a vossemecê. E por isso me vejo hoje no estado em que me vejo, que é o da independência, um, certamente, dos melhores que conheço, tendo, aliás, conhecido muitos. Além de tudo isto, vossemecê está numa bela terra porque aqui há muita preguiça e, por consequência, muito pouca indústria. Não se olha mesmo para o necessário e por isso morre muita gente de fome que podia morrer de fartura se usassem dos braços que Deus lhes pôs no corpo que, bem se deixa ver, foram para trabalhar. E em vez de com eles abrirem a terra para adquirirem o sustento, pisam-na com os pés e deitam-se em cima dela, até que ela, cansada de os sofrer, os cobre.

Deu-lhe um abraço e nunca mais o vimos.

O mestre de florete ficou passado sem ter tempo de reparar o bote. E vendo-se, com efeito, como o outro lhe pintou, entrou a pensar no modo como havia de obter de comer. A terra com efeito, era boa. O outro não o enganou e todos gostam de aprender. O que não lhes importa é ficarem sabendo. Mas cada um deve fazer a sua diligência e ninguém está a mais obrigado. Anunciou-se na gazeta e, em vinte regras, disse que ensinava florete. Alugou uma loja que tinha uma pequena casa e, tão pequena que, postos os dois floretes um contra o outro, estava a casa tomada. Começou a dar as suas primeiras lições com muita fortuna, porque concorreram muitos discípulos. Mas era galante coisa ver dar as lições, porque a casa, como já disse, sendo muito curta e o mestre muito comprido, o discípulo sempre ficava da banda da porta. Quando o mestre estendia a perna para dar o bote, o discípulo recuava e saía pela porta fora. Houve muitas bulhas por amor disto, porque às vezes vinham dar encontrões em quem passava e aconteceu ali uma história muito grande. Num arrecuamento destes, pisou um dos discípulos o pé a um burro de uma Senhora que passava, a qual tomou o caso a peito e esteve ele em vésperas de ser preso por causa do atentado. Mudou-se, então, para um primeiro andar e logo por entrada teve um benefício porque a este beneficiado não lhe eram proibidas as armas e rendeu-lhe menos mal. E dentro de ano e meio já contava mais dinheiro que todos os discípulos. Tinha botes muito particulares. Teve, uma vez, a habilidade de dar um bote na bolsa de um velho cujo filho ensinava e lhe tirou quase o sangue todo. Mas o rapaz ficou adiantadíssimo e jogava o florete como o melhor mestre. Houve ali, uma ocasião, umas histórias na rua. Saiu ele com o seu chanfalho e o que valeu aos outros foi cair-lhe o florete da mão e socarem-lhe muito bem as ventas. Que se não é isso, três ou quatro não lhe faziam papo e, ao menos, cinco ficavam ali estirados. Mas não eram senão dois. Além de saber bem o jogo, tinha coração e era rapaz muito desembaraçado. Também tivemos outro discípulo que não saiu mau no atirar à muralha. Tinha um golpe seu (creio que era de nascença) que, para o dar, punha-se em figura de cágado. Era um gosto vê-lo. Este também teve umas histórias com um amigo, por amor de uma preta que vendia favas. Desafiaram-se. O Doutor não sabia nada do jogo, entrou a dar-lhe a torto e a direito. Cá o nosso discípulo, tudo era requerer-lhe que fizesse jogo. Mas o que sabia, fez todas as vazas, de forma que o nosso não via bóia e ficou moído como azeitona em lagar. Mas porque o fez ele? Porque era um tolo. Se ele soubesse o jogo, havia de levar para o tabaco, mas entrou a dar sem mais nem menos, sem ordem, sem tempo, sem passos competentes, sem conhecer os perigos. Numa palavra, os tolos é que escapam.

Ali houve também outro discípulo que não saiu mauzinho e a primeira briga que teve foi com o pai, por não lhe querer dar uma prenda de anos a uma Senhora lá da sua veneração. Este saiu valente como as armas. Uma noite deu em todos da casa e até dava na vizinhança se não aparece um que lhe fez encontro e que lhe tocou à chamada, no corpo, como o mais hábil tambor.

Enfim, o mestre estava satisfeito porque o ofício dava de si e a mania do país era aprender, já se sabe, como eu já disse, sem ficar sabendo. Aparecia por ali uma mulher a quem ele entrou a fazer o seu pé-de-alferes e eu pus-me logo à espreita. Porque se aquele negócio dava em casar, eu logo na rua. O que assim sucedeu. Tínhamos ali, por vizinho, um homem com quem ninguém queria ter negócios porque diziam que era um refinado velhaco. Morava por cima e, quando descia e nos encontrava, tirava o chapéu porque, ainda que velhaco, era cortês. Como eu vi que o casamento se ia aproximando, uma manhã saí pela cama fora e fui pôr-me à janela. Quando o tal velhaco desceu e ia passando por baixo, deixei-me cair e acertei-lhe sobre um ombro. Fui-lhe à cabeça e fiz-lhe a carapuça XLVI.