O Vaqueano/V
Pálida e triste ergueu-se a lua.
Entranharam-se na serra.
A fera continuava a estrugir a restinga em pouca distância.
Os cães que a farejaram pressentiam-na.
Estava entre dois galhos que se bifurcavam no cimo de um pé de angico.
Seus olhos fulgiam no obumbramento da floresta como dois carbúnclos.
O sítio apresentava um raleiro de mato, tendo ao lado do angico duas timbaúvas gêmeas, despojadas da folhagem pela bafagem do inverno.
Apenas descoberta, Manduca levou a arma ao ombro; o vaqueano abateu-a, observando.
- Não te pertence, o combate é só comigo.
E galgando uma das árvores fronteiras com a rapidez duma irara foi postar-se em face da alimária cerval, disposta a vender bem cara a vida.
Manduca sentiu calafrios correrem-lhe os membros, vendo o perigo em que se achava o companheiro, ergueu de novo a arma maquinalmente e um tiro reboou. Mas a pontaria feita no meio da cabeça foi ferir uma orelha do animal por culpa do charrua, que pusera a mão, gritando:
- Deixa o vaqueano, homem! Ele sabe o que faz.
A onça soltou um rugido, uma medonha berrançada, diapasão da sanha, fúria e vingança.
Ia saltar sobre o grupo, que já tomava a defensiva. Avençal arrimou o corpo a um galho a prumo, tendo os pés apoiados em dois outros horizontes. Tinha a manica das bolas na mão direita e estas pousadas no peito do pé.
O animal firmava-se para formar o tranco.
Ia devorar a distância. Uma das bolas, impelida pelo pé, sibilou como uma serpe, cruzou o ar como um corisco e bateu-lhe na paleta, no momento de saltar. A fera raivou com a pata suspensa, vacilou, firmou-se nos jarretes que lhe ficavam intatos, endireitou para o moço, rompeu o espaço do angico para a timbaúva. Em meio, antes de atingi-lo, foi um turbilhão. A outra bola célere partiu, alcançou-a, fracassou-lhe as mandíbulas, e ela caiu no chão entre o grupo atônito dos outros soldados.
Avençal, sobraçando a arma fulminante, murmurou consigo:
- Matei-a por defendê-los. Eu devia vir sozinho.
Súbito um vulto deslizou na penumbra. Parecia um réptil. Ergueu-se junto ao canguçu, se debatendo em horríveis vascas, e cravou-lhe uma faca no coração até o cabo.
O movimento foi tão presto que os aventureiros estatelaram. Quando saíram desse estado, torpor d'alma e dos sentidos, estavam presos. Um círculo de índios guaicanã rodeava-os.
- Amarrem - estrugiu uma voz de estentor.
- Moisés! - exclamou o vaqueano.
- Quem me chama?
- José, não te lembras?
- Avençal! - disse e em pouco os dois homens se abraçavam com profunda emoção.
Seus olhos manejavam copioso pranto. Os corações estreitados pulsavam com veemência. Não lhes foi possível articular mais uma palavra.
É que os sentimentos enérgicos, quer de júbilo, quer de pesar, sonegam na laringe as prolações que poderiam traduzí-las.