O carro nº 13/V
Era Luís Marcondes que chegava da Europa.
— Que é isto? já de volta? perguntou-lhe Amaro.
— É verdade; para variar. Eu é que me admiro de achar-te na corte, quando já te fazia na fazenda.
— Não, não fui à Soledade depois que voltei; e vais espantar-te da razão; vou casar-me.
— Casar-te!
— É verdade.
— Com a mão esquerda, morganaticamente...
— Não, publicamente, e com a mão direita.
— É assombroso.
— Dizes isso porque não conheces a minha noiva; é um anjo.
— Então dou-te os meus parabéns.
— Hei de apresentar-te hoje. E para festejar a tua chegada jantas comigo.
— Sim.
À mesa do jantar, Amaro contou a Marcondes a história das cartas; e leu-lhes ambas.
— Bravo! disse Marcondes. Que lhe respondeste?
— Nada.
— Nada! És um grosseirão e um tolo. Pois uma mulher escreve-te, mostra-se apaixonada por ti, e tu nada lhe respondes? Não fará isso o Marcondes. Desculpa se te falo em verso... O velho Horácio...
Estava iminente um discurso. Faria, para atalhá-lo, apresentou-lhe a lista, e Marcondes passou rapidamente do velho Horácio a um assado com batatas.
— Mas, continuou o amigo de Amaro, não me dirás por que motivo lhe não respondeste?
— Eu sei lá. Primeiramente porque não estou acostumado a esta espécie de romances vivos, começando por cartas anônimas, e depois porque vou casar...
— A isso respondo eu que uma vez é a primeira, e que o ires casar não impede nada. Indo daqui para Botafogo, não há motivo nenhum que me impeça de entrar no Passeio Público ou na Biblioteca Nacional... Queres tu ceder-me o romance?
— Isso nunca: seria uma deslealdade...
— Pois então responde.
— Mas que lhe hei de dizer?
— Dize-lhe que a amas.
— É impossível; ela não pode acreditar...
— Pateta! disse Marcondes pondo vinho nos cálices. Dize-lhe que a simples leitura das cartas te puseram a cabeça a arder, e que já sentes que hás de vir a amá-la, se já não a amas... e neste sentido escreve-lhe três ou quatro laudas.
— Então achas que eu devo...
— Sem dúvida alguma.
— Para falar a verdade eu tenho certa curiosidade...
— Pois avante.
Amaro escreveu nessa mesma tarde uma carta concebida nestes termos, que Marcondes aprovou integralmente:
Senhora. — Quem quer que seja, é uma alma grande e um coração de fogo. Só um grande amor pode aconselhar um passo destes tão arriscado.
Li e reli as suas duas cartas; e hoje, quer que lhe diga? penso nelas exclusivamente; fazem-me o efeito de um sonho. Eu pergunto a mim mesmo se é possível que eu inspirasse tal amor, e agradeço aos deuses o ter-me demorado aqui na corte, pois que tive ocasião de ser feliz.
Na minha solidão as suas cartas são um íris de esperança e de felicidade.
Mas eu seria mais completamente feliz se pudesse conhecê-la; se me fosse dado vê-la de perto, adorar sob a forma humana este mito que a minha imaginação está criando.
Ousarei esperá-lo?
É já grande atrevimento conceber semelhante idéia; mas espero que me perdoará, porque o amor perdoa tudo.
Em qualquer caso, fique certa de que eu sinto-me com forças para corresponder ao seu amor, e adorá-la como merece.
Uma palavra sua, e ver-me-á correr por entre os mais insuperáveis obstáculos.
A carta foi para o correio com as indicações necessárias; e Amaro, que ainda hesitou no momento de mandá-la, dirigiu-se à noite para casa da noiva em companhia de Luís Marcondes.