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A esperança
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nha cólera. Adeus menina. Vejo que tem honra. Deus a proteja.

E elle deitou a mão ao chapeu e tornou a subir.

A donzella entrou no sotão. Sua mãe dormia ainda d'um somno agitado e afflictivo. Maria Isabel não sabia se devia acordal-a. Aproximou-se-lhe mansamente.

― Minha filha, murmurava ella anciada, minha filha!... Não m'a roubem!.. é a minha unica riqueza... Não tenhoa mais nada... mais nada... nada!..

― Minha boa mãe! disse Maria Isabel curvando-se para ella.

Maria Carlota acordou e olhou com vistas espantadas em volta, exclamando:

― Onde estamos?... Isto que é?...

Não se lembrava de que sonhára, nem da realidade. Depressa se recordou das suas desgraças, e abraçando sua filha disse entre soluços:

― Oh! minha querida Isabel! se Deus nos levasse ambas para si n'este momento!...

No entanto que havia feito Maximino? Pegára nas contas que seu pai lhe déra e quiz obedecer-lhe, mas não via os algarismos. Olhava a todo o momento para seu pai, que estava pendido sobre o corrimão. De repente vira-o descer. Sobresaltou-se, e correu a prostrar-se no observatorio que abandonára seu pai. E, sem se lembrar da inconveniencia da acção, fez-se espião, como sempre o fôra primeiro[errata 1]. Quando o viu tornar a subir, afastou-se um pouco, mas não muito.

― Que fazes aqui? disse o ancião. Fizeste as contas?

O mancebo, incapaz de mentir, respondeu córando:

― Fal-as-hei em casa, meu pai. E' abominavel o que aquelle ricaço queria fazer. Seduir uma innocente e infeliz menina com a capa la beneficiencia!...

― E que importa isso ao snr.? Essa cabeça anda sempre a juros!... mas não rende nada! Aonde está uma rapariga, sobre tudo se tem bonitos olhos, ficas tu sem saberes de que freguezia és.

― Não sei em que mereço essa reprehensão. Meu pai não foi tambem avisar a infeliz da cilada que lhe preparavam?

― Isso é differente!... não sei mesmo se ela tem lindos olhos, ou, se o sei, é pelo ouvir dizer ao conhecedor do genero. Avisei-a, por conhecer que cahia por ignorante. Se não fosse isso, não me intrometteria aonde não era chamado. Pertendo só governar meus filhos. E a proposito, quero dizer-te o que é bom que saibas. Se o que fez aquelle senhor, que não é preciso nomear, o fizesses tu, cortava-te as orelhas. Entendes?

― Eu, replicou o moço com respeitosa dignidade, não tenho os costumes de...

― Basta! Já disse que não era preciso nomear ninguem: as paredes tem ouvidos.

― Mas peço-lhe, meu pae, que me não faça a injuria de me comparar nunca com um devasso endinheirado.

― Está bom, está bom! O teu porte é que me ha-de dizer com quem te hei-de comparar. E agora rua! O snr. não tem aqui nada que fazer.

O mancebo abaixou a cabeça e desceu. Já todos os curiosos, e a maior parte dos interessados, tinha saido. Maximino ao passar pela porta do sotão suspirou. Queria deter-se para ouvir o que se passava dentro, mas pareceu-lhe que seu pae estava no logar d'observação, e seguiu seu caminho sem fazer uma ligeira pausa.

  1. Correcção: fez-se espião, como sempre o fôra primeiro deve ler-se fez-se espião, como seu pae o fôra primeiro: detalhes