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A esperança

 


Curvado tinha o suplice joelho,
Tinha os olhos no céo, em oração,
Com lagrimas e ais a Deus pedindo
D'enormes crimes paternal perdão.

Cilicio duro a cinta lhe cingia,
Era a terra seu leito, e recostava
Em riga pedra a fronte calva e nua,
Eram os céos o tecto que o guardava!

Comia duro pão, mal saboroso
E no ribeiro enchia a bilha d'agua
Para a sede febril refrigerar
Da penitencia em meio d'essa fragua!

D'estio o sol em aridos rochedos,
D'inverno a tempestade desabrida,
Acolher-se não fazem ao er'mita,
A mesquinha choupana, a uma guarida!

Finda a longa oração e quer erguer-se;
Mas em vão o tentou mais que uma vez;
As forças já exhaustas lhes fallecem,
Do moribundo tinha a pallidez.

No coração do Bardo não entrára
Ha muito de piedade um sentimento;
Mas ao ver espectac'lo tão pungente,
Sentiu enternecer-se n'um momento;

E junto ao ancião presta-lhe auxilio,
Ajudando-o na rocha a recostar
E o velho agradecido lhe pediu
Para a seu lado um pouco descançar.

Eremita

Mancebo, que revez, que caso estranho,
A um ermo te guiou entre os abrolhos?!
Dous lustros são passados, sem jámais
Aqui mortal algum verem meus olhos!

Ah! talvez te guiasse a providencia,
Para affagares o ultimo momento
D'aquelle que mer'ceu por crime enorme,
Vida d'expiação e de tormento!..

Eis do mortal o instante mais solemne!...
Da eternidade á beira eis-me chegado!...
Sinto necessidade de conforto,
D'ouvir de puros labios innocentes/
Dizer-me: eu te perdo-o ah! morre em paz!
Os ministros de Deus, d'aqui são longe;
Que importa? pódes tu tambem como elles,
D'um peccador ouvir a confissão;
Talvez inda mais pura essa tu'alma
op Possa em nome do céo já absolver-me...
E não fujas ó joven quando ouvires do
De meus erimes a historia pavorosa!
Lembre-te que a oração, jejuns, cilicios,
A Deus tenham talvez apaziguado...



E nos olhos do bardo duas lagrimas
Brilharam ao clarão da argentia lua,
E commovido já o er'mita alfaga,
Entre as mãos l'estreitando a dextra sua.

Bardo

Ancião, mitiga a dòr narrando a historia,
D'essa vida d'outr'ora criminosa;
Não me fará tremer; tenho provado
Dos homens a maldade, o vil engano!
Victima d'ambições e de seus crimes,
Vive vida de magoa n'este exilio;
Odeio-os e seu halito pestifero
A seu lado aspirar jamais eu quere!
E que terá no mundo que buscar
Quem parentes, amor, patria perdeu ?