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A esperança
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desgraça com resignação. Não ha tantos desgraçados no mundo?.. Deus não quer que nos revoltemos contra os seus decretos. Tenhamos paciencia nas afflições, e seremos menos desditosas.

― Resignação!.. Paciencia!.. exclamou a mãe torcendo os braços. Não sabes o que dizes, Maria Isabel!.. Pedes impossiveis!.. Póde-se ter resignação e paciencia na desventura, mas na vergonha!.. na deshonra!.. e quando a consciencia nos diz que temos alguma parte na causa que nos mergulha n'ess abysmo!.. Tu, minha filha, poderás encarar o abysmo sem horror: não foste tu que o profundaste; mas eu!.. eu?!.. Eu, esposa louca, mãe imprevidente, dona de casa perdularia?!..

― Minha mãe, socegue!

― Socegarei na campa. Só lá!.. Tu pódes chorar serena, Maria Isabel, e poderás consolar-te: eu nunca!.. Não me interrompas... não pretendas deter a expansão da minha angustia e da minha cólera contra os auctores de teus desgraçados dias. Deixa-me desabafar! Perdôa, filha, perdôa a tua mãe; ou não!.. amaldiçôa-me e foge de mim! Tu tens uma alma simples, um coração humilde, gostos singelos... Não sais a teus malfadados paes!... Não te pareces comigo. Eu fui altiva e orgulhosa da minha opulencia, da minha formosura e do fausto que me cercava. Casei com muita alegria; não por amar teu pae, mal o conhecia, mas porque elle passava por muito rico, e porque mostrava um gosto decidido pelas grandezas. A sua união comigo fez-lhe desenvolver mais e mais o seu amor pelo luxo.

― Minha querida mãe....

― Ambos cavavamos o abysmo da miseria e ignominia em que hoje nos achamos.

― Mas, minha rica mãe....

― O remorso não me deixará nunca ter socego!.. Concorri para a nossa desgraça!.. para a tua, infeliz!.. para a tua, que gemes a meus pés como se fosses tu a criminosa.

― Attenda-me, minha mãe. Não foi culpada... Ignorava o estado da nossa casa. Disse ha pouco que meu pae não lhe communicava nada sobre o mau estado dos seus negocios....

― E' verdade!... Foi essa uma falta que me cegava... que me deixava continuar a ser perdularia. Mas misera de mim! devia saber que o desperdicio é sempre um mal: que o luxo excessivo póde abalar a casa mais solida. E mesmo quando a riqueza chegue para tudo, não será um crime gastar em futilidades o que podia sustentar muitas familias?.. Ah!.. e de que serviu esse enorme gasto que fiz para brilhar mais que as outras? Não serve de mofa tudo isso aos que primeiro deslumbrei? Que vaidade tão doida!

― Minha mãe, como não sabia que estavamos mal... como se suppunha ainda rica, tem desculpa...

― Não!.. não tenho desculpa! Teu pai fez comtudo muito mal em me occultar a verdade. Se eu a soubesse... Mas o desgraçado sorria quando me via fazer despesas enormes... E quanto não havia de soffrer interiormente! O miseravel assentou de conservar, emquanto podia, a mascara, e quando a viu prestes a cair-lhe, fugiu... Foi fraco depois de ter sido imprudente e louco... Dizem que foi peor que tudo isso... que foi ladrão!.. Que vergonha!.. Que vergonha!..

E a infeliz cobriu o rosto com as mãos. Pouco depois continuou com o rosto ainda coberto:

― Todos o hão-de injuriar... Eu sou a unica que devo perdoar-lhe... Fui a companheira de suas primeiras faltas... Concorri para a sua perda... Tu é que não pódes perdoar a teus paes... Legam-te a miseria... a deshonra... a ignominia... a vergonha!...