Pensar é preciso/XI/Choque de civilizações: totalitarismo e fundamentalismo

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Choque de civilizações: totalitarismo secular e fundamentalismo religioso.

A sociedade humana passou por diversos ciclos de cultura, que a levaram a profundas transformações: nômade, agrícola, guerreira, comercial, industrial. Atualmente vivemos na era da globalização, sob a égide de uma tecnologia de ponta que, por um sistema rápido de informação, aproxima civilizações muito diferentes, mostrando o requinte do luxo ao lado da extrema miséria. O polêmico historiador norte-americano David Landes, no seu livro A Riqueza e a Pobreza das Nações (1998), retoma, de uma forma mais ampla e fora do conflito religioso, a tese já clássica de Marx Weber (1864-1920), exposta na famosa obra A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo.

Para os dois estudiosos, a disparidade de crescimento entre os diversos países dos cinco continentes tem como causa fundamental a falta de cultura e de espírito de trabalho. A análise histórica da decadência de civilizações outrora florescentes (Egito antigo e Islamismo medieval, por exemplo) apresenta como elementos determinantes a política absolutista, o baixo nível do ensino público, a projeção da felicidade humana no além-túmulo, a falta de liberdade e de democracia, o espírito quietista e contemplativo. Os países que evoluíram foram os que conseguiram superar as tradições fundamentadas na crença em deuses e soberanos, investindo maciçamente na educação laica e no avanço científico.

O espírito de liberdade e de democracia levou à formação de nações economicamente sólidas: USA, Japão, Alemanha e outros países europeus. A história nos ensina que só uma forte cultura laica e democrática pode levar a um desenvolvimento social e artístico duradouro por atingir a grande massa de um povo. E nenhuma nação pode propiciar felicidade a seus cidadãos, se estiver circundada por povos economicamente subjugados, pois seu poderio absoluto vai semear ódio e vingança, provocando guerras e terrorismo. O lado positivo da globalização (aumento da riqueza mundial e avanço tecnológico) é prejudicado por aspectos negativos: doenças que surgem em regiões subdesenvolvidas logo se espalham, tornando-se pandemias; um maior fluxo de emigrantes que, abandonando regiões miseráveis, invadem países mais progressistas, causando desemprego e conflitos étnicos. Sem falar das crises econômicas mundiais que sempre atingem mais fortemente povos e classes sociais mais pobres, pois os poderosos costumam somar lucros e dividir prejuízos.

É preciso entender que ninguém pode ser feliz no meio da miséria. O pesquisador americano Samuel Huntington, pelo influente livro O Choque das Civilizações, publicado em meado dos anos 90, é considerado o profeta da era atual. Parece que ele previu o desastre de 11 de setembro de 2001, quando o terrorismo islâmico derrubou as Torres Gêmeas de Nova York, ao escrever que haveria um choque iminente entre o Ocidente avançado e o mundo muçulmano que parou no tempo. Ele considera a civilização ocidental como a mais progressista, pois fundamentada em princípios sólidos, herdados das instituições constitucionais que se sucederam à Revolução Francesa (1789): democracia liberal, mercado livre e forma de governo laico.

Através do processo de Globalização, a civilização norte-americana tenta impor sua cultura (e seu mercado!) aos outros povos. O exemplo bem sucedido foi o milagre da Comunidade Européia. Mas, no mundo africano e asiático, a missão é mais difícil pelo apego a tradições religiosas milenares. A história nos ensina que todo regime teocrático é “involutivo”, pois qualquer tipo de “fundamentalismo”, sendo dogmático, é fixo e retrógrado, impedindo o avanço científico e o melhoramento humano. A religião islâmica está causando o mesmo estrago no Oriente Médio (talvez pior, por ser mais violento) do que a religião católica na Idade Média européia. Tanto atraso acaba ofendendo a inteligência humana. Não é preciso demonstrar que o fanatismo religioso, de qualquer credo, é a perene causa da guerra, da injustiça, da miséria, da ignorância, da escravidão moral e econômica de um povo. Deus está muito bem lá no Céu, mas quando desce na Terra e assume o poder público pelas mãos (ou lábias!) de bispos, pastores, talibãs ou aiatolás, é uma desgraça cívica, na certa!