Peregrinaçam/XIII

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AO tempo que Pero de Faria chegou a eſta fortalcza de Malaca, eſtaua nella por Capiraõ dom Eſteuão da Gama, & eſteue ainda algũs dias ate acabar o ſeu tempo, porem como Pero de Faria era Caprtão chegado de nouo, & que ainda então começaua o ſeu tẽpo, deſpois de auer algũs dias que era chegado à fortaleza, os Reys comarcaõs della o mandaraõ viſitar por ſeus Embaixadores, & darlhe o.s parabẽs da ſua capitania, com offerecimentos de muyta amizade &cõſeruação de pazes com el Rey de Portugal, entre os quais veyo hum del Rey dos Batas, que habita na ilha Çamatra da parte do Oceano, onde ſe preſume que jaz a ilha do ouro que el Rey dom Ioaõ o terceyro algũas vezes tentou mandar deſcubrir, por informaçoẽs que deſtas partes algũs Capitaẽs lhe eſcreueraõ. Eſte Embaixador, que era cunhado do meſmo Rey dos Batas, & ſe chamaua Aquarem Dabolay, trouxe hũ

rico preſente de paos de aguilas & calambaa, & cinco quintais de beijoim de boninas, & hũa carta eſcrita em folha de palmeyra, a qual dizia aſsi. Cobiçoſo mais que todos os homẽs do ſeruiço do Lião coroado no trono eſpantoſo das agoas do mar, aſſentado por poderio increiuel no aſſopro de todos os ventos, Principe rico do grande Portugal teu ſenhor & meu, ao qual em ti varaõ de coluna de aço Pero de Faria, nouamẽte obedeço por verdadeyra & ſanta amizade, para de oje em diante me render por ſeu ſubdito, com toda a limpeza & amor que hum bom vaſſallo deue ſazer, eu Angeeſsiry, Timorraja Rey dos Batas, deſejando agora de nouo tua amizadc, para cos fruytos deſta minha terra enriquecer os teus ſubditos, me offereço por nouo trato de ouro, pimenta, canfora, aguila, & beijoim encher eſſa alfandega do teu Rey & meu, com tanto que na firmeza de tua verdade me mandes hum cartaz de tua letra para minhas lancharas & jurupangos nauegarem ſeguros com todos os ventos. E te peço mais de noua amizade, que dos eſquecidos de teus almazẽs me ſocorras com pilouros & poluora, de que ao preſente me acho muvto falto, para com a ajuda & fauor deſte primeyro çauguate de tua amizade, caſtigar os perjuros Achẽs, inimigos crueys deſſa tua antiga Malaca, com os quais te juro de em quanto viuer nunca ter paz nem amizade, ate não tomar vingança do ſangue de tres filhos meus que de contino ma pedẽ com as lagrimas derramadas pela nobre Mãy que os cõcebeo, & os criou a ſeus peitos, que eſte cruel tyranno Achem me tem mortos nas pouoaçoẽs de Iacur & Linau, como mais particularmente em nome de minha peſſoa to dirá Aquarem Dabolay irmão da triſte Mãy deſtes filhos, que de mim te enuio por noua amizade, para que ſenhor cõtigo trate o mais que lhe parecer ſeruiço de Deos, & bem do teu pouo. De Panajù, aos cinco mamocos da oitaua Lũa. Eſte Embaixador foy bem recebido de Pero de Faria, & com as honras & cerimonias feitas ao ſeu modo, & deſpois que lhe deu a carta (a qual foy logo treſladada da lingoa Malaya em que vinha eſcrita em Portugues) lhe diſſe por hum interprete a cauſa da deſauença deſte tyranno Achem co Rey dos Batas, a qual foy, q̃ auia algũs dias que eſte inimigo cometera a eſte Rey Bata, que era Gentio, q̃ tomaſſe a ley de Mafamede, & que o caſaria com hũa ſua irmam, cõ tanto que largaſſe de ſy a molher com que eſtaua caſado auia vinte & ſeys annos, por ſer tambem Gentia como elle. E porque o Bata lhe não concedera iſto que lhe pidira, incitado o tyranno Achem por hum ſeu Caciz, veyo com elle a rompimento de guerra, & ajuntando cada hum delles ſeu campo, tiueraõ hũa batalha aſſaz trauada, a qual deſpois de durar tres horas, conhecendo o Achem a milhoria dos Batas, por ter perdida muyta parte da ſua gente, ſe veyo retirando para hũa ſerra, que ſe dizia

Cagerrendaõ, onde o Bara o teue cercado vinte & tres dias, & por lhe neſte tempo adoecer muyta gente, & o campo da parte contraria eſtar tambem muyto falto de mantimentos, fizeraõ ambos pazes entre ſy, com tal condiçaõ que o Achem deſſe logo ao Bata cinco bares de ouro, que fazem da noſſa moeda duzentos mil cruzados, para pagar a gente eſtrangeyra que tinha comfigo, & que o Bata caſaria o ſeu filho mais velho com a irmam do Achem, ſobre que tiueraõ adifferenca. E ſatisſeito eſte concerto por ambas as partes, o Bata ſe tornou para ſua terra, onde desfez logo o ſeu campo, & deſpidio toda a gente. Durou a quietação deſta paz por tempo de ſós dous meſes & meyo, em que ao Achem vieraõ trezentos Turcos, porq̃ eſperaua do eſtreito de Meca em quatro naos de pimenta q̃ lâ tinha mandado, & muytos caixoẽs de eſpingardas & armas, com algũas peças de artilharia de bronzo, & de ferro coado, cõ os quais o Achem, & com outra mais gente q̃ ainda tinha cõſigo, fingindo yr a Pacem prender hum Capitão que ſe lhe leuantara, veyo ſobre dous lugares do Bata, que ſe chamauão Iacur & Lingau, & como os achou deſcuydados pelas pazes q̃ eraõ feitas auia tão poucos dias, os tomou muyto facilmente, com morte de tres filhos do Bata, & ſetecentos Ouroballoẽs, que he a milhor gente, & a mais fidalga de todo o reyno. O Rey Bata ſintindo em eſtremo eſta tamanha traição, fez juramento na cabeça do principal idolo da ſua gentilica ſeita, por nome Quiay Hocombinor, Deos da juſtiça, de não comer ſruyta, nem ſal, nem couſa que lhe fizeſſe ſabor na boca ate não vingar a morte de ſeus filhos, &ſe ſatisfazer do que lhe tomaraõ, ou morrer na demãda. E querendo agora eſte Rey Bata pòr por obra o que tinha determinado, ajũtou hum campo de quinze mil homẽs, aſsi naturais como eſtrangeiros, em que algũs Principipes ſeus amigos o ajudaraõ, & não contente com iſto ſe quiz tambem valer do noſſo fauor, & por iſſo comerco Pero de Faria com eſta noua amizade que atras diſſe, a qual lhe elle aceitou de muyto boa vontade, porq̃ entendia quão importante ella era ao ſeruiço del Rey, & à ſegurança daquella fortaleza, & quanto com ella crecia o rendimento da alfandega; & o proueito ſeu delle, & dos Portugueſes que naquellas partes do Sul tinhaõ ſeus tratos, & fazião ſuas fazendas.