Peregrinaçam/XVIII
TOrnados o Mouro & eu para a caſa onde ambos pouſauamos, eſtiuemos mais quatro dias, acabãdo de embarcar hũs cem bares de eſtanho, & trinta de beijoim q̃ ainda tinhamos em terra, & como de todo eſtiuemos ſatisfeitos dos deuedores para nos podermos yr, me fuy ao paſſeiuão das caſas del Rey, & lhe dey cõta de como eſtaua ja de todo auiado, & preſtes para me partir, ſe ſua alteza me deſſe licẽça, ao q̃ elle, fazẽdome gaſalhado, me reſpõdeo, folguey co q̃ ontem me diſſe o meu Xabandar, que a fazenda do Capitão hia bẽ negociada, mas porq̃ pode ſer q̃ niſſo não pretenderia tanto dizerme a verdade, como falarme à vontade, pelo deſejo & goſto que elle ſempre vio que eu tinha diſſo, te rogo muyto q̃ me digas ſe he aſsi, & ſe vay contente eſſe Mouro que trouxe a fazenda, porque não queria q̃ à cuſta da minha hõra ſe praguejaſſe em Malaca dos mercadores de Panaajû, que não tem verdade no que tratão, nem ha hy Rey q̃ os conſtanja a pagarem o que deuẽ, porq̃ te affirmo a ley de bom Gentio que ſerà iſſo tamanha aſrõta para minha condiçaõ, como ſe agora ſem me vingar fizera pazes co inimigo tyrãno, & perjuro Achem, ao q̃ eu reſpondi, q̃ ſem falta nenhũa tudo hia muyto bem feito, & a fazenda toda paga, ſem ſe ficar deuendo della nada. E elle me tornou dizendo, folgo de ſer aſsi, & ja que não tẽs mais que fazer, rezão ſerà que te vás, & que não percas tempo, aſsi por ſer ja fim da monção, como pelas calmarias que podes achar no golfaõ, que muytas vezes ſaõ cauſa de alguns nauios irem ter a Paacem, donde te Deos guarde, porque te affirmo que ſe por mofina lá foſſes ter, que viuo te comeſſem os Achẽs aos bocados, & o proprio Rey mais q̃ todos, porq̃ a honra de q̃ agora mais ſe preza, & q̃ traz por timbre de todos os ſeus títulos, he
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