Peregrinaçam/XXXI

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DEſpois que el Rey fez eſte juramẽto nas mãos do ſeu Caciz mayor, por nome Raja Moulana, em hum dia da feſta do ſeu Ramadaõ, ſe paſſou a ilha Campar, onde deſpois de ſe celebrarem as feſtas das ſuas vodas, teue conſelho ſobre o que ſe deuia de fazer neſte negocio em que ſe metera, porque bem entendia que era aſſaz difficultoſo, por quanto lhe era forçado auentutar nelle muyto do ſeu. E a vltima reſoluçaõ que ſe tomou nelle, por parecer de todos os ſeus, foy, que antes de entender em couſa algũa, mandaſſe notificar ao Rey do Achem o direito que tinha nouamente no reyno de Aarù, por parte do caſamento com a Raynha delle, ſua noua molher, & que ſegundo lhe elle reſpondeſſe, aſsi ſe determinaria. El Rey parecendolhe bem eſte conſelho, ordenou logo hũ Embaixador com hum rico preſente de peças de ouro, & de pannos de ſeda, pelo qual eſcreueo hũa carta ao Rey do Achem que dizia aſsi. Siribi Iaya quendou pracamaa de raja, direyto Rev por ſueceſſaõ de patrimonio da minha catiua Malaca, vfurpada por jugo tyrannico de força de braço na injuſtiça dos infieis, Rey do Iantana, & de Bintão, & dos ſubditos Reys de Andraguiree, & de Lingaa, a ty Siry Soltão Alaradim Rey do Achem, & de toda a mais terra de ambos os mares, meu verdadeyro irmão pela antiga amizade de noſſos auòs fauorecido por ſello dourado da ſanta caſa de Meca por bom & fiel Daroez, como os datos Moulanas que por honra do profeta Noby peregrinaraõ com eſteril vida os canſados dias deſta miſeria. Eu teu cõjunto na carne & ſangue te faço ſaber por meu Embaixador, que os dias paſſados da ſetima Lũa deſte nouo anno em que agora viuemos, veyo a mym com grande aſronta & trabalho a nobre viuua Ancheſiny Raynha de Aarù, & com roſto triſte, & olhos choroſos, proſtrada por terra me diſſe, raſgando as faces com ſuas vnhas, que teus Capitaẽs lhe tinhão tomado ſeu reyno, com ambos os rios de Laue, & Paneticão, & morto Alibomcar ſetu marido, com mais cinco mil Amborrajas, & Ouroballoẽs, gente principal que comſigo tinha, & catiuas tres mil crianças que nunca peccarão, as quais cingidas com cordas, & com as mãos atadas continuamente açoutauão muyto ſem piedade, como que foraõ filhos de mays infieis, pelo qual mouido eu teu irmão á proximidade, que o ſanto Alcoraõ

nos enſina & nos obriga, a recebi debaixo do emparo de minha verdade, para aſsi mais ſeguro me poder informar da rezão ou juſtiça que para iſſo podias ter, & achando eu em ſeu juramcnto não teres nenhũa, a receby por molher, paraque aſsi liuremente lhe poſſa allegar com direyto fua aução diante de Deos. Pelo qual te peço & rogo como teu verdadeyro irmão, que mandes como bom Mouro largarlhe o que lhe tomaſte, & de tudo lhe ſaças reſtituyção franca & boa, pois na ley profeſſada de noſſa verdade a iſſo es obrigado, & quanto ao modo que ſe ha de ter na entrega diſto, que peço ſe farà pela forma do regimento que Sirihicão meu Embaixador te moſtrarã, & não o fazendo aſsi, conforme ao que por ley de juſtiça te peço, me ey por declarado comtigo por parte deſta ſenhora, à qual por dote me obriguey com juramento ſolenne a defender a cauſa de ſeu deſemparo. Chegado eſte Embaixador ao Achem, elle o mandou receber honradamente, & lhe tomoua carta que lhe trazia, porem deſpois que a mandou ler & vio o que vinha nella, o quiſera logo mandar matar, ſe algũs dos ſeus lhe não foraõ á mão, dizendolhe que ſe o fizeſſe ſeria infamia ſua muyto grãde. E deſpidindoo logo ſem lhe querer tomar o preſente em final de deſprezo, lhe reſpondeo por eſtas palauras. Eu o Soltão Alaradin Rey do Achem, de Baarròs, de Peedir, de Paacem, & dos ſenhorios de Dayaa, & Batas, principe de toda a terra de ambos os mares Mediterraneo & Oceano, & das minas de Menamcabo, & do nouo reyno de Aarù com juſta cauſa agora tomado, a ty Rey cheyo de feſta com deſejo de duuidoſa herança, vy tua carta eſcrita em meſa de voda, & pelas inconſideradas palauras della conhecy a bebedice dos teus conſelheyros, â qual não quiſera reſponder, ſe mo não pediraõ os meus, pelo que te digo que me não deſculpes diante de ty, que te confeſſo que tal louuor não quero, & quanto ao reyno de Aarù não falles nelle, ſe queres ter vida, baſta mandalo eu tomar, & ſer meu, como muyto cedo ſerâ eſſe teu. E ſe caſaſte com Ancheſiny tua molher à conta de com iſſo te juſtificares no direyto do reyno que ja não he ſeu, com ella te ficaràs como ficão os outros caſadas com ſuas molheres, que cultiuando a terra ſe ſuſtentão do trabalho de ſuas maõs. Toma primeyro Malaca, pois que foy tua, & então entenderàs no que nunca foy teu, & eu te fauorecerey como a vaſſallo, mas não como a irmão por que te nomeas. Deſta minha grande caſa do rico Achem, ao primeyro dia da chegada deſſe teu homem, que logo de mim deſpidy, ſem o querer mais ver, nem ouuir, como te elle dirà.