Pesquisando/II/Sócrates

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Sócrates (470-399), diferentemente da maioria dos sofistas, os artistas da palavra que ensinavam retórica e filosofia com fins lucrativos e por meio de silogismos, raciocínios formalmente corretos, mas enganosos e vazios de conteúdo, assumiu a profissão de pedagogo como uma missão de vida. Nascido em Atenas, filho do escultor Sofronisco e da parteira Fenareta, dedicou a maior parte de sua existência ao ensino em praça pública, dialogando especialmente com os jovens, até ser acusado de corruptor da juventude e ser condenado a beber cicuta, um veneno mortal. Não deixou nenhuma obra, pois achava que um livro, assim como uma estátua, era objeto mudo, a que não se podia perguntar nada. Conforme seu pensamento, a transmissão do saber só se dá por meio do diálogo, da pergunta e da resposta entre mestre e discípulos. Conhecemos, em parte, suas ideias por meio do testemunho do historiador Xenofonte, dos escritos dos discípulos Platão e Aristóteles, das obras do comediógrafo Aristófanes e do filósofo Euclides de Megara.

O método socrático de ensino desenvolve-se em duas etapas: primeiro vem a ironia e depois a maiêutica. A primeira fase consiste numa espécie de terraplenagem, a limpeza geral do terreno, libertando o espírito de toda forma de preconceito, de superstição, de soberba intelectual, levando os discípulos a perceber sua ignorância por meio da instilação da dúvida metódica. A palavra grega eiróneia literalmente significa interrogação: pela técnica do diálogo, o filósofo grego levava o interlocutor a perceber sua ignorância sobre o assunto em questão, desmascarando sua presunção. Evidencia-se, assim, que o conhecimento proveniente da doxa, da opinião comum ou do mundo das aparências, pode não ter consistência lógica, induzindo muitas vezes ao engano. A fase irônica leva, portanto, à agnósia, à consciência da ignorância: “Só sei que nada sei”, teria afirmado Sócrates e por tal achado paradoxal foi considerado o homem mais sábio da Grécia, conforme teria revelado o oráculo do deus Apolo no templo da ilha de Delfos.

A segunda fase do método socrático já é positiva: maieutikós, para os gregos, era a técnica de fazer vir à luz. Sócrates costumava dizer que sua profissão era semelhante à de sua mãe, que era parteira. Como ela ajudava com as mãos a partejar um ser humano, ele, com sua mente, por meio do processo dialético de perguntas e respostas, induzia seus interlocutores a descobrir a verdade que estaria dentro deles. Conforme o postulado da reminiscência, que será melhor desenvolvido pelo discípulo Platão na Teoria das Ideias, o conhecimento verdadeiro é o conceptual, que está dentro do espírito humano, conseguindo captar o universal, enquanto as realidades particulares do mundo exterior são efêmeras e enganosas. Da agnósia da primeira fase passamos, portanto, para a autognose do segundo momento do método: “Conhece-te a ti mesmo”, a famosa frase atribuída à pitonisa de Delfos como resposta à indagação sobre a essência da sabedoria, passa a ser o melhor legado que Sócrates nos deixou, pois sua dialética funciona como instrumento de reflexão sobre os problemas da existência humana. Ele nos ensinou que a sabedoria tem dúvidas, enquanto a ignorância tem certezas!