Recordações Gaúchas/IV

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As três-marias, tendo já descrito dois termos do seu silente giro pairavam agora ao lado do poente é outras estrelas tinham vindo substituir aquelas, que ao anoitecer surgiram no horizonte.

Quase imperceptível fragância das flores campesinas enche o ambiente soturno; do vento que murmura mal sente-se o bafejo e, lá de quando em quando o canto lúgubre do ñacurutu vem quebrantar o doce encantamento que domina a situação.

Às vezes, esgueirando-se por alguma quebrada e induzido pelo faro da refeição noturna, algum sofro matreiro desfere seu horripilante grito, como nota atroante das miradas estrídulas de pequeninos cantores ocultos entre os pastos e que, àquela hora, aumentam ainda mais a monotonia agreste.

Nenhum outro ruído, nem mais agitação naquele grande acampamento, ainda há poucas horas inquieto e alegre, tão cheio de alvoroço e ardente vida.

Sucede entretanto, nesta espécie de reuniões que nunca o silêncio chega a ser completo, nem mesmo nas chamadas horas mortas da noite.

O recolher dos últimos retardatários coincide sempre com o levantar dos primeiros madrugadores. Assim foi que quando os nossos viajantes se dispuseram a dormir, ao mesmo tempo, em vários pontos, começaram a crepitar novamente alguns fogões apenas amortecidos, mas ainda não de todo apagados.

Alguns cuidadores, que dormiam ao lado dos parelheiros confiados a sua guarda, erguem-se, atiçam o fogo, chegam-lhe a chaleira e enquanto aquece a água preparam os avios de mate, para depois despertarem o compositor, o qual não costuma encetar seus afazeres sem primeiro verdear um pouco.

Aí, ao faiscar dos toros de espinilho passam os nossos homens uma ou duas horas fazendo correr o mate, formulando projetos para o dia, que anda longe, até que dos lados do nascente começa a soprar mais fresca a viração; no horizonte começam-se a descortinar nuvens escuras que se acastelam, formando figuras bizarras e às vezes mesmo paisagens que parecem reais, a ponto de enganarem o viajante mais experimentado, que julga ver lugares conhecidos.

Depois, as barras do dia, de um tênue cor de rosa vem pouco a pouco surgindo da nebulosa noite, acentuando-se e avassalando o oriente.