Remissão de Pecados
TEATRO S. LUIS
Anda atualmente em cena neste teatro uma comédia em 5 atos do sr. dr. Joaquim Manuel de Macedo, a Remissão de pecados. Apesar da designação de comédia, segundo a idéia que geralmente se liga à palavra, não é esta uma composição ligeira principalmente destinada a recrear e divertir, ocupando-se ao mesmo tempo mais ou menos com a reforma dos costumes. A ação é toda dramática, envolvendo paixões fortes e situações violentas.
Remissão de Pecados escreveu o autor no alto da sua comédia, e com efeito encontramos aqui diversos pecados e pecadores remitidos ou perdoados uns pelos outros. Adriano consome no jogo a fortuna que lhe trouxera sua mulher, e quase esquece esta, que é um anjo de virtude e candura, pela louca paixão que lhe inspira uma criatura indigna. Destes dois feíssimos pecados e seus estragos é ele não sabemos se remitido ou remido pelas exortações e dinheiro de Clarimundo. Esta mesma remissão dá ocasião a que Clarimundo, oculto pai de Adriano, reconheça o filho e case com Úrsula, de quem o houvera, oferecendo-nos o quadro de mais dois pecadores perdoados. Apenas se poderia dizer que a remissão de tão grandes pecados é um tanto facilmente obtida.
Escrita no estilo brilhante e muitas vezes sarcástico do sr. dr. Macedo, a comédia abunda em bons ditos. Tem vários lances que impressionam fortemente, e delineadas por mão experimentada, as cenas sucedem-se naturalmente, mantendo vivo o interesse do espectador.
O primeiro ato passa-se numa casa de jogo, cujos tenebrosos mistérios são desvendados em toda a sua hediondez. É um belo quadro de costumes, em que se patenteiam muitas chagas sociais, entre as quais principiamos a perceber o fio da ação do drama, Fábio, no intuito de seduzir Helena, esposa de Adriano, já precipitara este na voragem do jogo, e agora forma um pacto infame com o dono da espelunca, Bráulio, que deve fazer com que Dionísia, uma rapariga perdida, que ele faz passar por sua sobrinha, induza Adriano, já apaixonado por ela, a raptá-la, a fim de que o escândalo dado pelo marido aplane o caminho ao sedutor da esposa.
O segundo ato passa-se no salão do Teatro Lírico, cena excelentemente pintada, e que não pode dar senão a melhor idéia do novo pintor do teatro, o sr. Rocha. A vista foi muito aplaudida, e com razão; a perspectiva é de uma ilusão perfeita, e se em alguma coisa peca é por excesso, sendo talvez demasiado o fundo. Aqui Clarimundo, que fora o tutor de Helena, começa a perceber, apesar dos protestos desta, que no casal nem tudo é felicidade. A pobre esposa, resignada e calada, sofre muito, e a vista de Dionísia vem aumentar-lhe o martírio.
Passamos para a casa de Adriano, onde temos uma bela cena entre ele e Helena, que não se queixa de ver esbanjados todos os seus haveres, mas só lamenta ter perdido o amor do esposo. Clarimundo obriga Adriano a prometer-lhe que se regenerará, refazendo pelo trabalho a sua fortuna, e restaurando a felicidade doméstica pelo esquecimento de Dionísia. Não se fiando, porém, muito nas promessas do pecador, ele exige de Cincinato, caráter estouvado, mas franco e leal, que faça desaparecer a rapariga levando-a consigo para qualquer parte.
Para execução deste plano voltamos no 4º ato à casa de jogo, onde o venal Bráulio e a não menos venal Dionísia aceitam sem dificuldade a proposta de Cincinato, que oferece maior quantia do que Fábio prometera. No momento da fuga ainda Cincinato consegue fazer-se substituir por um amigo condescendente, livrando-se assim de um trambolho, e pregando uma peça a Bráulio, que perde o direito ao prêmio, visto quem devera pagar-lho dar-se por traído.
O fim, porém, está alcançado, e removida a serpente, Adriano no 5º ato volta aos braços da esposa. Clarimundo paga-lhe as dívidas, reconhece-o por filho, casa com Úrsula, como dissemos, e desce o pano, deixando todos felizes e contentes.
Expondo assim rápida e sucintamente o entrecho, é claro que não podíamos reproduzir todas as belezas do drama, derramadas pelo diálogo e pelo encadeamento das cenas. O mesmo desenlace assim exposto poderia talvez não parecer inteiramente satisfatório, mas para bem julgar um drama é mister vê-lo representar, quando é para isso que foi escrito. A representação pode dar-lhe um brilho e um encanto, de que somente com a própria vista se faz idéia. A indiferença do público é o maior inimigo com que lutam as letras; um drama firmado por um nome conhecido deveria despertar em todos a curiosidade de vê-lo ao menos uma vez; ficando então ao gosto de cada um voltar ou não, conforme a composição lhe houvesse agradado.
Cuidadosamente ensaiada e posta em cena com esmero e capricho, a Remissão de pecados foi representada de modo que não pode merecer senão elogios, traduzidos por nós em palavras como o foram pelo público em palmas à cena.
O sr. Furtado Coelho no papel de Cincinato criou um tipo delicioso, mistura feliz de estouvamento com as mais nobres qualidades do coração. Os srs. Amoedo (Adriano), Guilherme (Clarimundo), Paiva (Fábio), Gusmão (Bráulio), e as sras. Leolinda (Helena), Rosinha (Úrsula), e Virgínia (Dionísia) sustentaram bem as suas partes, formando um conjunto que agradou a todos. O sr. Graça no papel de usurário apenas estaria uns cinco minutos em cena, mas foi quanto bastou para arrancar aplausos gerais, tornando notável uma das personagens mais insignificantes do drama.
O autor, assistindo à segunda representação, foi vitoriado pelo público e agradeceu do seu camarote estas demonstrações não só de simpatia, mas também de merecida homenagem ao talento.
PERSONAGENS
[editar]- HELENA............................................................................................Ismênia
- ÚRSULA...........................................................................................Rosinha
- DIONÍSIA..........................................................................................Virgínia
- GERTRUDES....................................................................................
- ADRIANO.........................................................................................Amoedo
- CLARIMUNDO............................................................................Guilherme
- CINCINATO.......................................................................................Furtado
- FÁBIO....................................................................................................Paiva
- BRÁULIO..........................................................................................Gusmão
- DEMÉTRIO.......................................................................................Pinheiro
- VENCESLAU........................................................................................Graça
- O DR.GONÇALVES..............................................................................Lima
- LOURENÇO.....................................................................................Caminha
- SILVEIRA..............................................................................................Costa
- D.DONALDO....................................................................................Timóteo
- José........................................................................................................Torres
- Criados da casa de jogo – Jogadores – Senhoras e Cavalheiros.
A ação se passa na cidade do Rio de Janeiro.
Época a atualidade.