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Remissão de Pecados/III

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Sala decentemente ornada na casa de Adriano: ao lado esquerdo, janelas com sacadas de grades de ferro; ao fundo, porta de entrada e porta para o interior da casa; ao lado direito, porta que abre para um gabinete.

CENA I

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ADRIANO, e HELENA, reclinada em uma otomana.


ADRIANO – O sr. Clarimundo mandou-me dizer que vem imediatamente.

HELENA – Para que o incomodaste?

ADRIANO – Ele te ama tanto! E... deixa-me dizer-te, preciso de quem possa ajudar-me contra ti, que fora do teu costume estás teimosa. Vejo que o sono te fez bem, e que te achas muito melhor...

HELENA – Oh! sim... muito melhor... podes sair...

ADRIANO – Quem te fala em sair, minha Helena?... eu queria dizer, que, ainda assim, preciso tranqüilizar-me, ouvindo um médico, e tu rebelde, e obstinada...

HELENA – Mas, se não há necessidade de médico!

ADRIANO – Há, passaste uma noite cruel: ansiedade... vômitos, e uma síncope, embora ligeira... isto pode ser grave...

HELENA (Rindo triste.) – Foi contágio... Eurídice desmaiou no teatro e eu em casa: desmaios de comédia.

ADRIANO – Não me fales nesse tom de ironia... não me olhes desse modo tão triste... pareces uma vítima... que serei eu então?...

HELENA – Tu?... eu juro que nunca te ouvi uma palavra acerba, e que advinhas os meus desejos para realizá-los.

ADRIANO – Só isso Helena?...

HELENA – Oh! e muito amor e imensa felicidade te mereci, Adriano!

ADRIANO – Mereceste!... como se não merecesses ainda!... queres fingir-te má?...

HELENA – Por que me fazes falar?... eu não me queixo: se às vezes vês-me triste, é a pesar meu: tem paciência... as senhoras são assim... exigentes demais. Entretanto, diante de estranhos, no teatro, no baile, recebendo visitas... eu me rio... eu me ostento feliz... oh!... (Com voz alterada.) não basta o véu? ...

ADRIANO – O véu!!! Mas... não fales... não te exaltes: sossega.

HELENA (Serena.) Perdoa-me: poucos casados têm, como tivemos, dois anos de bem aventurança na terra. Vivi dois anos no céu! olha: não vês todos os dias nos espetáculos públicos, nas sociedades tantas senhoras casadas alegres... radiantes... festivas?... fingimento, Adriano! não vês tantos maridos cercando de cuidados e de expansões de amor às esposas? (Em pé e forte.) falsidade!... o paraíso não passa do respeito devido às conveniências sociais; mas, no segredo do lar, está o tormento de lutas desabridas, às vezes indecorosas, ou, Adriano... o inferno da resignação e do martírio profundo... mundo... horrível!... (Com fogo.)... – E o meu?... (Fria.) desculpa, isto é moléstia: estou nervosa... eu falava das outras... de que posso queixar-me? amaste-me; amas-me... e se me não amasses mais, seria pior querer obrigar, o que não se obriga. Tu és bom para mim.. . e má sou eu... Adriano, estou muito melhor: porque não sais?...

ADRIANO – Tens razão... confesso: no desatino da fatal paixão do jogo eu te esqueço longas noites e frenético esbanjo a fortuna que me trouxeste.

HELENA – E que me importa o jogo?

ADRIANO – Perdão, Helena! arrastei-te à pobreza; mas, eu te juro. não jogarei mais... vou trabalhar...

HELENA – Já maldisse do jogo: hoje, que me importa? rio-me da miséria! queres jogar? falta-te o dinheiro?... dou-te as jóias; dou-te os brilhantes que ainda me restam, vende-os e joga...joga... joga...

ADRIANO – Helena!

HELENA – Joga! que me importa o jogo?... oh!... há só uma penúria que a esposa que ama seu marido não pode suportar... é a penúria do amor... e eu te amo, Adriano! eu te amo! e tu, e tu... (Avançando em desespero.) e tu... e tu...

ADRIANO – Helena!...

HELENA (Terrível e com voz surda.) – Tu amas outra mulher!... amas Dionísia!...

ADRIANO (Leva Helena para a otomana.) – Oh! pobre mártir!... eu te amo!... Helena, minha Helena... (Em aflição.) porque não morro! (Abraçando-a) sossega! eu te adoro sempre! és o meu anjo!...

CLARIMUNDO (Dentro...) – Vou subindo e entrando sem cerimônia.

ADRIANO – Helena!

HELENA (Em pé e enxugando as lágrimas.) – Podes sair.

CENA II

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ADRIANO, HELENA e CLARIMUNDO


CLARIMUNDO – Vim a correr: adeus Adriano (Avança e observa) menina! evidentemente ela passou mal...

ADRIANO – Sofreu muito durante a noite, sofre ainda e teima em não consentir que se chame o médico.

HELENA – É que não vale a pena: tudo passou...

CLARIMUNDO – Não vale a pena? (Silêncio.) ainda bem: vá descansar um pouco.

HELENA – Dormi três horas... descansei bastante e acho-me forte.

CLARIMUNDO – Então mande-me preparar o almoço, contando com o Cincinato, a quem no hotel deixei recado para vir encontrar-me aqui.

HELENA – Almoçaremos juntos... agradeço-lhe este prazer.

CLARIMUNDO – Quero mais: enquanto se prepara o almoço, vá para o seu toucador: peço-lhe um toilette simples, mas elegante, e no penteado aqueles anéis de cabelos soltos, de que eu tanto gostava; talvez não seja moda; é, porém, capricho meu... vá... e muito bonita ao almoço... ande... vá....

HELENA (Rindo.) – Vou já... há de ver que faceirice! (A Adriano.) Não te constranjas por mim... bem vês que podes sair... adeus! (Vai-se.)

CENA III

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ADRIANO e CLARIMUNDO


ADRIANO – Obrigado! o senhor é o melhor dos médicos para Helena.

CLARIMUNDO – É que ela tem confiança em mim: e o senhor? e tu, Adriano?...

ADRIANO – Precisa perguntá-lo?...

CLARIMUNDO – É claro que afastei Helena, para que ficássemos a sós.

ADRIANO – Ah! e então?...

CLARIMUNDO – Conversemos um pouco. Eu te conheci menino em casa dos pais de Cincinato, a cuja porta foras enjeitado; achaste ali amor e educação, e cresceste bom, honesto e laborioso; apreciando o teu caráter, dei-te há três anos por esposa uma bela jovem, de quem era tutor, Helena, minha filha adotiva, a filha do melhor amigo que tive.

ADRIANO – Entendo... e agora...

CLARIMUNDO – Não vim ralhar; mas é natural que eu te peça contas da fortuna e da felicidade de Helena. Quero poupar-te a confissões penosas. Cheguei ontem, e hoje sei já tudo. Tens perdido em uma casa de jogo quanto possuías; e tudo quanto possuías, Adriano, era o dote ou a fortuna de tua mulher.

ADRIANO – Tem razão, sr. Clarimundo; é verdade o que diz.

CLARIMUNDO – Não te confundas: somos dois amigos a conversar com expansão. Eu também fui moço: quebrei a cabeça algumas vezes; mas tu eras um moço velho: como, de repente, enlouqueceste a ponto de te tornares jogador?...

ADRIANO – Ah! foi uma hora de infernal felicidade que me perdeu! eu estava no baile e entrei por curiosidade na sala do jogo... Fábio jogava, e me provocou a imitá-lo.

CLARIMUNDO – Ah! Fábio...

ADRIANO – Sim: desde algumas semanas ele se relacionara comigo...

CLARIMUNDO – E freqüentava a tua casa?

ADRIANO – A princípio; mas Helena, aliás já amiga de dª. Úrsula, não o recebia com agrado, e o afugentou.

CLARIMUNDO – Por que? Helena é tão afável...

ADRIANO – Capricho de senhora; antipatiza com ele.

CLARIMUNDO – Ah! então Fábio te provocou a jogar.

ADRIANO – E outros com ele... zombaram da minha resistência...e enfim eu tive como vexame de parecer mesquinho: joguei... tomei as cartas... ganhei... oh!... senti as emoções do jogo... ganhei muito, e levantei-me inebriado... febricitante.

CLARIMUNDO – E depois? ...

ADRIANO – Ouvi Fábio e alguns outros emprazarem-se para a noite seguinte em uma casa de jogo... pedi explicações, e exaltei-me ouvindo a descrição desse abismo... oh!... sr. Clarimundo... eu estava envenenado pelo favor da fortuna... fui jogar e ganhei ainda na primeira noite... depois... depois... eu reduzi minha mulher à miséria e minha reputação de probidade à... à.... desgraçado!...

CLARIMUNDO – Pelo trabalho o homem regenera a riqueza perdida: se és capaz de não tornar a jogar... se ainda tens honra no coração, eia! reanima-te. Eu estou pobre: mas tenho amigos... pedirei para mim... e faremos maravilhas; mas... Adriano! és capaz de não jogar?...

ADRIANO – Oh!... sim! eu não jogarei mais; porém, salvar-me... é impossível! caí no fundo do precipício!

CLARIMUNDO – Tem coragem, e tornemos à Helena: tu a olvidaste muito, quando em noite de frenesi queimaste ao jogo a fortuna que ela herdara de seus pais; estou certo, porém, que a amas em dobro, empobrecida por ti.

ADRIANO – Helena... criatura angélica... uma santa...

CLARIMUNDO – Eu estava seguro dos teus sentimentos; o contrário seria horrível... imagina: um mancebo tomar por esposa uma donzela rica, formosa, tesouro de virtudes e de amor, não ter dela a mais leve queixa, a menor dúvida de sua dedicação, e do seu recato... – tens de Helena?

ADRIANO – Meu Deus! não... não... é um anjo...

CLARIMUNDO – E depois de levá-la até perto da fome pelo completo desbarato da sua riqueza na paixão vergonhosa do jogo, amesquinhar suas virtudes, ultrajar sua beleza, assassinar o seu amor, atraiçoando-a pelo adultério, aviltando-a pela preferência ou pela competência de uma rival qualquer... talvez mulher indigna... ah! não... não... eu sabia que desse atentado... desse crime tu eras incapaz.

ADRIANO – Basta! basta! (Correndo à porta e, observando, volta. ) eu sinto que me castiga... não me defendo... sou infame algoz... e nos remorsos de uma paixão que me desonra não preciso de juiz que me condene, porque já tenho o meu patíbulo na consciência.

CLARIMUNDO – Desgraçado! e a razão, de que te serve?...

ADRIANO – Os loucos não a têm. Eu não lhe encubro nenhum dos meus ignóbeis erros... insulte-me, despreze-me... está no seu direito: sou um infeliz pervertido...

CLARIMUNDO – Miséria humana! a paixão desvaira o homem: Adriano, eu te desculpo, mas a loucura há de passar e Helena te perdoará. Aproveita a lição da experiência para também seres fácil em perdoar aos outros, desatinos iguais.

ADRIANO – Sim... eu não posso mais ser severo... não há vontade que domine a violência da paixão.

CLARIMUNDO – Bem, meu amigo, o ensejo é o mais oportuno para te confiar o verdadeiro motivo da minha vinda a esta capital. Vamos deixá-la quanto antes: estás enganado sobre a causa da tristeza de Helena.

ADRIANO – Que quer dizer?

CLARIMUNDO – Ânimo e prudência: um amor irresistível... fatal...

ADRIANO – Minha mulher!...

CLARIMUNDO – A infeliz esqueceu o dever... e desassisada... perdão!...

ADRIANO (Lançando-se para a porta.) – Infâmia!...

CLARIMUNDO (Contendo-o e friamente.) – E a paixão que desculpa o adultério?... há pois duas leis diversas para a fidelidade dos esposos?...(Silêncio.)

ADRIANO – Oh!...o senhor foi cruel!... meu Deus!... como Helena deve ter sofrido!...

CLARIMUNDO – E é mulher, e a mulher vive só de amor, Adriano!... vê como estás matando Helena!...

ADRIANO – A minha Helena! meu pai! eu vou ser digno dela!... obrigado... o senhor me regenera... obrigado, meu pai!... (Abraça-o.)

CLARIMUNDO – Teu pai!... pois bem... chama-me assim... Adriano... chama-me teu pai... mas... corrige-te... trabalha... volta a Helena... ouviste... sê bom, meu filho!... eu quero chamar-te meu filho!. (Profunda comoção: novo abraço.)

CINCINATO (Dentro e batendo palmas.) – Removido do hotel Provenceaux para a casa de Adriano, prevenção: fome de quinze dias.

CENA IV

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ADRIANO, CLARIMUNDO e CINCINATO


CLARIMUNDO – Entra.

CINCINATO (Entrando.) – Perdão, minha senhora... ah! não está presente?... (Aos dois.) Cincinato Quebra-louça assinado por cima de estampilha.

ADRIANO (Triste.) – Adeus, Cincinato...

CINCINATO – Cara de lua nova em noite de chuva... não gosto: sr. Clarimundo... salvo o respeito devido, cara de eclipse visível.

CLARIMUNDO – Compensação: Adriano vai devorar o almoço que nos estava preparado no hotel, enquanto Cincinato almoçará aqui comigo e Helena. Vai, Adriano, deixa-nos.

ADRIANO – Empurram-me para fora de minha casa?...

CINCINATO – Ocasião de ir fazer impunemente travessuras nas casas dos outros. (Olhando para dentro.) Perdão, minha senhora; ele é incapaz disso... mas vai... hotel Provenceaux, segundo andar... vai, demônio!

ADRIANO – O sr. Clarimundo quer conversar com Cincinato... eu os deixo... até logo... (Vai-se.)

CINCINATO (Seguindo-o.) – Isso e o que tu querias era a mesma coisa. (Volta.) Pobre Adriano!...

CENA V

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CLARIMUNDO e CINCINATO


CINCINATO – Como passou a noite?

CLARIMUNDO – Mal:levei a refletir até o amanhecer.

CINCINATO – Eu lho predisse, mas o senhor teimou em aproveitar a noite que a interrupção do espetáculo nos deixara livre... eis como a aproveitou.

CLARIMUNDO – Não perdi de todo o meu tempo: creio que tenho meios de saldar as dívidas de Adriano, se o teu cálculo é exato...

CINCINATO – Certamente; mas se veio com essa intenção para que chegou, chorando pobreza?

CLARIMUNDO – Porque o jogo é um sorvedouro sem fundo, e eu não darei um real, se ele persistir em jogar; mas ainda tenho confiança no seu coração... Adriano se corrigirá...

CINCINATO – E Dionísia?...

CLARIMUNDO – Esse é o perigo que me assusta: uma mulher dissoluta, quando chega a inspirar paixão, é o demônio a fascinar: o homem se corrompe no foco da corrupção... há veneno e embriaguez na taça do vício infrene; refleti toda a noite.

CINCINATO – E então?

CLARIMUNDO – Essas mulheres não amam. Supões que Dionísia ame Adriano?...

CINCINATO – É natural que goste de um rapaz bonito; há de porém dizer-lhe adeus, logo que farejar bolsa vazia.

CLARIMUNDO – E elas têm faro! ainda bem: Dionísia terá sentido a ruína de Adriano. Mudemos de assunto: este me aflige. Ainda não me informei de ti. Como vais de fortuna?

CINCINATO – Idem, sempre idem: quatro moradas de boas casas e cinqüenta apólices; setecentos e oitenta mil réis de renda mensal; podia ser mais, se dois amigos não me ajudassem a comer o aluguel das casas.

CLARIMUNDO – Quem são!

CINCINATO – O seguro, e o tesouro público: quanto ao meu sistema financeiro, dez por cento em fundo de reserva, e o mais para a folgança.

CLARIMUNDO – E vida em folia constante...

CINCINATO – Quebra louça imutável sem ir além da receita faço caretas à morte, desfrutando a vida.

CLARIMUNDO – E ainda como dantes fazes estraladas divertidas, tendo em pouco o reparo público?...

CINCINATO – Não está em mim: achando ocasião, quebro-louça.

CLARIMUNDO – Cincinato, podes salvar Adriano, quebrando louça.

CINCINATO – Dois proveitos em um saco? está salvo. Como é a história?...

CLARIMUNDO – É ao teu zelo e às tuas cartas, que devo achar-me hoje aqui...

CINCINATO – Detesto os prefácios, vamos ao essencial.

CLARIMUNDO – Se empalmasses Dionísia... se a roubasses a Adriano?

CINCINATO – Esta só lembra ao diabo; mas tem seu lugar... era de fazer rir às pedras!... mas qual! Ela não cai.

CLARIMUNDO – E o encanto do dinheiro?... de muito dinheiro?...

CINCINATO – Estou pronto a queimar os meus navios: quanto às casas não posso por causa do seguro.

CLARIMUNDO – Não te ofendas... carta branca... despende o que for preciso.

CINCINATO – Mas... o recurso é de inspiração, palavra de honra! o sr. Clarimundo aproveitou a noite! o caso é de quebrar louça... a Dionísia não é feia... deixo o Adriano de boca aberta, e bato a linda plumagem com a rapariga.

CLARIMUNDO – Salvas teu irmão...

CINCINATO – E no fim de quinze dias faço-me viúvo! é de arrebatar e de encher a cidade com a minha fama; sr. Clarimundo, ganhei ultimamente ao lasquenet três contos de réis, que tenho de reserva; se precisar mais, bater-lhe-ei à porta. Vou praticar uma boa ação executada em andamento de maroteira. Esta noite Dionísia fugirá comigo: fica resolvido. Cincinato Quebra-louça assinado por cima de estampilha.

CLARIMUNDO – Serás a nossa providência (Batem palmas.) pior!

CINCINATO – Pior sem dúvida; porque urge entrar em campanha, e sem almoço não dou contas de mim.

CENA VI

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CLARIMUNDO, CINCINATO e JOSÉ, que vai à porta.


CLARIMUNDO – É sem dúvida alguém que procura Adriano, e como ele não está em casa...

CINCINATO – Que seja assim ou protesto: estou rebentando de fome.

CLARIMUNDO (A José que volta.) – Quem é?...

JOSÉ – O sr. Fábio que, não encontrando meu senhor em casa, insta por falar já à minha senhora.

CLARIMUNDO – Fábio?... insta...

JOSÉ – Diz que é negócio grave...

CLARIMUNDO – Fábio! (A José.) dize à senhora que eu e Cincinato saímos, e que voltaremos daqui a uma hora para almoçar. (Vai-se José.)

CINCINATO – Daqui a uma hora? pela minha parte almoço no caminho.

CLARIMUNDO – Silêncio, entra comigo neste gabinete; a ação é má; as circunstâncias, porém, a desculpam. (Indo.)

CINCINATO (Seguindo-o.) – Ah!... o senhor também quebra louça!... (Entram no gabinete.)

CENA VII

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JOSÉ, que logo se retira, FÁBIO e logo HELENA

JOSÉ (À porta.) – Minha senhora não tarda: queira entrar e sentar-se.

FÁBIO – Assegura-lhe que eu sinto incomodá-la; mas o caso é urgente. (Vai José.) Minha senhora... (Vendo Helena.)

HELENA – Sr. Fábio... tenha a bondade de sentar-se. Procurava meu marido?

FÁBIO – Não o encontrei no seu escritório, e sendo indispensável que eu lhe fale quanto antes... se v. ex. pudesse indicar-me...

HELENA – Infelizmente não posso...

FÁBIO – V. ex. não compreende como é lamentável, como pode ser funesta qualquer demora... perdão... sei que v. ex. não se apraz da minha presença e só um caso extraordinário me obrigaria..

HELENA – Meu marido não está em casa, e ignoro onde o possa encontrar fora do seu escritório.

FÁBIO – Oh! não é por embaraços da minha vida, é por seu próprio marido, que vim sujeitar-me a importunar a v. ex... é preciso que ele me fale quanto antes... ocorre um infortúnio... uma contrariedade gravíssima.

HELENA – Em relação a Adriano? ...

FÁBIO – A situação é tal que... em desespero talvez v. ex. ache um recurso em suas amizades... eu devo falar...

HELENA – De que se trata?

FÁBIO – Achando-se em grandes apuros, o sr. Adriano assinou um depósito de seis contos de réis, que deve restituir amanhã... Tínhamos a promessa de um mês de espera; mas o malvado usurário faltou a ela, e exige o seu dinheiro.

HELENA – E então?...

FÁBIO – O sr. Adriano... não tem em si aquela quantia... e se não achar quem lha empreste...

HELENA – As conseqüências?

FÁBIO – Um depósito... oh! é ao sr. Adriano que me cumpre falar... (Como para sair) minha senhora... minha senhora...

HELENA – Mas... se isto é verdade, eu quero saber tudo...

FÁBIO – Não... não, minha senhora; talvez ainda seja possível...

HELENA – Veio então só para amargurar-me?...eu quero saber...

FÁBIO – Tem razão... e v. ex. conta prestimosos amigos... e só quem pode impedir a maior desgraça; porque amanhã... a prisão... a desonra...

HELENA – Oh! a prisão de Adriano!...

FÁBIO – Cumpre-me prevenir à v. ex. que os recursos do sr. Adriano estão esgotados e que ele não achará quem lhe empreste...

HELENA – Oh! se o sr. Clarimundo não estivesse em pobreza... os meus brilhantes... mas valem tão pouco... meu Deus!... isso é verdade, senhor...

FÁBIO – Minha senhora, se não tem entre os seus amigos um, que para poupá-la a maior dom, honre a firma de seu marido, habilitando-o para restituir o depósito. resigne-se: o sr. Adriano deve ocultar-se, fugir hoje mesmo.

HELENA – Fugir?... e a desonra?...

FÁBIO – E a prisão amanhã?

HELENA – Meu marido!... oh!... isto é horrível...

FÁBIO – Confesso: eu não vim procurar o sr. Adriano; vim prevenir a v. ex. de que é indispensável obrigá-lo a fugir esta noite...

HELENA – Fugir não!

FÁBIO – Conta pois com algum amigo?... veja bem...

HELENA – Oh! Adriano! meu marido!.. . (Cai sentada chorando.)

FÁBIO – Não se consterne... não posso vê-la assim... atenda... minha irmã é rica... muito sua amiga... e basta uma palavra de v. ex. para que nem mesmo lhe seja preciso passar pelo vexame do pedido... (Com ternura.)

HELENA (Levantando-se e fugindo.) – Oh!...

FÁBIO – Uma palavra, uma ordem sua, e eu...

HELENA (Levanta a cabeça e em silêncio vai até a mesa e toca a campainha.)

FÁBIO – Dª. Helena!

CENA VIII

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FÁBIO, HELENA e JOSÉ


HELENA – Entrega a este senhor o seu chapéu. (José obedece.)

FÁBIO – Minha senhora...

HELENA (Sem olhar estende o braço e aponta com o dedo a porta.) – José! convida este senhor a sair. (Fábio toma o chapéu e sai arrebatado.)

CENA IX

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HELENA, CLARIMUNDO e CINCINATO


CLARIMUNDO – Filha abençoada!... exulta!...

HELENA (Rompendo em soluços.) – E Adriano!... e meu marido!... (Nos braços de Clarimundo.)

CLARIMUNDO – Eu o salvarei.

CINCINATO (De joelhos toma e beija a mão de Helena.) – Perdão, minha senhora! beijo-lhe o santo dedinho indicador que mostrou a porta da rua ao diabo.


FIM DO TERCEIRO ATO