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Tudo o que você sempre quis saber sobre a urna eletrônica brasileira/Capítulo 1

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ELEIÇÕES NO BRASIL

Antes de se iniciar o assunto tema deste livro é preciso fazer uma retrospectiva sobre a história das eleições no Brasil e seu funcionamento desde então.

A primeira eleição da qual se tem registro ocorreu no período colonial, em 1532, na Capitania de São Vicente, para a escolha dos representantes das Câmaras Municipais, pessoas que seriam responsáveis pelas vilas coloniais. Essa eleição passou a acontecer a cada três anos e sua realização seguia as determinações das Ordenações do Reino, documento que fazia um compilado das leis realizadas pelos reis de Portugal.

O direito ao voto era restrito aos chamados “homens bons”, grupo de homens que possuíam alguma linhagem nobre ou que possuíam algum negócio de importância, o que também pode ser entendido como pessoa com posses e rendas. O processo utilizado era o do voto indireto: primeiro, os votantes presentes escolhiam os eleitores e, a seguir, esse grupo escolhia alguns nomes que, ao final do processo, eram apontados por sorteio. Os cargos eletivos eram para juízes, vereadores e procuradores.

Título eleitoral do Império Brasileiro, passado na cidade de Juiz de Fora, em 1881 / Crédito: Harpy Leilões

Durante o período monárquico, entre 1822 e 1889, o sistema eleitoral mudou. O novo modelo foi inserido a partir da Constituição de 1824, outorgada pelo imperador D. Pedro I. Tinham direito ao voto apenas os homens livres, maiores de 25 anos e com renda mínima de 100 mil réis anuais.

As eleições para o Legislativo, durante o período monárquico, funcionavam da seguinte maneira:

.Os eleitores com as condições mínimas de voto eram chamados de eleitores da província e elegiam os compromissionários;

.Os compromissionários elegiam os eleitores da paróquia;

.Os eleitores da paróquia elegiam os eleitores da comarca;

.Por fim, os eleitores da comarca elegiam os deputados.

No caso de senadores, os três nomes mais votados eram levados ao imperador, que nomearia um deles. O cargo de senador, nessa época, era vitalício. Nas eleições desse período, os libertos, ou seja, os antigos escravos tinham direito de participar apenas da instância básica de voto. Os analfabetos também podiam votar.

No começo da década de 1880, foi aprovada a Lei Saraiva com alterações bruscas em todo o funcionamento do processo eleitoral.

José Antonio Saraiva- (Lei Saraiva)
imagem reprodução internet

Essa lei aumentou a exigência de renda mínima, que passou para 200 mil réis anuais, e exigiu a assinatura do documento de alistamento eleitoral. A nova condição reduziu o eleitorado brasileiro. Antes da Lei Saraiva, os eleitores correspondiam a 13% da população. Após essa lei, os eleitores brasileiros passaram a corresponder a apenas 0,8% da população.

Com a Proclamação da República no Brasil e a promulgação da Constituição de 1891, ocorreram mais mudanças no eleitorado, reduzindo a idade mínima para 21 anos e excluindo os analfabetos, soldados rasos e mendigos. Mesmo com as mudanças, o exercício do voto continuava exclusivo aos homens.

Em 1° de março de 1894, ocorreu a primeira eleição direta para a escolha do Presidente da República. Havia 203 candidatos para a presidência e 335 para a vice-presidência. 116 candidatos receberam um único voto. Prudente de Morais foi eleito com 82,9% dos votos e tomou posse no dia 15 de novembro, dois anos após a Proclamação da República.

Primeira eleição direta para presidente da República no Brasil

Uma característica importante desse sistema eleitoral era o voto não secreto. Isso permitia todo tipo de manipulação de votos e intimidação de eleitores. As marcas do período da Primeira República, de 1889 a 1930, foram exatamente as eleições fraudadas. Nessas fraudes, estão incluídas a manipulação das atas eleitorais, a troca de votos pela concessão de favores, a intimidação dos eleitores, a manipulação na contagem de votos, entre outros. A intimidação dos eleitores, por exemplo, foi uma prática que se tornou conhecida como voto de cabresto. Também era comum a troca de votos do eleitor por roupas, sapatos, cestas básicas e até dentaduras.

No período conhecido como Era Vargas, de 1930 a 1945, não foram realizadas eleições diretas no país, mas o sistema eleitoral sofreu profundas alterações com a criação do Código Eleitoral em 1932. Esse Código instituiu a Justiça Eleitoral, responsável por organizar as eleições. Nesse Código também consta o decreto do sufrágio universal, o que fez do Brasil um dos primeiros países a permitir que mulheres votassem.

Durante a Segunda e a Terceira República não houve mudanças significativas nas regras eleitorais.

Em 1945, iniciou-se no Brasil o período chamado de Quarta República, que foi o primeiro período democrático no país. Na Quarta República havia sufrágio universal. Assim, homens e mulheres maiores de 18 anos votavam, exceto os analfabetos. Nesse período, houve eleições em 1945, 1950, 1955 e 1960. O processo foi interrompido com o golpe de 1964.

As eleições diretas para presidente foram abolidas no país com a decretação do Ato Institucional n° 2, em 27 de outubro de 1965. Os presidentes desse período foram eleitos indiretamente pelo Congresso Nacional.

Em 1984, espalhou-se pelo Brasil a campanha Diretas Já, que surgiu em apoio à Emenda Constitucional Dante de Oliveira. Essa emenda defendia o retorno das eleições diretas no Brasil.

Em abril de 1984, Tancredo Neves reuniu no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, mais de 1 milhão e quinhentas mil pessoas em apoio ao movimento Diretas Já. Tancredo foi o primeiro a discursar e foi muito aplaudido quando disse: "Chegou a hora de libertarmos esta pátria desta confusão que se instalou no país há 20 anos" e seguiu defendendo a aprovação da emenda no Congresso, afirmando que os parlamentares que votassem contra a emenda deveriam se retirar do Congresso, já que não representavam mais a vontade do povo.

Apesar do engajamento popular e das grandes manifestações, a emenda não foi aprovada.

Tancredo Neves foi o último presidente eleito de forma indireta no Brasil. Porém, em 14 de março de 1985, um dia antes de sua posse, foi internado às pressas no Hospital de Base do Distrito Federal e transferido, em 26 de março, para o Hospital das Clínicas de São Paulo.

Durante todo o período em que ficou internado, Tancredo sofreu sete cirurgias. Em 21 de abril, Tancredo faleceu, aos 75 anos. A versão oficial informava que fora vítima de uma diverticulite. Apurações posteriores indicaram que se tratava de um leiomioma benigno, mas infectado. Os médicos esconderam até o fim a existência de um tumor, devido ao impacto que a palavra câncer poderia provocar à época.

Com a morte de Tancredo, a presidência foi assumida pelo vice, José Sarney, a quem coube a missão de comandar a elaboração de uma nova Constituição.

A Constituição de 1988 marcou o fim da ditadura militar no Brasil e definiu as regras do sistema eleitoral brasileiro, vigentes até hoje:

1. Eleições diretas para os cargos de:

.Presidente e Vice-Presidente da República, Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal;

.Senador, Deputado Federal, Deputado Estadual e Deputado Distrital;

.Prefeito, Vice-Prefeito e Vereador.

2. Definição de eleitores:

A soberania popular é exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, sendo obrigatório para os maiores de 18 anos e facultativo para analfabetos, maiores de 70 anos e maiores de 16 anos.

A primeira eleição presidencial realizada após essa Constituição foi a de 1989, na qual foi eleito Fernando Collor de Melo.

Em 1997, o sistema eleitoral foi aprimorado com a Lei das Eleições: Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997.

Atualmente, o funcionamento do sistema eleitoral brasileiro segue as determinações do Código Eleitoral Brasileiro, documento que agrupa a Constituição Federal, a Lei das Eleições e uma série de outras leis eleitorais.

A eleição presidencial no Brasil acontece regularmente a cada quatro anos. No mesmo pleito a população elege também governadores, senadores, deputados federais, estaduais e distritais, este válido para o Distrito Federal. A cada quatro anos, entre duas eleições presidenciais, também são realizadas eleições para prefeitos e vereadores.

Para os cargos do Executivo, presidente, governadores e prefeitos, a disputa acontece em duas etapas: primeiro e segundo turno. A legislação brasileira determina que um candidato é eleito em primeiro turno caso ele alcance 50% + 1 dos votos válidos, se obtiver, portanto, a maioria absoluta dos votos. Os votos em branco e nulos não são considerados votos válidos e são descartados.

Se nenhum candidato obtiver a maioria absoluta dos votos no primeiro turno, os dois melhores colocados vão para a disputa em segundo turno, e aquele que obtiver a maioria dos votos válidos será decretado vencedor.

No caso de senadores, a eleição acontece por maioria simples. O candidato, ou os candidatos, caso estejam em disputa duas vagas, é eleito em caso de obtenção da maioria simples dos votos válidos. Para a eleição de deputados, federais e estaduais, e vereadores, a disputa acontece por uma eleição proporcional, que varia de acordo com o quociente eleitoral, ou seja, o mínimo de votos que um candidato de determinado partido precisa obter para ser eleito.

A partir da eleição de 2018, todos os partidos que participam do pleito podem concorrer à distribuição dos lugares não preenchidos com a aplicação do quociente partidário. Pela regra anterior, apenas os partidos que alcançassem o quociente eleitoral podiam concorrer a essas vagas. A nova regra abriu a possibilidade de participação de partidos com votações menores.

A duração dos mandatos varia de acordo com os cargos. Presidente, governadores e prefeitos têm direito a um mandato de quatro anos, podendo disputar uma reeleição. No caso de deputados e vereadores, o mandato também é de quatro anos, podendo ser reeleitos quantas vezes conseguirem. Já os senadores têm mandato de oito anos, podendo reelegerem-se indefinidamente também.

EVOLUÇÃO DO VOTO NO BRASIL

RELATÓRIO TCU

Como eram as votações

A votação no Brasil sempre acontece no mês de outubro, sendo o primeiro domingo do mês dedicado ao primeiro turno e o último domingo do mês dedicado ao segundo turno, caso haja necessidade.

Antes de iniciar o processo para a votação, alguns eleitores são convocados pelos Tribunais Regionais Eleitorais para trabalhar nas eleições. Esses eleitores recebem um treinamento para atender à população no dia da votação.

As votações ocorrem nas escolas municipais e estaduais e são iniciadas pontualmente às 8h e encerradas às 17h.

Cédula eleitoral de papel da eleição de 1989 em São Paulo[1]
Cédula eleitoral utilizada nas eleições municipais de 1996 - TRE RN

Para a votação, ainda no formato em papel, os mesários organizavam as salas de votação, chamadas de seções eleitorais, com a colocação de uma urna de lona em local visível, uma cabine de votação, para garantia do sigilo do voto e mesa para checagem de documentos, assinatura do livro de comparecimento e entrega do comprovante de votação.

Para votar, os eleitores enfrentavam grandes filas que, em diversas ocasiões, ultrapassaram o horário previsto para o fechamento das urnas.

Ao entrar na sala, o eleitor apresentava o documento de identificação e assinava o livro de comparecimento. Em seguida, recebia uma cédula em papel e se dirigia à cabine de votação.

Nas eleições para os cargos de prefeito, governador e presidente, as cédulas apresentavam a lista de candidatos e o eleitor fazia um “X” no quadradinho referente ao candidato de sua escolha.

Para os demais cargos, vereador, deputado estadual, deputado federal e senador, o eleitor precisava escrever o nome ou o número do candidato.

Após a escolha, a cédula era dobrada e inserida na uma urna de lona.

Ao final da votação, o presidente da seção eleitoral lacrava a urna com papel adesivo, colocava selos da Justiça Eleitoral e assinava o lacre. Por fim, as urnas eram levadas ao local de apuração.

Todo o procedimento podia e era acompanhando pelos fiscais dos partidos políticos.

Como eram as apurações

Durante a República Velha, os votos de todo o país eram enviados para o Rio de Janeiro, onde era realizada a apuração. Na época, os meios de transporte não eram eficientes e a apuração podia levar meses.

Com o passar do tempo, houve a regionalização da apuração. Assim como ocorria na votação, alguns eleitores eram convocados pelos Tribunais Regionais Eleitorais para trabalhar na apuração dos votos.

Após o término das votações, as urnas de cada localidade eram juntadas em locais amplos, como ginásios, por exemplo.

A apuração iniciava quando todas as urnas da localidade estavam reunidas. O pessoal convocado para o trabalho era dividido em grupos. As urnas eram verificadas e abertas para a contagem dos votos. Cada grupo abria uma urna por vez para realizar a contagem dos votos.

Até o ano de 1996, a apuração de votos no Brasil consumia horas, dias e até semanas. Mesmo sendo acompanhados por fiscais dos partidos políticos, como tudo era manual, erros e trapaças eram comuns. As principais irregularidades incluíam o preenchimento de cédulas, originalmente com votos em branco, em favor de um candidato e votos nulos interpretados ao gosto de quem fazia a leitura. A remoção e a inclusão de cédulas também eram corriqueiras.

Por esse motivo, a solicitação de recontagem de votos era frequente.

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  1. Nota do Wikisource: a cédula em questão faz referência às eleições de 1988.