Saltar para o conteúdo

Tudo o que você sempre quis saber sobre a urna eletrônica brasileira/Capítulo 13

Wikisource, a biblioteca livre

Impressão do Voto:
a polêmica em 2021

A impressão do voto é um assunto que sempre retorna à discussão e, volta e meia, é encaminhado ao Congresso algum projeto para sua implantação. A intenção seria: o eleitor realiza o registro do voto na urna eletrônica, a urna realiza a impressão do voto, o eleitor confere o voto impresso e ele é automaticamente inserido em outra urna. A justificativa seria evitar fraudes da urna eletrônica.

Esse foi o procedimento adotado na primeira eleição realizada com urnas eletrônicas em 1996. Naquele ano, alguns municípios realizaram as eleições para prefeitos e vereadores com urnas que faziam a impressão do voto. Ao todo, foram utilizadas 70 mil dessas urnas.

Paulo Camarão relata que houve muitos problemas e o TSE decidiu ser mais simples e mais econômica a remoção definitiva do voto impresso.

Nas eleições seguintes, já definido que não haveria voto impresso, o presidente do TSE na época determinou que deveria haver o voto impresso, pelo menos, em parte das urnas.

Camarão entrou em contato com os TREs, para que cinco municípios de cada estado utilizassem as urnas com impressoras. Isso seria cerca de 5.500 urnas. O presidente do TSE considerou a amostragem muito pequena e insistiu por um número maior. De volta às negociações com os TREs, Camarão conseguiu aumentar o número para pouco mais de 20 mil urnas.

Para a realização das eleições de 2002, a história se repetiu.

O Ministro Jobim era Presidente do TSE e coube a ele resolver essa questão. Jobim acompanhou os técnicos para entender quais seriam os problemas, visitou o Senado e a Câmara para conversar com parlamentares. Por fim, convidou a equipe técnica para ir ao seu apartamento e prestar mais esclarecimentos, para que pudesse tomar uma decisão. “Ele dizia: vocês venham aqui que vocês vão me explicar esse negócio da urna eletrônica”, conta Toné.

Ele pedia para cada um dos técnicos dar suas explicações e, dependendo da explicação, ele dizia: deixa eu raciocinar agora.

Eu dizia: Ministro…. ele interrompia: Toni, com licença, agora estou raciocinando.

O que ele fez?

Vamos botar essa tal de urna impressora em tantas urnas eletrônicas, fazer um boletim estatístico e mostrar, estatisticamente, que isso é prejudicial”, explicou Toné.

Foram utilizadas urnas com voto impresso em todas as seções eleitorais de Sergipe, do Distrito Federal e em mais 73 municípios do país, com a participação de cerca de 7 milhões de eleitores.

Os custos para a implantação foram muito altos. O tempo de votação nas seções com voto impresso foi superior ao tempo nas seções onde não havia. Além disso, o número de panes nas impressoras foi expressivo e o procedimento de carga dos programas foi mais demorado.

Giuseppe Janino acompanhou essa experiência e relata:

Foi o caos. No Distrito Federal a votação foi até uma hora da manhã. E se verificou toda a problemática.

O mais grave é voltar a mão do homem no processo, aquilo que foi eliminado em 1996, que era a fonte de toda a fraude.

Quando tem a impressão do voto, o eleitor vota, a máquina imprime o voto, verifica a impressão no vidro e vai para um saco plástico, ninguém vai tocar. Mas, depois, alguém vai contar. Como vai contar? Vai se jogar esse voto em cima de uma mesa, vai botar a mão do homem para contar. Não tem outra forma.

Existem pessoas bem-intencionadas que acreditavam que isso realmente daria maior transparência e outras, realmente tendenciosas, que queriam tumultuar. O TSE experimentou o voto impresso. Ele não fala de teoria, ele fala com experiência. Ele verificou que é um processo totalmente ineficiente, ineficaz e, além disso, é muito prejudicial.

Na tentativa de colocar um ponto final na polêmica, a Lei 10.740/2003 substituiu o voto impresso pelo registro digital do voto.

Em 2009, uma reviravolta: a Lei 12.034/2009 determinou algumas alterações no sistema eletrônico de votação brasileiro, entre elas o retorno do voto impresso a partir das eleições de 2014:

Art. 5º Fica criado, a partir das eleições de 2014, inclusive, o voto impresso conferido pelo eleitor, garantido o total sigilo do voto e observadas as seguintes regras:

§ 1º A máquina de votar exibirá para o eleitor, primeiramente, as telas referentes às eleições proporcionais; em seguida, aquelas referentes às eleições majoritárias; finalmente, o voto completo para conferência visual do eleitor e confirmação final do voto.

§ 2º Após a confirmação final do voto pelo eleitor, a urna eletrônica imprimirá um número único de identificação do voto associado à sua própria assinatura digital.

§ 3º O voto deverá ser depositado de forma automática, sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado.

§ 4º Após o fim da votação, a Justiça Eleitoral realizará, em audiência pública, auditoria independente do software mediante o sorteio de 2% (dois por cento) das urnas eletrônicas de cada Zona Eleitoral, respeitado o limite mínimo de 3 (três) máquinas por município, que deverão ter seus votos em papel contados e comparados com os resultados apresentados pelo respectivo boletim de urna.

§ 5º É permitido o uso de identificação do eleitor por sua biometria ou pela digitação do seu nome ou número de eleitor, desde que a máquina de identificar não tenha nenhuma conexão com a urna eletrônica.”


De acordo com o texto contido na Lei, a urna eletrônica seguiria o mesmo procedimento de voto de até então, exibindo as telas referentes aos votos digitados. Entretanto, após a confirmação do eleitor, a urna imprimiria um número único de identificação do voto, associado à sua própria assinatura digital.

Após a impressão, o voto seria depositado de forma automática, sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado para, posteriormente, passar por auditoria independente, em audiência pública, a ser realizada pela Justiça Eleitoral após o fim da votação. O objetivo desse procedimento era comparar o resultado apresentado na urna eletrônica com o resultado dos votos impressos.

Giuseppe Janino também explica que, além das falhas mecânicas que podem ocorrer na hora da impressão do voto, essa sistemática nos levaria de volta ao tempo das fraudes em eleições realizadas com cédulas de papel:

Com essa alternativa do voto impresso como mecanismo de auditoria, não precisa mais de inteligência para fraudar uma eleição, basta um pouquinho de habilidade.

Hoje o voto é protegido por todas as funcionalidades digitais, é criptografado, assinado digitalmente, é protegido com funções de imutabilidade, e pode ser verificado com vários mecanismos. Se você pegar o mesmo voto e colocar no papel, você não tem mais nada disso.

Pra fraudar, no paradigma digital, precisa de muita inteligência. Você precisa de um supercomputador, trabalhando seis meses para quebrar uma criptografia daquela, precisa de um supercomputador trabalhando 7 meses para quebrar uma assinatura digital e, se quebrar, vai ficar rastro. No voto em papel você não precisa de nada disso. Um pouquinho de habilidade, você subtrai um voto. Aí não bateu papel com digital, você vai acreditar no papel ou no digital? Ninguém vai decidir, qual é a saída? Anular aquela seção.

Eu sei que meu candidato vai perder naquela seção, eu vou dar um jeito de simplesmente subtrair um voto em papel.”

A Justiça Eleitoral se posicionou publicamente contrária a esse ponto da Lei, por considerar que a impressão seria um retrocesso aos tempos de votação por cédula em papel. A impressão dos votos, além de desnecessária, geraria custos adicionais de cerca de bilhões de reais aos cofres públicos.

Também há o entendimento de que impressão do voto fere o artigo 14 da Constituição Federal, que garante o voto secreto.

A Procuradoria-Geral da República - PGR ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4543, para impedir a impressão do voto, pois poderia tornar vulnerável o sigilo do voto, abrir a possibilidade de coação de eleitores e aumentar a possibilidade de fraudes eleitorais.

No dia 19 de setembro de 2011, os Ministros do STF concederam uma medida cautelar para suspender, até o julgamento de mérito da ADI, a aplicação do voto impresso nas eleições de 2012. Nessa concessão, já se anunciava qual seria a decisão do STF, pelo exposto na conclusão do voto da Ministra Carmen Lúcia:

Pelo exposto, voto no sentido de deferir a medida cautelar requerida, para suspender os efeitos do art. 5º da Lei n. 12.034/09, porque presentes a plausibilidade jurídica dos argumentos lançados pela Procuradoria-Geral da República e o perigo da demora, pois a persistência da eficácia do dispositivo legal questionado impõe a aquisição e adequação dos equipamentos de votação, mudança na estrutura e dinâmica do Serviço de Tecnologia da Informação do Tribunal Superior Eleitoral, a braços com as providências necessárias para a realização das eleições de 2012 e que teriam, ainda, que adotar procedimentos paralelos de licitações, mudança de sistema, gastos públicos, para a adaptação determinada, sem possibilidade de saneamento ou de refazimento destes dispêndios tecnológicos e financeiros após a sua realização e que seriam descartados e sem aproveitamento se, ao final, vier a ser declarado inconstitucional o dispositivo legal impugnado.


O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4543 ocorreu em 6 de novembro de 2013. A decisão do STF foi unânime:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ELEITORAL. ART. 5º DA LEI Nº 12.034/2009: IMPRESSÃO DE VOTO.

SIGILO DO VOTO: DIREITO FUNDAMENTAL DO CIDADÃO.

VULNERAÇÃO POSSÍVEL DA URNA COM O SISTEMA DE IMPRESSÃO DO VOTO: INCONSISTÊNCIAS PROVOCADAS NO SISTEMA E NAS GARANTIAS DOS CIDADÃOS.

INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA.


AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.

1. A exigência legal do voto impresso no processo de votação, contendo número de identificação associado à assinatura digital do eleitor, vulnera o segredo do voto, garantia constitucional expressa.

2. A garantia da inviolabilidade do voto impõe a necessidade de se assegurar ser impessoal o voto para garantia da liberdade de manifestação, evitando-se coação sobre o eleitor.

3. A manutenção da urna em aberto põe em risco a segurança do sistema, possibilitando fraudes, o que não se harmoniza com as normas constitucionais de garantia do eleitor.

4. Ação julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 5º da Lei nº 12.034/2009.

(ADI 4543, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 06/11/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-199 DIVULG 10-10-2014 PUBLIC 13-10-2014)


Em 2015, o tema voltou ao Congresso, com a aprovação da Lei nº 13.165/2015, que impôs novamente a obrigatoriedade do voto impresso, seguindo os preceitos da Lei anterior, 2009, para a sistemática da impressão dos votos. Com essa medida, a urna eletrônica precisou ser reformulada para adotar o sistema de impressão que deveria começar a substituir, aos poucos, as urnas antigas, a partir das eleições de 2018.

Ao final de 2017, porém, o TSE desistiu de iniciar a substituição das urnas eletrônicas para o novo modelo, pois concluiu que o prazo de testes seria muito curto. A melhor opção foi licitar um módulo impressor de votos - MIV, para ser acoplado às urnas em uso. O MIV, desenvolvido pela empresa Quattro Eletrônica, é constituído por uma impressora de votos, um visor do voto, um transportador do voto e uma urna plástica descartável.

Em 2018, o Senado Federal arquivou uma Sugestão Legislativa (SUG nº 39 de 2017) enviada ao Portal e-Cidadania por um cidadão do Paraná, que solicitava o retorno das cédulas de papel e de urnas de lona para a eleição de 2018.

Na campanha para as eleições presidenciais de 2018, o candidato à Presidência da República, Jair Bolsonaro, começou a fazer declarações contra o uso da urna eletrônica, dizendo que, caso perdesse as eleições, estaria clara a ocorrência de fraude.

Após ser eleito no segundo turno das eleições, sua campanha contra o uso das urnas eletrônicas se intensificou com acusação de fraude: “pelas provas que tenho em minhas mãos, que vou mostrar brevemente, eu fui eleito no primeiro turno, mas, no meu entender, teve fraude. E nós temos não apenas palavra, temos comprovado, brevemente quero mostrar, porque precisamos aprovar no Brasil um sistema seguro de apuração de votos. Caso contrário, passível de manipulação e de fraudes (…)”, declarou num evento realizado com apoiadores do governo, em Miami, em março de 2020.

Após as eleições presidenciais dos Estados Unidos, Bolsonaro retomou o assunto: “Se nós não tivermos o voto impresso em 22, uma maneira de auditar o voto, nós vamos ter problema pior que os Estados Unidos.

Lá [EUA], o pessoal votou e potencializaram o voto pelos correios por causa da tal da pandemia e houve gente lá que votou três, quatro vezes, mortos que votaram. Foi uma festa lá. Ninguém pode negar isso daí.

Apesar das acusações, Bolsonaro nunca conseguiu provar a ocorrência de qualquer fraude nas eleições brasileiras.

O PT e o partido do Bolsonaro, na época o PSL, constituíram as duas maiores bancadas da Câmara. Então não há como dizer que pode ter havido fraude. Pelo contrário. Em princípio ele, Bolsonaro, era um candidato não provável, ou, pelo menos, um vitorioso não provável. A sua vitória constituiu um fator de surpresa. Essa acusação é totalmente injusta e não tem prova”, afirmou o Ministro Gilmar Mendes.

Meses mais tarde, na internet, Bolsonaro confirmou não ter provas das acusações realizadas e se desculpou publicamente com o TSE.

Em 2021, a Proposta de Emenda à Constituição nº 135, apresentada em 2019, para o retorno da impressão dos votos, causou enorme confusão nos eleitores. Nas redes sociais, muitos se manifestavam a favor do procedimento, porém com o entendimento errôneo de que a impressão do voto seria um recibo para o eleitor levar para a casa, com os nomes dos candidatos nos quais teria votado. Num outro entendimento, o voto em papel seria utilizado apenas para auditoria, em caso de dúvida sobre o resultado da eleição.

A proposta apresentada, na realidade, trazia o retorno da apuração através do voto em papel, tornando a urna eletrônica uma mera substituidora da caneta nas antigas eleições em cédula de papel.

O procedimento requerido traria de volta uma infinidade de problemas que a urna solucionou, entre eles os diversos tipos de fraudes na apuração, já mencionados em capítulos anteriores, e a diminuição de eleitores aptos a votar. Como analfabetos e cegos poderiam fazer a conferência da impressão do voto? Além disso, assim como também já mencionado anteriormente, a impressão do voto requer mais equipamentos físicos: a impressora, um visor para a conferência do voto, uma máquina para o corte do papel, compartimento maior para armazenamento do papel, mais bateria para o funcionamento em localidades sem energia elétrica e até mesmo para todos os locais, para precaver uma eventual falta de energia, urna para depósito do voto em papel e a programação no sistema da urna, para obedecer ao procedimento.

O Ministro do STF e presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, concedeu uma entrevista ao programa Prerrô, na TVT, em junho de 2021, na qual foi questionado sobre a impressão de voto. Para ele, a impressão do voto, seria “uma volta no túnel do tempo a um país de fraudes e eleições contestadas. (…) (Os votos impressos) vão precisar ser transportados para algum lugar, no país do roubo de cargas, da milícia, do PCC, da Família do Norte. (…) Depois vamos ter que guardar esses votos, lembrando que o Brasil era o país em que as urnas apareciam 'grávidas' ou esvaziadas. E vamos ter que recontar a mão, porque é o único sentido do voto impresso. Vamos voltar ao tempo em que votos apareciam, desapareciam, gente que comia voto… vamos criar um mecanismo de auditagem menos seguro do que a urna eletrônica.

Em entrevista ao TRE da Bahia em 2021, o Ministro Velloso relatou:

A impressão do voto traz complicações e insegurança. É que o atraso não combina com o progresso, a burrice abomina a inteligência. E foi o que aconteceu, quando tivemos, em curto espaço de tempo, o voto impresso. Dou um exemplo: a impressora do seu escritório, quantas vezes enguiçou, ou parou, por desarranjo? Imagine uma pequena impressora, adaptada a milhares de urnas eletrônicas, rodando Brasil afora, sujeita às intempéries do clima, calor, frio, chuva. A experiência, então, não foi boa. Muitas travaram a votação, que teve de continuar com a cédula de papel, tumultuando a votação. E mais: o voto impresso, além de possibilitar a quebra do sigilo do voto, é absolutamente desnecessário e nada acrescenta, porque a urna eletrônica pode ser auditada antes, durante e depois das eleições. Ela tem mais de sete mecanismos de segurança. E mais: eleitor de má-fé, servindo a candidato ou a partidos – e quantos, de má-fé, poderiam alegar “votei no candidato X e o voto impresso indica o candidato Y.” E como resolver o impasse? E o transporte desses impressos, pelo território continental do Brasil? A recontagem manual nos faria retornar ao sistema antigo das fraudes. Afinal, qual o propósito dos que pedem o voto impresso? Na verdade, querem uma forma de impugnar o resultado das eleições, se lhes for desfavorável. Nos Estados Unidos, que têm, na maioria dos Estados, o voto em papel, os trumpistas impugnaram os resultados da apuração.Para os técnicos, a questão da impressão não é um problema de difícil resolução, mas custaria alguns bilhões a mais aos cofres públicos.

Caso um novo Projeto de Lei exija a impressão do voto apenas para auditoria posterior, os TREs precisarão se organizar para armazenar os votos impressos em local seguro, pelo tempo que a lei determinar.

As primeiras eleições com a urna eletrônica já provaram ser desnecessário, caro e burocrático realizar a impressão do voto. Já o fizeram. Já vivenciaram todos os problemas da impressão do voto apenas para auditoria. Já provaram que a urna eletrônica é mais segura que o voto em papel.

Por sorte, a Comissão Especial que avaliou a questão assim, também analisou, dando parecer desfavorável à impressão do voto. Eis o parecer:

De um modo geral, ainda que não se esteja propondo, necessariamente, um retorno ao modelo anterior, a introdução de um comprovante impresso traz sérios riscos ao processo democrático, associado ao contato humano com toneladas de papel: - Haveria, em primeiro lugar, mais riscos no transporte e na custódia de urnas, que envolveriam, mais uma vez, toneladas de papel, gerando novas oportunidades para eventuais fraudes.

- Haveria, também, a potencialização de fraudes no processo de apuração, uma vez que se traria de volta o contato de um grande número de pessoas com pequenos pedaços de papel, favorecendo a adição ou supressão de votos, ainda que fosse apurada apenas uma amostra dos comprovantes impressos. E isso estendendo no tempo a apuração, por dias ou mesmo semanas e, com isso, mais uma vez, favorecendo a ação humana maliciosa.

- O problema da adição ou supressão de votos impressos também não é resolvido com assinaturas digitais ou QR Codes.

Se a premissa é que o sistema atual é vulnerável sobretudo a um ataque interno, de funcionários da Justiça Eleitoral, podendo haver, por exemplo, a replicação de assinaturas digitais. Da mesma maneira, se softwares são f raudáveis, o voto em determinado candidato poderia ser associado à adulteração das assinaturas ou falhas de impressão do QR Code, anulando posteriormente aquela cédula.

- Ao criar o elemento do comprovante como prova última, ainda que o eleitor pudesse cancelar posteriormente seu voto, como no sistema atual, haveria também a potencialização da compra de votos, pela exigência de foto do comprovante, inclusive pela exploração do desconhecimento do novo sistema.

- Haveria ainda a potencialização de tumultos, daqueles que, para prejudicar seções nas quais seus adversários sejam mais fortes, indiquem maliciosamente discrepância entre o voto eletrônico e o comprovante, para atrasar ou impedir o voto das demais pessoas.

Do ponto de vista da inclusão, como oportunamente salientado no voto em separado dos ilustres Deputados Arlindo Chinaglia, Odair Cunha e Carlos Veras, o sistema também traria novos problemas, como, por exemplo:

- A adição da impressora, como componente eletromecânico, adiciona mais chances de falhas e travamentos no curso da eleição, o que pode retardar, ou mesmo inviabilizar, o direito de voto em determinadas seções eleitorais, especialmente as mais pobres e distantes dos grandes centros.

- A existência de um comprovante impresso, com layout distinto da urna eletrônica e composto por letras e números bem menores e sem possibilidade de contato manual, prejudicará a acessibilidade do sistema, um dos maiores ganhos trazidos pelas urnas eletrônicas, vulnerando o direito ao voto de cidadãos brasileiros analfabetos e deficientes visuais.

- Por fim, partidos pequenos, ou em ascensão, terão dificuldades de acompanhar a apuração dos votos impressos ou sua recontagem, em caso de auditoria, estabelecendo desigualdades que hoje simplesmente não são preocupações para nossas agremiações.

Finalmente, é preciso considerar que a proposta apresentada não entrega o que promete aos eleitores brasileiros, não agregando nenhum avanço consistente no sistema de votação brasileiro que não seja, ao mesmo tempo, acompanhada de uma desvantagem ainda maior:

- O comprovante impresso é apresentado como uma forma do eleitor “auditar” seu voto, como se o processo eleitoral terminasse quando o comprovante cai na urna. O exercício da lógica e a própria análise da história brasileira apontam, no entanto, que as potenciais chances de erro, fraude e fenômenos análogos encontram-se na apuração ou mesmo na auditoria manual desses votos, com todas as desvantagens associadas ao papel.

- Assim, partindo da premissa da possibilidade de fraude, o voto impresso, nesse aspecto, pode consistir em um instrumento para iludir o eleitor. Vota-se João, lê-se João no comprovante e acredita-se na integridade do sistema, mas, na apuração, João pode desaparecer ou se tornar José pela própria ação humana.

- Se usado apenas para fins de auditoria, o voto impresso cria outro problema. Quem seria o responsável por essa auditoria? Se for o TSE, as desconfianças dos defensores do voto impresso permaneceriam. Se ela ficar a cargo do partido que a deseja, por que confiar mais em um partido adversário político que na autoridade eleitoral?

- Ademais, ao agregar a todos os processos envolvidos na eleição atual um código de gerenciamento de impressão, impressoras e cédulas de papel, sob a justificativa de proteger o sistema, sua “superfície de ataque” é aumentada. Em outras palavras, as chances para possíveis fraudes se multiplicam.

- Além das já citadas adições ou supressões de comprovantes impressos, é possível, em tese, se a premissa é que softwares são fraudáveis, gerenciar a impressora para produzir mais votos impressos que aqueles indicados pelos eleitores, o que seria suficiente para anular os votos de uma seção.

Seria possível também, em tese, como já sinalizado, associar o voto em determinado candidato a falhas na impressão para dificultar posteriormente a apuração.

- Esses problemas, nos levam inclusive a um dos principais dilemas da introdução de um comprovante impresso: a desconfiança na utilização de softwares, se levada a sério, precisa conduzir ao seu abandono por completo no processo eleitoral.

- Outro dilema central reside no seguinte questionamento: qual seria a consequência jurídica da discrepância entre os votos eletrônicos e os votos em papel? Se vale o eletrônico, não haveria por que adotar o papel. Se vale o papel, o eletrônico também de pouco vale. E se a solução for anular os votos dessa urna, trata-se, mais uma vez, de um incentivo a quem queira fraudar ou tumultuar seções nas quais possui desvantagem. Nesse sentido, bastaria a adição ou supressão de uma cédula para causar um problema de difícil solução.

No curso dos trabalhos da Comissão, o eminente relator, Deputado Filipe Barros, tentou oferecer, no âmbito de seu parecer, soluções para alguns dos problemas acima aventados. As propostas consolidadas em seu substitutivo, pela própria natureza da matéria e a despeito das intenções do ilustre Deputado, trouxeram alguns problemas ainda maiores, reforçados na complementação de voto apresentada no dia 04/08/2021. Abaixo, estão relacionados alguns exemplos.

- Ao prever no último documento apresentado que 'a apuração consiste na contagem dos votos colhidos na seção eleitoral, pela mesa receptora de votos', o relator faz com que o comprovante impresso não seja um instrumento de eventual auditoria, mas o elemento central do processo, abolindo, na prática, o voto eletrônico. No modelo do relator, a urna eletrônica converte-se apenas em uma 'caneta', bastante cara ao contribuinte inclusive, para o preenchimento da cédula impressa.

- Ademais, a proposta de que a apuração seja realizada na própria seção eleitoral aumentará exponencialmente as chances de fraude e tumulto nas eleições. Temos, hoje, no Brasil, quase meio milhão de seções eleitorais, muitas delas em áreas remotas, de difícil acesso, algumas sem acesso à energia elétrica e outras sob o controle ou forte influência de oligarquias e do crime organizado. Além disso, nem os partidos e nem os órgãos de controle terão estrutura para acompanhar tantas seções e o número de pessoas em contato com as cédulas impressas será multiplicado exponencialmente.

- Esse problema é agravado pela própria extensão da apuração no tempo. Poderão ser horas, e mesmo dias, apurando votos em cada seção (lembre-se, quase meio milhão), sem clareza de como se dará a totalização dos votos a partir do resultado. Se feita de maneira manual, haverá mais retrocesso e chances de fraude. Se feita de maneira eletrônica, a totalização ficaria sujeita às mesmas críticas que hoje lhe fazem parte dos defensores do voto impresso e passará a se lutar por “totalização manual” ou “totalização auditável”.

- Na mesma esteira, a última versão do substitutivo do relator versa que os registros impressos serão “preservados pelo prazo de 5 (cinco) anos contados a partir do dia seguinte da proclamação do resultado”. Mais uma vez, toneladas de papel terão que ser custodiadas, dessa vez por anos, gerando novas preocupações e vulnerabilidades para o processo eleitoral e, portanto, para a democracia brasileira.

- As vulnerabilidades geradas pela contagem manual de votos em quase meio milhão de seções eleitorais são coroadas, em seguida, pela disposição de que os partidos poderão requerer, em 15 dias, a partir da proclamação do resultado, “a recontagem de votos de determinada seção eleitoral, perante o juízo eleitoral a que a respectiva seção eleitoral faz parte”.

Estabelece-se aí uma faculdade subjetiva, destituída de qualquer condição para o seu exercício, como indícios ou suspeitas de fraude. Trata-se de um convite para a insubordinação do derrotado e para o tumulto do processo democrático. Bastará, como já assinalado, a supressão ou acréscimo de uma única cédula para a potencial anulação do processo eleitoral.

- Outro ponto grave da última versão do substitutivo é a vulneração e, para a maior parte de suas implicações, a abolição do princípio da anualidade (ou anterioridade) da lei eleitoral previsto no artigo 16 da Constituição Federal. O relator passa a resumir o referido princípio à vedação de legislações que interfiram na “paridade entre candidatos”. Do ponto de vista formal, qualquer falta de paridade levaria à inconstitucionalidade de uma norma, uma vez que se estaria desrespeitando o direito constitucional à igualdade. Assim, para efeitos práticos, o princípio da anualidade é esvaziado.

- É abolida, por exemplo, toda a ideia, reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, desse princípio também como uma “garantia individual do cidadão-eleitor”, “a quem assiste o direito de receber do Estado, o necessário grau de segurança e de certeza jurídicas contra alterações abruptas das regras inerentes à disputa eleitoral” (ADI 3.345, rel. min Celso de Mello). Assim, visando eliminar a anterioridade para a implementação imediata do voto impresso, o relator deixa, ainda que inadvertidamente, os eleitores brasileiros vulneráveis ao casuísmo das maiorias políticas eventuais.

- Ainda que medidas iníquas possam ser questionadas por outros meios, na versão do relator, o princípio da anterioridade não protege mais o eleitor contra mudanças abruptas nas regras de alistamento eleitoral, mudança de domicílio ou exigência de documentos adicionais para a votação, por exemplo, que poderiam ser aprovadas às vésperas da eleição.

- Mas os “candidatos”, únicos titulares do direito à anterioridade na proposta apresentada, também podem ser prejudicados. Muitas regras formalmente “paritárias” podem vir a ter impacto desigual sobre candidatos e partidos políticos. Aumentos no tempo de filiação partidária ou domicílio eleitoral, por exemplo, são regras que valem para todos, mas que, uma vez aprovadas às vésperas do período eleitoral, poderiam ter um impacto desigual sobre candidatos, impedindo que muitos pudessem se candidatar.

- Da mesma maneira, as estratégias dos partidos políticos para o processo eleitoral, pensadas com um mínimo de antecedência, poderiam ser simplesmente arruinadas com mudanças realizadas de véspera, em princípio isonômicas, como mudanças no sistema eleitoral, restrição ou ampliação da campanha na internet ou no regime de coligações majoritárias, por exemplo. Nesse sentido, quem é o algoz em um dia, pode facilmente converter-se em vítima do casuísmo em um outro dia.

A Constituição, enfraquecida no substitutivo do relator, nesse sentido, nos protege e, portanto, é importante defendê-la a despeito de qualquer divergência partidária.

- Assim, diante das possibilidades assinaladas, é possível perceber que a última versão do substitutivo do relator, eminente Deputado Filipe Barros, no afã de implementar o voto impresso, acaba por sugerir uma mudança constitucional que, se aprovada, representaria o maior golpe na segurança jurídica das eleições que já se viu desde a promulgação da Constituição de 88.

A população brasileira depois de vinte e cinco anos da utilização da urna eletrônica, reconhece e testemunha a conquista que ela representa. Diferentemente do período em que o voto era em papel, não há nenhuma confirmação de uma única fraude nesse período, e mais, não houve sequer uma única suspeita fundamentada nesse longo ¼ de século. Nosso objetivo, enquanto sociedade é continuarmos defendendo a democracia, a segurança nos processos eleitorais, sem negar ou combater os avanços já conseguidos.

Mesmo após o parecer contrário, a PEC foi encaminhada à votação na Câmara dos Deputados, em 10 de agosto de 2021. Para sua aprovação, seriam necessários 308 votos, mas obteve 229 votos e foi arquivada.

Para o Ministro Gilmar Mendes, a apresentação de uma PEC para a realização da impressão do voto foi além da desconfiança no processo eleitoral: “o problema é o ambiente político que se criou, que leva a uma discussão de alguns que não estão interessados em só colocar em dúvida o sistema eleitoral, mas em criar uma insegurança jurídica a ponto de contestar o resultado das eleições. Se esse é o propósito e se isso está se materializando na votação dessa PEC, ela não é boa.

Este trabalho é regulado nos termos da licença Creative Commons - Atribuição-Compartilha Igual 4.0 Internacional (CC BY-SA 4.0).