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Tudo o que você sempre quis saber sobre a urna eletrônica brasileira/Capítulo 3

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POR QUE CRIAR UMA
URNA ELETRÔNICA?

No capítulo anterior, vimos alguns exemplos de fraudes em eleições que utilizaram cédulas em papel. Nos mais de 5 mil municípios do Brasil, 5.570 em 2020, alguns em regiões mais distantes, a probabilidade de terem ocorrido mais fraudes, não comprovadas oficialmente, como voto formiguinha, compra de votos, voto de cabresto, urnas emprenhadas ou fraudes na apuração dos votos é assustadoramente grande.

A necessidade da urna eletrônica surgiu diante da morosidade da apuração dos votos das eleições com cédulas de papel, que era realizada por pessoas convocadas pela Justiça Eleitoral para um trabalho que, dependendo do município, poderia durar mais de três dias. Além disso, por mais confiabilidade que as pessoas convocadas pudessem ter, estavam sujeitas tanto ao erro, pois são humanas, quanto a favorecer o candidato de sua preferência.

Além de pôr um fim às fraudes, a intenção de se criar um sistema mecanizado era, também, facilitar a votação para o eleitor e otimizar, de alguma maneira, a apuração dos votos. E a ideia é antiga!

Criado em 1932, o Código Eleitoral, no seu artigo 57, citava o “uso das máquinas de votar”. Apesar de existir em ideia, na prática, não havia tecnologia suficiente para o desenvolvimento de algo assim. Ou não havia interesse.

Em 1958, passados mais de 25 anos da ideia inicial, Sócrates Ricardo Puntel, membro do Instituto Brasileiro de Inventores, apresentou para a imprensa, políticos e autoridades uma máquina mecânica para votação, com a imediata contagem de votos.

A máquina foi construída em 18 meses, funcionava por meio de duas teclas e duas réguas que indicavam os cargos a serem preenchidos.

Máquina de votação de Sócrates Ricardo Puntel
Sócrates Ricardo Puntel com a máquina de votar, site TSE

Do lado esquerdo da máquina, havia uma cancela que, ao ser empurrada na saída, emitia o som de uma campainha. À medida que a votação continuava, os contadores iam registrando o total. Ao final do processo de votação, a máquina era fechada e uma chave prendia totalmente o painel, o que evitaria possíveis fraudes.

Apesar de ter sido recebido com entusiasmo pelas autoridades do Tribunal Eleitoral, esse invento não chegou a ser utilizado.

Em 1978, o TRE de Minas Gerais apresentou ao TSE um protótipo para mecanização do processo eleitoral, que também não foi levado adiante.

O problema foi que, até esse momento, ninguém havia conseguido oferecer um modelo acessível, resistente, facilmente transportável às regiões mais distantes e que assegurasse tanto o sigilo do voto, quanto uma apuração confiável.

Foi somente a partir da década de 1980 que a informatização do voto pôde começar a sair do papel, com a consolidação de um cadastro único e automatizado dos eleitores.

Até então, o cadastro de eleitores era feito regionalmente. Cada localidade possuía seu próprio cadastro. Quando ocorriam as eleições, a Justiça Eleitoral reunia todos os resultados obtidos e contabilizava o resultado da eleição.

Havia muita discrepância, principalmente relacionada ao número de eleitores. Havia muitas falhas nos registros. Alguns eleitores eram cadastrados em mais de um município, já que não havia um controle nacional.

Em 1984, iniciou-se uma ampla reforma na Justiça Eleitoral, para unificar o cadastro de eleitores.

Em cada estado foi criado um Tribunal Regional Eleitoral, para cuidar de seus cadastros, sob a orientação do Tribunal Superior Eleitoral.

O TSE passou a ser o coordenador das eleições e os TREs os executores. Os desembargadores dos TREs têm amplos poderes e o TSE não realiza nenhuma interferência nesse processo.

Sob a presidência do Ministro Neri da Silveira, o TSE realizou o recadastramento de todos os eleitores brasileiros e criou o novo título eleitoral, com um número único nacional. Para isso, foi promulgada a Lei 7.444/85, que “dispõe sobre a implantação do processamento eletrônico de dados no alistamento eleitoral e a revisão do eleitorado, e dá outras providências”, completada pelas Resoluções do TSE 12.542/86 e 12.547/86, estabelecendo o formulário de recadastramento e as instruções para o alistamento eleitoral, respectivamente.
Título de eleitor de 1933 - utilizado de 1932 a 1937
Acervo do Memorial da Justiça Gaúcha
Título de eleitor de Caxias do Sul – RS, utilizado de 1945 a 1951, Acervo do Memorial da Justiça Eleitoral Gaúcha
Título de eleitor de Passo Fundo – RS, utilizado de 1951 a 1986, Acervo do Memorial da Justiça Eleitoral Gaúcha
Título de eleitor atual, utilizado a partir de 1986, Acervo do Memorial da Justiça Eleitoral Gaúcha

Os eleitores da cidade de Brusque, em Santa Catarina, foram os escolhidos para a primeira eleição experimental informatizada. Em 1989, no 1º turno das eleições presidenciais, os eleitores votaram em um computador.

A primeira votação eletrônica válida foi realizada com o sistema desenvolvido pelos irmãos Carlos e Roberto Prudêncio. O modelo, muito mais complexo do que a urna eletrônica atual, funcionava da seguinte maneira: os eleitores preenchiam uma cédula que passava por um leitor óptico semelhante ao das casas lotéricas e colocava a cédula já 'carimbada' pela máquina numa urna convencional. Ao final do pleito, para apressar a apuração, os dados registrados pela máquina eletrônica eram encaminhados a um computador central via telefone. As cédulas de papel ficavam armazenadas na urna convencional para eventual checagem, em caso de dúvida.

Mesmo após o sucesso consagrado e ser manchete em quase todos os jornais do país, esse modelo de coletor eletrônico de votos também não foi adotado.

Ainda em 1989, os Tribunais Regionais Eleitorais foram interligados, mediante canal de voz e dados, a um computador central instalado no Tribunal Superior Eleitoral. A recepção das informações foi realizada através de um microcomputador, modelo 386, com apenas 16 megas de memória. Cinco anos depois, em 1994, o TSE realizou o processamento eletrônico do resultado das eleições gerais de 1989.

Essa foi a primeira vez que o TSE realizou o processamento eletrônico do resultado de eleições com recursos computacionais da própria Justiça Eleitoral.

No meu biênio, montamos a infraestrutura necessária para que se pudesse pensar em votação eletrônica, que foi a criação da rede nacional da Justiça Eleitoral”, contou o Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence, no programa Memórias da Democracia, produzido pelo Tribunal Superior Eleitoral.

O Ministro recorda que essa rede nacional da Justiça Eleitoral permitia transmitir, a alguns centros regionais, as apurações de cada município. “Tanto que, ainda antes da urna eletrônica, dado o trabalho da rede, a eleição presidencial de 1994, já às 10h, 11h da noite, nos permitia anunciar o candidato eleito, que tinha alcançado a maioria absoluta”, lembra.

Da informatização dos tribunais às urnas eletrônicas, foi um longo processo. Alguns tribunais regionais realizaram testes com o Personal Computer - PC, com o objetivo de informatizar a coleta de votos. Avaliaram que o computador não seria um mecanismo seguro o suficiente para ser adotado em todo o país, e esse modelo foi descartado.

O ponta pé fundamental para retomar a trilha da informatização do voto foi dado pelo Ministro Carlos Mário da Silva Velloso.

O Ministro Velloso conta que, em 1994, quando ainda era vice-presidente do TSE, após uma partida de tênis, teve sua primeira conversa com Paulo César Bhering Camarão, seu parceiro nos jogos de final de semana e reconhecido especialista em informática, sobre o que hoje conhecemos por urna eletrônica. Nas memórias do Ministro, foi esse o diálogo:

Ministro Velloso: Camarão, seria possível informatizarmos o voto?

Paulo Camarão: Ministro, com os computadores tudo se pode fazer, quando se trabalha cientificamente.

MV: Que tal se a gente pensasse em informatizar o voto no Brasil?

PC: Acho que seria uma boa ideia.

MV: E você aceitaria fazer uma experiência na Justiça Eleitoral? Porque eu acho que serei eleito presidente.

PC: Topo!

Faltava agora apenas a concretização da nomeação do Ministro Velloso como presidente do TSE. A partir da decisão da informatização do voto, o TSE correu contra o tempo e, em menos de dois anos, o país experimentava as primeiras urnas eletrônicas.

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