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Tudo o que você sempre quis saber sobre a urna eletrônica brasileira/Capítulo 4

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A HISTÓRIA DA CRIAÇÃO
DA URNA ELETRÔNICA

Como previsto, o Ministro Velloso assumiu a presidência do TSE em 6 de dezembro de 1994 e levou sua ideia adiante.

O Ministro conta que não foi tão fácil implementar a ideia da informatização do voto. Para isso, foi necessária uma “verdadeira cruzada pelo país”.

Os presidentes dos TREs aceitaram de pronto a ideia. Os magistrados, os advogados, de modo geral, é que duvidavam. Afirmavam: os analfabetos e os semialfabetizados não conseguiriam votar no computador”, contou Velloso em entrevista para este livro.

Foi então que, com o apoio dos 27 Tribunais Regionais Eleitorais e seus respectivos presidentes, Velloso deu início à sua ideia.

O Presidente da República, na época, era Fernando Henrique Cardoso, que se recorda da história: “foi sim, o Ministro Velloso, quem me trouxe a ideia. Sempre acreditei que nosso povo está disposto a aceitar novidades. À condição de elas representarem um avanço”.

Com um sinal verde da Presidência da República, Velloso nomeou Paulo Camarão como Secretário de Informática do Tribunal, para dar início ao trabalho de desenvolvimento da informatização do voto.

Hoje, Paulo Camarão conta que, se tivesse noção do tamanho da responsabilidade e do pouco tempo disponível, não teria aceitado o desafio.

Quando cheguei, eu não tinha noção do tamanho de tudo que enfrentaria, eu e todos que participaram comigo. Primeiro, devido à imensidão de um projeto desses, que veio mexer com a Justiça Eleitoral brasileira, que veio mexer com o povo brasileiro no ato de eleger seus representantes. Segundo, o tempo que o Ministro nos deu! Ele disse: eu quero a urna eletrônica em 30% do eleitorado brasileiro na eleição de 1996. Então tínhamos pouco mais de um ano para implementar um projeto tão grandioso como este.

Além de Paulo Camarão, o Ministro Velloso pensou em convidar grandes nomes relacionados às ciências políticas, direito... diversas áreas de conhecimento.

Camarão conta que o Ministro Velloso afirmava: “não vamos inventar nada, sem antes nos aprofundar naquilo que nós queremos”. Para isso, criou a Comissão de Informatização das Eleições Municipais de 1996, apelidada pela mídia por Comissão de Notáveis, presidida pelo Ministro Ilmar Galvão, tendo como relator Paulo Camarão.

A Comissão foi composta por especialistas em direito eleitoral e informática. Também fizeram parte dessa Comissão:

.Dr. Antônio Villas Boas Teixeira de Carvalho;

.Dr. Celio Assumpção;

.Juiz Fernando Marques de Campos Cabral;

.Dr. Gilberto Circunde;

.Desembargador Gilberto Niederauer Corrêa;

.Dr. Jorge Lheureux de Freitas;

.Dr. Luiz Roberto da Fonseca;

.Juiz Sérgio Neiva de Lima Vieira;

.Dr. Márcio Luiz Guimarães Collaço;

.Juiz Milton Löff;

.Dr. Roberto Siqueira;

.Juiz Wander Paulo Marotta Moreira.


A Comissão foi responsável pela elaboração de um anteprojeto de lei, necessário para adaptar a legislação vigente para o uso do Coletor Eletrônico de Votos, além do Termo de Referência, relatório que nortearia todo o trabalho a ser desenvolvido para a implantação do voto informatizado.

É muito importante levar em consideração que a primeira premissa foi: o novo processo tem que eliminar, não é diminuir, é eliminar totalmente, a fraude no ato do registro do voto e da totalização dos resultados. Essa foi a premissa que ficou na cabeça de nós todos e que norteou todo o projeto”, lembra Paulo Camarão.

A partir da primeira e principal premissa para a implantação do voto eletrônico, a Comissão de Notáveis começou a trabalhar nos demais fundamentos.

O processo deveria ser o mais agregado possível à legislação vigente, ou seja, só poderiam alterar o mínimo necessário para adaptar a mudança da coleta do voto em papel para o voto eletrônico. A Lei Eleitoral deveria ser mantida.

Um dos problemas enfrentados pela Comissão foi a sugestão de uso de computadores para a coleta dos votos. A ideia proposta seria a compra dos computadores para as eleições e posterior uso nas escolas. E, quando houvesse novas eleições, os computadores seriam novamente utilizados pela Justiça Eleitoral.

Isso não daria certo. Computador não foi feito para voto. Computador não é rústico, ele tem outras funções. Pegar o computador e colocar na escola e depois retornar com esse computador para votar, teria muito questionamento. Se hoje já se questiona o voto com uma máquina específica para votar, já imaginou como seria usando computador? O computador volta da escola e está cheio de voto. Ia ser uma confusão muito grande”, conta Camarão.

Ainda não se conhecia Steve Jobs, o gênio que criou a Apple e revolucionou a indústria de computadores pessoais, filmes de animação, telefones, tablets e publicações digitais. Mal conhecíamos os notebooks e os celulares tinham o formato de um tijolo”, explicou Velloso em seu artigo 'Urnas eletrônicas: um pouco de sua história'.

A Comissão decidiu, então, por uma máquina específica de votar. E, analisando as diferentes partes do país, seria necessário que toda urna possuísse uma bateria interna, para ter amplo funcionamento com, ou sem, energia elétrica. Ainda temos no Brasil cerca de 20 mil, das 400 mil seções eleitorais, sem energia elétrica.

Uma outra premissa importante, definida pela Comissão, foi que a máquina de votar teria que ser pequena, fácil de ser transportada, rústica... “porque nosso país é imenso. Ela vai de barco, dois, três dias.... ela leva pancada, tem que ser resistente e tem que ser carregada por uma só pessoa”, acrescenta.

Essa Comissão trabalhou no período de março a agosto de 1995 e estabeleceu os primeiros requisitos, contendo as 19 premissas fundamentais, que constituíram o Termo de Referência e uma Proposta de Anteprojeto de Lei, encaminhada posteriormente ao Congresso Nacional e convertida, posteriormente, na Lei 9.100, de 29 de setembro de 1995.

No Congresso, para a aprovação da Lei, tiveram o apoio do senador José Sarney, presidente do Senado Federal, do deputado Luiz Eduardo Magalhães, presidente da Câmara de Deputados, do Ministro do Planejamento, José Serra, e do Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso.

Após a conclusão do trabalho pela Comissão de Notáveis, foram criadas 5 subcomissões para atuarem na elaboração no novo procedimento de voto:

1) Código Eleitoral e Organização da Justiça Eleitoral

Presidente: Ministro Marco Aurélio.

Relator: professor e ex-Ministro do TSE, Roberto Rosas.

Membros: (a) professor Almiro do Couto e Silva, (b) professor Anis José Leão - TRE/MG, (c) professor Edson O’dwyer, (d) advogado Eduardo Antônio Lucho Ferrão, (e) advogado José de Castro Bigi, (f) advogado, ex-Ministro do TSE, José Guilherme Villela, (g) Ministro Rafael Mayer, (h) professor Renê Ariel Dotti.


2) Campanhas Eleitorais: Financiamento

Presidente: Ministro Pádua Ribeiro.

Relator: professor Egídio Ferreira Lima.

Membros: (a) professor Aloísio Gonzaga de Andrade Araújo, (b) professor e advogado Antônio Carlos Mendes, (c) advogado, ex-deputado federal, Antônio Vital do Rego, (d) professor Celso Antônio Bandeira de Melo, (e) professor e advogado Ives Gandra da Silva Martins, (f) professor João Gilberto Lucas Coelho, (g) professor e advogado Joaquim de Arruda Falcão Neto, (h) professor José Rubens Costa, (i) advogado e ex-Ministro do TSE, Pedro de Freitas Gordilho.


3) Reforma Partidária

Presidente: Ministro Diniz de Andrada.

Relator: professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho.

Membros: (a) professor Celso Ribeiro Bastos, (b) professor Luiz Pedone, (c) professor Miguel Reale, (d) advogado e ex-senador Murilo Paulino Badaró, (e) advogado Orlando Vaz Filho, (f) professor Raul Machado Horta.


4) Sistema Eleitoral – Sistema de Voto

Presidente e Relator: Ministro (TSE) Torquato Jardim.

Membros: (a) professor Antônio Carlos Palhares Moreira Reis, (b) advogada e professora Carmen Lúcia Antunes Rocha, (c) professor David Verge Fleischer, (d) advogado e professor Fábio Konder Comparato, (e) advogado e professor Geraldo Ataliba, (f) professor José Alfredo de Oliveira Baracho, (g) Ministro Oscar Dias Corrêa, (h) professor e ex-Ministro do TSE, Walter Costa Porto.


5) Comissão de Informática – Informatização do voto

Presidente: Ministro Ilmar Galvão.

Relator: técnico em informática Paulo César Bhering Camarão.

Membros: (a) advogado e ex-Ministro do TSE, Antônio Villas Boas, (b) técnico em informática Célio Assunção (TRE/SC), (c) juiz Fernando Marques de Campos Cabral, (d) técnico em informática Gilberto Circunde - TRE/MG, (e) desembargador Gilberto Niederauer Corrêa, (d) técnico em informática Jorge Lheureux de Freitas - TRE/RS, (e) técnico em informática Luiz Roberto da Fonseca - TRE/MT, (f) juiz Luiz Sérgio de Neiva de Lima Vieira, (g) professor Márcio Luiz Guimarães Collaço, (h) juiz Milton Loff, (i) técnico em informática Roberto Siqueira (TRE/MG), (j) juiz Wander Paulo Marotta Moreira.


As subcomissões temáticas produziram magníficos trabalhos, que foram encaminhados, em junho de 1995, ao presidente do Senado Federal, senador José Sarney, do presidente da Câmara dos Deputados, deputado Luiz Eduardo Magalhães, ao presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, e ao presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Sepúlveda Pertence. O senador Renan Calheiros, com o apoio do presidente do Senado, senador José Sarney, transformou os relatórios das subcomissões temáticas em anteprojetos de lei”, explica o Ministro Velloso.

A última etapa desse processo foi a criação do Grupo de Trabalho para Implementação do Voto Eletrônico, através da Portaria 282, de 22 de setembro de 1995, responsável por concretizar a máquina de votar, obedecendo a todas as orientações dos relatórios gerados pelas comissões:

O Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, no uso de suas atribuições,

Resolve designar os Doutores ANTONIO ESIO MARCONDES SALGADO, do Instituto de Pesquisas Espaciais - INPE, do Ministério da Ciência e Tecnologia - MCT; o Major ELIFAS CHAVES GURGEL DO AMARAL, do Departamento de Informática do Ministério do Exército; JESSÉ TORRES PEREIRA JÚNIOR, Juiz de Direito da Estância Especial do Estado do Rio de Janeiro; JOSÉ ANTÔNIO RIBEIRO MILANI, do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento - CPqDda Telebras; LUIZ ANTÓNIO RAEDER, da Coordenadoria de Sistemas Eleitorais - CSE/TSE; o Capitão-de-Corveta LUIZ OTÁVIO BOTELHO LENTO, do DTM do Ministério da Marinha; MAURO HISSAO HASHIOKA, do Instituto de Pesquisas Espaciais - INPE, do Ministério da Ciência e Tecnologia - MCT; PAULO SEIJI NAKAYA, do Instituto de Pesquisas Espaciais - INPE, do Ministério da Ciência e Tecnologia - MCT; OSWALDO CATSUMI IMAMURA, do Instituto Tecnológico de Aeronáutica-ITA e PAULO CÉSAR BEHRING CAMARÃO, Secretário de Informática do Tribunal Superior Eleitoral, para, sobre a presidência deste, comporem o grupo que fixará as especificações e fiscalizará o procedimento licitatório para aquisição dos equipamentos necessários à implantação do voto informatizado nas eleições municipais de 1996.

Brasília, 22 de setembro de 1995.

Ministro Carlos Velloso

Presidente

A participação de servidores do INPE

Em 1993, o servidor do INPE, Paulo Nakaya, recebeu um pedido do Ministério da Saúde - MS para elaborar o projeto de rede de informática daquele ministério. Nakaya convidou os servidores Antonio Esio e Mauro Hashioka para ajudar no desenvolvimento do projeto. Após a conclusão, houve mudança de Ministro e o projeto foi interrompido.

Pouco tempo depois, o então secretário de informática do Ministério da Saúde, Newton Koji Uchida, foi trabalhar no TSE, como secretário de informática desse Tribunal, a convite da gestão do Ministro Sepúlveda Pertence.

Diante dos desafios de informatização da Justiça Eleitoral, Uchida se lembrou do projeto desenvolvido pelos servidores do INPE para o MS e convidou Nakaya para participar de uma reunião no TSE.

Sem saber do que se tratava, atendendo ao convite, Nakaya compareceu à reunião.

Na sala, apenas o Ministro Sepúlveda Pertence e umas poucas pessoas, que ele não conhecia, estavam presentes.

Essas pessoas indagaram Nakaya: “tá pronto pra fazer a rede do TSE?

De pronto, Nakaya respondeu: “eu faço a rede do TSE em duas horas. Me arruma uma furadeira, eu chumbo um gancho aqui e outro ali, penduro a rede e está pronto.

O ambiente tenso e ansioso caiu na gargalhada.

Acharam que eu era doido. Eu nunca tinha me reunido com Ministro, não conhecia o diretor-geral, e falei que faria isso. Eles só mandaram me mostrar todas as instalações do TSE e, depois de conhecer tudo, voltei para São José dos Campos. Chamei então o Toné [apelido pelo qual é conhecido o Antonio Esio] e o Hashioka.

Em uma semana, fizemos o projeto da rede local do TSE. Um projeto completo, especificando todo o material que deveria ser adquirido, marcas, quantidades, andar por andar, dos dois prédios do TSE”, conta Nakaya.

Ao apresentar o projeto, o pedido começou a complicar. Não queriam apenas a rede do TSE, mas também as redes locais dos 27 Tribunais Regionais Eleitorais.

Aí pensamos: Para quê? Como é a eleição? Como o pessoal do TRE trabalha? Como é feita a comunicação entre eles? A gente não tinha a mínima ideia.

Para auxiliá-los, o secretário de informática do TRE de São Paulo foi ao INPE, a fim de explicar tudo sobre as eleições e o funcionamento dos TREs, dos cartórios eleitorais, das seções etc.

Foi necessária uma reunião com os secretários de informática de todos os TREs do país. A reunião, realizada em Brasília, durou três dias.

Era necessário entender como as eleições funcionavam em cada estado, como os servidores trabalhavam, como eram realizadas as eleições, para que seriam utilizados os computadores, que tipo de trabalho fariam, como queriam interligar tudo... E, naquela época, a Justiça Eleitoral possuía pouquíssimos computadores.

Em duas semanas, conseguiram elaborar todo o projeto.

Estudaram todas as particularidades de cada TRE e definiram que seriam necessários 27 servidores, junto com a rede local, para os 27 tribunais e interligados com Brasília. Os poucos microcomputadores que havia nos TREs foram aproveitados e interligados. Missão cumprida!

Mas não...

A Justiça Eleitoral tinha um plano mais ambicioso: queria automatizar o envio dos resultados das eleições de 1994. Coletar os dados de cada cartório eleitoral e transmitir para seu TRE e, de seu TRE, para Brasília.

Chamaram novamente Nakaya, com o objetivo de fazer a comunicação interligando os mais de dois mil cartórios aos seus respectivos Tribunais Regionais, para a eleição de 1994.

Nakaya, Hashioka, Toné e agora unido ao time, Miguel Carreteiro, também servidor público do INPE, estudaram por um mês, debruçados em mapas dos cartórios eleitorais do Brasil inteiro.

Alguns lugares eram extremamente difíceis, devido à geografia, divididos por rios, sem acesso à energia elétrica... a comunicação era feita em parte via rádio, em parte via telefone, em parte via carta...

Após um mês de trabalho intenso, conseguiram estruturar os cartórios do Brasil, ligando cada cartório ao seu TRE.

Na época, pedimos para comprar em torno de 3.400 microcomputadores do tipo 486, 3400 no-breaks, 3400 impressoras... Toda a compra foi realizada via PNUD, uma licitação rápida. Conseguimos realizar a compra de todos os equipamentos até abril de 1994,” explica Nakaya.

Todos os equipamentos foram entregues em Brasília, onde foram testados e posteriormente despachados para os cartórios, utilizando aviões da FAB.

A rede foi montada com cerca de 1.700 cartórios eleitorais. Cartórios pequenos foram unidos a cartórios maiores, criando-se o Núcleo de Apoio Técnico-NAT.

Os TREs tinham equipamentos, os cartórios eleitorais tinham equipamentos e havia uma infraestrutura de rede ligando tudo. A Embratel, que atendeu ao TSE, criou uma rede própria para o TSE, em função do projeto que fizemos. A Embratel criou produtos para atender ao TSE,” contou Toné.

Também foram contratadas pessoas especializadas, a fim de apoiar o pessoal dos cartórios para as eleições de 1994, porque muitos estavam vendo um computador 486 pela primeira vez.

Para interligar a rede, contatamos a Embratel. Fizemos a ligação dos NATS para os TREs e dos TREs para o TSE. Então ocorreu a eleição em 1994, nos moldes tradicionais, com cédulas em papel, utilizando a rede implementada para realizar a comunicação. Os resultados das eleições foram digitados nos NATs e os NATS transmitiram para os TREs e os TREs para o TSE,” completa Nakaya.

Agora sim, missão cumprida! Mas não por muito tempo...

No segundo semestre de 1995, Nakaya foi chamado novamente para uma reunião no TSE. Ele se lembra de que, nessa reunião, havia uns 4 Ministros e mais algumas pessoas, a quem chamavam de notáveis.

Eles tinham passado alguns meses discutindo como fazer um coletor de votos.

Me chamaram e me perguntaram: como você pode fazer isso?

Eu respondi: a gente se senta, faz o projeto e daqui a pouco está pronto.

Eles ficaram assustados...

Eu disse que seria fácil. A gente faz o projeto básico, especifica os requisitos e publica. Expliquei que faríamos uma licitação e, quem ganhasse, produziria o equipamento.

Mas não é uma produção direta, porque não é uma coisa que existe. Precisamos fazer uns modelos primeiro: de engenharia, de produção.... serão vários modelos até chegar ao final.

A empresa terá que aceitar todas as alterações e melhoramentos, fazer vários testes, até chegar ao modelo de produção final.

Então nomearam o Grupo de Trabalho.”


A chegada do servidor do DCTA

Para colocar em prática o processo de informatização do voto no Brasil, o TSE necessitava de especialistas e, para encontrá-los, além de capacitar a própria equipe interna de tecnologia da informação, encaminhou convite para a participação dos técnicos do MCT/INPE, que já vinham trabalhando no processo de informatização da Justiça Eleitoral; para os Ministérios da Aeronáutica, do Exército, da Marinha e das Comunicações; e também convidou um especialista em licitações junto ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Os especialistas indicados foram então convocados a participarem de reuniões técnicas que aconteceriam a partir de setembro de 1995, com representantes do próprio TSE para integrarem um grupo técnico.

Pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, foram formalizadas as participações de Paulo Seiji Nakaya, Mauro Hissao Hashioka e Antonio Esio Marcondes Salgado. Representando o Exército, o então Major Elifas Chaves Gurgel do Amaral; representando a Marinha, o então Capitão-de-Corveta Luiz Otávio Botelho Lento; representando o Ministério das Comunicações, o Eng. José Antonio Ribeiro Milani, do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da TELEBRAS; e, para apoiar a elaboração adequada do processo, de acordo com as regras licitatórias, o Juiz Dr. Jessé Torres, do TJ/RJ, reconhecida autoridade nesse assunto. Pelo TSE, os representantes foram Luiz Antonio Raeder, então Coordenador de Sistemas Eleitorais, e Paulo Cesar Behring Camarão, então Secretário de Tecnologia da Informação, e que viria a presidir esse grupo em suas atividades.

Para a primeira reunião, representando o Ministério da Aeronáutica, compareceu um coronel, que era o responsável pelo centro de computação em Brasília.

Após a reunião, o coronel informou aos seus superiores que o TSE necessitava de alguém mais especializado, capaz também de projetar dispositivos, o que fugia do seu nível de conhecimento à época.

A solicitação de buscar um especialista da Aeronáutica foi então encaminhada ao diretor do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial - DCTA, que, por sua vez, encaminhou ao diretor do Instituto de Estudos Avançados - IEAV, ligado ao DCTA, o pedido de um especialista para identificar a real necessidade do TSE, a fim de que pudessem indicar a pessoa mais adequada.

O diretor do IEAV atribuiu ao servidor Oswaldo Catsumi Imamura a missão de participar da próxima reunião, no dia 22 de setembro de 1995.

Eu participei da segunda reunião e acabei ficando. Falei para o meu chefe: eles precisam de um especialista que entenda de software, hardware, comunicação, segurança... então o diretor do IEAV pediu para que eu continuasse e que, caso eu necessitasse de ajuda de outras pessoas, o informasse. E assim eu fui designado oficialmente para compor a equipe de especialistas, representando a equipe da Aeronáutica”, contou Catsumi.


O Projeto

O Grupo de Trabalho foi responsável pela criação do protótipo para o Coletor Eletrônico de Votos - CEV (primeiro nome dado à urna eletrônica).

Todos os membros do grupo, dentre eles Antonio Esio Marcondes Salgado, o Toné, Paulo Seiji Nakaya, Oswaldo Catsumi Imamura e Mauro Hissao Hashioka, servidores públicos federais das Carreiras de Ciência e Tecnologia, lotados no INPE e no DCTA, desempenharam papel fundamental no desenvolvimento da urna eletrônica como a conhecemos.

Durante todo o processo de desenvolvimento das urnas eletrônicas, os servidores do INPE e do DCTA ficaram particularmente conhecidos por “ninjas”, naturalmente por três deles serem de ascendência japonesa (Paulo Nakaya, Osvaldo Catsumi Imamura e Mauro Hashioka) e também pela capacidade de encaminharem com rapidez as soluções para os problemas que surgiam.

Com prazo apertado, o que não era um grande problema para os ninjas, o Grupo de Trabalho teve 60 dias para idealizar o coletor de votos e especificar todos os parâmetros que a máquina teria. Essas especificações deveriam ser utilizadas no processo licitatório de escolha do primeiro fabricante de urnas eletrônicas no Brasil.

Para as diretrizes do equipamento que seria produzido, o Grupo Técnico tomou por base o relatório elaborado pela “Comissão de Notáveis”. Esse relatório norteou todo o trabalho produzido.

Giuseppe Janino, servidor de carreira do TSE e secretário de Tecnologia da Informação do Tribunal por 15 anos, em seu livro “O quinto ninja”, descreve o desafio:

Ordem dada, os 'ninjas' arregaçaram as mangas dos quimonos para dar conta do recado. O equipamento precisaria atender, de imediato, as oito premissas levantadas pelo grupo de 'notáveis', reunidas a pedido do TSE. Eram elas: padronização, adesão à legislação brasileira, interação amigável, redução de custo, perenidade, segurança, facilidade logística e autonomia.”

Giussepe Janino, site Tecnomundo

Antes de começar a especificar os parâmetros, a equipe precisava definir exatamente o que desejavam que fosse criado.

O voto seria em papel e posteriormente digitalizado?

O equipamento seria um 'escaneador' de voto, um coletor de voto ou um equipamento para coletar o voto?

Uma das coisas que tinha no relatório da Comissão de Notáveis é que no papel ocorriam a maior parte das fraudes e, em consequência, a maior parte das impugnações.

E muitos eleitores não conseguiam escrever direito, outros tinham letras indecifráveis

Durante o escrutínio, os representantes da mesa se juntavam e tentavam adivinhar o que o eleitor havia escrito, como se tentassem adivinhar uma prescrição médica.

Havia registro, no relatório dos ’notáveis’, que muitos votos eram perdidos por isso, porque, na cédula, você tinha que escrever o nome do candidato ou do partido. Acontecia a impugnação ou interpretação direcionada.

Isso nos fez decidir que faríamos a coleta do voto diretamente do eleitor, mas não via cédula, o eleitor vai votar no equipamento", conta Catsumi.

Estava decidido. O equipamento deveria servir para coletar o voto do eleitor. E o quê mais?

A equipe também discutia sobre o armazenamento do voto, o local onde o eleitor depositaria seu voto fisicamente que, até então, era uma urna de lona.

Mais uma decisão tomada: transformariam a urna de lona numa urna eletrônica.

Com a ideia inicial para o equipamento, a equipe iniciou uma pesquisa para conhecer o que outros países já haviam desenvolvido. Representantes do TSE também ajudaram nessa tarefa, buscando equipamentos e levando para o Grupo de Trabalho examinar.

Não conseguiram encontrar nenhum equipamento que satisfizesse a necessidade brasileira. Assim, o grupo optou por desenhar seu próprio equipamento, algo único, diferente, e que atendesse completamente o relatório elaborado pela Comissão de 'Notáveis'.

Nada do que constava no relatório poderia estar fora do contexto técnico do coletor de votos”, afirmou Catsumi.

Assim que começaram a pensar numa possível concepção para o Coletor Eletrônico de Votos, veio o primeiro problema: “se a pessoa não souber escrever, como vai digitar?”

Em 1995, a taxa de analfabetismo no Brasil, para a população com mais de 15 anos, era de 14,7%, segundo as estatísticas do IBGE. Como poderiam criar um equipamento capaz de ser utilizado também por essa grande parcela da população?

Pediram um estudo de campo para pessoas especializadas. Solicitaram que fosse traçado o perfil do nosso eleitor, todas as dificuldades e todas as facilidades. Queriam o máximo de informação possível, até mesmo saber que tipo de operações o eleitor fazia de forma consciente ou inconsciente.

No estudo apresentado, a solução: independentemente do nível acadêmico, quase 100% do eleitorado era capaz de identificar ou reconhecer números.

Mesmo os analfabetos conseguem pagar suas contas, pagar Ônibus, fazer compras, conferir troco. O número é universal. Todos conhecem.

Infelizmente, o estudo também apontava questões preocupantes: alguns eleitores não sabiam exatamente o que cada número representava, não eram capazes de entender, por exemplo, que dois é um algarismo que representa mais do que o ume menos do que o três. Esse grupo de eleitores memorizava os números na forma de imagens.

Chegaram ao acordo de que o equipamento deveria coletar o voto através de números, sem simbolizar algo quantitativo.

E que teclado utilizar? Recorreram novamente ao estudo solicitado. E a solução estava, mais uma vez, descrita ali: por maior que fosse a dificuldade do eleitor, ele sabia fazer ligações telefônicas.

Começando a ganhar forma, o CEV agora já tinha idealizado seu teclado, como os de telefone, cuja disposição numérica é diferente da utilizada nos teclados de computador.

Todas as soluções que pensávamos, submetíamos ao crivo: o quanto isso vai ajudar ou atrapalhar o eleitor? E para nós, o conceito eleitor, era todos, independente da sua capacidade, dificuldade, formação, tinha que ser todos! Principalmente para atender ao requisito de utilizar, ao máximo, os votos úteis, a representação do voto do eleitor”, afirma Catsumi.

Como já informado, o eleitor com maior grau de dificuldade fazia a associação por imagens. Para ajudá-lo, pensaram no uso de uma tela, que pudesse mostrar a imagem do candidato ou do partido político.

O uso de uma tela monocromática foi definido por questões de orçamento. Naquela época, uma tela colorida era muito cara e possuía resolução inferior.

Quando levantamos o custo de adotar uma tela colorida, além de ter uma resolução baixa, ela custaria quase todo o orçamento que nós tínhamos para desenvolver todo o sistema, por isso a tela adotada foi monocromática, mas com resolução suficiente para apresentar uma foto, do candidato ou da legenda”, lembra Catsumi.

Pouco a pouco e sempre com decisões conjuntas, o CEV ganhava forma.

Em 10 de outubro de 1995, foi publicado no Diário Oficial da União e em quatro jornais de grande circulação no Brasil, o AVISO -Documento Preliminar de Especificações de Requisitos Mínimos do Coletor Eletrônico de Voto-CEV, com a configuração do que viria a ser, mais tarde, a urna eletrônica brasileira, como mostra o Aviso do TSE:


Documento Preliminar de Especificações de Requisitos
Mínimos do Coletor Eletrônico de Voto (CEV)


“AVISO
Tribunal Superior Eleitoral

De ordem do Exmo. Sr. Ministro Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, a Comissão de Elaboração do Edital para Automação, designada pela Portaria 282/95, faz saber que cópias das especificações preliminares do equipamento a ser utilizado para implementação do voto informatizado nas Eleições Municipais de 1996, estarão disponíveis aos interessados, na Secretaria de Informática do Tribunal Superior Eleitoral, situada no 3º andar do Bloco C da Praça dos Tribunais Superiores, das 14:00 às 18:00 horas, no período de 16 a 18 de outubro de 1995.

A presente publicidade tem por objetivo coletar sugestões, as quais deverão ser encaminhadas por escrito à mesma Secretaria, no endereço acima referenciado, até às 18 horas do dia 23 de outubro de 1995.

A Comissão esclarece que a apresentação de sugestões não assegura ao proponente qualquer direito relativamente à propriedade intelectual, não resultará em vínculo ou obrigação de qualquer espécie entre o Tribunal Superior Eleitoral e o proponente, e nem poderá ser utilizada para qualquer tipo de argumentação na fase de execução do processo licitatório, a ser deflagrado tão logo haja liberação dos recursos próprios.

Considerando que o presente ato destina-se à coleta de sugestões, a Comissão reserva-se o direito de não acatar aquelas que julgar inadequadas ao projeto, não emitir resposta nem parecer acerca das sugestões apresentadas, às quais será assegurado o caráter sigiloso e serão de uso exclusivo da Comissão.

Dr. Paulo César Bhering Camarão
Presidente da Comissão”

O Aviso surtiu efeito e 22 empresas apresentaram suas sugestões, muitas das quais foram utilizadas para a melhoria do projeto inicial.

Idealizado o equipamento, o Grupo Técnico teve pouquíssimo tempo para elaborar o Edital de Licitação e o Projeto Técnico, contendo todas as especificações de hardware, software e serviços para o Coletor Eletrônico de Voto. Por 80 dias, todos os envolvidos no projeto se dedicaram em tempo integral, inclusive aos sábados e domingos.

Para facilitar os trabalhos e encontros do grupo, foram criados dois escritórios. O primeiro ficava na Secretaria de Informática do TSE, em Brasília, e o segundo, no TRE de São Paulo. Esse último foi apelidado de “Sala INPE”.

O Grupo Técnico, considerando a maior especialização de cada um de seus componentes, foi dividido em equipes que cuidavam do edital, da especificação técnica do hardware da Urna Eletrônica, do software e dos serviços agregados. Duas vezes por semana, o Grupo se reunia, no TSE ou no TRE-SP, para apresentar os trabalhos desenvolvidos, trocar opiniões e equalizar o conhecimento sobre o projeto”, conta Paulo Camarão no livro “25 anos da urna eletrônica”, publicado pelo TRE-BA.

Para nós foram sendo atribuídas algumas atividades operacionais no projeto da urna. Eu fui o responsável pela parte de produção da urna. O Nakaya, com toda a estratégia dele, era responsável pela logística e o Catsumi, pela parte de desenvolvimento de software e de segurança. Cada um foi assumindo uma coisa”, explica Antonio Esio.

Mesmo divididos por áreas, nenhuma decisão, por mais técnica que fosse, era uma decisão unilateral. Todos colaboravam, opinavam e decidiam.

Além disso, essas decisões também eram submetidas à Corte.

Até decisões técnicas, encaminhávamos ao secretário e ele enviava ao Ministro, que colocava na agenda da Corte.

Praticamente, todas as decisões tomadas, em termos de concepção da urna, foram decisões da Corte.

Então perguntei: por que as decisões são levadas à Corte? E ele [o secretário] me respondeu: porque o que a Corte decide, um juiz, isoladamente, não desfaz,” relata Catsumi.

Se por um lado, encaminhar toda e qualquer decisão para a Corte ajudava, dando perenidade ao veredito, por outro lado, colocava a equipe em situação delicada.

Uma das decisões tomadas pela corte era de que o equipamento desenvolvido deveria servir para, no mínimo, cinco eleições. Com uma eleição a cada 2 anos, isso significava uma vida útil de 10 anos para um equipamento de informática.

Além de projetar um equipamento inédito, ele deveria perdurar pelo dobro de tempo dos equipamentos de informática da época.

Catsumi se recorda bem desse desafio: “todo o software a ser desenvolvido e o sistema de segurança devem acompanhar esse tempo de vida. Com isso, fizemos consulta aos grandes fornecedores de componentes eletrônicos e de software, chegamos a consultar a matriz da IBM, a Intel e vários outros fabricantes, inclusive de tela LCD. Pedimos que compartilhassem as novidades que eles teriam, dentro do desenvolvimento tecnológico, para que pudéssemos escolher a tecnologia que poderia nos atender, garantindo um ciclo de vida de 10 anos para a urna.”

Com a exigência de uma vida útil tão grande, para os parâmetros da informática, algumas decisões técnicas ficavam a nível conceitual. Outras decisões, como a melhor maneira de implementar a tecnologia, foram deixadas “em aberto”, para que o licitante pudesse propor.

Finalmente, em 13 de dezembro de 1995, 10 meses antes das eleições, o TSE publicou o Aviso de Licitação para a confecção do Coletor Eletrônico de Votos.


“Tribunal Superior Eleitoral
Aviso de Licitação
Concorrência Internacional N° 2


A Comissão Especial de Licitação, instituída pela Portaria nº 362/95, do Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, torna pública a realização da Licitação Internacional de nº 002/95, na modalidade de concorrência, do tipo técnica e preço, com o fim de escolher a proposta mais vantajosa para o fornecimento de equipamentos de informática denominados Coletor Eletrônico de Voto (CEV).

O procedimento licitatório e o contrato que dele resultar obedecerão, integralmente, às normas da Lei Federal 8.666, de 21/06/93, com as modificações que lhe introduziu a Lei Federal nº 8.883, de 08/06/94, e ao estabelecido neste Edital.

A Comissão Especial de Licitação receberá a documentação de habilitação preliminar e as propostas técnica e de preço dos interessados às 9:00 horas do dia 8 de fevereiro de 1996, no Auditório do Edifício-Sede do Tribunal Superior Eleitoral, situado na Praça dos Tribunais Superiores, 2º andar,Brasília/DF.

O inteiro teor deste ato convocatório e de seus anexos encontram-se à disposição dos interessados na Coordenadoria de Material e Patrimônio - COMAP, no 2º andar, sala 209, do Edifício-Sede do TSE, Praça dos Tribunais Superiores, de segunda a sexta-feira, das 13:00 às 18:00 horas, mediante a apresentação de comprovante de recolhimento de taxa no valor de R$ 15,00 de reprodução do Edital e dos seus anexos, a ser depositado na conta-corrente n° 55561201-5, Agência nº 0452-9, do Banco do Brasil S.A., em favor do Tribunal Superior Eleitoral.

Comissão Especial de Licitação.


”A comissão técnica começou do zero, foi trabalhando e construindo e fez o protótipo da urna. Quando a comissão trabalhava, fui visitado por representantes de empresas estrangeiras oferecendo urnas para nós. Eu dizia: não, vamos fazer uma urna tupiniquim, simples e barata. E assim conseguimos”, contou o Ministro Velloso em entrevista para o jornal Folha de São Paulo, em 22 de julho de 2021.

A descrição de como deveria ser o CEV, componentes, funcionalidades estavam todos muito bem especificados e descritos.

Aos licitantes coube a otimização em termos de produção, custo e manutenção e decidir sobre a aparência do CEV. Tinham também a liberdade de substituir algum componente solicitado por um similar ou superior. Processadores, por exemplo, deveriam apresentar um desempenho mínimo e isso deveria ser comprovado. Caso o licitante apresentasse um processador diferente do solicitado, ele deveria provar que a oferta dele era melhor e mais versátil do que a especificada na licitação. Se isso ocorresse, a Comissão Técnica avaliaria a oferta e decidiria pelo aceite.


O misterioso Ministro Salgado

Em 1996, o TSE possuía 17 Ministros: o Ministro Carlos Mário da Silva Velloso, como presidente; 8 Ministros efetivos: Marco Aurélio Mendes de Farias Mello, Ilmar Nascimento Galvão, Antônio de Pádua Ribeiro, Cid Flaquer Scartezzini, Jesus Costa Lima, Paulo Roberto Saraiva da Costa Leite, José Bonifácio Diniz de Andrada e Torquato Lorena Jardim; e 8 Ministros substitutos: José Carlos Moreira Alves, José Francisco Rezek, José Néri da Silveira, Eduardo Andrade Ribeiro de Oliveira, Jesus Costa Lima, Nilson Vital Naves, José Gerardo Grossi e Walter José de Medeiros.

Durante os trabalhos para a elaboração da urna eletrônica, misteriosamente surgiu um novo Ministro, o Salgado, o qual ninguém conhecia pessoalmente, mas todos respeitavam.

Esse misterioso Ministro telefonava diversas vezes para os TREs, pois precisava coletar as informações de cada local, que eram necessárias para o desenvolvimento do projeto da urna eletrônica.

Era muito difícil conseguir falar com o Ministro quando eu telefonava e me identificava por Toné, apelido pelo qual todos me conhecem, ou por membro do grupo técnico. Então, descobri uma maneira de fazer as pessoas transferirem a ligação com mais agilidade, me identificando como “Ministro Salgado”, conta Antonio Esio Salgado.

Foi uma brincadeira que deu certo. Por muitas vezes, o engenheiro Esio Salgado utilizou sua estratégia para ter sua ligação repassada.

Por fim, ficou tão conhecido como Ministro Salgado que até hoje é recebido no TSE e nos Tribunais Regionais, com um caloroso “bem-vindo Ministro Salgado”.

Em certa ocasião, o Ministro Nelson Azevedo Jobim, então vice-presidente do TSE, acompanhou uma reunião com a presença de todos os secretários de TI da Justiça Eleitoral, realizada em Aracaju, onde estavam sendo tratados os assuntos principais sobre sistemas eleitorais e eleições.

Nessa reunião, já prevendo que seria chamado de Ministro por alguns participantes, Toné não tinha outra saída, a não ser relatar ao verdadeiro Ministro como havia conquistado seu novo posto. E foi o que ocorreu. Logo no início de sua apresentação, um dos participantes levantou a mão para tirar uma dúvida e prontamente falou: “Ministro, você poderia esclarecer por favor uma questão que temos?” Nesse momento, houve uma gargalhada geral e quebrou-se o gelo.

Tempos depois, o Ministro Jobim se tornou presidente do TSE e passou a ter mais contato com toda a equipe técnica e Toné. Todos viajaram juntos para uma reunião de avaliação das eleições, que ocorreu em Florianópolis.

Para essa reunião, o Ministro Jobim havia encomendado um estudo à Universidade Federal do Rio de Janeiro sobre o valor do voto do eleitor. O Ministro queria um levantamento geral do custo das eleições, por eleitor, que englobasse todos os aspectos: urna eletrônica, deslocamento de material e pessoal, lanche, caneta, papel… Chegada sua hora de apresentar, o Ministro Jobim apresentou o estudo:

Isso aqui é um documento que eu pedi e mais de um Ministro olhou esse documento. Então tem eu, tem o Ministro Salgado que olhou também, né Toni?” - Observação: não foi erro de grafia, o Ministro Jobim se referia ao Toné por Toni.

E Toné relata mais um caso:

Eu já fui apresentado para um diretor do TSE, novo, assim: esse aqui é o Ministro Salgado.

O rapaz me chamou de lado e falou assim: perdão, o senhor é juiz eleitoral?

Eu falei: eu não sou nada. Eu sou engenheiro do INPE, mas tem essa coisa de me chamar de Ministro. Aí ele caiu na risada.


O Processo Licitatório

A licitação para a fabricação das urnas ocorreu no final de 1995, com a publicação do Aviso de Licitação – Concorrência Internacional nº 2 em 13 de dezembro de 1995, no DOU e em vários jornais de grande circulação no Brasil, com a participação do Ministério Público da União e da Ordem dos Advogados do Brasil, na qualidade de fiscais do processo licitatório. A Presidência do TSE criou uma Comissão Especial de Licitação, sob a direção do juiz de direito Jessé Torres Pereira Junior. Durante o trabalho e por ser especialista em processos licitatórios, o Dr. Jessé passou a ser chamado de “Papa da Licitação”.

Toné contou como o Dr. Jessé conseguia amenizar a tensão desse trabalho, sempre brincando com toda a equipe, dando dicas valiosas, além de apoio e respaldo:

Professor Jessé tinha uma relação tão boa com a gente. Nós éramos todos de fora de Brasília e ficávamos até 9, 10 da noite no TSE. Como ele ficava numa sala ao lado, eu gritava: ’Jessé! Jessé!’

E ele gritava: ’Quem clama por justiça?’

Aí vinha ele e perguntava: ’o que aconteceu?’

Ele ensinou tanta coisa para gente, mas eu guardo uma coisa interessantíssima, um aprendizado:

Quando você quer pedir alguma coisa, você já diga no primeiro parágrafo o que você quer. E depois você detalha.

_ Não entendi, professor...

_ Você não quer que o equipamento funcione?

_ Quero.

Então diz o seguinte: quero comprar um equipamento que seja entregue funcionando.

Aí eu passei por uma situação dessa, morri de rir e fiquei muito agradecido a ele.

Eu fui comprar um equipamento e esqueci de especificar o cabo de energia.

Mas no primeiro parágrafo eu escrevi: quero que esse equipamento seja entregue funcionando, em condições de funcionamento com as seguintes características.... e especifiquei as características.

A empresa chegou e disse: está aqui o equipamento.

_ Cadê o cabo?

O senhor tem que comprar separado, o senhor não pediu.

_Ué, lê o primeiro parágrafo.

_Ah, é para entregar funcionando?

_Ele funciona sem cabo de energia?

_ Não. Então você tem razão.

E me entregaram o cabo de energia.

Ele tinha essas coisas. Ele falava: não complica. E ele sabia as coisas na ponta de língua. Ele dava respaldo para a gente, legal, moral, técnico, de todo jeito....

E a gente se sentia muito confortável, com o papa das licitações do Brasil nos dando assessoria. A gente se sentia valente, igual criança: quer brigar? Olha quem está atrás de mim.”

Elaborar uma licitação, seguindo todas as exigências da Lei 8.666, é um procedimento exaustivo, que necessita de muita atenção.

A princípio, a intenção era conseguir recursos com organismos internacionais para o financiamento da produção das urnas. Acreditavam que, caso conseguissem um financiamento internacional para a aquisição das urnas, teriam um endosso ao novo sistema de voto que estavam implementando. Assim definido, iniciaram o edital de licitação obedecendo às normas do Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID, sediado em Washington EUA. Uma série de documentos e formulários exigidos deixou os responsáveis pela elaboração do edital em polvorosa, para cumprir os requisitos a tempo.

Quando tudo estava no processo final, o Ministro Velloso, após uma conversa com o presidente Fernando Henrique Cardoso, informou que o Brasil custearia a produção das urnas. “Sempre fui favorável a fazer-se aqui, desde que haja ou se criem as condições necessárias”, nos contou FHC.

Junto ao presidente Fernando Henrique Cardoso, ao Ministro José Serra, do Planejamento, e ao Congresso Nacional, conseguimos os recursos financeiros, cerca de 75 milhões de reais. O protótipo criado pelo grupo de trabalho, a partir do relatório da subcomissão de informática, que eu chamava de modelo tupiniquim, foi tecnicamente descrito nos seus mínimos detalhes”, explica Velloso.

Às pressas, mas sem descuidar de todas as exigências legais, elaboraram o Edital TSE 002/1995. O edital apresentou três anexos, com requisitos para a produção do Coletor Eletrônico de Votos:

Anexo I. Descrição dos produtos e serviços, além dos critérios de pontuação para análise técnica, quantitativos, prazos de entrega e forma de pagamento do CEV;

Anexo II. Especificações de requisitos do modelo de engenharia do CEV;

Anexo III. Especificações de requisitos do CEV.

O processo licitatório ocorreu entre 8 de fevereiro e 14 de março de 1996. 54 empresas demonstraram interesse em participar da concorrência, retirando o edital no TSE. Dessas, 8 enviaram 127 pedidos de esclarecimentos, todos respondidos pelo Grupo Técnico.

Apenas seis empresas atenderam, de fato, ao chamado da licitação. “Alguns modelos, eram interessantes, outros apavoravam a gente”, conta Paulo Camarão.

Durante a apresentação das propostas, a empresa licitante tinha que apresentar a proposta técnica documentada, a proposta financeira, a proposta de produção, de logística e entregar o protótipo funcionando.

Como foi dada aos participantes a liberdade de escolha de como montar as coisas para facilitar a manutenção, existia um requisito de que a manutenção básica deveria ser feita em menos de um determinado número de horas e o licitante precisava provar que conseguiria realizar a manutenção nas horas estipuladas.

Na abertura da licitação, e até hoje, se faz os testes das propostas e a gente chama isso de modelo de engenharia – o primeiro protótipo entregue com toda a documentação é o modelo de engenharia, pode não ter todos os parafusos, pode ter uma fita crepe colando alguma parte, não tem problema algum, mas tinha que estar documentado dizendo que a versão final era de um determinado jeito. As partes críticas não. As partes críticas já estavam identificadas e todos os componentes e sistemas identificados tinham que estar na íntegra durante a apresentação do modelo de engenharia” explica Catsumi.

Das seis empresas, três atenderam a todos os requisitos exigidos: a IBM, que propôs um projeto baseado em um notebook, a Procomp, que apresentou uma espécie de quiosque de autoatendimento bancário, e a Unisys, a vencedora da licitação, com um design original que se tornou o padrão utilizado até hoje.

A declaração da empresa vencedora ocorreu em 14 de março de 1996. A empresa vencedora, Unisys, contratou a licença para comercializar ao TSE a urna eletrônica desenvolvida pela OMNITECH Serviços em Tecnologia e Marketing, empresa especializada em suporte técnico, manutenção e serviços em tecnologia da informação.

A escolha final ocorreu após a realização de testes técnicos e testes de agilidade para correção de alguma possível falha no funcionamento.

Convém ressaltar que, terminada a licitação, nenhuma impugnação, nenhum recurso foi apresentado. E tratava-se da maior licitação feita no ano de 1995. A lisura e a transparência do ato foram evidentes”, informa o Ministro Velloso.

Em junho de 1996, faltando somente 4 meses para a realização das eleições, foi aprovado o modelo de produção. A partir desse momento, houve uma verdadeira corrida contra o tempo.

As entregas das urnas estavam previstas para ocorrer em lotes:

15 de maio: 400 urnas;

28 de junho: 12.800 urnas;

15 de julho: 15.000 urnas;

31 de julho: 15.000 urnas;

15 de agosto: 15.000 urnas;

30 de agosto: 15.580 urnas.

A Unisys contratou uma empresa sediada em Portugal para construir o ferramental para a moldagem do gabinete e buscou nos mercados interno e externo (Japão, Taiwan, Coreia, China e Estados Unidos) peças e componentes para a produção da urna eletrônica. A movimentação, transporte e controle do material foram planejados para garantir um fluxo de montagem dos equipamentos, estocagem, testes e distribuição aos TREs dentro do cronograma estabelecido. Os trabalhos de montagem foram realizados em Santa Rita de Sapucaí/MG e São Paulo/SP, sendo a integração do microterminal com o terminal do eleitor realizada em Veleiros/SP, de onde saíram para os testes finais nos TREs. Nesses, as urnas foram armazenadas para o momento de carga dos programas aplicativos e das tabelas de candidatos e eleitores de cada seção, sendo que o sistema operacional já vinha instalado da fábrica.[1]

A princípio, a ideia era informatizar um terço do eleitorado (100 milhões de eleitores na época), em capitais e municípios com mais de 200 mil habitantes em 1996. Conforme conta o Ministro Velloso, as primeiras urnas confeccionadas custaram R$ 70 milhões. O TSE ainda investiu R$ 5 milhões em publicidade, para ensinar as pessoas a utilizarem as urnas (valores em Reais no ano de 1996).

Em 1997, surgiu o modelo atual da Urna Eletrônica (modelo UE 2000), um aperfeiçoamento da urna original, reconhecida pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, através da Portaria nº 413, de 27 de outubro 1997, também produzida pela OMNITECH.

Nas eleições seguintes, em 1998, aumentaram os municípios com uso da urna eletrônica para dois terços dos eleitores, de um universo de aproximadamente 106 milhões.

Em 2000, a eleição totalmente informatizada para os 109 milhões de eleitores brasileiros, presidida pelo Ministro Neri da Silveira, pôde ser considerada um verdadeiro sucesso.

Da votação nominal à votação numérica

Uma das grandes revoluções em relação à urna eletrônica foi a possibilidade de votar utilizando números dos candidatos, no lugar dos nomes. Antes da implementação das urnas, o voto era nominal, o que impossibilitava a votação de eleitores analfabetos.

A mudança para a votação através dos números dos candidatos não foi bem recebida pelos políticos, mas não havia opção melhor. Se a ideia era simplificar o sistema de voto, fazer o eleitor digitar o nome do candidato traria, além da demora, a possibilidade de erros de digitação que poderiam anular o voto.

Não foi fácil assumirmos isso, porque o candidato tem sua marca no seu nome. Sarney é Sarney. Sarney virar, na hora de votar, 15 ou 151 é complicado. Para nós conseguirmos enviar isso ao Congresso Nacional e explicar que não adiantava querer que o eleitor semianalfabeto, ou até mesmo o analfabeto, digitasse o nome do candidato foi muito difícil. Já pensou um nome complicado de um candidato? É terrível digitar. E o sistema nunca poderia interpretar nada. Por exemplo, se o candidato se chama Luís com S e o eleitor digitar Luiz com Z, o sistema não pode interpretar: ’ah, ele queria digitar Luís com S’. Vai anular o voto porque digitou errado. Então, o voto teria que ser numérico para não deixar nenhuma dúvida", conta Paulo Camarão.

Ao utilizar a votação pelo sistema numérico, o processo foi facilitado para o eleitor e para a confecção da urna, já que o teclado para o registro do voto tornou-se similar aos teclados de telefones, já familiares a toda a população.

O novo sistema democratizou o voto, dando a possibilidade de escolha também aos analfabetos que, mesmo sem saber ler, conhecem os números e podem confirmar o voto através da imagem do candidato, e a pessoas com deficiência visual, também já familiarizadas com o teclado numérico.

Em evento realizado pelo TRE-SP, em comemoração aos 25 anos da urna eletrônica, o Ministro Velloso relatou um acontecimento das eleições de 1996, que ilustra bem como a decisão foi acertada:

"Em 1996, eu votava em Belo Horizonte. Após eu ter votado, se acercou de mim uma senhora. Via-se que era uma senhora simples. E ela [se dirigindo ao Ministro Velloso]: ‘Doutor, eu votei!’

A senhora votou?

’Votei! E foi a primeira vez que votei na minha vida.’

Eu perguntei: mas a senhora não tinha votado?

’Tinha, mas eu não sei ler, nem escrever.’

Ela me disse que recebia a cédula, marcava de qualquer jeito. E agora não.

’Eu desenhei o número na palma da minha mão, levei a colinha como o senhor mandava, digitei, apareceu o retrato do meu candidato. Eu apertei a tecla verde. Votei!’

Aquilo foi emocionante. Foi mesmo emocionante!”


Software para a urna eletrônica

Assim como o modelo físico da urna eletrônica, o desenvolvimento do software também foi realizado pelos grupos de trabalho formados em parceria com os servidores do TSE.

A cada ciclo eleitoral, as equipes de desenvolvimento de software do TSE produzem e desenvolvem todos os programas das eleições, inclusive os que serão inseridos nas urnas.

Entre esses sistemas estão: o GEDAI-UE, gerenciador de dados, aplicativos e interface com a urna, que fornece às equipes dos Cartórios Eleitorais e dos Tribunais Regionais Eleitorais - TREs o suporte de software necessário à carga das urnas eletrônicas; o SCUE, software de carga da urna, responsável por preparar e instalar o sistema operacional, software e dados de eleição nas urnas; o ATUE, autoteste que tem como função executar testes para validarem o funcionamento das urnas antes do dia da eleição; e o VOTA, cuja função é coletar e apurar os votos de uma seção eleitoral.

Giuseppe Janino explica que “todos os softwares são desenvolvidos pela equipe técnica do TSE. Eles ficam abertos um ano antes da eleição, para que os partidos possam analisar programa por programa, linha por linha, função por função e questionarem: ’o que isso faz?’, ’o que isso tá fazendo aqui?’ Podem até impugnar o programa se encontrarem alguma função escusa.

Depois de um ano é feita a lacração. O programa será blindado, não altera mais. Uma cópia é guardada na sala cofre e as outras cópias são enviadas, blindadas, para as regionais, TRES, inserirem nas urnas eletrônicas.

Os partidos políticos podem assinar digitalmente o software para posterior verificação de suas assinaturas nas urnas onde os softwares são inseridos”.


Criptografia

O servidor do DCTA, Osvaldo Catsumi Imamura, foi um dos responsáveis pelo sistema de segurança das urnas eletrônicas. A criptografia é um requisito fundamental para a urna, pois tem dois propósitos principais: impedir que dados armazenados sejam lidos e permitir que dados sejam transmitidos de forma segura, mesmo por um canal inseguro. Isso significa manter a confidencialidade, integridade e identidade desses dados.

Para o desenvolvimento ou compra de softwares de segurança, Catsumi precisou estudar profundamente o International Traffic in Arms Regulations - ITAR, um regime regulatório dos Estados Unidos para restringir e controlar a exportação de tecnologias relacionadas à defesa e aos militares para salvaguardar a segurança nacional dos Estados Unidos e outros objetivos da política externa daquele país. Cada país também tem um sistema parecido, mas todos cumprem o ITAR. Esse documento considera que criptografia e segurança são informações sensíveis e, por esse motivo, sua exportação é totalmente controlada. É uma tecnologia de mercado, que pode ser vendida a outros países, desde que a agência de segurança nacional dos EUA, a NSA, autorize. A autorização é condicionada ao domínio da tecnologia.

Em criptografia, domínio da tecnologia significa conseguir abrir, ter total acesso aos dados.... é como se tivesse a chave mestra.

Eleição brasileira, voto para Presidente da República, não pode ser criptografado por um produto comercial. Vamos desenvolver o nosso, tem que ser algo que só nós temos, algo inovador que nem a NSA possa quebrar, pelo menos durante o processo eleitoral”, conta Catsumi.

A urna eletrônica precisava de uma criptografia única, a fim de que ninguém possuísse a chave de acesso.

A autoridade certificadora brasileira é a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP Brasil. Existem vários níveis de certificação para documentos e é a ICP Brasil que determina como deve ser feito. Eles apresentaram uma proposta para que a urna eletrônica utilizasse o trabalho da ICP Brasil para certificar todos os processos das eleições.

Eu aceitei em parte, porque a ICP Brasil utiliza uma tecnologia de mercado para atestar os certificados digitais. Eu recomendei a eles que tivessem um algoritmo próprio. Como vão garantir todas as transações, de todos os níveis, com certificados digitais que utilizam algoritmos que a NSA abre a qualquer hora? E se abre a qualquer hora, fecha a qualquer hora, troca informações e a gente não fica nem sabendo.

Catsumi, então, lembrou de um antigo contato na Agência Brasileira de Inteligência - ABIN, de quem já havia recebido uma oferta de emprego para trabalhar no Centro de Pesquisa e Desenvolvimento para a Segurança das Comunicações - CEPESC-ABIN.

Em contato com a Agência, solicitou ajuda de pessoas que trabalhassem com algoritmos criptográficos. A ABIN indicou um pesquisador do CEPESC e, assim, foi formada a parceria com o CEPESC para o fornecimento de algoritmos. Como Catsumi havia implementado um processo de trabalho dividido por setores, esse seria apenas mais um.

A decisão seria conjunta, mas o trabalho separado por setores. Cada atividade setorizada de forma que nenhum setor se comunicasse com os outros, a não ser nas reuniões ordinárias gerais, para que não houvesse vazamento de informação de um setor para outro. E essa estrutura funciona até hoje no TSE. É uma das poucas, ou talvez a única instituição pública do país com esse sistema de trabalho, exatamente para garantir a segurança como um todo. Mesmo que a informação de um setor vaze, nunca chega a afetar a decisão final, porque tem que passar por várias outras etapas de verificação e conformidade.

Isso dá um trabalho muito grande para quem faz toda a integração, mas facilita o processo de produção e desenvolvimento, pode envolver mais pessoas, pode ter subcontratos. Então, o fornecedor de componentes ou partes do sistema, nunca saberá como o sistema todo funciona, exatamente para não ter informações que possam corromper o sistema como um todo.

O CEPESC desenvolveu o algoritmo necessário para certificar as eleições e, posteriormente, foi criada uma autoridade certificadora própria dentro da Justiça Eleitoral. O TSE é uma certificadora para uso exclusivo do sistema eleitoral.


À beira da prisão em Manaus

Em 1996, o contato das pessoas com a informática não era tão popular como hoje. O acesso a computadores era pouco. Junta-se a isso, a resistência que todas as pessoas possuem à mudança, principalmente em processos que envolvem muitas pessoas, anos de preparação e que funciona da mesma maneira por décadas.

A implantação do novo sistema de voto quase levou um dos servidores do INPE, Paulo Nakaya, à prisão, conforme relata:

Fui chamado para uma reunião em Manaus e não sabia para que era. Eles tinham chamado todos os juízes do Amazonas.

E me pediram para explicar como seria a eleição, como funciona a urna, como funcionam os NATS...

De repente levanta um corregedor e fala: Nakaya, você é do TSE, mas você não manda aqui no estado. Quem manda aqui sou eu. Você não pode definir isso no meu estado.

Eu argumentei que se não fosse daquela maneira, não funcionaria.

Ficamos batendo boca.

Ele já estava quase mandando me prender e paramos para um café.

Durante o café, ele começou de novo...

E eu expliquei novamente. Falei que não era porque eu queria, tinha que haver uma estrutura, se não, não funcionaria.

Depois de muito tempo, ele acabou aceitando.

Minha sorte era que o diretor-geral, o secretário de informática e o presidente de TSE estavam do meu lado.”


O teste que deu certo, mas deu errado

Na fase de testes, enquanto estavam finalizando um determinado módulo, a equipe precisava forçar o software, testando de todas as formas, sem regras, realizando operações inadequadas para detectar qualquer possibilidade de falha no sistema.

Para identificar os locais das falhas, caso alguma ocorresse, foi solicitado para um analista inserir mensagens em determinados trechos do programa. Dessa forma, caso a falha ocorresse naquele trecho, apareceria uma mensagem na tela da urna e a equipe saberia em que parte do programa a falha teria acontecido. É um procedimento normal para desenvolvedores, chamado de rastreamento do código durante a execução.

E assim foi feito. A equipe forçava o sistema a apresentar uma falha e recebia uma mensagem: “você fez algo indevido”, “o sistema está corrigindo” etc.

O teste se tornava interessante, apresentando resultados conforme o esperado, quando a equipe teve a ideia de chamar o assessor do Presidente do TSE para apresentá-lo.

Eles estavam muito curiosos para ver como a gente trabalhava, pois ficávamos trabalhando todos os dias até muito tarde.

Na presença do assessor, o pessoal forçou o sistema para correr a falha e aparecer alguma mensagem.

Apareceu: “agora ’ferrou’ tudo” e outras palavras que eu não posso dizer.

A gente olhou aquela mensagem e ficou em pânico.

Durante os testes, a gente ainda não tinha chegado naquela mensagem. E quando a gente chamou o assessor da presidência, ele viu.

Todo mundo ficou de olho arregalado e olhou para ele. Ele caiu na gargalhada e perguntou: ´isso não vai aparecer nas eleições, né?´”, contou Catsumi.

Após as devidas explicações, o assessor do Ministro pôde verificar que qualquer operação que fosse realizada na urna eletrônica seria registrada.


Relato de ’causos’ de TRES

A população brasileira já está habituada com o sistema de voto eletrônico e a apuração rápida. O que não se sabe é que alguns acontecimentos deixam a equipe técnica em apuros, para, finalmente, tudo dar certo no final. Os quatro 'causos' aqui contados demonstram o estado de tensão que as equipes vivenciam durante as eleições, o comprometimento das pessoas envolvidas e a relação de amizade que surge.

O primeiro relato ocorreu por conta de um problema registrado no Rio de Janeiro.

Numa das eleições, em uma seção eleitoral do Rio de Janeiro, durante a totalização dos votos, surgiu um problema grave, mas que nenhum dos técnicos em Brasília conseguia identificar, explicar ou solucionar, pois não havia ainda esclarecimentos por parte da equipe técnica carioca. A equipe técnica do TSE precisava comunicar o ocorrido ao diretor-geral do TSE, Dr. Miguel Augusto Fonseca de Campos, e Giuseppe Janino, então secretário de TI do TSE, convocou o Toné para compartilhar com ele essa missão.

”Quando chegou na sala do Dr. Miguel, o Giuseppe falou: doutor, nós estamos com a seguinte situação e o Toné vai explicar para o senhor. Pronto, caiu no meu colo a missão de tranquilizar o diretor e explicar o que acontecia. Eu não tinha ainda todas as informações sobre o que estava acontecendo, mas falei para o Dr. Miguel que telefonaria para o Rio de Janeiro para conversar com o André, então secretário de TI do TRE/R]”, conta Toné.

O secretário de TI do Rio, André Luís Azevedo Amaral, informou que houve um erro humano no processo de gravação do flash card, mas que já estavam com uma nova cópia, correta, e a totalização dos votos caminhava.

”Aquilo tirou a suspeita de uma falha na urna, a falha foi humana. Eu expliquei tudo ao diretor, porque o Giuseppe já estava muito nervoso, foi um caso em que a gente teve de ter sangue frio, calma e confiança no processo, para poder explicar direito o que estava acontecendo”, concluiu Toné.


Em outra ocasião, às vésperas da eleição, durante a faxina em um dos centros de comutação de dados da Telemar no Ceará, queimou um roteador em Fortaleza e as redundâncias não funcionaram. Com isso, caiu a rede de comunicação de dados de todo o Nordeste.

No TSE, ninguém sabia o que estava acontecendo.

”A gente perdeu conexão com os TREs do Nordeste, com os cartórios eleitorais, com todo mundo,” relatou Toné.

O Toné interrompeu a festa de aniversário de um ano do filho de um diretor da Telemar, para comunicar o ocorrido. Os técnicos da empresa passaram a noite trabalhando numa rota alternativa para os dados, enquanto os técnicos do TSE acompanhavam apreensivos e realizavam testes conjuntos para certificarem o funcionamento correto da rede e das redundâncias.

“É aquele negócio.... azedou o ponche que a gente vai servir amanhã na festa (da democracia), tem que fazer de novo.

Amanhã, 7 horas da manhã, tem que funcionar tudo, porque a rede é um item de infraestrutura fundamental.”

Funcionou!!


Em uma das eleições, o diretor do TRE do Paraná queria transmitir o resultado da votação diretamente de cada local de votação, mesmo que o local fosse em frente ao TRE.

Nessa eleição, o Paraná possuía 380 locais de votação.

Foram designados o Hashioka e o Toné para irem até Curitiba, a fim de tentarem convencer o diretor a realizar a apuração no próprio TRE, como era feito até então.

O diretor estava determinado: “nós vamos terminar em primeiro lugar essa apuração, vamos transmitir de todos os locais. Eu sei que vocês vieram aqui para dizer que eu não posso fazer a transmissão, mas eu estou decidido.

”O Hashioka me deu uma cotovelada pra sinalizar que não adiantaria qualquer tentativa de fazê-lo mudar de ideia. Eu falei: ’então tá bom, nós vamos mandar tudo para o senhor e o senhor faz o que está querendo.´ Ou seja, a gente foi lá para dizer não, mas quando a gente viu que o diretor estava determinado a fazer, então resolvemos ajudar para não dar errado.

Nós ajudamos a montar toda a estrutura de rede para permitir a transmissão dos resultados de cada local de votação, conforme o diretor queria”, contou Toné.

No dia da eleição, o estado do Paraná estava pronto e estruturado para ser o primeiro a finalizar o resultado das votações. Foi um sucesso, todos trabalhando e transmitindo do local de votação.

E o Mato Grosso do Sul terminou primeiro.


O último 'causo' não foi com o TRE, mas com o contador das histórias acima. Aconteceu no TRE do Rio Grande do Sul e, por ser uma história bem pessoal, fica com ele a responsabilidade pelo relato completo:

”Tínhamos na Justiça Eleitoral o Fórum de Tecnologia da Informação — ForTI. Por ser professor e servidor de uma unidade de pesquisa, sempre fui um incentivador deste evento.

Isso deu certo, porque a gente queria que os Tribunais Regionais apresentassem projetos, sugestões, inovações.

O primeiro foi realizado em Florianópolis. O segundo em Bento Gonçalves.

Havia total engajamento de todos os Tribunais Regionais, cujos técnicos inscreviam seus trabalhos já implementados e também novas propostas de soluções para diferentes problemas de TI na Justiça Eleitoral.

Quando cheguei no hotel onde seria realizado o evento em Bento Gonçalves, estavam testando o som do auditório. Eu virei no corredor e começou a tocar o hino do Grêmio. O Corinthians tinha acabado de perder para o Grêmio, eu estava muito bravo e o pessoal testando o som justamente com o hino do Grêmio.

Eu falei: ’que é isso?`

Eles: ’nossa Toné, você chegou, que coincidência`

Eu então falei: ´Vocês tão testando o som com esse hino?`

Resposta da equipe: ´Imagina Toné, foi coincidência.`

Rolou o evento e, no final, teve o sorteio de uma camisa oficial do Grêmio.

Como eu era da Comissão Organizadora, recebi o seguinte pedido: ´Toné, enfia a mão no saco aí e pega um nome.`

Puxei e falei: ´putz, não acredito, saiu meu nome.`

Todo mundo bateu palma.

Você acredita que eles sabiam que eu estava chegando no hotel, estava tudo preparado para tocar o hino, aí, no dia do sorteio, só tinha o meu nome dentro do saco?

A camisa era para mim mesmo! Cal igual a um pato.”

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  1. Mendes, Paulo Sérgio Pinto. Tese de doutoramento “A urna eletrônica brasileira: uma (des)construção sociotécnica”. Universidade Federal do Rio de Janeiro.2010.