Viagem ao norte do Brasil/I/XXXV
CAPITULO XXXV
Da chegada dos Cabellos-compridos á Tapuitapera e da viagem ao Uarpy.
Lá para o lado do Oeste havia uma nação, de que nunca se fallou, desconhecida por todos os Tupinambás, moradora nos mattos na distancia de mais de 400 á 500 legoas da Ilha, sem conhecer a vantagem dos machados e das foices, pois apenas se serviam dos machados de pedra, e assim viviam em segredo nas florestas d’essa localidade sob a obediencia de um Rei.
Souberam por alguns selvagens, que apresionaram no mar, da vinda dos francezes á Maranhão, da sua residencia ahi, trazendo comsigo Padres, que ensinavam qual era o verdadeiro Deos, e absolviam os selvagens dos seos peccados.
Levando taes noticias ao seo rei mandou este logo algumas canoas, e n’uma d’ellas foi o governador, abaixo d’elle, d’esta nação, acompanhado por duzentos mancebos fortes e valentes, ageis na natação e no uso da flecha, com instrucção de chegarem á Ilha, porem não podendo pôr pé em terra, limitando-se apenas a fallar com os interpretes dos francezes, e regressando depois á sua terra tomando todo o cuidado para não ser descoberto o caminho que seguiam.
Chegaram defronte de Tapuitapera, onde então se achava o interprete Migam, que apenas soube da chegada d’elles foi ao seo encontro no mar, e com o seo Principal fallou por muito tempo.
Interrogou-o o Principal acerca dos Padres, quem eram, o que faziam e ensinavam: á respeito dos francezes, quaes suas forças, e mercadorias, si era certo terem conciliado os Tupinambás com os Tabajares, e si viviam em paz na Ilha.
Respondendo o interprete a tudo isto, como devia, ficou satisfeito e assim o disse, asseverando que o mesmo aconteceria a seo Rei e a sua Nação, porque todos desejavam aproximarem-se dos francezes para conhecerem a Deos, terem machados e foices de ferro, com que cultivassem suas roças, e estivessem sempre em guarda contra os seos inimigos, plantando muito algodão e outros generos para offerecerem, como recompensa, aos francezes, aos quaes apenas pediam alliança e protecção.
Perguntou-lhes o interprete, si era grande sua nação, e si estava muito longe, ao que respondeo affirmativamente, marcando a distancia por legoas pouco mais ou menos, que podiam haver da Ilha á sua terra, mostrando com os dedos o numero de luas, isto é, de mezes, que eram necessarios para regressarem ao seo paiz, e accrescentou «não te posso dizer o logar da nossa habitação, porque meo Rei assim me prohibio, e tambem porque receiamos, que si nos faça guerra. D’aqui ha seis mezes regressarei para te dar certas noticias, e podes dizer ao teo chefe, que sendo verdadeiras as tuas informações viremos morar por aqui perto.»
O interprete respondeo — «vem, te rogo, vêr o Fórte, que fizemos, as grandes peças, que montamos sobre suas muralhas, e os francezes, que as guarnecem para de tudo dares noticias á teo Rei.»
«Não, disse elle, eu e os meos recebemos ordem de não saltar em terra». Tanto porem instaram com elle, quase recebendo refens, consentio alguns dos seos saltar em Tapuitapera, onde foram muito bem tratados, e ahi adquirindo, em troca de generos, que levaram, alguns machados e foices, regressaram mui contentes.
Durante essa visita, conservaram-se a nado as canoas, os remos armados, e tudo prestes se houvesse alguma traição. Tinham os outros as flechas e os arcos promptos, tanto desconfiam estas nações umas das outras!
Apenas chegaram os seos, restituiram os refens, e foram-se em paz. Deos os guie e os traga ao seo gremio.
Quanto á viagem ao Uarpy,[NCH 64][1] rio e região, em distancia para mais de 120 legoas da Ilha, lá para as bandas dos Caietés, foi emprehendida pelo Sr. de Pezieux, com alguns francezes, e duzentos selvagens pelos seguintes motivos.
Primeiro: para descobrir uma mina de oiro e prata na distancia de 100 legoas acima do rio, d’onde os selvagens nos trouxeram enxofre mineral, muito bom, e por tanto havia esperança de serem as minas boas e abundantes.
Tem me esquecido dizer, que ha em toda esta terra grande numero de minas de oiro, misturado com cobre, de prata misturada com chumbo,[NCH 65] o que provam as agoas mineraes que descem dos montes.
Segundo: para traser comsigo uma nação de Tabajares, habitante das margens do Rio.
Terceiro: para procurar uma nação de cabellos compridos por ahi errante, os quaes são doceis, faceis de serem civilisados, e que negociam com os Tupinambás.
Si se realisarem estas coisas, como creio, a Ilha será em pouco tempo rica de generos cultivados por todos estes selvagens reunidos, e tornar-se-ha forte contra a invasão dos portuguezes, e descançando n’esta esperança vou fallar de algumas raridades, que notei ahi, cortando as difficuldades que se apresentam á primeira vista por meio de razões boas e naturaes.
Notas de rodapé
[editar]- ↑ Gurupy. — Do traductor.