Viagem ao norte do Brasil/I/XXXVII
CAPITULO XXXVII
Ventos, chuvas, trovões, e relampagos em Maranhão e suas circumvisinhanças.
Alem do que a este respeito disse em sua Historia o padre Claudio d’Abbeville acrescentarei para satisfação do leitor o que me fez conhecer a experiencia:
1.º Fallando dos ventos, entre os quaes o do Oriente tem o sceptro e occupa o reino do Brasil, alem das razões dadas por esse Reverendo Padre, dou outra, que devo aos mathematicos, que por lá andaram e escreveram sobre a materia.
Dizem elles, que a constancia d’esse vento soprando por ahi é devida á disposição das costas do Brasil, em linha recta de Este a Oeste, porque tendo o sol levantado os vapores da terra e da agoa e atirando-os apòs si, pela violencia do seo curso diario encontram as costas do Brasil do Oriente ao Ocidente sem inflexão ou curva alguma e por isso seguem por ahi.
Praticamente observa-se isto com o fumo, que espalha-se no primeiro corpo solido, que encontra como sustentaculo de sua fraqueza, e sem elle derrama-se á feição do vento, que ahi sopra.
Com quanto o vento das outras tres partes do mundo, a saber, Oeste, Norte e Sul não reinem no Maranhão e suas circumvisinhanças em comparação com o de Este, não se pode comtudo dizer, que não soprem algumas vezes ventos do Norte e do Sul, e raras vezes o de Oeste.
Em Maranhão os ventos vão sempre augmentando desde Agosto até Janeiro, que é propriamente o estio d’esta terra, e quando o tempo é sempre sereno.
Explica-se isto pelo curso do sol que regressando do solsticio de Cancer para o de Capricornio surgem debaixo da zona tórrida grandes vapores, aquosos e humidos, e quanto mais se aproxima d’essas terras mais se levanta, e por tanto mais se reforçam esses ventos, que não são outra coisa senão esses vapores misturados com o ar.
2.º A razão porque começam as chuvas em Janeiro ou em Fevereiro, e vão sempre augmentando até principio de Junho ou fins de Abril, é porque o Sol volta do solsticio de Capricornio para o de Cancer, e attrahindo muita humidade expande-a no ar, e d’ahi cahem as chuvas: quanto mais o Sol se aproxima do seo termo, mais augmenta sua humidade, e torna a queda das agoas mais expessa, forte, e rapida, e por isso vemos no Brazil ser differente a epocha e a força das chuvas, isto é, mais depressa e mais abundante n’uma terra do que em outra.
De ordinario são as chuvas abundantes e frequentes, duradouras e continuas, mais á noite do que de dia: é o tempo proprio para semeiar-se, porque tudo nasce, cresce, produz, e dá colheitas.
Quando a terra é arenosa, e que está secca pela proximidade do Sol, ao cahir das chuvas continuas e abundantes, ella absorve admiravelmente as agoas, muda a sua secura para uma temperatura humida, que é a mãe das gerações.
São diversas estas chuvas do orvalho da noite no estio, porque tem este bom cheiro e aquellas mau, visto que provindo as chuvas do choque de expessos vapores aerios, trazem portanto comsigo a qualidade de seos agentes e a sua causa efficiente: acrescente-se ainda que a queda impetuosa das agoas sobre a terra, coberta de folhas em putrefacção ou de cinzas de paus queimados, revolve-a, e d’ella faz desprender-se, com o seo estado constante de calor natural, mau cheiro proveniente de taes objectos.
O orvalho cahindo doce e brandamente em noite serena, mais fria do que cálida, exhala cheiro agradavel, especialmente quando se derrama sobre plantas odoriferas.
É mais doentio o tempo das chuvas do que o das brisas, ou ventos de Este, porque em primeiro logar não sopram mais os ventos, e por conseguinte não purificam o ar, e d’elle não expellem vapores intensos, maritimos e aquosos, e por isso mui doentios: em segundo logar chocando-se as nuvens e cahindo as chuvas, apparecem molezas no corpo, doenças de coração, desarranjos do estomago, enfraquecendo-se os nervos, e infiltrando-se os ossos de humidade o que não apparece no tempo das ventanias, que limpam o ar, o mar, e a terra.
3.º Os trovões e relampagos são, sem comparação alguma, mais fortes e frequentes no Brasil do que no mundo velho, especialmente no tempo das chuvas, são horriveis os trovões, parecendo abalar-se a terra, e um relampago dura mais do que dose na Europa.
Durante esse tempo não sahem de casa os selvagens, e nem o mais valente se atreve a pôr o nariz fóra da porta, e eu mesmo, sem ser dos mais timoratos, fartei-me de medo, embora ninguem visse a queda do raio.
Eis a razão.
Emquanto é brando o calor de Agosto á Fevereiro raras vezes ha trovões; mas quando surge a guerra do frio e do calor, que é de Fevereiro á Junho, então é necessario que appareçam escorvas e peças, isto é, raios e trovões.
N’este tempo reina o calor na zona tórrida com todo o seo vigor, e o frio então se fortifica pelo regresso do Sol de Capricornio para Cancer, cheio de humidades do ar, e por isso é grande o combate, mais frequentes os trovões, e mais medonhos os relampagos.
Não se descobre a queda dos raios porque são altas e vigorosas as arvores do Brazil, e ordinariamente é n’ellas, como acontece em toda a parte, onde cahem os raios.
Como é o paiz coberto de florestas, e repleto de arvores de admiravel altura, é bem facil cahir o raio desapercebidamente.
Prova-se isto todos os dias com arvores cahidas e queimadas, que se encontram nas florestas.