Viagem ao norte do Brasil/I/XXXVIII
CAPITULO XXXVIII
Mar, agoas, e fontes do Maranhão.
O mar, pelas suas marés, não é o mesmo que o do restante do Mundo.
Embora o Occeano acompanhe infallivelmente o crescente, o plenilunio, e o minguante da Lua, comtudo notaram nossos marinheiros em um ou dois dias, e algumas vezes mais, differença e falta de igualdade do que se observa n’outras marés do Universo.
Explica-se isto observando-se, que o Brazil está cercado de milhares de inflexões ou voltas, formadas umas por bancos e corôas de areia, e outras por voltas de pontas de terra e bahias.
Accrescente-se ainda terem todas estas terras as sahidas mui retalhadas, que impossibilitam o desembocar da maré com toda a sua força para os rios salgados e portos e barras, como acontece n’outras partes.
Reparae por exemplo o fluxo e refluxo do mar no rio Sena, pois quando o mar no Havre da Graça principia a refluir já a onda chegou a Ponte de Arche.
Reparei tambem na seguinte coisa commum ás outras marés, porem não tanto como as antecedentes.
O mar no seo fluxo, batendo nas pontas das rochas, deixa no meio um canal ou rego, que mostra a sua corrente principal, forrado de excrecencias maritimas, que ahi se amontoam, e si passar-se uma corda pelo seo nivel poderá servir de marca aos pilotos para reconhecer o canal no meio dos recifes.
Parece-me explicar-se isto pela propriedade da forma circular, que tem os elementos, a qual lhes permitte expandir-se até a circumferencia: em virtude d’isto o mar faz no meio do centro do seo fluxo o rego, ou fio de sua carreira, depois dispersa-se, e dá a cada ponta de rochedo a sahida para a maré, e por isso tenho observado algumas vezes muitos pedaços de pau serem arremeçados em diversos sentidos contra os rochedos pela violencia e corrente d’essas differentes marés.
As agoas do Maranhão são incorruptiveis, e muito melhores do que as da Europa, como tive occasião de verificar por espaço de dez semanas na viagem do meo regresso: eis a razão: quanto mais sugeito está um corpo á transformação e mudanças de qualidade, mais susceptivel se torna de ser corrompido e mau por causa das alterações, que soffre, ora as agoas do Maranhão achando-se sempre no mesmo estado, são por tanto incorruptiveis e optimas. As agoas da Europa são pelo contrario ora quentes, ora frias, e por conseguinte corrompidas e más.
Não são frias como as da Europa as fontes do Maranhão, porque sendo baixas as terras do Brazil não póde operar-se a anteperistase em suas entranhas, especialmente pela proximidade do sól, que penetra muito bem e com todo o vigor na terra, que é arenosa e mui susceptivel de calor.
As agoas da Europa são frias no Estio por causa da grande anteperistase das terras, d’onde cahem as agoas, que são altas, muitas vezes fortes e densas, e por isso resistem ao sol.
Conservam as fontes do Brazil sempre a mesma temperatura, porque o sol derrama-se igualmente por cima d’ellas, que nada tem, que lhes possa imprimir alguma qualidade fria.
Entre as fontes do Maranhão umas são melhores do que outras, e tem até côres diversas: a que nasce da terra é diversa em gosto e côr, porque sendo a terra baixa, e havendo muitas arvores, umas com bom gosto e outras com mau, estendem por ahi suas raizes, e d’ellas os olhos d’agoa, ou os veios das fontes recebem qualidade boa ou má, tanto da terra como das arvores.
Notei n’estas fontes o seccarem umas em setembro, e outras minguarem muito, porque sendo o terreno do Maranhão quente, secco, e arenoso consome facilmente as agoas das chuvas, que por elle corre, e que serve de alimento ás ditas fontes: achando-se pois os mezes de setembro, outubro, novembro e dezembro muito longe das chuvas, é natural, que ás fontes aconteça o que já dissemos.
Quem quizer beber agoa muito fria, deve expol-a ao sereno, e na manhã seguinte está tão fria como gêlo, o que não lhe succederá se n’essa hora for buscal-a á fonte, porque sendo as noites em Maranhão muito frias, ellas tem muito mais força sobre uma porção d’agoa guardada n’uma vasilha, cercada de ar por todos os lados, do que sobre agoas sempre em movimento pela corrente, contidas em leitos baixos, cobertas e sombrias por todos os lados, e tendo a superficie apenas á vista.
Facilmente observa-se isto na Europa, durante o inverno, nas fontes e poços situados em lugares retirados e sombrios, pois nunca suas agoas se gelam, ou pelo menos se esfriam.