Dicionário de Cultura Básica/Eros
EROS ("Cupido" romano, erotismo, amor, Sexo) → Psiquê → Vênus
(Adélia Prado)
Eros é uma das "Divindades Primordiais", aquelas que pertencem à "pré-história" da Mitologia grega. Segundo o pensamento órfico, Eros nasceu do Caos ou Ovo primordial, engendrado pela Noite, cujas metades se separaram, dando origem à Terra e ao Céu. Ele é o princípio da atração universal, que leva as coisas a se juntarem, criando a vida. Eros é a força que assegura a coesão interna do Cosmos e a continuidade da vida na terra. Para Platão, ele seria um daimonion, uma força espiritual intermediária entre a divindade e a humanidade. Na cultura romana, Eros é confundido com Cupido, o deus do amor, representado como uma criança alada, nua, armada com arco e flechas ou com espada e escudo, símbolo da paixão arrebatadora. Acontece que, com o passar do tempo, se desfigurou o sentido etimológico da palavra "erótico", reduzindo o conceito a um tipo de satisfação carnal proibida ("sexo sem pecado é como ovo sem sal", diria o cineasta Luís Buñuel), à nudez, à sacanagem, aos filmes pornôs. Confundiu-se Eros com Priapo, o deus do sexo! O dramaturgo Nelson Rodrigues afirma que "sexo é o que restou da Pré-História, do vil passado do homem". Já o escritor, jornalista e poeta, Arnaldo Jabor (O amor é prosa, sexo é poesia), ao analisar a origem etimológica da palavra "sexo", do radical "sec" do verbo secare (separar, cortar, dividir em duas partes), vê o ato sexual como uma "reintegração de posse": o amor une o que a divindade dividiu (veja o mito do Andrógino). Citando, literalmente: "Nosso amor é uma reprodução ampliada da cópula entre o espermatozóide e o óvulo se interpenetrando". Mas, embora sendo profundamente natural, o ato do amor transcende a matéria, pois aspira ao eterno e ao infinito. Conforme o autor citado, "o amor é uma ilusão sem a qual não podemos viver".
O Eros verdadeiro é o deus do amor no seu sentido integral, que engloba corpo e alma. A atração puramente física é animalesca e não humana. É apenas o bicho que tem o período do cio. O homem e a mulher se amam (ou deveriam se amar!) sempre e em todos os lugares por uma comunhão de sentimentos que transcende o aspecto corporal. O erotismo, que verdadeiramente funciona e que faz perdurar a atração recíproca por longo tempo, está no olhar apaixonado, na admiração que o amante sente pelas qualidades físicas e espirituais que consegue enxergar na pessoa amada. O erotismo, que realmente e de uma forma mais duradoura estimula o desejo, se encontra na poesia lírica, na pintura, na dança, nos filmes sentimentais, na arte em geral, pois supera o nível do real e penetra no mundo da fantasia, do sonho, do vago sentimento do inacessível. Por esse prisma, os Cantos de Salomão e a poesia trovadoresca são mais eróticos do que o Kama Sutra. O erotismo está mais no sugerir do que no mostrar totalmente, no claro-escuro, na promessa do idílio, no mistério a ser desvendado, na repetição do ato do amor como se fosse sempre pela primeira vez. Como diz a poeta Adélia Prado, "erótica é a alma"! Só que conhecer o espírito de alguém é bem mais difícil do que lhe conhecer o corpo. Manuel Bandeira nos oferece uma reflexão interessante a respeito: "deixa o teu corpo entender-se com outro corpo. Porque corpos se entendem; as almas, nem sempre". E, sobre a renovação do desejo erótico, esta bela imagem do poeta Mário Quintana: "amar é mudar a alma de casa". Enfim o erotismo, entendido como prática do amor num sentido bem geral, é onipresente a qualquer atividade humana bem sucedida. A escritora Lygia Fagundes Telles afirma acertadamente: "Vocação é ter a felicidade de ter como ofício a paixão". Mas é a escritora existencialista francesa, Simone de Beauvoir, amante de Sartre, quem melhor define a essência da relação carnal: "O erotismo implica uma reivindicação do instante contra o tempo, do indivíduo contra a sociedade".