Dicionário de Cultura Básica/Ibsen
IBSEN (dramaturgo norueguês)
A crítica costuma distinguir três fases na produção dramática do grande escritor norueguês Henrik Johan Ibsen (1828–1906): romântica, realista e simbolista. Na fase romântica e nacionalista ele exalta as virtudes do seu povo primitivo em luta contra a opressão da Dinamarca (Dona Inger em Oestraat, Os heróis de Helgeland, Os pretendentes da Coroa), ou revive o folclore popular (Uma festa em Solhaug), ou representa a utopia da vivência de um Cristianismo integral (Brand), ou encena a figura do anti-herói, o personagem falso e mentiroso (Peer Gynt), ou faz a sátira dos partidos políticos (A aliança da mocidade). Em 1877, com a encenação de Os pilares da comunidade, Ibsen inicia sua fase realista: as mulheres e os operários, os dois pilares sociais, são os mais marginalizados pelas instituições legais. Segue-se a representação da mais bela peça, Casa de bonecas, onde a protagonista Nora, rebelando-se contra a mentira e a hipocrisia da vida doméstica, abandona marido e filhos para conquistar sua liberdade existencial. Mas o drama ibseniano que está mais próximo do ideário realista é Espectros. Aderindo à concepção da escola positivista, que considera o ser humano determinado por fatores hereditários e ambientais, Ibsen monta sua peça sobre a caracterização da protagonista Alving: sufocada pelos espectros das convenções sociais, ela desmascara seu casamento infeliz com o marido libertino. Já viúva, sente repelida sua atração sexual pelo pastor Manders e revela como seu corpo fora o veículo de transmissão de uma doença venérea (a sífilis) do marido para o filho. Com Hedda Gabler, a mulher troca de papel, não sendo mais apresentada como vítima, mas como algoz: a protagonista desta peça arruína o marido e o amante. Apesar disso, não deixa de ser uma figura fascinante. Ibsen tinha o dom de compreender profundamente e saber retratar artisticamente a psicologia feminina. Este é o motivo pelo qual todos os círculos feministas escolhem o escritor norueguês como seu dramaturgo preferido. A terceira fase do teatro ibseniano, a do simbolismo, é composta por peças em que a realidade cotidiana é apresentada através de símbolos O que acontece especialmente em O pato selvagem, Rosmerholm e A dama do mar. Mas, não obstante essa possível diferenciação de várias posturas estéticas ao longo da sua produção dramática, há um motivo recorrente em todas as peças de Ibsen, que constitui a marca mais profunda da sua genialidade: a luta do espírito humano contra o comodismo covarde, a hipocrisia social, a falsidade consigo mesmo. Para Ibsen, é fundamental que o homem alcance a sinceridade, a autenticidade, a coerência interior. A verdade é sempre "paradoxal", no sentido de que se opõe à doxa, à opinião comum, aos costumes políticos, sociais e morais, geralmente falsos e castradores das individualidades. Um personagem do drama Um inimigo do povo afirma: "A multidão é a negação da verdade", cuja réplica se encontra em outras passagens de Ibsen: "A minoria está sempre certa"; O homem mais forte do mundo inteiro é o que está mais só". E Nora, a protagonista de Casa de bonecas, antes de abandonar o lar, no diálogo final com Torvald Helmer, tem uma fala ainda mais esclarecedora:
"Eu acredito que antes de tudo eu sou um ser humano...
Eu sei muito bem, Torvald, que a maioria das pessoas lhe daria razão,
e que essa é a opinião que se encontra nos livros.
Mas eu não posso mais me contentar com a opinião da maioria das pessoas
nem com o que está nos livros.
Eu tenho que pensar por mim mesma, se quiser compreender as coisas...
Eu aprendi também que as leis são muito diferentes do que eu pensava,
mas não consigo convencer-me de que as leis sejam justas.
De acordo com elas, uma mulher não tem o direito de poupar seu pai agonizante
nem de salvar a vida do marido. Não consigo acreditar nisso...
Mas agora eu vou tentar, vou ver se consigo entender quem está com a razão,
a sociedade ou eu... Eu tenho outros deveres, igualmente sagrados...
Para comigo mesma."
Junto com o resgate da figura feminina, o direito à felicidade individual pode ser considerado o motivo recorrente na dramaturgia de Henrik Ibsen, confirmado por mais esta sua observação: "O verdadeiro espírito de rebelião consiste precisamente em exigir a felicidade aqui, na vida".