Dicionário de Cultura Básica/Simbolismo

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SIMBOLISMO (corrente estética do final do século XIX — Decadentismo)

Perfumes, cores e sons ecoam uns aos outros
(Baudelaire)

Etimologicamente, a palavra "símbolo" vem do grego sum + ballo, que significa "colocar junto", associar uma coisa com a outra. Saussure, o pai da Lingüística moderna, já estabeleceu a distinção entre símbolo e signo lingüístico: este une um conceito (significado) a uma imagem acústica (significante) de modo arbitrário. Assim, por exemplo, a relação entre a seqüência de fonemas "c-a-s-a" e a idéia da moradia do homem é puramente convencional; tanto é verdade que o mesmo conceito é expresso em outras línguas através de cadeias fônicas completamente diferentes (house, maison etc.). O símbolo, ao contrário, tem por característica um rudimento de vínculo natural entre significante e significado: a balança simboliza a justiça porque tem a função de pesar as razões pró e contra de dois contendentes. Da mesma forma, a pomba, branca e tenra, é o símbolo da paz, enquanto o leão pela sua ferocidade simboliza a prepotência. O uso de símbolos sempre existiu na vida e na arte de todos os povos de todos os lugares. A psicanálise considera os símbolos, especialmente os oníricos, como um mecanismo automático de defesa do homem, cujo conhecimento é indispensável para desvendar o inconsciente individual (→ Freud) ou coletivo (Jung): a chama ou o fogo é o símbolo fálico para indicar a vida, a potência sexual etc. O símbolo, por ser a expressão sensível de um objeto ou de uma idéia invisível, é muito usado na religião e na magia, esta última chegando a conferir um valor real ao símbolo por identificar o representante com o representado: animismo, misticismo, feiticismo, ritualismo iniciático. Na literatura, a poesia universal sempre foi essencialmente simbólica, pelo uso de metáforas, imagens, analogias, que exprimem de modo figurativo idéias e sentimentos do poeta.

Num sentido estrito, porém, o Simbolismo, como movimento estético, surgiu na França e vigorou nas duas últimas décadas do séc. XIX, durante a chamada belle époque, caracterizado pela boemia de Montmartre e pela literatura de cafés e boulevards. Um grupo de intelectuais, chamados de "poetas decadentes", pois tomados pela sensação do fin du siècle, acusa a crise dos ideais do complexo cultural positivista e apresenta uma nova proposta estética, fundamentada em valores espirituais. A mudança do nome de Decadentismo para Simbolismo deve-se ao artigo "O século XX", publicado no Le Figaro em que Jean Moréas, o teórico do grupo, afirmava que a nota essencial da nova escola estava baseada "não tanto em seu tom decadente quanto em seu caráter simbólico", que o objetivo da nova arte era "objetivar o subjetivo, em vez de subjetivar o objetivo" e que a fórmula essencial da estética simbolista era "vestir a idéia com uma forma sensível". Voltando, de um certo modo, à estética romântica, o Simbolismo aperfeiçoa o gosto pelo mistério das coisas, na tentativa de captar a realidade secreta do Universo, neste encontrando uma Alma comum, e descobrindo a correspondência entre os diferentes elementos da natureza, expressa artisticamente através da metáfora sinestética (associação de sensações diferentes): idéia aromática, flor canora, luz falante, cheiro das cores etc. O precursor ideológico do movimento simbolista pode ser considerado o sueco E. Swedenborg (1688–1772), engenheiro militar, que se notabilizou por seus escritos teosóficos e místicos. Ele tentou estabelecer um sistema de comunicação entre os seres deste e do outro mundo, as almas dos finados e os anjos. No campo literário, os precursores do Simbolismo foram os românticos Hoffmann, Edgar Allan Poe e Baudelaire. Deste último, o soneto "Correspondances" foi tomado pelos simbolistas como o poema-manifesto da nova estética. Vamos lê-lo na tradução de Álvaro Cardoso Gomes:

A Natureza é um templo onde vivos pilares
Deixam escapar, às vezes, confusas palavras;
O homem ali passa por entre florestas de símbolos
Que o observam com olhares familiares.

Como longos ecos que ao longe se confundem
Em uma tenebrosa e profunda unidade,
Vasta como a noite e como a claridade,
Os perfumes, as cores e os sons se correspondem.

Há perfumes frescos como carnes de crianças,
Doces como oboés, verdes como as pradarias,
— E outros, corrompidos, ricos e triunfantes,

Tendo a expansão das coisas infinitas,
Como o âmbar, o almíscar, o benjoim e o incenso,
Que cantam os transportes do espírito e dos sentidos.

Este soneto foi publicado em 1857 e faz parte do conjunto da obra poética de Baudelaire Les fleurs du mal. A primeira quadra nos oferece a imagem da natureza vista como um templo em que as árvores ("vivos pilares") emitem palavras misteriosas a serem ouvidas pelos homens que habitam essa "floresta de símbolos", que é a Natureza. O substantivo "templo" e o adjetivo "confusas", que qualifica "as palavras" (e que tem o sentido de sibilinas, misteriosas), sugerem o caráter de religiosidade que o poeta atribui à natureza. Religiosidade essa, porém, não transcendente mas imanente, que evidencia uma concepção panteística do mundo, onde não há diferença entre elementos materiais e espirituais, pois há uma transferência de semas de um campo para outro. Na segunda quadra é afirmada a correspondência entre as sensações do olfato, da cor e do som: como longínquos ecos que se confundem numa comunhão profunda e misteriosa, como a vastidão da noite e a claridade do dia, misturando-se perfumes, cores e sons. Vale a pena notar a figura do oxímoro formado pela junção, no mesmo sintagma, de palavras de semas opostos: claridade do dia e escuridão da noite. Este chamamento recíproco entre os vários elementos da natureza é misterioso, porque simbólico, e só pode ser percebido pela alma sensivelmente privilegiada do poeta. Nos dois tercetos, Baudelaire especifica a correspondência entre os diferentes sentidos. Ele afirma que existem dois tipos de perfumes na natureza vegetal: uns frescos como as carnes de crianças, doces como o som do oboé e verdes como a relva; outros mais velhos, mais ricos e mais vistosos, que são o âmbar, o almíscar, o benjoim e o incenso, que nos dão a sensação do infinito e sugerem a relação profunda que existe entre os objetos sensíveis e as coisas espirituais.

Apresentamos, a seguir, os maiores expoentes do movimento simbolista:

Mallarmé (1842–1898): "dar um sentido mais puro às palavras da tribo"

Depois de conhecer a obra poética de Poe e de Baudelaire, o poeta francês se separou do parnase líttéraire (→ Parnaso), passando a integrar o grupo dos poètes maudits, alcunha que Verlaine deu a alguns escritores líricos seus contemporâneos. Acolheu no seu círculo de amizade os mais importantes poetas e artistas da época: Paul Claudel, Paul Valéry, André Gide, Manet, Gauguin. Seu primeiro poema de tom simbolista é L’après-midi d’un faune (A sesta de um fauno), que inspirou o prelúdio da música orquestral de Debussy. Seu poema mais famoso é Un coup de dês... (Um lance de dados nunca abolirá o acaso), em que, assimilando a linguagem da música e da imprensa, dispersou as linhas do poema por vinte e uma páginas, como uma polifonia de palavras. Seu melhor trabalho em prosa é Divagations, reflexões acerca da natureza da poesia. A preocupação da sua vida de poeta foi a tentativa da explicação órfica da Terra, procurando a decifração do Universo através da linguagem. Mallarmé definiu seu ideal poético num verso que se tornou famoso: "dar um sentido mais puro às palavras da tribo".

Verlaine (1844–1896)

Em 1884, Verlaine publicou um artigo com o título "Les Poètes Maudits", chamando assim os poetas "decadentes" da sua época, a nova geração de artistas inovadores e revolucionários. "Malditos" porque não observavam os cânones estéticos tradicionais e não aceitavam a moral burguesa. Sua poesia foi se enriquecendo, gradativamente, na medida em que ia abandonando a estética parnasiana. As duas coletâneas Amour e Parallèlment contêm os melhores poemas de Verlaine. Famosa é sua obra Art poétique, em que se encontram reflexões fundamentais sobre o conceito moderno de poesia, especialmente no tocante o nível sonoro. Ele costuma dizer: "a música antes de tudo".

Rimbaud (1854–1891)

Amigo íntimo de Verlaine: este chegou a abandonar a esposa para conviver com Rimbaud na Bélgica e na Inglaterra. Mas não faltaram brigas entre os dois amantes: Verlaine feriu Rimbaud com um tiro de revólver e acabou sendo preso. Rimbaud foi um homem revolucionário na política (atacando Napoleão III e aplaudindo a Comuna), no campo social (lutando contra o conformismo burguês e a moral católica) e na arte (rompendo com a tradição literária e procurando novas formas estéticas que o levassem ao descobrimento do mistério da vida). O soneto Voyelles é uma tentativa de descrever um mundo onde sons e cores pudessem se corresponder. Em Illuminations, coletânea de poemas em prosa, procura a fusão do real e do imaginário, assumindo a alucinação como estado de espírito próprio do poeta. Ele achava que "a nossa pálida razão esconde-nos o infinito".

Valéry (1871–1945)

Foi uma personalidade enciclopédica: poeta, escritor, esteta, matemático, desenhista. O seu pensamento estético encontra-se na obra Introduction à la méthode de Leonard da Vinci. Foi o maior teórico da arte pela arte, da poesia pura, a poesia que se contempla a si mesma, como Narciso diante da própria imagem refletida na água. A aspiração à perfeição o persegue a vida toda. Ele dizia: "um artista nunca termina seu trabalho; ele apenas o abandona". Valéry sentia-se fascinado ao descobrir nas palavras musicalidade e diferentes sentidos, que só podiam ser revelados por novas disposições verbais. Rejeitando a inspiração, era partidário do método, do rigor, da norma. Entre seus livros de poesias, assinalamos Le Cemitière Marin e Charmes.

Yeats, William Butler (1865–1936)

Poeta e dramaturgo irlandês; entre sua volumosa produção literária anotamos as obras voltadas para o ocultismo e a teosofia: A rosa secreta; As tábuas da lei; a coletânea de poesia metafísica Per amica silentia lunae.

Na Itália, a reação à escola realista é marcada por uma onda de espiritualismo. Salientamos o misticismo panteístico do grande poeta Giovanni Pascoli (1855–1912). O movimento simbolista, na península italiana, manteve o nome de Decadentismo e teve em Gabriele D’Annunzio (1863–1938) a figura internacionalmente mais conhecida. Poeta, prosador e dramaturgo, sua produção literária é abundante e extremamente variada. Assinalamos, na poesia, Canto Nuovo, Intermezzo, Poema paradisíaco, Laus vitae; na prosa ficcional, II piacere, Il fuoco, 11 trionfo della morte; no teatro, La figlia di Iorio, Fedra, 1 sogni delle stagioni. A sua arte é fruto de uma personalidade complexa e contraditória, espelhando a época em que viveu. Juntamente com a influência do pensamento nietzschiano, centrado sobre a concepção do super-homem e da supernação, ele sentiu os influxos do espiritualismo crepuscular e decadente. Aristocrata, heróico, hedonista, de um lado; de outro lado, emotivo, sentimental, místico. Na sua poesia, a realidade sensível encontra-se sublimizada numa esfera mágica feita de alusões, sentidos ocultos, pressentimentos. Seus versos são notáveis pela melancólica musicalidade, em que reside a maior parte de sua beleza. Enfim, ele foi um grande esteta, de uma sensibilidade inigualável.

A lírica em língua portuguesa acusa fortemente as influências dos simbolistas franceses. Em Portugal, Eugênio de Castro (1869–1944), com a publicação da coletânea de poemas Oaristos (1890), dá início ao movimento simbolista lusitano, embora sua poesia, carregada de um preciosismo requintado, esteja mais próxima da moda decadente de La belle époque do que da estética propriamente simbolista. O poeta português prefere a descrição de ambientes luxuosos e artificiais à expressão do sentimento de comunhão do homem com a natureza cósmica. Antônio Nobre (1867–1900) já é um poeta mais afinado com os ideais estéticos do Simbolismo. Sua obra maior, a coletânea de poemas Só (1892), apresenta um amálgama de várias correntes estéticas, que vão do Romantismo ao Saudosismo. O que predomina, porém, é o apego à terra, uma forte ligação com a natureza, com as raízes populares. Camilo Pessanha (1867–1926) é, sem dúvida, o maior poeta simbolista português. Sua produção lírica está reunida no volume Clépsidra, publicado em 1920, já em pleno Modernismo. Pessanha é o poeta que sugere, evoca, que não nomeia nada claramente. A perda irrecuperável do estado de inocência, de pureza, de luz, é o seu tema preferido.

No Brasil, a lírica simbolista sente diretamente as influências da França, sem passar pela experiência portuguesa, como aconteceu nas escolas literárias anteriores. Em 1891, um grupo de poetas do Rio de Janeiro, reunido em torno da Folha Popular, introduz a nova moda poética. Entre eles se destaca a figura de João da Cruz e Sousa (1861–1897). Podemos distinguir duas fases no seu itinerário poético: com a publicação de Missal e Broquéis (1893), Cruz e Sousa imita o gosto baudelairiano pelo erotismo e o satanismo; mais tarde, na fase da maturidade, ele repudia a atitude decadente, estranha à realidade brasileira, enveredando pelo filão do lirismo metafísico, místico, religioso. Simbolista mais fecundo é o mineiro Alphonsus de Guimaraens (1870–1921). Ele soube conciliar o anseio de transcendência, característica essencial do Simbolismo, com a sua fé católica, sublimizando o esoterismo no cristianismo. Usando com uma certa parcimônia as inovações técnicas da estética simbolista — rimas internas, aliterações, assonâncias, extrema preocupação com o ritmo do verso, léxico requintado, frouxidão sintática, metáfora sinestética —, Guimaraens constrói uma poesia altamente melódica. Antológico é o seu poema Ismália, onde a "Lua", a "torre", a "loucura" são símbolos da alma humana, dividida entre o mundo da realidade, da sombra, e o mundo do sonho, da verdade transcendental.