Dicionário de Cultura Básica/Romeu
ROMEU e Julieta (o mito do amor proibido) → Eros e Tânatos → Abelardo
Viver casada muito tempo não é ser bem casada;
é mais bem casada aquela que morre jovem.
A tragédia de Shakespeare Romeu e Julieta, escrita em 1594, leva ao apogeu um mito que percorre toda a cultura ocidental: o do par amoroso, unido até a morte por um laço indissolúvel. A dramatização do infeliz relacionamento amoroso de dois membros de famílias rivais de Verona, os Montéquio e os Capuleto, tem seus antecedentes poéticos no Cântico dos Cânticos do rei Salomão (séc. X a.C); no romance idealizante de Xenofonte de Éfeso, do séc. II d.C.; na lenda cavaleiresca de Tristão e Isolda, na história de Abelardo e Heloísa e em alguns episódios do Decameron de Boccaccio, na Baixa Idade Média. Para a criação específica da história do amor infeliz de Romeu e Julieta, os amantes de Verona, Shakespeare deve ter aproveitado a narrativa do escritor italiano Luigi dal Porto (1485–1529). O amor entre os dois jovens é clandestino, pois fora-da-lei, e por isso não pode durar muito: está destinado a perecer, a conjugar-se com a morte. O tema da conjunção de amor e morte, Eros e Tânatos, que irá explodir na época do Romantismo, já está presente aqui, como na novela medieval de Tristão e Isolda. O amor contrário às regras sociais é destruído pela moral cristã que sufoca a paixão pelo sacramento do matrimônio, o gozo amoroso tendo como destino a morte. Como observa a crítica Julia Kristeva, o ritmo dos encontros e desencontros, das reviravoltas da história é a conseqüência da incompatibilidade entre "o instante amoroso" e "a sucessão temporal". O amor sublime, que aspira ao infinito, só pode acabar na morte. O amor morre quando é legalizado, pois Eros e a Lei são incompatíveis. No dizer do personagem shakespeariano frei Lorenzo, citado na epígrafe, "viver casada muito tempo não é ser bem casada; mais bem casada é aquela que morre jovem". É este bondoso e compreensivo religioso que está no centro do trágico drama: quando a bela Julieta Capuleto lhe revela estar apaixonada pelo jovem Romeu Montéquio e não querer ser vítima de um casamento arranjado, frei Lorenzo inventa um estratagema para ajudar os dois jovens. Oferece a Julieta um poderoso sonífero para fingir-se morta por envenenamento, enquanto tenta avisar Romeu que estava exilado. Mas a carta se extravia e Romeu, acreditando que sua amada está morta de verdade, acaba se suicidando junto dela, na cripta dos Capuleto. Julieta, ao despertar, vendo o amado falecido, se suicida também. A tragédia tem como ensinamento o triunfo do amor sobre o ódio, pois acaba pacificando as duas famílias rivais. O drama dos amantes de Verona inspirou inúmeras obras de arte, especialmente musicais e cinematográficas. Lembramos: 1) a sinfonia dramática de Hector Berlioz (1803–1869) Romeu e Julieta, a partir de um libreto de Deschamps, de 1839: esta obra lírica foi retomada pelo coreógrafo Maurice Béjart e representada em Bruxelas, em 1966; 2) a obra lírica Romeu e Julieta, do compositor francês Charles Gounot (1818–1893: famoso pela sua "Ave-Maria"), recentemente (junho de 2004) representada no Teatro Municipal de São Paulo, pela montagem da Orquestra Experimental de Repertório; 3) o imenso sucesso da película Romeu e Julieta, do diretor italiano Franco Zeffirelli, estrelada por Leonardo Di Caprio e Clarice Danes.