Dicionário de Cultura Básica/Romantismo
ROMANTISMO (movimento cultural e postura existencial)
"Por toda a parte procuramos o Absoluto
e encontramos apenas objetos, coisas".
(Novalis)
Do inglês romantic e francês romantique, vocábulos formados a partir do radical latino rom, de Roma (romano, românico), o termo Romantismo indica um conjunto de movimentos intelectuais que surgiu na Europa, com início no final do séc. XVIII, perdurando durante um século, aproximadamente. Mas, antes de ser um movimento estético, ideológico e social, o Romantismo é uma atitude espiritual, uma postura perante a vida, constituindo-se numa coordenada fundamental do ser humano. A concepção romântica da existência e da arte corresponde ao que Nietzsche chama de "espírito dionisíaco", em franca oposição à postura clássica do "espírito apolíneo". Neste sentido amplo, como atitude espiritual, o romantismo sempre existiu, porque sempre existiram artistas de temperamento exaltado ou melancólico, que colocaram na liberdade sua norma e na emoção sua inspiração. Enquanto movimento histórico, porém, o Romantismo teve seu tempo: surgiu na Alemanha e na Inglaterra, entre a segunda metade do século XVIII e a primeira metade do século XIX, em defesa da liberdade de sentir, de viver e de expressar, apregoando a derrocada de qualquer forma de absolutismo: político, contra o imperialismo e a favor de regimes constitucionais; religioso, contra o dogmatismo e a favor de uma religião mais sentida e mais natural; social, contra a prepotência das classes dominantes aspirações da nascente classe burguesa; estético, contra as regras do Classicismo e a favor de uma total liberdade de expressão artística.
O fenômeno artístico-literário do Romantismo está intimamente relacionado com o desenvolvimento sócio-cultural pelo qual passou a Europa durante a segunda metade do século XVIII. A atividade comercial, intensificada a partir do Renascimento com as Grandes Navegações, acabou provocando uma grande atividade industrial que, devido ao sucessivo progresso científico e tecnológico (emprego de máquinas movidas por energia não-animal e não-humana), deu origem a uma verdadeira reviravolta. A Revolução Industrial, que teve como centro de irradiação a Inglaterra, provocou a crise do artesanato, da manufatura e da pequena indústria doméstica, transformando a velha sociedade agrária em moderna sociedade industrial. Milhares de seres humanos deixaram o campo para trabalhar nas fábricas, dando origem a um proletariado urbano, que passou a integrar o Terceiro Estado (os dois outros Estados eram constituídos pela nobreza e pelo alto clero), composto de artesãos independentes, pequenos comerciantes, funcionários públicos, sacerdotes e pastores humildes. Esse Terceiro Estado começou a reclamar seus direitos, na tentativa de libertar-se do jogo das classes dominantes. Em 1789, estourou a Revolução Francesa, que derrubou os Bourbon do poder, proclamando a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade. A Assembléia Nacional da França, logo após a Revolução, promulgou a "Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão", em que se afirmava o direito natural do ser humano à liberdade, à propriedade, à segurança e à resistência a qualquer tipo de agressão. Mas esse liberalismo político, social e econômico não foi apenas um anseio do povo francês. O desejo de libertação de qualquer forma de tirania pode ser percebido em todos os países da Europa que, nessa época, lutavam para conseguirem constituições democráticas em seus Estados. Também nas colônias sentiu-se o sopro do liberalismo. A Declaração da Independência dos Estados Unidos da América do Norte, já em 1776, proclamava o direito natural de todos os homens à vida, à liberdade e à busca da felicidade.
A utopia liberalista da segunda metade do século XVIII entra em conflito com a dura realidade histórica, marcada por guerras políticas, religiosas e de classes sociais. Daí os estudiosos do complexo fenômeno do Romantismo europeu distinguirem duas linhas de forças antitéticas: de um lado, a corrente "quietista" ou conservadora, que se alimentava de sonhos e de ilusões, idealizando o real e a natureza (o mito do bom selvagem, o romance de amor e de aventura, a lírica melancólica dos lake’poets, a Ópera melodramática); de outro lado, uma corrente "revolucionária", que queria sacudir o modelo burguês de vida, insurgindo-se contra qualquer tipo de constrição de ordem social ou moral: a concepção do herói titânico ou prometaico (→ Prometeu), que desafia a autoridade constituída e questiona os valores éticos e religiosos, dedicando-se a amores licenciosos, ao álcool, ao ópio, a viagens em regiões exóticas, praticando até o suicídio (o "mal do século"), como forma de fuga da realidade castradora de suas aspirações. O substrato ideológico desse complexo e contraditório movimento humano e estético deve ser encontrado no Idealismo alemão. O Racionalismo, iniciado na França por Descartes, em meados do século XVII, evoluiu para o Idealismo germânico, que inicia com Kant, no século XVIII, e, através de Fichte e Schelling, deságua no Idealismo Absoluto de Hegel, no início do século XIX. O pensamento idealista toma como ponto de partida a hipótese de que o conhecimento não se dá de fora para dentro, mas de dentro para fora: é o "sujeito", o "eu", a "consciência" quem determina o "objeto", o "não-eu", a "realidade". A atividade do espírito humano, sendo pura e absoluta, porque não limitada pela realidade exterior, aspira ao infinito, sem que o possa alcançar A aventura do eu romântico oscila entre a energia infinita (anseio do absoluto) e a impossibilidade de transcender de modo total o finito e o contingente, por outra banda: eis os grandes pólos entre os quais se desdobra a aventura do "eu" romântico. Como diz o primeiro grande poeta do Romantismo, Novalis, "por toda a parte procuramos o Absoluto e encontramos apenas objetos, coisas".
A insistência de Lutero no livre exame das Escrituras Sagradas (→ Bíblia) e na fé pessoal, que contrariava as doutrinas objetivas e dogmáticas da Igreja de Roma, foi o primeiro passo, a partir do qual Descartes iniciou o caminho da dúvida metódica e da descoberta individual da verdade. No entanto, nem o Protestantismo nem o Racionalismo jamais duvidaram da existência de uma verdade objetiva, quer fosse a palavra de Deus quer as doutrinas da razão. Este tipo de individualismo disciplinado já não satisfazia aos românticos, que, não acreditando mais em valores absolutos, suspiravam por chegar ao conhecimento da realidade mediante a imaginação, o sonho e a paixão. A filosofia de vida do homem romântico é caracterizada por aspectos contraditórios. Devido ao conflito insuperável entre o ideal inacessível e o real aviltante, procura-se ou a fuga na solidão e na morte ou a luta para modificar a realidade, ou um suave lirismo ou uma amarga ironia, ou a simplicidade popular ou um refinado individualismo. Tal aspecto multiforme do movimento romântico, que teve variante peculiar nos diversos espaços e em tempos diferentes (pré e pós-romantismo nos países da Europa e em suas colônias), é evidenciado também pelo exame da produção cultura da época. A abrangência do Romantismo ultrapassa os limites da atividade literária (romance, poesia, drama), envolvendo outras artes e ciências (pintura, música, filosofia, etc.). Consultem-se verbetes sobre algumas figuras exponenciais do período romântico: Goethe, Poe, Rousseau, Chateaubriand, Dumas, Hugo, Manzoni.
Outro aspecto a ser salientado é que foi na Alemanha que se iniciou o movimento romântico, em franca oposição ao Neoclassicismo francês. Sturm und Drang (tempestade e ímpeto), título da aloucada peça de Frederico Maximiliano Klinger, publicada em 1776, é o nome do movimento do Pré-Romantismo germânico que, defendendo a liberdade de sentir, de viver e de se expressar, apregoa a derrocada de todos os cânones da estética clássica, assim como tinham sido formulados pelo teórico francês Boileau. E não é sem sentido que o centro de irradiação do Romantismo se encontre nos países germânicos e anglo-saxônicos. Com as Revoluções Industrial e Comercial, o eixo das influências se desloca das regiões latinas (Itália, Portugal, Espanha, França) que, até então e sucessivamente, tinham dominado a Europa, para os países do norte. Era inevitável que a hegemonia política e econômica da Inglaterra e dos outros países nórdicos acabasse impondo também o predomínio cultural, revelando formas estéticas e princípios ideológicos de povos que até então viveram à margem da cultura européia por não possuírem uma sólida tradição clássica.