Dicionário de Cultura Básica/Prometeu
PROMETEU (e Pandora: mito sobre a eterna insatisfação humana)
Quem dá aos homens a luz
dá-lhes na realidade a ciência
O mito de Prometeu é uma das histórias fantásticas mais universais, pois relacionada com a origem do fogo, a descoberta que iniciou o progresso do ser humano. Alguns etimólogos encontram uma filiação direta entre o significante e o significado. "Prometeu" derivaria da palavra sânscrita pramantha, o nome do homem que inventara um bastão que produzia fogo por fricção. Segundo outra origem etimológica, Prometeu significaria o "pensamento que prevê". A primeira fonte literária do mito de Prometeu é a poesia de Hesíodo. Nas duas famosas obras, Teogonia e Os trabalhos e os dias, o escritor grego conta que Prometeu, filho do Titã Jápeto, se manteve neutro na luta entre os Gigantes Titãs e os Deuses Olímpicos. Entretanto, com muito oportunismo, quando percebeu que Júpiter estava vencendo, Prometeu ofereceu seus préstimos ao deus e foi acolhido no Olimpo. Em seguida, ele foi enviado à terra para criar um ser diferente dos animais. Prometeu apanhou o barro do chão, umedeceu-o com água e esculpiu a massa, até obter feições iguais às de um deus. Na estátua humana insuflou a fidelidade do cavalo, a força do touro, a esperteza da raposa e a avidez do lobo. Mas faltava-lhe o fogo, o princípio espiritual, a centelha divina que despertasse no homem a capacidade da sabedoria, ensinando-lhe ciências e artes. Ajudado por Minerva, Prometeu roubou o fogo da forja de Vulcano, no Inferno ou, segundo uma variante do mito, ele voou até o céu, acendeu um galho nas brasas do carro solar e entregou a chama ao homem. A vingança estava feita: Prometeu criou a raça humana em substituição aos irmãos Titãs, destruídos por Júpiter. Mas o pai dos deuses não tardou a punir o traidor: acorrentou Prometeu no cume do monte Cáucaso e enviou uma ave para comer-lhe o fígado. Mas, sendo ele imortal, seu órgão se reconstruía diariamente. Só depois de 30 séculos ou milênios, Júpiter permitiu que Héracles (→ Hércules) libertasse Prometeu. O herói, num dos seus "doze trabalhos", quebrou as correntes e matou a águia com uma flecha. Mas, como o pecado do mito bíblico de Adão, a culpa de Prometeu se transferiu para toda a humanidade. Conforme o relato de Hesíodo, Júpiter, para punir a raça dos seres inventada por Prometeu, pediu a colaboração de todos os deuses para a confecção de um "presente" que ele daria aos homens, uma mulher, chamada Pandora, aquela que possui "todos os dons":
Ele fala e todos obedecem ao senhor Zeus, filho de Cronos (Tempo).
E em seu seio o Mensageiro (Hermes) cria mentiras,
palavras enganadoras, coração manhoso...
e a essa mulher dá o nome de Pandora,
porque são todos os habitantes do Olimpo que, com esse presente,
fazem da desgraça um presente para os homens.
Júpiter entregou a Pandora uma caixa fechada e enviou-a à terra para seduzir os mortais e leva-los à perdição. Pandora casou-se com Epimeteu, irmão de Prometeu. Desobedecendo à ordem fraterna de não aceitar nenhum presente que viesse de Júpiter, Epimeteu abriu a caixa e todos os bens, libertados, voltaram para a morada dos deuses, ficando entre os homens apenas a esperança. Uns três séculos depois de Hesíodo, no séc. V a.C., o poeta Ésquilo cria uma obra de arte com base nesta narração mítica. Sua tragédia, Prometeu acorrentado, confere à fantástica história de Prometeu um sentido ético. Segundo ele, a ordem divina não pode ir contra a justiça cósmica, estando o Destino (→ Fado) acima do próprio Júpiter. Os deuses cometem o mesmo pecado dos homens: a híbris, o orgulho, a falta de medida que leva cada um a ultrapassar seus limites, invadindo o direito do outro. Este seu pensamento filosófico-teológico devia estar exposto artisticamente numa trilogia, conforme o costume dos festivais teatrais do período ático da Grécia: Prometeu acorrentado era seguido de Prometeu Libertado e Prometeu portador do fogo. Mas, dessas últimas duas tragédias, só restaram fragmentos. Para o sábio grego, portanto, haveria uma evolução quer no princípio divino (Zeus), quer no ser humano (Prometeu), pela qual, com o passar do tempo, o deus não seria tão cruel e o homem tão infiel, pois a experiência e o sofrimento ensinaram o caminho da tolerância e da harmonia.entre o céu e a terra. Mas tal concepção antropomórfica da divindade é impensável na cultura cristã, acostumada à idéia de um Deus perfeito em sua eternidade. É por isso que o mito de Prometeu desaparece na época medieval. Apenas na Baixa Idade Média (→ Medievalismo), com a publicação da obra em língua latina Genealogia deorum gentilium ("Genealogia dos deuses pagãos", datada de 1373), do contista italiano Boccaccio, faz-se referência à figura mítica de Prometeu, cuja "águia" atormenta o pensador solitário. Mas é do Barroco espanhol a retomada do drama clássico esquiliano. Calderón de la Barca compõe, em 1669, a obra La Estatua de Prometeu, que tem a grandiosidade de uma peça de Ópera. Neste drama se encontra condensado o sentido do mito de Prometeu, espalhado em várias obras filosóficas e artísticas de autores renascentistas:
Quem dá aos homens a luz
dá-lhes na realidade a ciência,
e quem dá o saber,
dá voz ao barro
e acende uma faísca na alma.
No Romantismo, o mito de Prometeu adquire a feição do "titanismo", entendido como rejeição a uma ética baseada na submissão e na fé cega, uma "moral de escravos", diria o filósofo alemão Nietzsche, mais tarde. A exaltação do mito de Prometeu vem junto coma reabilitação dos grandes culpados míticos da religião judaico-cristã, Satã e Caim. Shelley, Byron, Voltaire, Hugo apresentam Prometeu como o protótipo da luta contra a tirania política e o despotismo religioso. No Prométhée délivré, de Luis Ménard (1843), ao coro que lhe pergunta qual Deus se deve daí em diante adorar, Prometeu responde:
Os tempos agora se cumpriram: Zeus está morto.
O ideal está em ti: eis o Deus supremo.
Deste orgulho divino, dei-te o exemplo:
A Ciência é o Deus do qual minha alma é o templo.