História da Mitologia/XXXI: diferenças entre revisões

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== As Aventuras de Eneias ==
== As Aventuras de Eneias ==
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[[File:Aeneas' Flight from Troy by Federico Barocci.jpg|thumb|500px|center|<center>[[:w:Eneias|Eneias]] fugindo de Troia, carregando seu pai [[:w:Anquises|Anquises]].<br>pintura de [[:w: Federico Barocci |Federico Barocci]] (1528–1612) </center>]]


Seguimos [[:w:Odisseu|Ulisses]], um dos heróis gregos, em suas peregrinações ao retornar de Troia, e agora estamos dispostos a partilhar o destino dos demais povos conquistados, sob o comando de Eneias, em busca de um novo lar, após a destruição da sua cidade natal. Naquela noite fatídica, quando o cavalo de madeira despejou seu conteúdo de homens armados, resultando na captura e assolamento da cidade, Eneias fugiu da cena de destruição, junto com seu pai, sua esposa e seu filho. O pai, [[:w:Anquises|Anquises]], era velho demais para caminhar com a velocidade necessária, e Eneias teve de carregá-lo nos ombros.<ref>Seguitur patrem, nom passibus aequis (Segue o pai com passos desiguais.)</ref> Carregando o pai, conduzindo o próprio filho e seguido pela esposa, procurou se safar da cidade em chamas, mas, durante a confusão, sua esposa se perdeu e desapareceu.
We have followed one of the Grecian heroes, [[:w:Odisseu|Ulisses]], in his wanderings on his return home from Troia, and now we propose to share the fortunes of the remnant of the conquered people, under their chief Eneias, in their search for a new home, after the ruin of their native city. On that fatal night when the wooden horse disgorged its contents of armed men, and the capture and conflagration of the city were the result, Eneias made his escape from the scene of destruction, with his father, and his wife, and young son. The father, Anchises, was too old to walk with the speed required, and Eneias took him upon his shoulders. Thus burdened, leading his son and followed by his wife, he made the best of his way out of the burning city; but, in the confusion, his wife was swept away and lost.


Ao chegarem no lugar de encontro, ali se reuniam inúmeros fugitivos de ambos os sexos, que imediatamente se puseram a serviço de Eneias. Alguns meses foram gastos com os preparativos, e finalmente, eles embarcaram. O primeiro desembarque foi feito nas vizinhanças da costa da Trácia, e estavam se preparando para construirem uma cidade, quando Eneias se deteve por causa de um fato extraordinário. Ao se preparar para oferecer um sacrifício, Eneias arrancou alguns matos de uma touceira nas imediações. Para seu desalento, da parte ferida caíam algumas gotas de sangue. Ao repetir a ação, uma voz que vinha do chão gritou para ele, "Poupa-me, Eneias, sou teu parente, [[:w:Polidoro (filhos de Príamo)|Polidoro]], que aqui foi morto crivado de flechas, tendo aqui nascido este arbusto, que é alimentado pelo meu sangue." Estas palavras fizeram com que Eneais se recordasse de que Polidoro fora um jovem príncipe de Troia, a quem seu pai havia enviado às terras vizinhas da Trácia, portando valiosos tesouros, para que ali fosse educado, afastado dos horrores da guerra. O rei, a quem ele havia sido enviado, o assassinara e tomou posse de seus tesouros. Eneias e seus companheiros, considerando que a terra fora amaldiçoada pela mancha de tão hediondo crime, fugiu imediatamente dali.
On arriving at the place of rendezvous, numerous fugitives, of both sexes, were found, who put themselves under the guidance of Eneias. Some months were spent in preparation, and at length they embarked. They first landed on the neighboring shores of Trácia, and were preparing to build a city, but Eneias was deterred by a prodigy. Preparing to offer sacrifice, he tore some twigs from one of the bushes. To his dismay the wounded part dropped blood. When he repeated the act a voice from the ground cried out to him, "Spare me, Eneias; I am your kinsman, Polidoro, here murdered with many arrows, from which a bush has grown, nourished with my blood." These words recalled to the recollection of Eneias that Polidoro was a young prince of Troia, whom his father had sent with ample treasures to the neighboring land of Trácia, to be there brought up, at a distance from the horrors of war. The king to whom he was sent had murdered him and seized his treasures. Eneias and his companions, considering the land accursed by the stain of such a crime, hastened away.


They next landed on the island of Delos, which was once a floating island, till Júpiter fastened it by adamantine chains to the bottom of the sea. Apolo and Diana were born there, and the island was sacred to Apolo. Here Eneias consulted the oracle of Apolo, and received an answer, ambiguous as usual,--"Seek your ancient mother; there the race of Eneias shall dwell, and reduce all other nations to their sway." The troianos heard with joy and immediately began to ask one another, "Where is the spot intended by the oracle?" Anchises remembered that there was a tradition that their forefathers came from Creta and thither they resolved to steer.
Em seguida, desembarcaram na ilha de [[:w:Delos|Delos]], a qual a princípio tinha sido uma ilha flutuante, até que Júpiter a prendeu ao fundo do mar com correntes de diamantes. Apolo e Diana tinham nascido ali, e a ilha era consagrada a Apolo. Nessa cidade, Eneias consultou o oráculo de Apolo, e recebeu uma resposta, ambígua como sempre, -- "Procura a tua antiga pátria, e nesse lugar o povo de Eneias deverá habitar, obedecendo ao teu comando todas as outras nações." Os troianos ouviram isso com alegria e imediatamente começaram a perguntar uns para os outros, "Onde fica o lugar mencionado pelo oráculo?" Anquises então, se lembrou de que havia uma lenda que dizia que seus antepassados tinham vindo de [[:w:Creta|Creta]] e para decidiram se dirigir.


Chegaram eles então a Creta e começaram a construir a cidade, mas a doença se infiltrou entre eles, e os campos que eles haviam plantado não produziram nem uma colheita. Com este quadro sombrio de preocupações, Eneias foi avisado num sonho para deixar o país e procurar uma terra no Ocidente, chamada [[:w:Hespérides|Hespéria]], de onde [[:w:Dardano|Dardano]], o verdadeiro fundador da raça troiana, havia migrado originalmente. Para a região de Hespéria, hoje chamada de Itália, eles decidiram partir, e somente depois de muitas aventuras e um lapso de tempo dilatado o bastante para fazer com que um navegador moderno realizasse várias voltas ao redor do mundo, conseguiram eles chegar até o lugar.
They arrived at Creta and began to build their city, but sickness broke out among them, and the fields that they had planted failed to yield a crop. In this gloomy aspect of affairs Eneias was warned in a dream to leave the country and seek a western land, called Hespéria, whence Dardano, the true founder of the Trojan race, had originally migrated. To Hespéria, now called Italy, therefore, they directed their future course, and not till after many adventures and the lapse of time sufficient to carry a modern navigator several times round the world, did they arrive there.


== As Harpias ==
Their first landing was at the island of the Harpias. These were disgusting birds with the heads of maidens, with long claws and faces pale with hunger. They were sent by the gods to torment a certain Fineu, a quem Júpiter had deprived of his sight, in punishment of his cruelty; and whenever a meal was placed before him the Harpies darted down from the air and carried it off. They were driven away from Phineus by the heroes of the expedição dos argonautas, and took refuge in the island where Eneias now found them.
O primeiro desembarque deles foi na ilha das [[:w:Harpias|Harpias]]. Estas aves eram nojentas e tinham cabeças de donzelas, com garras longas e semblantes pálidos como a fome. Elas haviam sido enviadas pelos deuses para atormentarem um certo [[:w:Fineu (rei da Trácia)|Fineu]], a quem Júpiter havia privado da visão, como punição pela sua crueldade, e sempre que um alimento era colocado diante dele, as Harpias se lançavam do ar onde estavam e o levavam embora. Elas foram expulsas pelos herois da expedição dos argonautas, e se refugiram na ilha onde Eneias as havia encontrado.


Quando eles entraram no porto, os troianos viram uma manada de gado perambulando pelas planícies. Eles mataram tanto quanto desejaram e se preparavam para festejar. Porém, mal eles haviam se sentado à mesa, e gritos assustadores se ouviram no ar, quando um bando dessas harpias odiosas avançou em direção a eles, levando em suas garras o alimento dos pratos e voando para muito longe. Eneias e seus companheiros desembainharam suas espadas e aplicaram golpes contra os monstros, que de nada adiantava, pois as aves eram tão ágeis, que era praticamente impossível atingi-las, e suas penas eram como armaduras impenetráveis pelo aço. Uma delas, empoleirou-se numa falésia das imediações, e gritava, "É dessa maneira, troianos, que tratais aves inocentes, primeiro matando nosso gado e depois declarando guerra contra nós?"
When they entered the port the troianos saw herds of cattle roaming over the plain. They slew as many as they wished and prepared for a feast. But no sooner had they seated themselves at the table than a horrible clamor was heard in the air, and a flock of these odious harpies came rushing down upon them, seizing in their talons the meat from the dishes and flying away with it. Eneias and his companions drew their swords and dealt vigorous blows among the monsters, but to no purpose, for they were so nimble it was almost impossible to hit them, and their feathers were like armor impenetrable to steel. One of them, perched on a neighboring cliff, screamed out, "Is it thus, troianos, you treat us innocent birds, first slaughter our cattle and then make war on ourselves?"


A ave, então, vaticinou augúrios para eles com duros sofrimentos no futuro, depois de ter ventilado toda sua ira, voou para longe. Os troianos se apressaram em deixar o país, e em seguida se viram costeando o litoral de [[:w:Épiro|Épiro]]. Ali desembarcaram, e para supresa deles souberam que alguns exilados troianos, que haviam sido trazidos até esse lugar como prisioneiros, haviam se tornado governantes daquele país. [[:w:Andrómaca|Andrômaca]], viúva de Heitor, se tornou esposa de um dos vitoriosos chefes dos gregos, a quem dera um filho. Com a morte do marido, ela se tornou regente do país, bem como guardiã do próprio filho, tendo se casado com um companheiro de cativeiro, [[:w:Heleno|Heleno]], que pertencia à raça real de Troia. Heleno e Andrômaca trataram dos exilados com a mais respeitável hospitalidade, tendo-se despedido deles carregados de presentes.
She then predicted dire sufferings to them in their future course, and having vented her wrath flew away. The troianos made haste to leave the country, and next found themselves coasting along the shore of Épiro. Here they landed, and to their astonishment learned that certain Trojan exiles, who had been carried there as prisoners, had become rulers of the country. Andrômaca, viúva de Heitor, became the wife of one of the victorious Grecian chiefs, to whom she bore a son. Her husband dying, she was left regent of the country, as guardian of her son, and had married a fellow-captive, Helenus, of the royal race of Troia. Helenus and Andromache treated the exiles with the utmost hospitality, and dismissed them loaded with gifts.


From hence Eneias coasted along the shore of Sicília and passed the country of the Ciclopes. Here they were hailed from the shore by a miserable object, whom by his garments, tattered as they were, they perceived to be a Greek. He told them he was one of Ulisses's companions, left behind by that chief in his hurried departure. He related the story of Ulisses's adventure with Polifemo, and besought them to take him off with them as he had no means of sustaining his existence where he was but wild berries and roots, and lived in constant fear of the Ciclopes.
Dessa costa, Eneias margeou o litoral da Sicília, passando pelo país dos Ciclopes. Aí, foram saudados da praia por um andarilho, que pelas vestes, esfarrapadas como eram, perceberam que se tratava de um grego. Ele os notificou de que era um dos companheiros de Ulisses, deixado para trás por aquele líder, em sua apressada fuga. Ele contou a história das aventuras de Ulisses com o gigante [[:w:Polifemo|Polifemo]], e suplicou a eles para que o levassem consigo, pois não tinha meios de sobreviver naquele lugar, com exceção de frutas silvestres e raízes, vivendo constantemente assustado por causa dos Ciclopes.


E enquanto falava, Polifemo apareceu, como monstro terrível, disforme, gigantesco, e cujo único olho lhe havia sido arrancado. Ele andava com passos vacilantes, tocando o caminho com um cajado, até a costa do mar, para lavar com água sua cavidade ocular. Quando ele chegou na água, ele avançou em direção aos homens, pois a sua altura gigantesca lhe possibilitava avançar grandes distâncias mar adentro, de modo que os assustados troianos, pegaram seus remos para se afastarem do caminho. Ouvindo o barulho dos remos, Polifemo gritava para eles, tão alto que as praias ecoavam, e ao ouvirem o barulho de outros Ciclopes que saíam de suas cavernas e bosques, fazendo fila ao longo da praia, alinhados como uma fileira de majestosos pinheiros, os troianos puseram seus remos para funcionar e não demorou muito e já estavam longe dali.
While he spoke Polifemo made his appearance; a terrible monster, shapeless, vast, whose only eye had been put out. He walked with cautious steps, feeling his way with a staff, down to the sea-side, to wash his eye-socket in the waves. When he reached the water, he waded out towards them, and his immense height enabled him to advance far into the sea, so that the troianos, in terror, took to their oars to get out of his way. Hearing the oars, Polifemo shouted after them, so that the shores resounded, and at the noise the other Ciclopes came forth from their caves and woods and lined the shore, like a row of lofty pine trees. The troianos plied their oars and soon left them out of sight.


Eneias had been cautioned by Heleno to avoid the strait guarded by the monsters Cila e Caríbdis. There Ulisses, the reader will remember, had lost six of his men, seized by Cila while the navigators were wholly intent upon avoiding Caríbdis. Eneias, following the advice of Heleno, shunned the dangerous pass and coasted along the island of Sicília.
Eneias tinha sido alertado por Heleno para evitar o estreito vigiado por Cila e Caríbdis. Ulisses, o leitor irá se lembrar, perdeu seis dos seus homens, dominados por Cila enquanto os navegadores estavam totalmente decididos a evitar Caríbdis. Eneias, seguindo o aviso de Heleno, evitou a perigosa travessia e costeou ao longo da ilha da Sicília.


Juno, seeing the troianos speeding their way prosperously towards their destined shore, felt her old grudge against them revive, for she could not forget the slight that Páris had put upon her, in awarding the prize of beauty to another. In heavenly minds can such resentments dwell. Accordingly she hastened to Éolo, the ruler of the winds,--the same who supplied Ulisses with favoring gales, giving him the contrary ones tied up in a bag. Éolo obeyed the goddess and sent forth his sons, [[:w:Ventos (mitologia)|Boreas]], [[:w:Tifão|Tifão]], and the other winds, to toss the ocean. A terrible storm ensued and the Trojan ships were driven out of their course towards the coast of Africa. They were in imminent danger of being wrecked, and were separated, so that Eneias thought that all were lost except his own.
Juno, vendo que os troianos se apressavam em chegar rapidamente ao litoral de destino, sentiu renascer contra eles um velho rancor, pois ela não conseguia esquecer a desfeita que [[:w:Páris|Páris]] lhe havia infligido, ao oferecer o prêmio da beleza para outra divindade. Nas mentes celestiais tais ressentimentos também podem habitar.<Monstrum horrendum, informe,ingens, cui lumen ademptum.</ref> Então, ela correu até [[:w:Éolo|Éolo]], o governante dos ventos, -- o mesmo que dotou Ulisses com ventos propícios e o presenteou com ventos contrários contidos dentro de um saco. Éolo obedeceu a deusa e ordenou que seus filhos, [[:w:Ventos (mitologia)|Bóreas]] e [[:w:Tifão|Tifão]], bem como outros ventos, sacudissem o oceano. Uma terrível tempestade então se levantou, e os navios dos troianos foram jogados para fora de seu curso em direção à costa da África. Eles estavam em perigo iminente de serem destruídos, e se separaram, então Eneias pensou que todos haviam se perdido menos ele.


At this crisis, [[:w:Neptuno (mitologia)|Netuno]], hearing the storm raging, and knowing that he had given no orders for one, raised his head above the waves, and saw the fleet of Eneias driving before the gale. Knowing the hostility of Juno, he was at no loss to account for it, but his anger was not the less at this interference in his province. He called the winds and dismissed them with a severe reprimand. He then soothed the waves, and brushed away the clouds from before the face of the sun.
Diante dessa situação desesperadora, [[:w:Neptuno (mitologia)|Netuno]], ouvindo o furor da tempestade, e sabendo que ele não havia dado ordens para ninguém, colocou a sua cabeça acima das ondas, e viu a frota de Eneias sendo arrastada pelo vendaval. Conhecendo a hostilidade de Juno, não lhe foi difícil saber quem era a responsável por tudo aquilo, mas sua ira não foi menor por essa interferência em seus domínios. Ele invocou os ventos e os dispensou com uma severa reprimenda. Depois, ele acalmou as ondas, e afastou as nuvens diante da face do sol.


Some of the ships which had got on the rocks he pried off with his own trident, while [[:w:Tritão (mitologia)|Tritão]] and a sea-nymph, putting their shoulders under others, set them afloat again. The troianos, when the sea became calm, sought the nearest shore, which was the coast of Cartago, where Eneias was so happy as to find that one by one the ships all arrived safe, though badly shaken.
Alguns dos navios que ficaram presos nos rochedos foram alçados por ele que usou seu próprio tridente, enquanto [[:w:Tritão (mitologia)|Tritão]] e uma ninfa do mar, colocando seus ombros debaixo dos outros, os fizeram flutuar novamente. Os troianos, depois que o mar se acalmou, procuraram a costa mais próxima, a costa de Cartago, onde Eneias ficou feliz ao verificar que um a um, todos os barcos chegavam a salvo, embora seriamente comprometidos.
[https://en.wikipedia.org/wiki/Edmund_Waller Edmund Waller] (1602-1687), in his "Panegyric to the Lord Protector" (Cromwell), alludes to this stilling of the storm by Netuno:
[https://en.wikipedia.org/wiki/Edmund_Waller Edmund Waller] (1602-1687), em seu "Panegírico ao Senhor Protetor" (Cromwell), faz alusão ao cessar da tempestade produzido por Netuno:
<poem>
<poem>
"Above the waves, as Netuno showed his face,
"Acima das ondas, Netuno mostrou o seu rosto,
Para censurar os ventos e salvar o povo de Troia,
To chide the winds and save the Trojan race,
Então a sua Alteza, se levantou acima dos demais,
So has your Highness, raised above the rest,
E repreendeu as tempestades da ambição que se abateu sobre nós."
Storms of ambition tossing us repressed."
</poem>
</poem>
== [[:w:Dido|Dido]] ==
== [[:w:Dido|Dido]] ==
[[File:Pierre-Narcisse Guérin - Dido and Aeneas - WGA10972.jpg|thumb|500px|center|<center>[[:w:Eneias|Eneias]] descreve a queda de Troia a [[:w:Dido|Dido]], rainha de [[:w:Cartago|Cartago]].<br>pintura de [[:w:Pierre-Narcisse Guérin|Pierre-Narcisse Guérin]] (1774–1833)</center>]]
[[File:Pierre-Narcisse Guérin - Dido and Aeneas - WGA10972.jpg|thumb|500px|center|<center>[[:w:Eneias|Eneias]] descreve a queda de Troia a [[:w:Dido|Dido]], rainha de [[:w:Cartago|Cartago]].<br>pintura de [[:w:Pierre-Narcisse Guérin|Pierre-Narcisse Guérin]] (1774–1833)</center>]]
Cartago, onde os exilados haviam agora chegado, era um lugar na costa da África de frente com a Sicília, onde naquela época uma colônia [[:w:Tiro|Tíria]] regida por Dido, sua rainha, estava lançando as bases de um estado destinado nos tempos futuros a rivalizar com a própria Roma. Dido era filha de [[:w:Belo (mitologia)|Belo]], rei de Tiro, e irmã de [[:w:Pigmaleão|Pigmaleão]], que sucedeu a seu pai no trono. O marido dela se chamava [[:w:Siqueu|Siqueu]], um homem com grandes riquezas, mas Pigmaleão, que cobiçava seus tesouros, mandou matá-lo. Dido, seguido por um grupo numeroso de amigos e seguidores, tanto homens como mulheres, conseguiram fugir de Tiro, usando para isso inúmeros navios, levando com eles os tesouros de Siqueu.
Cartago, where the exiles had now arrived, was a spot on the coast of Africa opposite Sicília, where at that time a Tyrian colony under Dido, their queen, were laying the foundations of a state destined in later ages to be the rival of Rome itself. Dido was the daughter of Belo, king of Tiro, and sister of Pigmalião, who succeeded his father on the throne. Her husband was Sichaeus, a man of immense wealth, but Pygmalion, who coveted his treasures, caused him to be put to death. Dido, with a numerous body of friends and followers, both men and women, succeeded in effecting their escape from Tyre, in several vessels, carrying with them the treasures of Sichaeus.


Ao chegarem ao local que haviam escolhido como a cidade que lhes seria o futuro lar, eles pediram aos nativos somente o montante de terras que pudesse caber dentro do couro de um touro. Eles foram prontamente atendidos, e Dido ordenou que o couro fosse cortado em tiras, e com elas cercou o lugar onde uma cidadela foi construída, dando a ela o nome de [[:w:Birsa|Birsa]], que significa couro. Em torno deste forte nasceu a cidade de Cartago, que logo haveria de se tornar um lugar poderoso e florescente.
On arriving at the spot which they selected as the seat of their future home, they asked of the natives only so much land as they could enclose with a bull's hide. When this was readily granted, she caused the hide to be cut into strips, and with them enclosed a spot on which she built a citadel, and called it Byrsa (a hide). Around this fort the city of Cartago rose, and soon became a powerful and flourishing place.


Esse era o estado de coisas quando Eneias com seus troianos chegaram naquele lugar. Dido recebeu os ilustres exilados com simpatia e cordialidade. "Não desabituada a conviver com situações críticas," disse ela, "aprendi a socorrer os que necessitam."<ref>Haud ignara mali, miseris succurrere disco.</ref> A hospitalidade da rainha se transformou em festividades, onde jogos de força e destreza foram exibidos. Os estrangeiros disputaram a palma com suas próprias habilidades, em condição de igualdade, tendo a rainha declarado que não faria diferença para ela caso os vitoriosos fossem troianos ou tírios."<ref>Tros, Tyriusve, mihi nullo discrimine agetur.</ref>
Such was the state of affairs when Eneias with his troianos arrived there. Dido received the illustrious exiles with friendliness and hospitality. "Not unacquainted with distress," she said, "I have learned to succor the unfortunate." The queen's hospitality displayed itself in festivities at which games of strength and skill were exhibited. The strangers contended for the palm with her own subjects, on equal terms, the queen declaring that whether the victor were "Trojan or Tyrian should make no difference to her."


No banquete que sucedeu aos jogos, Eneias ofereceu, a pedido da rainha, um recital sobre os eventos finais da guerra de Troia incluindo suas aventuras após a queda da cidade. Dido encantou-se com o discurso dele e ficou muito admirada com as façanhas do herói. Ela se apaixonou ardentemente por ele, e ele, por sua vez, parecia estar muito satisfeito em aceitar o que a sorte estava a lhe oferecer naquele momento: um final feliz para suas peregrinações, um lar, um reino e uma noiva. Os meses se passaram desfrutando os deliciosos momentos de intimidade, parecendo que a Itália e o império que deveriam ser fundados em seu litoral haviam sido igualmente esquecidos. Ao perceber isso, Júpiter despachou [[:w:Mercúrio (mitologia)|Mercúrio]] com uma mensagem para Eneias, lembrando-o das responsabilidades que lhe estavam reservadas, e exigindo que ele retomasse a viagem.
At the feast which followed the games, Eneias gave at her request a recital of the closing events of the Trojan history and his own adventures after the fall of the city. Dido was charmed with his discourse and filled with admiration of his exploits. She conceived an ardent passion for him, and he for his part seemed well content to accept the fortunate chance which appeared to offer him at once a happy termination of his wanderings, a home, a kingdom, and a bride. Months rolled away in the enjoyment of pleasant intercourse, and it seemed as if Italy and the empire destined to be founded on its shores were alike forgotten. Seeing which, Júpiter despatched Mercury with a message to Eneias recalling him to a sense of his high destiny, and commanding him to resume his voyage.


Eneias se separou de Dido, embora ela tentasse todo tipo de sedução e convencimento para retê-lo a seu lado. O golpe que ela sofreu em seu afeto e no seu orgulho foi doloroso demais para ela suportar, e quando ela percebeu que ele havia ido embora, mandou que erguessem uma pira funerária, e apunhalando o próprio peito, foi consumida pela pira. As chamas que se levantavam sobre a cidade foram vistas pelos troianos que partiam, e, embora a razão fosse desconhecida, deram a Eneias a indicação do acontecimento fatídico.
Eneias parted from Dido, though she tried every allurement and persuasion to detain him. The blow to her affection and her pride was too much for her to endure, and when she found that he was gone, she mounted a funeral pile which she had caused to be erected, and having stabbed herself was consumed with the pile. The flames rising over the city were seen by the departing troianos, and, though the cause was unknown, gave to Eneias some intimation of the fatal event.


[[File:Giovanni Battista Tiepolo - Aeneas Introducing Cupid Dressed as Ascanius to Dido - WGA22337.jpg|thumb|500px|center|<center>[[:w:Eneias|Eneias]] apresenta Cupido a [[:w:Dido|Dido]].<br>pintura de [[:w:Giovanni Battista Tiepolo|Giovanni Battista Tiepolo]] (1696–1770)</center>]]
[[File:Giovanni Battista Tiepolo - Aeneas Introducing Cupid Dressed as Ascanius to Dido - WGA22337.jpg|thumb|500px|center|<center>[[:w:Eneias|Eneias]] apresenta Cupido a [[:w:Dido|Dido]].<br>pintura de [[:w:Giovanni Battista Tiepolo|Giovanni Battista Tiepolo]] (1696–1770)</center>]]


O epigrama seguinte é encontrado em "Elegantes Extrações", traduzido do latim:
The following epigram we find in "Elegant Extracts":
<poem>
<poem>
Cruel, Dido, foi o teu destino
FROM THE LATIN
No primeiro e no segundo matrimônio!
Unhappy, Dido, was thy fate
Um marido, ao morrer, te levou à fuga
In first and second married state!
O outro, ao fugir, te levou à morte.
One husband caused thy flight by dying,
Thy death the other caused by flying
</poem>
</poem>
== [[:w:Palinuro|Palinuro]] ==
== [[:w:Palinuro|Palinuro]] ==
[[File:Gmelin Palinuro.jpg|thumb|500px|center|<center>[[:w:Eneias|Eneias]] apresenta Cupido a [[:w:Dido|Dido]].<br>ilustração de [https://de.wikipedia.org/wiki/Wilhelm_Friedrich_Gmelin Wilhelm Gmelin] (1760 - 1820)</center>]]
[[File:Gmelin Palinuro.jpg|thumb|500px|center|<center>[[:w:Eneias|Eneias]] apresenta Cupido a [[:w:Dido|Dido]].<br>ilustração de [https://de.wikipedia.org/wiki/Wilhelm_Friedrich_Gmelin Wilhelm Gmelin] (1760 - 1820)</center>]]


Depois de chegar na ilha da Sicília, onde [[:w:Acestes|Acestes]], príncipe com linhagem troiana, que tinha grande influência, ofereceu a eles uma recepção hospitaleira; os troianos, então, tornaram a embarcar, e rumaram em direção à Itália. Vênus, então, intercedeu junto a Netuno, para permitir que seu filho alcançasse a meta desejada e que os perigos das profundezas tivessem um fim. Netuno concordou, sedento ainda por uma vida como resgate para os demais. E decidiu-se que a vítima seria Palinuro, o piloto. Assim que o piloto se sentou para olhar as estrelas, com as mãos sobre o leme, o [[:w:Hipnos|Sono]], enviado por Netuno, se aproximou dele disfarçado de [[:w: Forbas (rei de Argos)|Forbas]] e disse: "Palinuro, a brisa está agradável, as águas tranquilas, e o barco segue calmamente o seu destino. Deite um pouquinho, e descanse o sono restaurador."
After touching at the island of Sicília, where Acestes, a prince of Trojan lineage, bore sway, who gave them a hospitable reception, the troianos re-embarked, and held on their course for Italy. Venus now interceded with Netuno to allow her son at last to attain the wished-for goal and find an end of his perils on the deep. Netuno consented, stipulating only for one life as a ransom for the rest. The victim was Palinuro, the pilot. As he sat watching the stars, with his hand on the helm, Somnus sent by Netuno approached in the guise of Phorbas and said: "Palinuro, the breeze is fair, the water smooth, and the ship sails steadily on her course. Lie down awhile and take needful rest.


I will stand at the helm in your place." Palinuro replied, "Tell me not of smooth seas or favoring winds,--me who have seen so much of their treachery. Shall I trust Eneias to the chances of the weather and the winds?" And he continued to grasp the helm and to keep his eyes fixed on the stars. But o [[:w:Hipnos|Sono]] waved over him a branch moistened with orvalho de [[:w:Lete|Letes]], and his eyes closed in spite of all his efforts. Then Sono pushed him overboard and he fell; but keeping his hold upon the helm, it came away with him. Netuno was mindful of his promise and kept the ship on her track without helm or pilot, till Eneias discovered his loss, and, sorrowing deeply for his faithful steersman, took charge of the ship himself.
"Eu ficarei no leme em teu lugar." Palinuro respondeu, " Não me fales em mares tranquilos ou ventos favoráveis, -- a mim, que vivi tantas situações perigosas. Deveria eu deixar Eneias ser levado pelas adversidades do tempo e do vento?" E Palinuro continou a segurar o leme, mantendo os olhos fixos nas estrelas. Mas o [[:w:Hipnos|Sono]] brandiu sobre ele um galho umedecido com orvalho do [[:w:Lete|Letes]], e seus olhos se fecharam apesar de todos os seus esforços. Então, o Sono o empurrou para fora do barco e ele caiu, porém, segurando o leme com firmeza, se desprendeu junto com ele. Netuno estava ciente de sua promessa e manteve o barco em movimento sem leme, nem piloto, até que Eneias percebeu o desaparecimento de Palinuro, e lamentando profundamente pelo seu fiel timoneiro, assumiu ele próprio o comando do navio.


There is a beautiful allusion to the story of Palinuro in Scott's "Marmion," Introduction to Canto I., where the poet, speaking of the recent death of [[:w:William Pitt, o Novo|William Pitt]] (1759-1806), says:
uma bela alusão para a história de Palinuro no poema épico "Marmion" de [[:w:Walter Scott|Walter Scott]] (1771-1832) Introdução ao Canto I, onde o poeta, ao falar da morte recente de [[:w:William Pitt, o Novo|William Pitt]] (1759-1806), diz o seguinte:
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"O, think how, to his latest day,
"Oh, imagine como, até o último dia,
Quando a morte pairou reivindicando sua presa,
When death just hovering claimed his prey,
Com o jeito tranquilo de Palinuro,
With Palinure's unaltered mood,
Permanecendo firme em seu perigoso posto,
Firm at his dangerous post he stood;
Rejeitando toda chamada de descanso necessária,
Each call for needful rest repelled,
Com a mão da morte segurando o leme,
With dying hand the rudder held,
Till in his fall, with fateful sway,
Até que ao cair, na decisão fatal,
Cedeu ao comando do navio."
The steerage of the realm gave way."
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The ships at last reached the shores of Italy, and joyfully did the adventurers leap to land. While his people were employed in making their encampment Eneias sought the abode of a Sibila. It was a cave connected with a temple and grove, sacred to Apolo and Diana. While Eneias contemplated the scene, a Sibila accosted him. She seemed to know his errand, and under the influence of the deity of the place, burst forth in a prophetic strain, giving dark intimations of labors and perils through which he was destined to make his way to final success.
Os navios finalmente chegaram à costa da Itália, e com alegria os aventureiros saltaram para terra. Enquanto seus homens se preocupavam em montar acampamento, Eneias buscou a morada de [[:w:Sibila|Sibila]]. Era uma caverna com acesso para um templo e um bosque, sagrados para Apolo e Diana. Enquanto Eneias contemplava o local, uma Sibila se aproximou dele. Ela parecia entender o recado que ele trazia, e sob influência da divindade do lugar, se lançou a dizer profecias, fazendo sombrias sugestões a respeito dos trabalhos e perigos que lhe estavam reservados até o sucesso final.


Ela finalizou com palavras de estímulo que se tornaram famosas: "Não te entregues ao desalento, mas avança para a frente munido de coragem." Eneias respondeu que ele havia se preparado para qualquer situação que encontrasse pela frente. Mas ele tinha um pedido a fazer. Tendo se dirigido, durante um sonho, em busca da morada dos mortos para conversar com seu pai, [[:w:Anquises|Anquises]], para receber da parte deste uma revelação sobre a sua sorte futura e também para o seu povo, ele pediu a ajuda dela para que lhe possibilitasse a realização da tarefa. A Sibila respondeu, " A descida até o [https://en.wikipedia.org/wiki/Avernus Averno]<ref>Averno é um nome antigo para uma cratera perto do [[:w:Cumas|Cumas]], na Itália, na região da Campânia, à leste de Nápolis. Tem aproximadamente 3,2 km de circunferência. Dentro da cratera fica o [https://en.wikipedia.org/wiki/Lake_Avernus lago Averno]. O Averno era considerado ser a entrada para o submundo.</ref> é fácil: os portões de [[:w:Plutão (mitologia)|Plutão]] ficam abertos noite e dia, mas para refazer a caminhada e retornar à atmosfera superior, nisso reside o trabalho e a maior dificuldade."
She closed with the encouraging words which have become proverbial: "Yield not to disasters, but press onward the more bravely." Eneias replied that he had prepared himself for whatever might await him. He had but one request to make. Having been directed in a dream to seek the abode of the dead in order to confer with his father, [[:w:Anquises|Anquises]], to receive from him a revelation of his future fortunes and those of his race, he asked her assistance to enable him to accomplish the task. The Sibila replied, "The descent to Avernus is easy: the gate of [[:w:Plutão (mitologia)|Plutão]] stands open night and day; but to retrace one's steps and return to the upper air, that is the toil, that the difficulty."


Ela o instruiu a procurar na floresta uma árvore onde crescia um galho de ouro. Este galho tinha de ser arrancado e dado como presente para [[:w:Proserpina|Proserpina]], e se a sorte fosse propícia, ele cederia à força da sua mão, soltando-se do tronco de origem, mas, caso contrário, força alguma conseguiria arrancá-lo. Uma vez arrancado o galho, outro surgiria em seu lugar.
She instructed him to seek in the forest a tree on which grew a golden branch. This branch was to be plucked off and borne as a gift to Proserpine, and if fate was propitious it would yield to the hand and quit its parent trunk, but otherwise no force could rend it away. If torn away, another would succeed.


Eneias followed the directions of a Sibila. His mother, Venus, sent two of her doves to fly before him and show him the way, and by their assistance he found the tree, plucked the branch, and hastened back with it to a Sibila.
Eneias seguiu as instruções de Sibila. Sua mãe, Vênus, enviou dois de seus pombos para voar diante dele, mostrando-lhe o caminho, e com a ajuda deles, Eneias encontrou a árvore, arrancou o galho, e retornou apressadamente com ele para Sibila.
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== Notas e Referências ==
== Notas e Referências ==
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Citações de [[:w:Virgílio:Virgílio]] usadas no texto:
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[[en:The Age of Fable/Chapter XXXI]]
[[en:The Age of Fable/Chapter XXXI]]

Revisão das 14h52min de 15 de abril de 2014

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As Aventuras de Eneias

Eneias fugindo de Troia, carregando seu pai Anquises.
pintura de Federico Barocci (1528–1612)

Seguimos Ulisses, um dos heróis gregos, em suas peregrinações ao retornar de Troia, e agora estamos dispostos a partilhar o destino dos demais povos conquistados, sob o comando de Eneias, em busca de um novo lar, após a destruição da sua cidade natal. Naquela noite fatídica, quando o cavalo de madeira despejou seu conteúdo de homens armados, resultando na captura e assolamento da cidade, Eneias fugiu da cena de destruição, junto com seu pai, sua esposa e seu filho. O pai, Anquises, era velho demais para caminhar com a velocidade necessária, e Eneias teve de carregá-lo nos ombros.[1] Carregando o pai, conduzindo o próprio filho e seguido pela esposa, procurou se safar da cidade em chamas, mas, durante a confusão, sua esposa se perdeu e desapareceu.

Ao chegarem no lugar de encontro, ali se reuniam inúmeros fugitivos de ambos os sexos, que imediatamente se puseram a serviço de Eneias. Alguns meses foram gastos com os preparativos, e finalmente, eles embarcaram. O primeiro desembarque foi feito nas vizinhanças da costa da Trácia, e estavam se preparando para construirem uma cidade, quando Eneias se deteve por causa de um fato extraordinário. Ao se preparar para oferecer um sacrifício, Eneias arrancou alguns matos de uma touceira nas imediações. Para seu desalento, da parte ferida caíam algumas gotas de sangue. Ao repetir a ação, uma voz que vinha do chão gritou para ele, "Poupa-me, Eneias, sou teu parente, Polidoro, que aqui foi morto crivado de flechas, tendo aqui nascido este arbusto, que é alimentado pelo meu sangue." Estas palavras fizeram com que Eneais se recordasse de que Polidoro fora um jovem príncipe de Troia, a quem seu pai havia enviado às terras vizinhas da Trácia, portando valiosos tesouros, para que ali fosse educado, afastado dos horrores da guerra. O rei, a quem ele havia sido enviado, o assassinara e tomou posse de seus tesouros. Eneias e seus companheiros, considerando que a terra fora amaldiçoada pela mancha de tão hediondo crime, fugiu imediatamente dali.

Em seguida, desembarcaram na ilha de Delos, a qual a princípio tinha sido uma ilha flutuante, até que Júpiter a prendeu ao fundo do mar com correntes de diamantes. Apolo e Diana tinham nascido ali, e a ilha era consagrada a Apolo. Nessa cidade, Eneias consultou o oráculo de Apolo, e recebeu uma resposta, ambígua como sempre, -- "Procura a tua antiga pátria, e nesse lugar o povo de Eneias deverá habitar, obedecendo ao teu comando todas as outras nações." Os troianos ouviram isso com alegria e imediatamente começaram a perguntar uns para os outros, "Onde fica o lugar mencionado pelo oráculo?" Anquises então, se lembrou de que havia uma lenda que dizia que seus antepassados tinham vindo de Creta e para lá decidiram se dirigir.

Chegaram eles então a Creta e começaram a construir a cidade, mas a doença se infiltrou entre eles, e os campos que eles haviam plantado não produziram nem uma colheita. Com este quadro sombrio de preocupações, Eneias foi avisado num sonho para deixar o país e procurar uma terra no Ocidente, chamada Hespéria, de onde Dardano, o verdadeiro fundador da raça troiana, havia migrado originalmente. Para a região de Hespéria, hoje chamada de Itália, eles decidiram partir, e somente depois de muitas aventuras e um lapso de tempo dilatado o bastante para fazer com que um navegador moderno realizasse várias voltas ao redor do mundo, conseguiram eles chegar até o lugar.

As Harpias

O primeiro desembarque deles foi na ilha das Harpias. Estas aves eram nojentas e tinham cabeças de donzelas, com garras longas e semblantes pálidos como a fome. Elas haviam sido enviadas pelos deuses para atormentarem um certo Fineu, a quem Júpiter havia privado da visão, como punição pela sua crueldade, e sempre que um alimento era colocado diante dele, as Harpias se lançavam do ar onde estavam e o levavam embora. Elas foram expulsas pelos herois da expedição dos argonautas, e se refugiram na ilha onde Eneias as havia encontrado.

Quando eles entraram no porto, os troianos viram uma manada de gado perambulando pelas planícies. Eles mataram tanto quanto desejaram e se preparavam para festejar. Porém, mal eles haviam se sentado à mesa, e gritos assustadores se ouviram no ar, quando um bando dessas harpias odiosas avançou em direção a eles, levando em suas garras o alimento dos pratos e voando para muito longe. Eneias e seus companheiros desembainharam suas espadas e aplicaram golpes contra os monstros, que de nada adiantava, pois as aves eram tão ágeis, que era praticamente impossível atingi-las, e suas penas eram como armaduras impenetráveis pelo aço. Uma delas, empoleirou-se numa falésia das imediações, e gritava, "É dessa maneira, troianos, que tratais aves inocentes, primeiro matando nosso gado e depois declarando guerra contra nós?"

A ave, então, vaticinou augúrios para eles com duros sofrimentos no futuro, depois de ter ventilado toda sua ira, voou para longe. Os troianos se apressaram em deixar o país, e em seguida se viram costeando o litoral de Épiro. Ali desembarcaram, e para supresa deles souberam que alguns exilados troianos, que haviam sido trazidos até esse lugar como prisioneiros, haviam se tornado governantes daquele país. Andrômaca, viúva de Heitor, se tornou esposa de um dos vitoriosos chefes dos gregos, a quem dera um filho. Com a morte do marido, ela se tornou regente do país, bem como guardiã do próprio filho, tendo se casado com um companheiro de cativeiro, Heleno, que pertencia à raça real de Troia. Heleno e Andrômaca trataram dos exilados com a mais respeitável hospitalidade, tendo-se despedido deles carregados de presentes.

Dessa costa, Eneias margeou o litoral da Sicília, passando pelo país dos Ciclopes. Aí, foram saudados da praia por um andarilho, que pelas vestes, esfarrapadas como eram, perceberam que se tratava de um grego. Ele os notificou de que era um dos companheiros de Ulisses, deixado para trás por aquele líder, em sua apressada fuga. Ele contou a história das aventuras de Ulisses com o gigante Polifemo, e suplicou a eles para que o levassem consigo, pois não tinha meios de sobreviver naquele lugar, com exceção de frutas silvestres e raízes, vivendo constantemente assustado por causa dos Ciclopes.

E enquanto falava, Polifemo apareceu, como monstro terrível, disforme, gigantesco, e cujo único olho lhe havia sido arrancado. Ele andava com passos vacilantes, tocando o caminho com um cajado, até a costa do mar, para lavar com água sua cavidade ocular. Quando ele chegou na água, ele avançou em direção aos homens, pois a sua altura gigantesca lhe possibilitava avançar grandes distâncias mar adentro, de modo que os assustados troianos, pegaram seus remos para se afastarem do caminho. Ouvindo o barulho dos remos, Polifemo gritava para eles, tão alto que as praias ecoavam, e ao ouvirem o barulho de outros Ciclopes que saíam de suas cavernas e bosques, fazendo fila ao longo da praia, alinhados como uma fileira de majestosos pinheiros, os troianos puseram seus remos para funcionar e não demorou muito e já estavam longe dali.

Eneias tinha sido alertado por Heleno para evitar o estreito vigiado por Cila e Caríbdis. Lá Ulisses, o leitor irá se lembrar, perdeu seis dos seus homens, dominados por Cila enquanto os navegadores estavam totalmente decididos a evitar Caríbdis. Eneias, seguindo o aviso de Heleno, evitou a perigosa travessia e costeou ao longo da ilha da Sicília.

Juno, vendo que os troianos se apressavam em chegar rapidamente ao litoral de destino, sentiu renascer contra eles um velho rancor, pois ela não conseguia esquecer a desfeita que Páris lhe havia infligido, ao oferecer o prêmio da beleza para outra divindade. Nas mentes celestiais tais ressentimentos também podem habitar.<Monstrum horrendum, informe,ingens, cui lumen ademptum.</ref> Então, ela correu até Éolo, o governante dos ventos, -- o mesmo que dotou Ulisses com ventos propícios e o presenteou com ventos contrários contidos dentro de um saco. Éolo obedeceu a deusa e ordenou que seus filhos, Bóreas e Tifão, bem como outros ventos, sacudissem o oceano. Uma terrível tempestade então se levantou, e os navios dos troianos foram jogados para fora de seu curso em direção à costa da África. Eles estavam em perigo iminente de serem destruídos, e se separaram, então Eneias pensou que todos haviam se perdido menos ele.

Diante dessa situação desesperadora, Netuno, ouvindo o furor da tempestade, e sabendo que ele não havia dado ordens para ninguém, colocou a sua cabeça acima das ondas, e viu a frota de Eneias sendo arrastada pelo vendaval. Conhecendo a hostilidade de Juno, não lhe foi difícil saber quem era a responsável por tudo aquilo, mas sua ira não foi menor por essa interferência em seus domínios. Ele invocou os ventos e os dispensou com uma severa reprimenda. Depois, ele acalmou as ondas, e afastou as nuvens diante da face do sol.

Alguns dos navios que ficaram presos nos rochedos foram alçados por ele que usou seu próprio tridente, enquanto Tritão e uma ninfa do mar, colocando seus ombros debaixo dos outros, os fizeram flutuar novamente. Os troianos, depois que o mar se acalmou, procuraram a costa mais próxima, a costa de Cartago, onde Eneias ficou feliz ao verificar que um a um, todos os barcos chegavam a salvo, embora seriamente comprometidos. Edmund Waller (1602-1687), em seu "Panegírico ao Senhor Protetor" (Cromwell), faz alusão ao cessar da tempestade produzido por Netuno:

"Acima das ondas, Netuno mostrou o seu rosto,
Para censurar os ventos e salvar o povo de Troia,
Então a sua Alteza, se levantou acima dos demais,
E repreendeu as tempestades da ambição que se abateu sobre nós."

Dido

Eneias descreve a queda de Troia a Dido, rainha de Cartago.
pintura de Pierre-Narcisse Guérin (1774–1833)

Cartago, onde os exilados haviam agora chegado, era um lugar na costa da África de frente com a Sicília, onde naquela época uma colônia Tíria regida por Dido, sua rainha, estava lançando as bases de um estado destinado nos tempos futuros a rivalizar com a própria Roma. Dido era filha de Belo, rei de Tiro, e irmã de Pigmaleão, que sucedeu a seu pai no trono. O marido dela se chamava Siqueu, um homem com grandes riquezas, mas Pigmaleão, que cobiçava seus tesouros, mandou matá-lo. Dido, seguido por um grupo numeroso de amigos e seguidores, tanto homens como mulheres, conseguiram fugir de Tiro, usando para isso inúmeros navios, levando com eles os tesouros de Siqueu.

Ao chegarem ao local que haviam escolhido como a cidade que lhes seria o futuro lar, eles pediram aos nativos somente o montante de terras que pudesse caber dentro do couro de um touro. Eles foram prontamente atendidos, e Dido ordenou que o couro fosse cortado em tiras, e com elas cercou o lugar onde uma cidadela foi construída, dando a ela o nome de Birsa, que significa couro. Em torno deste forte nasceu a cidade de Cartago, que logo haveria de se tornar um lugar poderoso e florescente.

Esse era o estado de coisas quando Eneias com seus troianos chegaram naquele lugar. Dido recebeu os ilustres exilados com simpatia e cordialidade. "Não desabituada a conviver com situações críticas," disse ela, "aprendi a socorrer os que necessitam."[2] A hospitalidade da rainha se transformou em festividades, onde jogos de força e destreza foram exibidos. Os estrangeiros disputaram a palma com suas próprias habilidades, em condição de igualdade, tendo a rainha declarado que não faria diferença para ela caso os vitoriosos fossem troianos ou tírios."[3]

No banquete que sucedeu aos jogos, Eneias ofereceu, a pedido da rainha, um recital sobre os eventos finais da guerra de Troia incluindo suas aventuras após a queda da cidade. Dido encantou-se com o discurso dele e ficou muito admirada com as façanhas do herói. Ela se apaixonou ardentemente por ele, e ele, por sua vez, parecia estar muito satisfeito em aceitar o que a sorte estava a lhe oferecer naquele momento: um final feliz para suas peregrinações, um lar, um reino e uma noiva. Os meses se passaram desfrutando os deliciosos momentos de intimidade, parecendo que a Itália e o império que deveriam ser fundados em seu litoral haviam sido igualmente esquecidos. Ao perceber isso, Júpiter despachou Mercúrio com uma mensagem para Eneias, lembrando-o das responsabilidades que lhe estavam reservadas, e exigindo que ele retomasse a viagem.

Eneias se separou de Dido, embora ela tentasse todo tipo de sedução e convencimento para retê-lo a seu lado. O golpe que ela sofreu em seu afeto e no seu orgulho foi doloroso demais para ela suportar, e quando ela percebeu que ele havia ido embora, mandou que erguessem uma pira funerária, e apunhalando o próprio peito, foi consumida pela pira. As chamas que se levantavam sobre a cidade foram vistas pelos troianos que partiam, e, embora a razão fosse desconhecida, deram a Eneias a indicação do acontecimento fatídico.

Eneias apresenta Cupido a Dido.
pintura de Giovanni Battista Tiepolo (1696–1770)

O epigrama seguinte é encontrado em "Elegantes Extrações", traduzido do latim:

Cruel, Dido, foi o teu destino
No primeiro e no segundo matrimônio!
Um marido, ao morrer, te levou à fuga
O outro, ao fugir, te levou à morte.

Palinuro

Eneias apresenta Cupido a Dido.
ilustração de Wilhelm Gmelin (1760 - 1820)

Depois de chegar na ilha da Sicília, onde Acestes, príncipe com linhagem troiana, que tinha grande influência, ofereceu a eles uma recepção hospitaleira; os troianos, então, tornaram a embarcar, e rumaram em direção à Itália. Vênus, então, intercedeu junto a Netuno, para permitir que seu filho alcançasse a meta desejada e que os perigos das profundezas tivessem um fim. Netuno concordou, sedento ainda por uma vida como resgate para os demais. E decidiu-se que a vítima seria Palinuro, o piloto. Assim que o piloto se sentou para olhar as estrelas, com as mãos sobre o leme, o Sono, enviado por Netuno, se aproximou dele disfarçado de Forbas e disse: "Palinuro, a brisa está agradável, as águas tranquilas, e o barco segue calmamente o seu destino. Deite um pouquinho, e descanse o sono restaurador."

"Eu ficarei no leme em teu lugar." Palinuro respondeu, " Não me fales em mares tranquilos ou ventos favoráveis, -- a mim, que já vivi tantas situações perigosas. Deveria eu deixar Eneias ser levado pelas adversidades do tempo e do vento?" E Palinuro continou a segurar o leme, mantendo os olhos fixos nas estrelas. Mas o Sono brandiu sobre ele um galho umedecido com orvalho do Letes, e seus olhos se fecharam apesar de todos os seus esforços. Então, o Sono o empurrou para fora do barco e ele caiu, porém, segurando o leme com firmeza, se desprendeu junto com ele. Netuno estava ciente de sua promessa e manteve o barco em movimento sem leme, nem piloto, até que Eneias percebeu o desaparecimento de Palinuro, e lamentando profundamente pelo seu fiel timoneiro, assumiu ele próprio o comando do navio.

Há uma bela alusão para a história de Palinuro no poema épico "Marmion" de Walter Scott (1771-1832) Introdução ao Canto I, onde o poeta, ao falar da morte recente de William Pitt (1759-1806), diz o seguinte:

"Oh, imagine como, até o último dia,
Quando a morte pairou reivindicando sua presa,
Com o jeito tranquilo de Palinuro,
Permanecendo firme em seu perigoso posto,
Rejeitando toda chamada de descanso necessária,
Com a mão da morte segurando o leme,
Até que ao cair, na decisão fatal,
Cedeu ao comando do navio."

Os navios finalmente chegaram à costa da Itália, e com alegria os aventureiros saltaram para terra. Enquanto seus homens se preocupavam em montar acampamento, Eneias buscou a morada de Sibila. Era uma caverna com acesso para um templo e um bosque, sagrados para Apolo e Diana. Enquanto Eneias contemplava o local, uma Sibila se aproximou dele. Ela parecia entender o recado que ele trazia, e sob influência da divindade do lugar, se lançou a dizer profecias, fazendo sombrias sugestões a respeito dos trabalhos e perigos que lhe estavam reservados até o sucesso final.

Ela finalizou com palavras de estímulo que se tornaram famosas: "Não te entregues ao desalento, mas avança para a frente munido de coragem." Eneias respondeu que ele havia se preparado para qualquer situação que encontrasse pela frente. Mas ele tinha um pedido a fazer. Tendo se dirigido, durante um sonho, em busca da morada dos mortos para conversar com seu pai, Anquises, para receber da parte deste uma revelação sobre a sua sorte futura e também para o seu povo, ele pediu a ajuda dela para que lhe possibilitasse a realização da tarefa. A Sibila respondeu, " A descida até o Averno[4] é fácil: os portões de Plutão ficam abertos noite e dia, mas para refazer a caminhada e retornar à atmosfera superior, nisso reside o trabalho e a maior dificuldade."

Ela o instruiu a procurar na floresta uma árvore onde crescia um galho de ouro. Este galho tinha de ser arrancado e dado como presente para Proserpina, e se a sorte fosse propícia, ele cederia à força da sua mão, soltando-se do tronco de origem, mas, caso contrário, força alguma conseguiria arrancá-lo. Uma vez arrancado o galho, outro surgiria em seu lugar.

Eneias seguiu as instruções de Sibila. Sua mãe, Vênus, enviou dois de seus pombos para voar diante dele, mostrando-lhe o caminho, e com a ajuda deles, Eneias encontrou a árvore, arrancou o galho, e retornou apressadamente com ele para Sibila.

Notas e Referências

Citações de w:Virgílio:Virgílio usadas no texto:

  1. Seguitur patrem, nom passibus aequis (Segue o pai com passos desiguais.)
  2. Haud ignara mali, miseris succurrere disco.
  3. Tros, Tyriusve, mihi nullo discrimine agetur.
  4. Averno é um nome antigo para uma cratera perto do Cumas, na Itália, na região da Campânia, à leste de Nápolis. Tem aproximadamente 3,2 km de circunferência. Dentro da cratera fica o lago Averno. O Averno era considerado ser a entrada para o submundo.