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História do Brasil (Frei Vicente do Salvador)/V/XXXI

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Não trabalharam menos os que militaram na bateria do Carmo com o general d. Fadrique, mas como os de São Bento foram picados daquele assalto dos holandeses, não houve rédea, que os tivesse, a não serem os primeiros; além de que acharam um pedaço de muro do próprio mosteiro de que se ajudaram para a trincheira, e os do Carmo a fizeram toda de novo, assim para a banda da cidade, a cuja porta fica este monte fronteiro da parte do norte, como para as naus inimigas, que lhe ficavam ao pé da banda do poente, às quais começaram de tirar em 9 de abril, tratando-as mui mal com os pelouros, e a maior delas, que era do capitão Sansão, e tinha duas andainas de artilharia meteram no fundo, posto que ali o fundo é pouco por estar muito chegada à terra, e a nau ser grande, ainda ficou com grande parte sobre a água, mas perderam-se-lhe alguns mantimentos, e coisas que estavam no porão, e mataram-lhe quatro homens, e feriram 12.

Não foi menos o dano, que desta bateria fizeram na cidade furando-lhe o muro e a porta, e derribando muitas casas, pelo que prometeu o coronel a todos os holandeses, que de noite trabalhassem no reparo dos muros e trincheiras, duas patacas a cada um; parque de dia sem estipêndio o faziam, e assim era contínuo o trabalho, e sabre este fazer e desfazer, romper, e reparar de muros era também contínua a bateria de peças, e mosquetes, e se matava de parte a parte alguma gente; entre outros foi mui notável um tiro, que tiraram desta bateria do Carmo à outra, que tinham os holandeses à porta da Sé, onde deu o pelouro na terra debaixo dos pés de um sargento, e sem lhe fazer mais dano, que fazê-lo saltar como quem dançando faz uma cabriola, varou ao hospital, e rompendo a parede matou a dois cirurgiões, que estavam curando a seus feridos, e feriu de novo a um dos feridos.

Da mesma maneira foram mortos alguns dos nossos, como foi Martim Afonso, Morgado de Oliveira, que recolhendo-se a casa a vestir uma camisa, suado do trabalho de carregar faxina, e carregar e descarregar mosquetes, assentando-se à janela a tomar um pouco de ar, o feriu uma peça dos holandeses em uma perna, de que em três dias morreu com tanto valor e cristandade como se esperava de tão qualificada pessoa, o qual se embarcou enfermo de Lisboa, e advertindo-o parentes e amigos que não tratasse da jornada, respondeu que ungido havia de ir nela, tanto era o desejo, que tinha do serviço do seu rei, não só nesta ocasião, mas em outras muitas ia bem mostrado; o qual Sua Majestade lhe soube bem gratificar depois de sua morte nas mercês que fez a seus filhos, como adiante veremos.

Este foi um dos fidalgos portugueses, que militava neste quartel do Carmo, de que havemos tratado, e vamos tratando, com Sua Excelência; os outros eram d. Afonso de Noronha; o conde de São João Luiz Álvares de Távora, cunhado do dito Morgado de Oliveira; o conde de Vimioso D. Afonso de Portugal; o conde de Tarouca d. Duarte de Menezes ; Duarte de Albuquerque; Francisco de Mello de Castro; Álvaro Pires de Távora; João da Silva Tello; Lourenço Pires de Carvalho; d. João de Portugal; Martim Afonso de Távora; Antônio Teles da Silva; o capitão d. João Teles de Menezes; o capitão Cristóvão Cabral; o capitão d. Álvaro de Abranches; o capitão d. Antônio de Menezes; o capitão d. Sancho de Faro, e outros.

Desta estância do Carmo ordenou o general d. Fadrique que se fizessem outras duas, uma nas palmeiras, em que estiveram os mestres de campo d. João de Orelhana, e Antônio Moniz Barreto, e Tristão de Mendonça, capitão-mor da esquadra do Porto, com dois sobrinhos seus Francisco e Cristóvão de Mendonça, d. Henrique de Menezes, senhor de Louriçal; Rui Correa Locas, Nuno da Cunha, Antônio Taveira de Avelar, o capitão Lançarote de Franca, o capitão Diogo Ferreira, e outros; e foi esta estância de muita importância, por ser mais alta que todas, e não estarem as dos holandeses por aquela fronteira tão fortificadas, e assim lhe descavalgaram as suas peças, e lhes mataram e feriram muitos homens, posta que também nos mataram alguns, e entre eles o capitão Diogo Ferreira, que foi um dos três irmãos vianeses, que ganhou por sorte de dados o vir na jornada, que dissemos na capítulo trinta e três, e também outro a que chamavam João Ferreira, que vinha por provedor-mor da fazenda deste estado do Brasil com um navio armado, fretado à sua custa, morreu em Lisboa de uma febre aguda, ficando o que perdeu na sorte dos dados com vida, e fazenda em sua casa e pátria, ainda chorando porque não foi um deles.

A outra estância e bateria foi de d. Francisco de Moura com a gente da Bahia, e capitães dos assaltos, donde assistiram também alguns criados de Duarte de Albuquerque Coelho, capitão, governador, e senhor de Pernambuco; e esta foi muito arriscada bateria, porque estava diante da de d. Fadrique um tiro de arcabuz, mui chegada à cidade, e fronteira ao Colégio dos Padres da Companhia, donde os holandeses batiam com seis peças, e de parte a parte se fazia muito dano.