Meu Captiveiro entre os Selvagens do Brasil (2ª edição)/Capítulo 9

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CAPITULO IX
De como sahimos de bote e achamos
um crucifixo sobre uma rocha


Era no dia de Santa Catharina do anno de 1549. Tomámos o bote e sahimos a explorar a bahia. Pareceu-nos um rio — talvez o de S. Francisco, que corre naquellas regiões — pois quanto mais nella penetravamos menos alcançavamos o fim.

Iiamos inspeccionando as margens, a ver se descobriamos alguma fumaça; por fim deparam-se-nos umas cabanas. Saltamos em terra a visital-as. Eram palhoças em ruinas sem nenhum morador dentro, e tivemos de proseguir em nossa exploração até á tarde.

Encontrámos depois uma pequena ilha na qual o capitão resolveu tomar pé. Quando a alcançámos já era noite e receiosos de pisar na terra desconhecida, foram alguns dos nossos rodeal-a para ver se havia gente.

Não havia ninguem. Desembácamos, pois, fizemos fogo, jantámos palmitos cortados alli mesmo e dormimos.

No outro dia pela manhã avançámos terra a dentro. Devia ser habitada a terra pois que as palhoças eram indicio seguro; outro indicio deparou-se-nos logo: grande cruz de madeira fincada num monte de pedras. Estava amarrado ao pé dessa cruz um fundo de barril com inscripções que não pudemos decifrar. Levámol-o comnosco e proseguimos na exploração.

Emquanto remavamos fomos decifrando os dizeres do fundo do barril e pudemos afinal ler o seguinte: Se viniesse por ventura aqui la armada de su majestad, tiren um tiro y haran recado, o que quer dizer: Se por acaso aqui vierem navios de sua majestade, dêem um tiro que terão resposta.

Voltámos então depressa para o sitio da cruz e dispáramos um tiro de peça.

Pouco depois vimos cinco canôas com remeiros indigenas que vinham sobre nós, o que nos fez tomar as armas para a hypothese de um ataque.

Mais de perto pudemos divisar á prôa de uma des canôas um homem vestido e barbado, que nos pareceu chistão. Gritámos-lhe que fizesse parar as canôas e viesse elle só ter comnosco.

Assim fez e breve nos alconçou. Conversámos algum tempo e soubemos estar no Jurumirim, ou Santa Catharina, como querem os portuguezes.

A noticia nos alegrou muito, não só porque era o porto que demandavamos como ainda por termos entrado nelle justamente no dia de Santa Catharina.

Perguntou-nos o christão quem eramos, e ao ser informado de tudo respondeu que muito o alegrava e muito agradecia a Deus aquelle encontro, porque havia tres annos fôra mandado da cidade de Assumpção, no Rio da Prata, áquelle lugar trezentas milhas distante, afim de induzir os indios carijós, que eram amigos dos hespanhoes, a plantarem mandioca para supprimento dos navios em transito. Eram ordens essas do capitão Juan de Salazar, que fora para a Hespanha levar noticias e agora voltava num dos navios da nossa esquadrilha.

Fomos d'alli para as cabanas dos selvagens, com os quaes morava esse homem, e todos lá nos trataram muito bem.

Esta obra entrou em domínio público pela lei 9610 de 1998, Título III, Art. 41.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.