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O Domínio Público no Direito Autoral Brasileiro/Capítulo 1/1.3.2./1.3.2.2.

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1.3.2.2. Razões econômicas

 

Podemos afirmar, sem muita chance de erro, que todas as obras compostas por autores falecidos até 1910[1], em todo o mundo, encontram-se no momento em domínio público. Portanto, desde as primeiras pinturas rupestres ou a saga de Gilgamesh até as obras de Mark Twain, toda a cultura compreendida desde a aurora da criação até o início do século XX está em domínio público.

Se a proteção perpétua das obras intelectuais acarretaria diversas dificuldades sociais, não seriam menores os inconvenientes econômicos[2]. Estes serão analisados a partir de duas perspectivas distintas e complementares: primeiro do ponto de vista do autor (ou do titular dos direitos autorais) e a seguir do ponto de vista da sociedade (do usuário da obra intelectual).

Afirma a doutrina, de modo geral, que, para o autor, a exclusividade garantida pelos direitos autorais funciona como incentivo para a criação[3][4]. No entanto, não faz sentido essa proteção ser excessivamente longa. Primeiramente por uma questão lógica: se o objetivo conferido pela exclusividade é promover a criação, que criação se pode esperar de um autor morto, já que a proteção se estende – e muito – para além da vida do autor[5]? A seguir, porque a expectativa de compensação econômica por parte do autor dificilmente se cumpre após os primeiros anos de divulgação da obra. Ambas as considerações estão intrinsecamente conectadas.

Quanto ao primeiro aspecto, Ana Paula Fuliaro comenta que existe certa deturpação dos direitos patrimoniais, que garantirão “ao empreendedor exploração por período consideravelmente longo, fundamentado em proteção que tem como legítima justificativa a preocupação do criador intelectual com a subsistência dos seus familiares no caso de seu falecimento”[6]. A autora prossegue com sua análise ao sopesamento dos interesses quanto à proteção da obra intelectual[7]:


As razões desta proteção já foram especuladas, chegando-se à conclusão de que a norma visa a assegurar a necessária segurança financeira ao autor para que faça do desenvolvimento da arte seu ofício, garantindo-lhe, também, que sua família não estará imediatamente desamparada no caso de seu falecimento.

De outro lado, no que se refere à exploração econômica pelos grupos empresariais, empreendedores da área da comunicação social em geral, a duração no tempo justifica-se como resposta de possibilidade de obtenção de lucro em contraposição ao investimento efetuado.

Ambas as razões são absolutamente plausíveis e em tudo se conformam com o pilar do direito de autor que prevê a possibilidade de exploração econômica da obra como forma de incentivo à produção cultural.

O que se questiona aqui é algo que, na verdade, tem como pano de fundo questão eminentemente social: será razoável prazo de 70 anos de proteção numa realidade econômico-social de celeridade nunca antes vista?


Pelo menos quanto à proteção de fonogramas, Stef van Gompel, pesquisador da Universidade de Amsterdã, vai responder que não. Em sua análise à segunda (e mais importante) das ponderações acima apontadas, o autor, ao discutir um possível aumento de prazo na proteção aos fonogramas no âmbito da União Europeia[8], informa que[9]:


A partir de uma perspectiva econômica, o aumento do prazo seria razoável se o presente prazo de 50 anos não fosse suficiente para os produtores de fonogramas recuperarem seus investimentos. Ainda assim, parece que: “para a grande maioria dos fonogramas, os produtores normalmente recuperam seus investimentos nos primeiros anos – quando não nos primeiros meses – seguintes ao lançamento, ou então não os recuperam jamais. Se um fonograma não teve seus investimentos recuperados em 50 anos, é bastante questionável que algum dia recuperará”. Assim, 50 anos parecem ser mais do que suficientes para os produtores recuperarem seus investimentos[10].

Com a superabundância de bens culturais e o incessante e exponencial crescimento de obras intelectuais, sobretudo na internet[11], é compreensível que o interesse por determinados produtos diminua (ou mesmo cesse) com o passar do tempo – sendo naturalmente substituído por obras mais recentes. Exemplificando nesse sentido, Chris Anderson afirma que “[o] filme Twister foi o segundo maior sucesso de bilheteria em 1996, mas hoje [em 2006], no Amazon, sua versão em DVD vende a metade de um documentário de 2005 do History Channel sobre a Revolução Francesa” [12]. Assim, cada vez mais um bem protegido por direitos autorais precisará recuperar seu investimento no menor espaço de tempo possível.

Não parece ser outra a conclusão a que chegam William Landes e Richard Posner. Os autores informam que, entre 1883 e 1964, quando o prazo de proteção de direitos autorais os EUA era de 28 anos, renováveis a pedido do titular dos direitos, menos de 11% dos registros foram renovados ao final do prazo legal, ainda que os custos de renovação fossem pequenos[13]. Parece-nos bastante razoável crer que essa não renovação se deveu ao fato de os autores não verem mais propósito em manterem o direito de exclusivo conferido pela lei. O destino da obra era, então, o domínio público por falta de renovação do registro.

Em outro estudo a respeito do tema, mas chegando a conclusão idêntica, James Boyle afirma que “[e]stimativas sugerem que apenas vinte e oito anos após sua publicação, 85% das obras não estão mais sendo comercialmente produzidas. (Sabe-se que quando os EUA requeriam renovação de direitos autorais após vinte e oito anos, cerca de 85 porcento de todos os titulares de direitos autorais não se preocupavam em obter a renovação. Esta é uma indicação razoável, ainda que superficial, de viabilidade comercial)”[14].

Além disso, de novo segundo Landes e Posner, dos 10.027 livros publicados nos EUA em 1930, apenas 174 continuavam sendo publicados em 2001[15]. São duas as conclusões claras a partir desta informação. Em primieiro lugar, que nem toda obra conserva relevância comercial décadas depois de editada. Isso, no entanto, não significa que não haja interesse por ela. O interesse pode ser pequeno (a partir da teoria da cauda longa, apontada por Chris Anderson), pode não justificar um investimento editorial, mas provavelmente subsiste. E tal fato nos conduz à segunda conclusão: não fosse o domínio público, a oferta de acesso à obra seria ainda menor, além de muito mais difíceis as utilizações derivadas.

Em síntese, por todo o exposto, do ponto de vista do autor, não parece haver – em regra – interesse em fazer incidir sobre a obra intelectual direitos autorais perpétuos. Se o fundamento primeiro da exclusividade é remunerar o autor, o fundamento se perde tão logo este venha a falecer. Se a manutenção do direito se dá para além da morte do autor com o intuito de não desamparar os familiares, nem sempre esse objetivo será alcançado, já que a maior parte das obras perde seu valor econômico com a passagem do tempo[16]. Uma das razões da perda do valor econômico ocorre certamente por conta do surgimento de obras novas – com as quais as obras mais antigas precisam competir. Como consequência, muitas vezes os próprios autores deixam de ter interesse na republicação de suas obras.

Há ainda um outro problema. Em 2010, a Argentina aprovou uma lei que prorroga o prazo de proteção às obras fonográficas de 50 para 70 anos[17]. Uma das justificativas era o iminente ingresso em domínio público de um LP da cantora Mercedes Sosa, gravado em 1961 e que, portanto, entraria em domínio público no início de 2012.

Ocorre que, segundo noticiado pela imprensa, o LP se encontrava fora de catálogo havia 48 anos, de modo que a prorrogação, sem que se impusesse qualquer obrigação aos titulares dos direitos, nada mais seria do que uma extensão no prazo contratual em benefício de apenas uma das partes[18]. Ou seja, nem sempre o aumento do prazo de proteção significa, de fato, resguardar os interesses econômicos de quem quer que seja. Muitas vezes perde o artista (ou perdem seus herdeiros) e perde o público.

Para a sociedade, as dificuldades de um direito autoral perpétuo seriam intransponíveis. Em um sistema de proteção como o atualmente vigente, em que a regra é que qualquer uso de obra protegida seja prévia e expressamente autorizado pelo respectivo titular do direito, a produção cultural não seria tão abundante e os titulares dos direitos não seriam, a despeito do prazo perpétuo, mais remunerados.

Sendo assim, Landes e Posner apontam diversos argumentos que justificam a limitação do prazo de proteção dos direitos autorais[19]. Dentre eles, podemos mencionar a dificuldade de encontrar o titular dos direitos autorais e o custo de seu licenciamento.

Imagine-se, por exemplo, a tentativa de se fazer uma obra derivada a partir da “Odisseia” de Homero, do “Decamerão” de Bocaccio ou do “Paraíso Perdido” de John Milton. Como encontrar os titulares dos respectivos direitos nesses casos? Ainda que fosse possível encontrar os descendentes algumas vezes, poderiam ser em número tão elevado que simplesmente tornaria inviável qualquer negociação. E mesmo que, a despeito de todos os prognósticos e das improbabilidades matemáticas, os herdeiros fossem encontrados, qual o valor a ser pago?

A essa segunda pergunta, pode-se facilmente responder que a dúvida é a mesma que se põe hoje em dia quanto às obras atualmente protegidas: depende do quanto o titular deseja receber e quanto o (potencial) licenciado ou cessionário está disposto a pagar. Em outras palavras: depende da negociação.

Mas uma coisa é alguém ter que pagar por obras criadas a partir do início do século XX. Outra, bem diferente, é pagar pela utilização de qualquer obra criada desde que o ser humano aprendeu a se expressar.

Quanto ao argumento de que seria muito difícil encontrar os titulares de direitos referentes a obras produzidas há muitos anos (ou séculos), Landes e Posner afirmam que “não é o direito a uma propriedade perpétua, mas a ausência de registro, que cria custos proibitivos de se encontrar o titular dos direitos”[20].

Já quanto ao argumento referente ao aumento dos custos de transação, os autores afirmam ser uma justificativa melhor para se limitar a proteção no tempo[21]. Exemplificam da seguinte maneira[22]:


Os custos de transação em um sistema deste tipo [de direitos autorais perpetuamente renováveis] seria maior para compilações, como antologias de obras famosas anteriormente publicadas. Sob a lei existente, o editor de uma coleção dos maiores poemas do mundo precisa licenciar os direitos autorais para apenas um subconjunto dos poemas – nenhum publicado pela primeira vez antes de 1923 [nos Estados Unidos]. Sob um regime de direito autoral renováveis indefinidamente, instituído em 1500, a maioria dos poemas em uma antologia de poesia popular ainda poderiam estar protegidos por direitos autorais e, portanto, muito mais licenças teriam que ser obtidas para uma nova antologia.


Por isso é que, sem dúvida, uma proteção excessivamente longa aos direitos autorais necessariamente inibiria a produção cultural[23]. Por outro lado, a existência do domínio público estimula a criação e facilita o acesso a obras intelectuais[24]. Para tanto, vamos tratar de alguns exemplos.

No ano de 2010, o diretor de cinema norte-americano Tim Burton adaptou para a tela grande o clássico “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll. Tendo o escritor inglês falecido em 1898, toda sua obra encontra-se em domínio público. Burton teria gasto aproximadamente US$ 200,000,000.00 na produção do longa[25], obtendo nas bilheterias mais de US$ 600,000,000.00 em seu primeiro mês de exibição.

É natural que em produções de grande porte, como é este caso, pouca (ou nenhuma) diferença faria a matéria-prima estar ou não em domínio público. Em Hollywood aparentemente há dinheiro suficiente para se adaptar qualquer obra para o cinema, por mais cara que seja a aquisição do direito de adaptação, desde que o projeto se mostre rentável. O mais interessante é poder constatar que uma obra escrita há tanto tempo (a edição original de “Alice no País das Maravilhas” é de 1865) ainda tem força para atrair multidões quando adaptada para o cinema[26][27]. Não é porque obras em domínio público são muitas vezes antigas, datadas ou pertencentes a outra escola cultural (em razão do grande lapso de tempo entre sua criação e o momento em que ingressa em domínio público) que se pode dizer não terem mais apelo popular. Alguns sucessos de bilheteria são exemplos suficientes.

Mesmo que nos Estados Unidos, com sua bilionária produção cinematográfica, não se hesite em pagar pequenas fortunas para se obter o direito de transformar uma obra em sucesso comercial, é fundamental encararmos ainda a construção do domínio público como forma de criação de obras derivadas de maior ou menor porte.

Afinal, não são apenas as adaptações financeiramente bem sucedidas que nos servem de exemplo. Na verdade, as obras em domínio público permitem um grande exercício da criatividade. A peça shakespeareana “Romeu e Julieta” foi adaptada para o cinema pelo menos 50 vezes [28]. E mesmo tendo vivido cerca de três séculos antes da invenção do cinema, Shakespeare é creditado como “coautor” de cerca de 800 filmes baseados em suas peças. No momento, 11 filmes realizados a partir de obras do poeta inglês encontram-se em estágio mais ou menos avançado de produção e seis novas adaptações devem ser realizadas nos próximos anos[29].

Todos esses filmes podem ter sido – ou não – bem sucedidos em sua jornada comercial: pouco importa. Em primeiro lugar, o domínio público permitiu que as obras originais fossem adaptadas independentemente de pagamento de direitos autorais. Para Hollywood talvez isso faça pouca diferença, mas certamente é elemento fundamental em indústrias culturais menos abastadas. Em seguida, é possível, com obras em domínio público, explorar enredos que de algum modo já resistiram à passagem do tempo, que são razoavelmente conhecidos do grande público: trata-se, assim, de material em certa extensão já testado. Finalmente, é por meio do domínio público que o homem pode reciclar (remixa), com aproveitamento econômico, (quase) toda a cultura mundial.

Alguns exemplos curiosos reúnem os três elementos acima: adaptação de obra em domínio público que resistiu à passagem do tempo, em evidente exercício de reciclagem. Recentemente, surgiu uma série de livros que se apropriam de obras famosas (todas em domínio público) para integrá-las na cultura pop.

A mais notória até o momento é “Orgulho e Preconceito e Zumbis”. O escritor e roteirista Seth Grahame-Smith tomou como base o famoso romance de Jane Austen e inseriu os zumbis por sua própria conta[30]. Segundo seus cálculos, 85% de seu romance foi escrito por Jane Austen, tendo ele contribuído com os outros 15%[31]. Mas foram exatamente esses 15% que fizeram do livro um sucesso editorial[32]. Tanto que a mesma editora publicou “Razão e Sensibilidade e Monstros Marinhos” ainda em 2009 e, em 2010, “Androide Karenina[33].

Porém, não apenas a possibilidade de obter sucesso com obras derivadas nem estimular a criatividade justificam economicamente a existência do domínio público[34]. Ambas as situações dizem respeito diretamente a quem cria. Mas provavelmente o aspecto mais relevante diz respeito ao acesso por parte da sociedade.

Enquanto uma obra se encontra protegida, é normal que apenas um titular regularmente autorizado pelo autor possa auferir vantagens econômicas por sua exploração. Entretanto, quando a obra ingressa em domínio público, qualquer pessoa – física ou jurídica – pode passar a explorá-la da mesma forma.

Veja-se o exemplo de Sigmund Freud. O psicanalista, certamente uma das pessoas que mais influenciaram o pensamento mundial no século XX, faleceu em 23 de setembro de 1939, deixando vastíssima obra de importância singular no estudo da psicanálise. Por isso, sua obra ingressou em domínio público em boa parte do mundo em 01 de janeiro de 2010. No Brasil, até então a editora Imago era a única a ter direito de publicação de seus escritos. Com a entrada das obras de Freud em domínio público, começaram a surgir novas traduções, pelas editoras Companhia das Letras e L&PM[35]. Agora, o público conta com pelo menos três coleções dos estudos psicanalíticos do médico alemão.

As consequências positivas da possibilidade de escolha são evidentes a partir de uma concepção de concorrência. Cada uma das múltiplas edições tentará superar em qualidade as demais edições, o que melhora o nível do material disponível ao consumidor. Além disso, ao menos idealmente, o preço tende a ser reduzido e a obra se torna mais facilmente encontrada.

Enquanto “O Alquimista”, o best seller mundial de Paulo Coelho, conta com apenas duas edições em Português (a versão original pela editora Planeta do Brasil e outra em quadrinhos pela Record[36]), “Dom Casmurro” – que se encontra em domínio público desde o final dos anos 1960 –, por exemplo, tem cerca de 17 edições disponíveis simultaneamente em websites especializados em venda de livros[37], havendo inclusive um exemplar em audiobook e, ainda, uma versão infanto-juvenil.

Este material foi publicado por seu autor/tradutor, Sérgio Branco (ou por sua vontade) em Domínio público. Para locais que isto não seja legalmente possível, o autor garante a qualquer um o direito de utilizar este trabalho para qualquer propósito, sem nenhuma condição, a menos ques estas condições sejam requeridas pela lei.

 
  1. Tomamos como prazo máximo de proteção o definido na lei mexicana, que prevê que as obras intelectuais restam protegidas por até 100 anos contados do falecimento do autor.
  2. Sempre houve, entretanto, quem advogasse a perpetuidade dos direitos autorais. Em Portugal, tornou-se clássica a disputa entre Alexandre Herculano, que pregava a perpetuidade dos direitos autorais, e Almeida Garrett, defensor do direito de acesso por parte da sociedade. Para compreensão do panorama na Espanha, ver TOLSADA, Mariano Yzquierdo. La Duración del Derecho de Autor. La Duración de la Propriedad Intelectual y las Obras en Domínio Público. Coord,: Carlos Rogel Vide. Madri: Réus, 2005; p. 36.
  3. Ver, por todos, Antônio Chaves que, de maneira um tanto apoteótica, declara: “[o]nde houver criatividade, originalidade, aí estará, sempre solícito e solerte, o direito de autor, procurando dignificar e salvaguardar o trabalho do criador e do artista, a fim de que dele possam auferir meios de subsistência para continuar produzindo cada vez mais e melhor”. CHAVES, Antônio. Direito de Autor – Princípios Fundamentais. Cit.; p. 20.
  4. Não significa, entretanto, que toda a criação existirá por causa da expectativa de proteção. O ser humano cria desde muito antes da primeira lei de propriedade intelectual. Ainda hoje, sobretudo quando tratamos de obras colaborativas (como a enciclopédia virtual Wikipedia), torna-se evidente que a criação não se deu tanto por base o desejo de uma proteção nos moldes tradicionais. Afirmam Landes e Posner: “[a]pesar da ironia de Samuel Johnson ao afirmar que só os tolos não escrevem por dinheiro, sempre houve pessoas talentosas que escrevem ou compõem ou pintam mais por causa da satisfação pessoal do que por causa do rendimento econômico. Se a demanda por um determinado tipo de trabalho é pequena, os esforços de autores automotivados podem ser suficientes para satisfazê-la”. Tradução livre do autor. No original, lê-se que: “Despite Samuel Johnson’s quip that only fools don’t write for money, there have always been talented people who wrote or composed or painted because of the personal satisfaction it gave them rather than because of the pecuniary income that they obtained. If the demand for a class of work is small, the efforts of the self-motivated producers may be sufficient to satisfy it”. LANDES, William M. e POSNER, Richard A. The Economic Structure of Intellectual Property Law. Cit.; p. 65.
  5. Não há que se subestimar a matéria. Casos de obras psicografadas já foram objeto de análise pelo poder judiciário, sendo o mais célebre de todos o que discutiu a titularidade dos direitos autorais de obras atribuídas a Humberto de Campos.
  6. FULIARO, Ana Paula. A sucessão em direito de autor: aspectos morais e patrimoniais. Direitos Autorais – Estudos em Homenagem a Otávio Afonso dos Santos. São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 2007, p. 15.
  7. FULIARO, Ana Paula. A sucessão em direito de autor: aspectos morais e patrimoniais. Cit., p. 18.
  8. A proteção conferida aos fonogramas é de 50 anos e a proposta da Comunidade Europeia seria de aumentar o prazo para 95 anos.
  9. Tradução livre do autor. No original, lê-se que: “From an economic perspective, a term extension would be sensible if the present term of 50 years was not sufficient for phonogram producers to recoup their investment. Yet, it appears that: “for the large majority of sound recordings the producers are likely to either recoup their investment within the first years, if not months, following their release, or never. If a recording has not recouped its investment after 50 years, it is very questionable that it ever will”. Thus, 50 years seem to be more than enough for producers to recoup their investment”. GOMPEL, Stef van. Extending the term of protection for related rights endangers a valuable public domain. Disponível em http://www.ivir.nl/staff/vangompel.html Acesso em 02 de abril de 2010.
  10. Com relação aos sucessivos aumentos de prazo de proteção, alguns outros aspectos podem ser apontados. De modo a mitigar os efeitos deletérios das prorrogações legais, Joseph P. Liu sugere que o tempo de publicação da obra seja levado em conta quando da aplicação dos critérios do fair use. Assim, sobre o Mickey Mouse haveria hoje um escopo maior de fair use do que sobre Harry Potter. LIU, Joseph P. Copyright and Time: a Proposal. Michigan Law Review, n. 101; p. 464. Disponível em http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=305374. Acesso em 20 de janeiro de 2011. Yochai Benkler, por sua vez, defende que o tempo desempenha papel relevante no custo de transação para o uso de obras alheias, e dá o seguinte exemplo: quando “... E o Vento Levou” foi escrito, em 1936, poderia ser protegido até, no máximo, 1992. Dessa forma, licenciar o livro para uma adaptação cinematográfica em 1938 teria um custo P. Esse custo leva em consideração o fato de que a obra ingressará em domínio público em 1992, e terá portanto pouco relevância na discussão do valor demandado pela licença em 1938. Mas será provavelmente de suma importância caso se deseje filmar a adaptação do livro em 1991. Prorrogar o prazo de proteção após a obra ter sido criada geraria mudança nas regras inicialmente vigentes e aumentaria o custo de transação. BENKLER, Yochai. Through the Looking Glass: Alice and the Constitutional Foundations of the Public Domain. Law and Contemporary Problems – vol. 66; pp. 199-200.
  11. Andrew Keen, um dos maiores opositores do crescimento no número de obras criadas por amadores, na internet, publicou em 2007 um livro bastante polêmico intitulado “O Culto do Amador”. No livro, o autor critica o que seria uma “celebração do amadorismo”: “[o]s macacos assumem o comando. Diga adeus aos especialistas e guardiões da cultura de hoje – nossos repórteres, nossos âncoras, editores, gravadoras e estúdios de cinema de Hollywood. No atual culto do amador, os macacos é que dirigem o espetáculo. Com suas infinitas máquinas de escrever, estão escrevendo o futuro. E talvez não gostemos do que ele diz”. KEEN, Andrew. O Culto do Amador. Cit.; p. 14. Ocorre que diversos de seus argumentos são tomados de evidente preconceito e (suposto) elitismo cultural, sendo facilmente rebatíveis. Quando afirma que “certamente não consigo imaginar Johann Sebastian Bach lançando uma versão tosca de seus ‘Concertos de Brandenburgo’ para ser remixada ou recombinada por seu público”, não leva em conta que tão importante quanto o direito autoral é a liberdade de expressão; que o direito autoral protege indistintamente obras de maior ou de menor qualidade (ou ainda sem qualquer qualidade); mas sobretudo não leva em conta que ninguém é obrigado a gostar mais de Bach do que de um remix de sua obra, feito por um amador.
  12. ANDERSON,Chris. A Cauda Longa: Do Mercado de Massa para o Mercado de Nicho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006; p. 140.
  13. LANDES, William M. e POSNER, Richard A. The Economic Structure of Intellectual Property Law. Cit.; p. 212. Stephen Fishman afirma que, de acordo com o Copyright Office dos Estados Unidos, cerca de 15% das obras publicadas antes de 1964 tiveram seu registro renovado. O número é, ainda assim, consideravelmente baixo. FISHMAN, Stephen. The Public Domain – How to Find & Use Copyright-Free Writings, Music, Art & More. Berkeley: Nolo, 2008; p. 280. Segundo Lessig, entre 1790 e 1799, foram publicadas 13.000 obras nos Estados Unidos e apenas 556 registros foram solicitados. Sem o pedido de registro, a obra ingressava, naquela época, imediatamente em domínio público. Foi o que aconteceu, portanto, com 95% das obras naquela década. LESSIG, Lawrence. The Architecture of Innovation; p. 185. Disponível em http://www.law.duke.edu/pd/papers/lessig.pdf. Acesso em 20 de janeiro de 2011.
  14. BOYLE, James. The Public Domain. Cit.; p. 9. Tradução livre do autor. No original, lê-se que: “[e]stimates suggest that a mere twenty-eight years after publication 85 percent of the Works are no longer being comercially produced. (We know that when U.S. copyright required renewal after twenty-eight years, about 85 percent of all copyright holders did not bother to renew. This is a reasonable, if rough, guide to commercial viability)”.
  15. LANDES, William M. e POSNER, Richard A. Indefinitely Renewable Copyright. University of Chicago Law & Economics, Olin Working Paper n. 154, 2001; p. 3. Disponível em http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=319321. Acesso em 20 de janeiro de 2011.
  16. O argumento se torna ainda menos eficaz quando se sabe que, no final da década passada, “estimava-se que dois terços de toda exploração econômica de obras intelectuais fossem detidos por apenas seis grupos de empresas”. LEWICKI, Bruno Costa. Limitações aos Direitos de Autor. Cit.; p. 55, citando trabalho de Wilhelm Nerdemann: A Revolution of Copyright in Germany. Journal of the Copyright Society of the U.S.A. v. 49. n. 4. 2002, p. 1041.
  17. Quanto ao fenômeno corrente e generalizado do aumento de prazos, Yochai Benkler comenta a pouco plausível cena de um produtor de filmes que explicando seu projeto a determinados investidores e dizendo: “não vamos ganhar muito dinheiro com os primeiros 75 anos de proteção que a lei nos confere, mas o Congresso tem tradicionalmente aumentado os prazos de proteção, e se o Congresso estender o prazo para 95 anos, então vamos fazer uma fortuna!”. Tradução livre do autor. No original, lê-se que: “we won’t make money within seventy-five years that copyright law currently gives us, but Congress has traditionally extended rights over time, and if Congress extends copyright to ninety-five years, we’ll make a killing on this one!” BENKLER, Yochai. Through the Looking Glass: Alice and the Constitutional Foundations of the Public Domain. Cit..
  18. Disponível em http://www.pagina12.com.ar/diario/suplementos/espectaculos/3-17022-2010-02-21.html. Acesso em 15 de novembro de 2010.
  19. LANDES, William M. e POSNER, Richard A. The Economic Structure of Intellectual Property Law. Cit.; pp. 213 e ss.
  20. LANDES, William M. e POSNER, Richard A. The Economic Structure of Intellectual Property Law. Cit.; p. 215. Tradução livre do autor. No original, lê-se que: “[i]t is not perpetual property rights but absence of registration that creates prohibitive tracing costs”.
  21. LANDES, William M. e POSNER, Richard A. The Economic Structure of Intellectual Property Law. Cit.; p. 216.
  22. LANDES, William M. e POSNER, Richard A. The Economic Structure of Intellectual Property Law. Cit.; p. 217. Tradução livre do autor. No original, lê-se que: “[t]ransaction costs under such a system would be greatest for explicitly composite works, such as anthologies of well-known earlier works. Under existing law the publisher of a collection of the world’s greatest poems need obtain copyright licenses for only a subset of the poems – none first published before 1923. Under a regime of indefinitely renewable copyright instituted in 1500 A.D., most of the poems in an anthology of popular poetry might still be under copyright and therefore many more licenses would have to be obtained for a new anthology”.
  23. Landes e Posner afirmam que embora inicialmente o aumento do prazo de proteção diminua a extensão do domínio público, ao longo prazo o domínio público aumentaria. A tese é a seguinte: com a proteção dilatada, os autores precisariam ser mais criativos em suas próprias obras, já que precisariam esperar mais tempo até que obras alheias ingressassem em domínio público. No entanto, ponderam Landes e Posner, essa análise tem pouco significado quando o prazo de proteção é longo demais – e eles consideram o prazo atual excessivamente longo. LANDES, William M. e POSNER, Richard A. The Economic Structure of Intellectual Property Law. Cit.; pp. 69-70.
  24. Joaquín Rams Albesa lembra que a estreia de uma obra cinematográfica baseada em uma obra literária em domínio público não apenas faz lembrar a existência desta como ainda estimula as editoras a colocar tais obras a venda. ALBESA, Joaquín Rams. Las Obras en Dominio Público. La Duración de la Propriedad Intelectual y las Obras en Domínio Público. Coord,: Carlos Rogel Vide. Madri: Réus, 2005; p. 183.
  25. Disponível em http://latimesblogs.latimes.com/entertainmentnewsbuzz/2010/03/alice-in-wonderland-opens-to-record-setting-210-million.html. Acesso em 02 de abril de 2010.
  26. É certo que o uso da tecnologia 3D contribuiu bastante para despertar o interesse do público, bem como a direção de Tim Burton e a presença de astros, como Johnny Depp. Ainda assim, de acordo com o website IMDB, o filme de Tim Burton já é a 20ª maior bilheteria de todos os tempos. Disponível em http://imdb.to/9v5bBb. Acesso em 04 de dezembro de 2010.
  27. Outros exemplos poderiam ser dados entre os campeões de bilheteria no cinema norte-americano. “A Christmas Carol”, filme de 2009, dirigido por Robert Zemeckis e baseado na novela escrita em 1843 por Charles Dickens, arrecadou mais de US$ 130,000.00, resultado também alcançado por “Troia”, filme baseado na antiquíssima narrativa épica de Homero, “A Ilíada”, escrita possivelmente antes do ano 1.000 anterior ao nascimento de Cristo . Disponível em http://www.imdb.com/boxoffice/alltimegross. Acesso em 02 de abril de 2010.
  28. Disponível em http://www.imdb.com/find?s=all&q=romeo+and+juliet. Acesso em 02 de abril de 2010.
  29. Disponível em http://www.imdb.com/name/nm0000636/. Acesso em 02 de abril de 2010. O já citado Charles Dickens aparece com cerca de 300 adaptações; Machado de Assis, cujas obras ingressaram em domínio público no final dos anos 1960, conta com 20 adaptações desde então.
  30. Matéria do suplemento literário Prosa e Verso, de 20 de março de 2010, do jornal “O Globo” informa como surgiu a ideia: “[a]té o ano passado, a Quirk Books era uma editora desconhecida que publicava livros como ‘As vidas secretas dos grandes artistas’ e ‘O Manual de Batman’. O editor Jason Rekulak matava o tempo livre no YouTube vendo mash-ups, vídeos que misturam trechos de clipes, filmes e programas de TV. Inspirado neles, criou uma forma de aplicar as técnica ao seu ramo: fez uma lista de clássicos com direitos autorais em domínio público (Dickens, Tolstoi, Jane Austen) e uma de coisas que fazem todo mundo rir (zumbis, monstros marinhos, ninjas). Bastou ligar os pontos”. FREITAS, Guilherme. Jane Austen Reencarnada. Caderno Prosa e Verso, O Globo, 20 de março de 2010; p. 6.
  31. Curiosamente, e em razão da preservação dos direitos morais de autor a que Jane Austen faz jus, o livro circula com a curiosa autoria de “Jane Austen e Seth Grahame-Smith”.
  32. Segundo a mesma matéria jornalística anteriormente citada, o propósito do autor de “Orgulho e Preconceito e Zumbis” não foi “caçoar” de Jane Austen. “Queríamos amplificar seus temas e preservar o que ela fez. Acrescentando zumbis”, afirma. E acrescenta: “[o]s personagens dela [Austen] são muito contidos, seus conflitos são sempre internos. Então decidimos que os zumbis seriam uma forma de exteriorizar esses conflitos. Toda vez que alguém está sofrendo, ou tem os sentimentos feridos, os zumbis aparecem”. Naturalmente, o livro já conta com uma adaptação cinematográfica, prevista para 2011. FREITAS, Guilherme. Jane Austen Reencarnada. Caderno Prosa e Verso, O Globo, 20 de março de 2010; p. 6. De acordo com outra matéria publicada no jornal “O Globo” de 26 de dezembro de 2010, “Novo ‘boom’ de Jane Austen” (Segundo Caderno, p. 6), “[q]uase 200 anos após sua morte, em 1817, Jane Austen ainda é lida, discutida, filmada, adaptada e reinventada por aí, tanto na vida real quanto na internet. Exemplos não faltam. Da Índia aos EUA, novos filmes baseados em seus livros estão sendo preparados ou recém-chegaram aos cinemas. Em 2010, um romance e uma graphic novel misturaram seus personagens mais famosos com zumbis. E um dos vídeos mais bacanas da internet em 2010, “O clube da luta de Jane Austen”, que faz graça com o universo da autora, bateu a marca de um milhão de acessos”.
  33. A prática chegou também ao Brasil, onde foram publicados livros como “Dom Casmurro e os Discos Voadores”, de Machado de Assis e Lúcio Manfredi; “A Escrava Isaura e o Vampiro”, de Bernardo Guimarães e Jovane Nunes e “Senhora, a Bruxa”, de José de Alencar e Angélica Lopes.
  34. Sobre a relação entre domínio público e o ofício dos escritores, ver THOMPSON, Bill. The Public Domain and the Creative Author. Intellectual Property – The Many Faces of the Public Domain. Cheltenham: 2007.
  35. Conforme esclarece em determinados trechos matéria jornalística: “[e] aqui chegamos às origens do ‘Freud em português’: o prestígio da Psicanálise inglesa entre nós, e a própria qualidade da Standard, levaram à decisão de a traduzir para a nossa língua, em vez de o fazer do original alemão. Hoje isso soa quase absurdo, mas na época pareceu uma opção aceitável, e de fato muitos brasileiros aprenderam Psicanálise nas páginas da Edição Standard Brasileira. Ocorre que ela foi realizada com critérios pouco científicos, sem preocupação com o vocabulário técnico, e apresenta inúmeros erros de compreensão do próprio inglês. Os analistas que se encarregaram do trabalho tinham boa vontade, mas não talento literário, e produziram um texto pesado, deselegante, nos antípodas do estilo de Freud. Na década de oitenta, esses problemas começaram a ser percebidos. A Editora Imago buscou remediá-los emendando as passagens mais problemáticas; o esforço, porém, não valeu a pena, e logo se tornou patente que o melhor era substituir o texto por uma tradução correta a partir do original alemão. Depois de muitas idas e vindas, a casa carioca contratou o analista e professor de alemão Luiz Alberto Hanns para coordenar o empreendimento; desde 2006, sua equipe já publicou três volumes, e no momento prepara um quarto. Nos anos noventa, o germanista Paulo César Souza, que com a analista paulistana Marilene Carone fora dos primeiros a chamar a atenção para os equívocos da Standard Brasileira, traduziu alguns textos que circularam intramuros, em publicações da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Isso porque só em 2009 a obra de Freud cairia em domínio público: até lá, os direitos autorais pertenciam à Imago. Ora, a partir de janeiro de 2010 este obstáculo deixou de existir, e é por essa razão que estão sendo lançados os primeiros volumes de duas outras traduções: a da Companhia das Letras, a cargo de Paulo César Souza, e a da L&PM, por Renato Zwick. O leitor brasileiro passa assim a dispor não de uma, mas de três versões da obra de Freud. São projetos diferentes, que a meu ver se complementam. O da L&PM visa a apresentar o autor a um público mais amplo, inclusive pelo formato de bolso. É bem cuidada, trazendo prefácios específicos para cada livro de Freud – os dois que acabam de vir à luz, O Futuro de uma Ilusão e O Mal-Estar na Cultura, são apresentados respectivamente por Renata Udler Cromberg e Márcio Seligman-Silva – e um útil “ensaio bibliográfico” assinado pelos psicanalistas Paulo Endo e Edson Souza. Creio que se destina a estudantes de graduação, e a leitores que, sem se preocupar com as sutilezas do texto freudiano, desejam apenas saber o que o mestre diz sobre tal ou qual assunto”. Disponível em http://www.lpm-editores.com.br/site/default.asp?TroncoID=805133&SecaoID=816261&SubsecaoID=935305&Template=../artigosnoticias/user_exibir.asp&ID=929035. Acesso em 02 de abril de 2010.
  36. Disponível em http://www.travessa.com.br/Busca.aspx?d=1&cta=1&tq=o%20alquimista. Acesso em 02 de abril de 2010. Ainda assim, é importante mencionar que Paulo Coelho vem consistentemente defendendo a cópia privada de seus livros na internet (ver, entre outros, http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u709561.shtml, acesso em 02 de abril de 2010), de modo que é fácil encontrar seus textos (quase sempre na íntegra) disponíveis para download.
  37. Conforme informação do website http://www.travessa.com.br/Busca.aspx?d=1&cta=1&tq=dom%20casmurro. Consulta em 31 de outubro de 2009. Os preços variavam de R$ 10,50 até R$ 43,95, a depender da qualidade da edição.