O Livro de Esopo/A formiga e a mosca
[Fl. 16-r.][P]om este poeta emxemplo, e diz que a mosca achou hũa[1] formigua, e conpeçou[2]-ha a desonrrar de maas palauras, dizendo:
— Tu, formiga mizquinha, ssempre moras nas couas da terra, e eu moro[3] nas nobres moradas omde me praz; tu nom comes ssenom trijguo, e eu como uiandas nobres, e como nas mesas dos rreis e dos senhores; tu bebes augua na terra, e eu bebo com taças e copas d’ouro preçiosas; tu andas com os pees na lama, e eu amdo pellos rrostros dos rreys e dos senhores, e como e bebo na camara dos rreys e dos ssenhores: e rreynhas e domzellas nom sse podem de mym defemder, pero que, quando he meu talante, no sseu rrostro alimpo[4] os meus pees. Mas como ja te disse, tu es estrosa cousa: pero guarda-te de my d’aqui adiante em[5] nom participar comiguo.
A formigua escuytou muy bem, e depois que a mosca disse sseu sermom, lhe rrespondeo com palauras escatimosas e disse:
— Tu, mosca uelha, ca me dizes que eu moro nas couas da terra, assy he uerdade como tu dizes: mais eu te diguo que as tuas velhacas allas numca ham rrepouso; e eu me comtento de pouco trijgo, e tu nom te comtentas de muitas[6] cousas; ha[7] minha pequena coua sse alegra comiguo, mas as casas dos rreis e ssenhores sse anojam /[Fl. 16-v.] comtiguo; eu me comtento mays do meu grão que tu nom te comtentas das rriquezas dos rreis; e o trijguo que eu como, guanço-o per meu trabalho, e tu furtas o que comes; eu como o meu trijguo em paz, tu comes o teu com temor; eu como o meu trijguo limpamente, e tu comes o teu lixosamente; eu nom faço nojo a nhũa persoa, mais toda jemte sse anoja comtiguo; da minha viuemda todos tomam boo emxemplo, e tu dás de ty enxemplo lixosso e maao; tu deseias viuer per[8] comer, e eu deseio comer por[9] viuer; nhũa persoa nom dá a mym molesta, mas toda gemte te lamça de ssy com nojo que de ty ham; tu cuidas ssenpre no comer, e por ello perdes a uida, e quando cuydas beber boo uinho, bebes a peçonha e a morte, e sse as tuas aas nom ssom bem prestes pera fugir quando o abanador te dá, leixas-te cayr morta, e sse per auentura scapas o uerãao, do jmverno nom podes escapar que nom mouras. E por tanto está muda, astrosa fedemte, ca te nom compre muyto fallar.
Per este emxemplo este poeta nos dá ensinamento que nos guardemos de dizer palauras enjuriosas a nhũa persoa, porque sse o homem diz a alguem palauras enjuriosas, comvem que palauras enjuriosas rreçeba; e as palauras emjuriosas fazem o homem mudar do boo emtemdimento; /[Fl. 17-r.] e das maas palauras proçedem mortes d’omẽes, e das maas palauras proçedem arroidos, batalhas e outros muytos males.