O Livro de Esopo/O lobo, o bode e a raposa
[Fl. 23-r.][P]om este poeta emxemplo, e diz que hũu lobo furtou hũu bode e leuou-ho a hũu gram ssiluado e aly o comia a sseu gram ssabor. E a rraposa, que tudo esto muy bem vio, foi-sse pera elle e ssaudou-ho e disse:
— Deus[1] te mamtenha, meu compadre! Gram tempo faz que eu nom vos vy! Prazer-m’-ia de me rrazoar e ffalar hũu pouco comvosco cousas que me muyto comprem.
Ho lobo lhe rrespomdeo:
— Tu, ffalssa comadre, me cuydas d’enganar com tuas doçes palauras, por comeres comiguo d’este cabram muy ssaborido! Por çerto d’esta uez tu nom me emguanarás!
A rraposa, veendo que o nom podia emganar, ffoy-sse ao que guardaua o gaado, e acusou o lobo, dizemdo aquelle lugar onde[2] acharia o lobo que lhe ffurtára o bode e lh’o jazia hi comendo. Ho guardador do gaado ffoy e achou o lobo no sylluado, assy como a rraposa lhe dissera, e matou-ho.
A rraposa foy pera comer a carne do cabrom que ficaua do lobo, e ho pastor a matou.
E per esta guysa morreo o lobo e a rraposa.
Este poeta, queremdo-nos amaestrar, pom este emxemplo ssuso dicto, e diz que nós [nom][3] deuemos viuer de rrapina, porque aquell que de rrapina viue, muytas vezes lhe aconteçe que perde o corpo. Diz ajmda que muytos perdem o corpo pollo dapno /[Fl. 23-v.] d’outrem. Diz ajmda mays, que ho homem que ffaz furto he perdido, e pello comtrayro aquell que per sseu trabalho uyue he ssaluo, porque per nosso trabalho mandou Deus[4] que viuessemos, e ssaluariamos nossas almas.