Quanto gratas me são as tuas letras
Quanto gratas me são as tuas letras,
Querida Alzira! Ao coração me fallas!
As tuas expressões meigas occultam
Em si virtude tal, que apenas lidas
D′ellas a alma se apossa sequiosa:
Tu és, prezada amiga, unico archivo
Aonde os meus segredos mais occultos
Eu vou depositar: em ti encontro
O refrigerio a males, que tolero,
Sem poder conhecer a sua origem.
Se bem me lembro, outr′ora de ti mesma
Ouvi eguaes queixumes, não sabendo
Nem eu, nem tu, d′onde elles procediam.
Uniu-te a sorte a Alcino, e venturosa
Sempre te ouvi chamar desde esse tempo.
Cessaram os teus males, eu os sinto...
A edade é (dizes tu) a causa d′elles;
Ah! Que extranha linguagem! Não concebo
Porque fallas assim; pois traz a edade
Males, nos tenros annos não provados?
Tres lustres conto apenas: tu tres lustros
Antes de te esposar tambem contavas;
Poz o consorcio a teus lamentos termo,
Limitará os meus? Ah! dize, dize
Tu, que desassocego egual soffreste,
O seu motivo, e como o apaziguaste;
Revela á tua amiga este mysterio
D′onde sinto perder o meu repouso.
Eu não exp′rimentava o que exp′rimento:
Os meus sentidos todos alterados
Uma viva emoção põe em desordem.
Cala-me activo fogo nas entranhas:
O coração no peito turbulento
Pula, bate, com ancia extranhamente:
O sangue, pelas veias abrazado
Parece que me queima as carnes todas:
A taes agitações languidez terna
Succede, que a meus olhos pranto arranca,
E o coração desassombrar parece
Do pezo da voraz melancholia.
Té mesmo a natureza tem mudado
A configuração, que eu d′antes tinha:
Vão-se augmentando os peitos, e tomando
Uma redonda fórma, como aquelles
Que servem de nutrir-nos lá na infancia.
D ′outros signaes o corpo se matiza
Antes desconhecidos: alvos membros,
Lisos té′qui, macúla um brando pello,
Como o buço ao mancebo, á ave a penugem.
Sobresalta-me d′homens a presença,
Elles, a quem té agora indifferente
Tenho com affouteza sempre olhado!
Ao vêl-os o rubor me sobe ao rosto,
A voz me treme, e articular não posso
Sons, que emperrada a lingua não exprime.
Sinto desejos, que expressar me custa;
Amor... E como a idéa tal me arrojo?
Será talvez amor isto que eu sinto?
Já tenho lido effeitos de seus damnos;
Mas esses, que o seu jugo supportaram,,
Tinham com quem seu pezo repartissem,
Tinham a quem chamavam doce objecto.
Quem a seu mal remedio suggerisse,
Isto era amor; mas eu amor não sinto:
A doce inclinação, que dous amantes
Um ao outro consagram, desconheço.
Sim: dos homens a vista lisonjeira
É para mim; nenhum porém me prende;
Não sei se chamma interna me affogueia...
Amor isto será? Alzira, falla,
Falla com candidez á tua amiga;
Ensina-me a curar a funda chaga,
Que internamente lavra por mim toda.
D′estas agitações, que me flagellam,
Mostra-me a causa, mostra-me o remedio:
Tu tiveste-as tambem, já não te avexam.
Mostra-me por que modo as terminaste.
Talvez do que te digo farás mofa...
Ah! vê que por meus labios a innocencia
Comtigo é quem se exprime; tem dó d′ella,
E se os meus sentimentos são culpaveis,
Dize-m′o, que abafados em meu peito
Serei victima d′elles; se extinguil-os
Os meus esforços todos não poderem,
Comigo hão de morrer, findar comigo.