Anais da Ilha Terceira/IV/Documentos

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Documento S: Representação da Câmara a el-rei D. Pedro, dando-lhe parte de se achar aclamado nesta ilha e pedindo-lhe socorros.[editar]

Senhor: A Câmara da mui nobre e sempre leal cidade de Angra da ilha Terceira desejando encontrar a momento de poder dirigir aos pés do eminente trono de Vossa Majestade Imperial os puros votos da mais decidida fidelidade à soberana pessoa de Vossa Majestade Imperial. aproveita a presente ocasião para cumprir este importante dever.

Debalde, Augusto Senhor, uma facção rebelde, perjura aos relevantes benefícios de Vossa Majestade Imperial conseguiu com a protecção do ex-Capitão-General Manuel Vieira de Albuquerque Touvar aclamar insidiosa e tumultuariamente nesta ilha, rei dos portugueses, o Sereníssimo Sr. Infante D. Miguel, no dia 18 de Maio do presente ano: debalde o mesmo general pôs em prática todos os meios de aprovação para agrilhoar os fiéis e gratos cidadãos, porque estes animados de um verdadeiro patriotismo, e apoiados pela força do benemérito Batalhão de Caçadores n.º 5, arrostando todos os perigos, lançaram por terra, no sempre fausto dia 22 de Junho, aquela perjura facção, restaurando os preciosos e inauferíveis direitos do melhor dos Monarcas, Vossa Majestade Imperial; protestando de novo derramar seu sangue em defesa da legitimidade; e sendo esta Câmara então chamada pela nenhuma confiança da que existia no acto da insidiosa aclamação, todos os nossos desvelos se tem encaminhado a sustentar a todo o custo, e mesmo ao de nossas próprias vidas, se necessário for, a legítima autoridade de Vossa Majestade Imperial um partido não pequeno, que não há sido possível destruir-se, tem assaz desassossegado este país, e posto em contingência a importante obra em que nos empenhamos; porém os esforços que a fidelidade nos inspira, e com que a justiça da causa nos reanima, tem felizmente prevalecido aos infames projectos de rebelião; e confiados na Divina Providência que havemos de obter sobre a facção usurpadora a mais completa vitória. Digne-se Vossa Majestade Imperial aceitar benignamente nossos sinceros votos, e tomar esta ilha debaixo de sua poderosa e imediata protecção, concedendo-nos alguns socorros, principalmente navais, que possam pôr-nos a salvo das hostilidades que do malfadado Portugal se nos podem dirigir, e de que talvez sejamos brevemente acometidos. Os Angrenses, Senhor, não reconhecerão jamais por seu Soberano outros, que não sejam Vossa Majestade Imperial e sua augusta descendência, e nesta firme resolução não duvidam que a paternal providência de Vossa Majestade Imperial os há-de socorrer, e amparar. A preciosíssima vida de Vossa Majestade Imperial Deus conserve por felizes e dilatados anos para ventura e glória dos seus fiéis súbditos.

Câmara de Angra, em 8 de Setembro de 1828. Alexandre Martins Pamplona Corte Real, Francisco de Meneses Lemos e Carvalho, José Maria de Carvalhal, José Maria da Silva e Carvalho.

Documento T: Ofício da Junta Provisória ao comandante da fragata Isabel.[editar]

Sentindo que o estado de saúde de V. Ex.aa não permitisse o poder desembarcar, como esperávamos, pelo seu ofício datado de ontem, sendo-nos por isso privada a conferência que nos convinha ter com V. Ex.a relativa aos negócios desta ilha, tendente à manutenção dos direitos do Sr. D. Pedro IV, cumpre-nos dizer a V. Ex.a que é de absoluta necessidade, que o Sr. brigadeiro Deocleciano Leão Cabreira desembarque nesta ilha para tomar o comando desta Capitania dos Açores, como se acha destinado pelos Ex.mo Sr. Marquês de Palmela, e Visconde de Itabayana, ficando ao seu arbítrio a escolha de quatro ou cinco oficiais dos que se acham a bordo dessa fragata que tenham mais conhecimento de engenharia e artilharia…

Documento U: Cópia da ordem do dia 5 de Outubro de 1828 em que se acham transcritas as correspondências oficiais a respeito dos acontecimentos que tiveram lugar no dia 4 do dito mês e ano.[editar]

É tão grande a satisfação de S. Ex. o Sr. general das armas desta capitania que ele não pode um só momento retardar-se em fazê-la publicar, pelos felizes sucessos acontecidos no dia de ontem,, 4 do corrente pelas 5 horas da tarde, no Pico Velho, a três quartos de légua distantes da Vila da Praia, de onde se achava a sempre leal tropa do 5.º Batalhão de Caçadores, guarnecida de duas peças de artilharia, e os senhores oficiais de diferentes corpos, debaixo do comando do tenente-coronel o Sr. José António da Silva Torres, com o maior denodo, bateram os rebeldes inimigos da legitimidade do melhor dos monarcas o Sr. D. Pedro IV cujos inimigos, a bem da sua rebeldia, são abandonados de um Deus que sempre ou cedo ou tarde castiga os crimes, pois que sendo tão grande o número destes inimigos são vencidos, mortos e dispersados por um tão pequeno número de cristãos fiéis. S. Ex. publica hoje mesmo na sua avançada idade, cansado e ferido pelos combates a que teve a honra de assistir no Rossilhão e Guerra Peninsular, sentir neste momento tornar-se juventude e constância com que naquele tempo soube combater contra os inimigos de sua cara pátria: invejando o comportamento brioso destes soldados, a quem muito elogia, e agradece os serviços feitos ao nosso legítimo monarca os quais lhe fará presente em ocasião oportuna. Não se satisfaz S. Ex., em fazer pública a sua satisfação, quer também que nesta ordem se transcreva a carta oficial, que lhe foi entregue esta noite, pelas três horas, pelo leal juiz por bem da lei na vila da Praia, que é do teor seguinte: Il.mo, e Ex.mo Sr. — Tenho a honra de levar ao conhecimento de V. Ex.a, que perto das 5 horas da tarde encontrei os rebeldes no Pico Velho, três quartos de légua distantes da vila da Praia, ocupando três fortes posições. Foram logo atacados em cinco minutos; depois de verificada a sua retirada em perfeita debandada na direcção, segundo me consta, dos Biscoitos, pela estrada de Vila Nova. Constando-me que o Almeida e o Moniz embarcaram na direcção do Porto Judeu. É do meu dever dizer a V. Ex.a que é inexplicável o bom comportamento, e bravura de todos os indivíduos debaixo do meu comando. Os rebeldes deixaram sobre o campo alguns mortos, e até mesmo dentro de casa de onde fizeram fogo contra. Ao romper do dia entrei na vila da Praia, onde descansei algumas horas, e depois verifiquei a minha contramarcha pelos sítios que julguei mais convenientes. Mais se me reuniram o alferes Guedes, e Vilares assim como vinte e tantos soldados, que os rebeldes deixaram abandonados na vila da Praia. O portador deste é o Sr. juiz pela ord. da dita vila, que pode dar a V. Ex.a muitos esclarecimentos, que eu por falta de tempo deixo de referir neste oficio. Na tropa do meu comando não houveram feridos, nem mortos ou extraviados. Deus guarde a V. Ex.a — Quartel no campo junto da vila da Praia, 4 de Outubro de 1828, às 10 horas da noite. Il.mo e Ex. Sr. Deocleciano Leão Cabreira. — José António da Silva Torres, coronel de cavalaria. — P. S. Nas posições apareceram mais de dois mil homens e, segundo me dizem, existia o duplo reunido na vila da Praia.

Documento V: Cópia do auto porque foi mutilada do livro da Câmara da Praia a aclamação do infante D. Miguel I, Rei de Portugal (Livro das Vereações, folha 28).[editar]

Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1828, aos cinco dias do mês de Outubro do dito ano, sendo nesta Vila da Praia, ilha Terceira, e casas da Câmara dela, onde se reuniram o juiz vereador, e mais vereadores, com outros oficiais na mesma abaixo assinados, em consequência de ser mandada convocar a referida Câmara pelo coronel José A. da Silva Torres, comandante da tropa armada, que se achava nesta vila no mesmo dia cinco do corrente mês, que defendia os direitos d’el-rei o Sr. D. Pedro IV, e que tinha vindo bater contra outra força armada, que aclamara rei o Sr. infante D. Miguel; e pela tropa do dito coronel Torres vencer aquela outra força armada, foi no mesmo dia 5 mandado a esta Câmara o alferes do Batalhão n.º 5 °, Luís Vilares de Andrade, por ordem de S. Ex. arrancar o auto da vereação, e tudo quanto mais se seguiu nela desde o dia 3 até o dia 5; e por esta Câmara não ter meios alguns para se poder defender da força que se lhe apresentava deixou extirpar o referido auto de vereação do presente livro sendo tudo ordenado vocalmente pelo dito alferes; e que a mesma força não marchava sem levar as folhas do mencionado livro, que continham o dito auto por ordem que tinha de S. Ex.; e por isso se acha o presente livro extirpado de folha 24 a folha 28; e pelo dito alferes as levar assinou com a mesma Câmara, e comigo Francisco Inácio Ferras, escrivão do judicial e tabelião de notas que o escrevi por se achar ausente o respectivo escrivão. Ramalho, Ribeiro, Fonseca, Mendes. Luís Vilares de Andrade, alferes do 5.º de Caçadores.

Documento X: Decreto da Junta Provisória declarando ser a Terceira o único ponto aonde se sustentavam os direitos d’el-rei D. Pedro IV.[editar]

A junta Provisória encarregada de manter a legítima autoridade d’el-rei o Sr. D. Pedro IV, tendo em vista a ocupação da sede do reino de Portugal, e que não existe em território algum da Europa, e do mar Atlântico outro governo português: declara e determina, em nome do mesmo Augusto Senhor que esta cidade de Angra é a sede do governo dos portugueses, legitimamente autorizado, para sustentar os direitos do Sr. D. Pedro IV e da Senhora D. Maria II, e que assim deve ser contemplado, enquanto se não estabelecer em Portugal o legítimo governo do mesmo Augusto Senhor. As autoridades a quem competir assim o tenham entendido, cumpram, e façam executar, e o Secretário dos Negócios Interinos faça dirigir cópia deste decreto às mais secretarias, e autoridades, na forma do estilo. — Angra 28 de Outubro de 1828.

— Deocleciano Leão Cabreira; — José António da Silva Torres; — Referendado; Alexandre Martins Pamplona.

Documento Y: Títulos da cidade de Angra[editar]

Tendo sido esta cidade condecorada com o título de — Muito nobre e sempre leal cidade de Angra — pelos feitos heróicos praticados por seus fiéis habitantes na restauração de Portugal em 1641, e tendo outrossim estas ilhas sido declaradas adjacentes ao reino de Portugal por alvará de 26 de Fevereiro de 1771, e ultimamente contempladas como província do reino, §. 1.º, artigo 2.º, título 1.º da Carta Constitucional: há por bem esta Junta Provisória, encarregada de manter a legítima autoridade d’el-rei o Sr. D. Pedro IV, declarar em nome do mesmo Augusto Senhor, que todas as nove ilhas dos Açores são uma só e única província do reino, e que esta cidade de Angra é a capital da província dos Açores. As autoridades a quem competir assim o tenham entendido, cumpram e façam executar: e o Secretário dos Negócios Interinos faça dirigir cópia deste decreto às estações competentes e autoridades na forma do estilo. — Angra, 28 de Outubro de 1828. — Deocleciano Leão Cabreira. — João José na Cunha Ferraz. — José António da Silva Torres. — Referendado; Alexandre Martins Pamplona.

Documento Z: Carta do marquês de Palmela ao general Deocleciano Leão Cabreira, presidente da Junta Provisória.[editar]

Il.mo e Ex.mo Sr.:

Apresso-me a expedir a chalupa inglesa Steif, a fim de assegurar a V. Ex.aa, para o fazer presente aos senhores do governo, que estou conjuntamente com o senhor ministro do Brasil nesta Corte, fazendo os maiores esforços para lhes enviar quanto antes a tropa, e mais socorros de que necessitam, e espero que os ditos socorros possam sair de Falmouth dentro de 8 dias ao mais tardar: entretanto estou persuadido, de que V. Ex.aa e a brava guarnição do seu comando farão, no caso de serem atacados, aquela defesa que se deve esperar de gente tão leal e tão briosa, lembrando-se da importância de que será para a causa da Senhora D. Maria II, a conservação da ilha Terceira: e que no caso de não poderem obstar a um desembarque de forças superiores, terem toda a cautela de se fornecerem com munições e provimentos suficientes na fortaleza de S. João Baptista, para sustentarem um longo assédio, e dar tempo a que se expeçam os socorros, o que foi absolutamente impossível enviar com maior prontidão.

Aproveito esta ocasião para lhe remeter as duas cartas juntas do secretário do governo dessa ilha, em cuja continuação da viagem até o Rio de Janeiro, me pareceu desnecessária, depios de se haver efectuado o total abdicação do Senhor D. Pedro IV; da remessa de cujos ofícios eu mesmo me encarrego.

Deus guarde a V. Ex.a — Londres, 31 de Outubro de 1828.

Il.mo e Ex.mo Sr. Deocleciano Leão Cabreira. — Assinado: Marquês de Palmela.

Documento AA: **[editar]

O documento a que se refere a letra supra não foi entregue pelo autor.

(Francisco Ferreira Drumond havia falecido a 11 de Fevereiro de 1858 – nota do editor).


Documento BB: Ofício do marquês de Palmela ao Comandante do Batalhão de Caçadores n.º 5, enviando a bandeira que Sua Majestade havia bordado por suas próprias mãos.[editar]

Sua Majestade a Rainha, minha senhora, tendo na mais alta consideração os importantes serviços que há feito o Batalhão de Caçadores n.º 5, de que V. Mercê é digno comandante, portando-se com o brio e denodo, que desde longo tempo o caracterizam e dando o mais nobre exemplo de fidelidade à legítima soberana, quando desgraçadamente uma parte da força armada seguiu o partido da rebelião: Foi servida dar ao dito corpo o mais raro testemunho do grande apreço que faz de tão assinalados serviços enviando-lhe uma bandeira, em cuja bordadura trabalhou com suas próprias e régias mãos: Dom singularíssimo e nunca feito até agora. Sua Majestade espera que V. Mercê faça conhecer ao valente Batalhão de Caçadores n.º 5 que a mesma Augusta Senhora lhe faz a maior honra que pode fazer-se, e que esta bandeira, monumento da Régia Munificência, e do mérito sobre que ela se empregou, deve servir de incentivo para continuar em seu digno porte, seguindo, como até agora, a vereda da honra e do dever. O que de ordem de Sua Majestade comunico a V. Mercê para sua inteligência e satisfação e para que seja pública aos oficiais, oficiais inferiores, cabos, anspeçadas e soldados do Batalhão de Caçadores n.º 5.

— Deus guarde V. Mercê.

— Londres, em 24 de Abril de 1829. — Assinado: Marquês de Palmela.

Documento CC: Carta Régia porque se houveram por acabadas as funções da Junta Provisória e foi nomeado o conde de Vila Flor Capitão-General destas ilhas dos Açores.[editar]

Presidente e mais membros da Junta Provisória do Governo da Ilha Terceira:

Eu a Rainha vos envio muito saudar como àqueles que prezo. Sendo conveniente reunir em uma só pessoa o governo e administração dessa ilha, e das mais dos Açores cujos habitantes forem reconhecendo a minha legítima autoridade, para assim dar todas as providências, que as actuais extraordinárias circunstâncias o exigirem para bem do meu real serviço, com aquela energia e rapidez sem a qual as mais acertadas se malogram: Hei por bem dar por acabadas as funções dessa benemérita Junta, nomeando, como tenho nomeado, ao conde de Vila Flor, par do reino e marechal de campo dos meus reais exércitos, para Governador e Capitão General das mesmas ilhas. E por esta ocasião sou servida declarar-vos que terei sempre mui presentes em minha real consideração os relevantes serviços, acrisolada lealdade e constância admirável com que os distintos membros dessa Junta se houveram em tão críticas e singulares circunstâncias, para os remunerar, distinguir e honrar como merecem. Aos públicos empregados que têm servido sob as vossas ordens contemplarei também, segundo o seu zelo e merecimento, e ao Governador e Capitão-General que faça subir à minha real presença a relação dos seus nomes, empregos e serviços para os remunerar. O que me parece participar-vos para vossa inteligência e devida execução. — Escrita no Palácio de Laleham aos 5 de Abril de 1829. — Assinada Rainha, com guarda.

Para a Junta Provisória do Governo da Ilha Terceira. — Marquês de Palmela.

Documento DD: Proclamação do conde aos habitantes da Terceira na ocasião que apareceu a esquadra, recomendando-lhes tranquilidade.[editar]

Habitantes da ilha Terceira:

Alguns navios que aparecem no mar reunidos, parecem pertencer ao usurpador da coroa portuguesa, e vem talvez com o fim de ameaçar um desembarque nesta ilha, que tem permanecido fiel ao dever sagrado de obedecer à sua legítima Soberana. A mim, povos desta ilha, a mim somente pertence dar as precisas providências para a vossa defesa à briosa e leal guarnição militar, cujo comando me foi confiado por Sua Majestade: cumpre unicamente defender-vos, eu velarei incessantemente na vossa segurança, e os oficiais e soldados desta guarnição saberão fazer arrepender os desleais, de um ataque temerário se eles, contra o que espero, ousarem fazê-lo.

Povos! Dirijo-me a vós, para em nome da nossa legítima Rainha vos lembrar, que é vosso dever e interesse conservar-vos no mais pleno sossego, cerrar os ouvidos a toda a voz sediciosa, a todo o infame grito que tende a aterrar-vos, na certeza de que da vossa conduta dependerá, se assim o cumprirdes, o gozo dos favores que a nossa generosa Soberana derramará um dia sobre o país que serviu de baluarte à fidelidade: e que com aqueles que de tal dever se apartem, tão severo e tão inexorável como a rigorosa lei, eu obrarei de maneira que seu exemplar castigo sirva para sempre de escarmento aos atrevidos que ousam postergar o dever de súbditos e renunciar a religião sagrada do juramento.

Povos desta ilha, cidadãos de todas as classes, tranquilidade completa, inteira submissão às ordens das autoridades e nenhum receio de uma força, que quando se atreva a obrar será sem fruto; é este o proceder que o vosso Governador vos recomenda, e que a pátria e a nossa Rainha de vós espera.

Palácio do Governo em Angra, em 30 de Julho de 1829. — Conde de Vila Flor.

Documento EE: Proclamação do conde de Vila Flor às tropas invasoras.[editar]

Soldados arrastados pelo crime à desgraça pelo mais malvado engano, a que vindes a estas praias? Encontrar nelas a desonra e a morte! Vós sois os mesmos que eu comandei em Alegrete, em Coruche e nas Pontes do Prado e da Barca, Vós sois os mesmos que defendesteis ali com tanta glória o trono legítimo do Sr. D. Pedro IV e da Senhora D. Maria II, contra esses infames que agora vos comandam.

A nossa adorada Rainha me mandou a esta ilha comandar os vossos antigos Camaradas; eu estou nela, soldados, e escuso dizer-vos que a defenderei de todo o ataque, que as minhas forças em número muito superior às dos rebeldes lhes não podem deixar a menor esperança de vitória; mas custa-me ver-vos enganados, e ver derramar o vosso sangue.

Soldados, voltai essas armas contra o usurpador e seus aderentes e não contra a vossa legítima Rainha; as suas graças para o futuro, e as do poderoso Imperador seu augusto pai, serão a vossa recompensa, e desde já unindo-vos a nós, em vez de andardes como degradados pelos mares, sofrendo violências, calamidades e misérias, tereis a abundância, a paga pronta, o serviço regular, e mais que tudo trocareis o nome e a vergonha de rebeldes pelo título de heróicos defensores do trono e da pátria.

Palácio do Governo em Angra, em 11 de Agosto de 1829. — Conde de Vila Flor.

Documento FF: Proclamação do conde de Vila Flor ao habitantes da ilha Terceira, depois da vitória do dia 11 de Agosto de 1829.[editar]

Quando a esquadra do usurpador, respirando sangue e vingança, apareceu ameaçando a vossa ilha, eu vos recomendei o sossego e a confiança em mim e na leal guarnição que vos defende e vos prometi o castigo dos inimigos do legítimo trono, e da liberdade da pátria, se eles se atrevessem a acometer este glorioso baluarte da fidelidade. Vós habitantes leais desta ilha, observastes fieis o que vos indiquei, e com seu valor inabalável, as tropas leais, que comando me fizeram cumprir a minha promessa.

O inimigo deixou cobertas de cadáveres, dos seus, as vossas praias, que queria inundar de vosso sangue; as ordens sanguinárias que teriam contra a vossa guarnição, e contra os povos fieis desta ilha, a Providência (que malogrará sempre os esforços do crime) os volveu contra eles; mais de metade dos seus soldados, ou morreram pelo fogo ou pelas ondas, ou receberam de seus generosos vencedores aquele acolhimento que a religião e a humanidade determinam, mas que as ordens da tirania lhes tinham proibido dar aos seus defensores, e a nós mesmos, se fossemos vencidos. Se, depois da ruína experimentada, se atrevessem a voltar a estas praias, eu vo-lo prometo novamente, e a experiência acaba de mostrar-vos o valor desta promessa, a sua ruína será completa.

Povos da Terceira, habitantes deste ilustre Baluarte da fidelidade, da honra e da constância, continuai a viver na mais completa tranquilidade. Cooperai com os valorosos que vos defendem para acabar de por estas praias ao abrigo de todo o criminoso esforço de nossos adversários, e a vossa ilha terá a glória de ter sido o foco de onde partirá a liberdade, e a prosperidade da pátria.

Acampamento em S. Sebastião, aos 12 de Agosto de 1829. — Assinado: Conde do Vila Flor.

Documento GG: Extracto de um ofício do conde de Vila Flor ao marquês de Palmela.[editar]

.............................................................. Depois do dia 11 de Agosto a esquadra inimiga, que não tenho deixado de observar, se amarou consideravelmente, e reuniu à corveta que tinha deixado de observação defronte de Angra. Tem-se visto passar diferentes barcos na direcção de S. Jorge; não reputo provável um segundo ataque: 1.º porque o inimigo perdeu perto da metade da sua força, e nesta toda a de plena confiança; 2.º porque tem feridos, ou mortos os seus principais oficiais; e 3.º porque os navios receberam consideráveis avarias. Contudo estou pronto para os receber em qualquer ponto; e posso dizer a V. Ex.a que o faço agora com a quase certeza da vitória. Assinado: Conde de Vila Flor.

Documento HH: Carta do Imperador D. Pedro ao conde de Vila Flor, avisando-o de ter chegado à Europa, e agradecendo-lhe os serviços feitos à causa de sua Augusta Filha.[editar]

Meu caro conde e amigo:

Havendo eu em consequência de uma revolução de tropa e povo, a qual teve lugar no Império do Brasil, abdicado em meu filho, hoje D. Pedro II, a coroa que os Brasileiros me haviam espontaneamente oferecido, e eu defendi, enquanto a honra, e a Constituição do mesmo Império mo permitiam, resolvi passar à Europa; e assim o faço a bordo da fragata inglesa Lavolage. As forçosas circunstâncias de uma navegação de 47 dias me trouxeram à vista do porto da ilha do Faial, e aqui me chega a mui fausta notícia que V. Ex.a animado sempre dos puros sentimentos de fidelidade e amor para com a sua pátria, e à Augusta pessoa da senhora de Maria II, minha tão amada e prezada filha, acaba de fazer triunfar de novo a causa da justiça e da razão, suplantando o partido usurpador nas ilhas de S Jorge e Pico, arrancando-as pela virtude e coragem às garras da traição e do despotismo.

Esta acção liberal e nobre, engrandecerá (se é possível) a glória de V. Ex.a, quando a pena imparcial da história indicar aos povos livres o nome dos heróis seus defensores.

A rainha de Portugal, que partiu do Rio de Janeiro na mesma ocasião em que eu, faz agora viagem para o porto de Brest, na fragata La Seine que os delegados da nação francesa naquela Corte puseram à disposição da mesma augusta senhora para seu transposto àquele porto.

Como natural tutor de minha filha, como verdadeiro constitucional e antigo afeiçoado amigo de V. Ex.a; eu aproveito esta feliz ocasião para dar-lhe um testemunho do meu respeito por tanto valor e constância; e do meu agradecimento por tão heróicos e sustentados sentimentos de honra e fidelidade à soberana causa da liberdade legal: e em nome da rainha fidelíssima o autorizo a que faça constar a todos os bravos defensores de seus imprescritíveis direitos a alta consideração em que a mesma Augusta senhora terá estes relevantes serviços.

Eu posso assegurar a V. Ex.a e a todos os portugueses honrados, que incansável em promover na Europa os interesses de sua filha, o pai como simples particular, se votará de todo o coração, como o fez soberano, em favor da causa da legitimidade e da Constituição. Se me não couber o prazer de mostrar de outra sorte a V. Ex.a a minha satisfação e estima, sirva esta carta da mais autêntica prova da gratidão e amizade que V. Ex.a conservará enquanto viva.

— D. Pedro de Alcântara de Bragança e Bourbon. — Bordo da fragata Volage em 30 de Maio de 1831.

Documento II: Manifesto de D. Pedro, Duque de Bragança.[editar]

Chamado a suceder a meu augusto pai no trono de Portugal, como seu filho primogénito, pelas leis fundamentais da monarquia, mencionadas na carta de lei, e édito perpétuo de 1 de Novembro do 1823, fui formalmente reconhecido como rei de Portugal por todas as potências, e pela nação portuguesa, que me enviou à Corte do Rio de Janeiro uma deputação composta dos três diferentes estados, e desejando eu, ainda à custa dos maiores sacrifícios, assegurar a fortuna de meus leais súbditos de ambos os hemisférios; e não querendo que as relações de amizade recíprocas, tão felizmente estabelecidas entre os dois países pela independência de ambos, pudessem ser comprometidas, por uma reunião fortuita das duas coroas sobre uma mesma cabeça; decidi-me abdicar a coroa de Portugal em favor da minha muito amada e prezada filha D. Maria da Glória, que igualmente foi reconhecida por todas as potências, e pela nação portuguesa.

Ao tempo de concluir esta abdicação os meus deveres e os meus sentimentos a prol do país que me deu o nascimento e da nobre nação portuguesa, que me havia jurado fidelidade, induziram-me a seguir o exemplo do meu ilustre avô, o Senhor D. João IV, aproveitando o curto espaço de meu reinado, para restituir, como ele fizera, à nação portuguesa a posse de seus antigos foros e privilégios; cumprindo dessa maneira também as promessas de meu augusto pai de gloriosa memória anunciadas na sua proclamação de 31 de Maio de 1823, e na Carta de Lei de 4 de Junho de 1824. Com este fim promulguei a Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826, na qual se acha virtualmente revalidada a antiga forma do governo português, e constituição do Estado: e para que esta carta fosse realmente uma confirmação, e um seguimento de lei fundamental da Monarquia, garanti em primeiro lugar a protecção mais solene, e o mais profundo respeito à sacrossanta religião de nossos pais: confirmei a lei da sucessão com todas as cláusulas das Cortes, como outrora já se havia praticado nos reinados do Sr. D. Afonso V e D. João III: reconheci os dois princípios fundamentais do governo português, isto é que as leis só em Cortes se fariam, e que as imposições e administração da fazenda pública só nelas seriam discutidas, e jamais fora delas, e finalmente determinei que se juntasse em uma só Câmara os dois braços do clero e da nobreza, compostos dos grandes do reino, eclesiásticos e seculares, por ter mostrado a experiência os inconvenientes que resultavam da separada deliberação destes dois braços.

Acrescentei algumas outras providências, tendentes todas a firmar a independência da nação, a dignidade e a autoridade real e a liberdade e prosperidade dos povos. E desejoso de não aventurar estes dons aos riscos e inconvenientes de uma menoridade, julguei que o meio de os assegurar seria o de unir minha augusta filha a um príncipe português a quem naturalmente, pela conformidade da religião e nascimento, mais que a nenhum outro devia interessar a completa realização de tantos benefícios com que eu pretendi felicitar a nação portuguesa; persuadindo-me também que os bons exemplos do meu virtuoso parente, o monarca em cuja Corte residira, o tivessem tornado digno de avaliar a grande confiança que nele punha um irmão que dele fazia depender os destinos de sua muito amada filha.

Tal é a origem da escolha que fiz do infante D. Miguel: escolha funesta, que comigo tem deplorado tantas vítimas inocentes, e que marcaria uma das mais desastrosas épocas da história portuguesa. O infante D. Miguel, depois de me haver prestado juramento como seu natural soberano, e à Carta Constitucional, na qualidade de súbdito português; depois de haver de mim solicitado o cargo de regente do Reino de Portugal, Algarve e seus domínios que eu efectivamente lhe conferi com o título de meu lugar-tenente por decreto de 3 de Julho de 1827; depois de ter entrado no exercício de tão eminentes funções, prestado livre e voluntário juramento de manter a Carta Constitucional, tal qual tinha sido por mim dada à nação portuguesa, e de entregar a coroa à senhora D. Maria II, logo que tocasse a época da sua maioridade, arrojando-se a cometer um atentado sem exemplo pelas circunstâncias que o acompanharam.

Debaixo do pretexto de decidir uma questão, que nem de facto nem de direito, estava litigiosa, violando a Carta Constitucional que acabava de jurar, convocou os três Estados do Reino, da maneira mais ilegal e ilusória, abusando assim da autoridade que eu lhe havia confiado e atropelando o respeito devido a todos os soberanos da Europa, que haviam reconhecido como rainha de Portugal a senhora D. Maria II, fez decidir pelos supostos mandatários, que se achavam reunidos debaixo do seu poder e influência, que era a ele e não a mim que devia passar a coroa de Portugal quando faleceu o senhor D. João VI. E desta maneira usurpou o infante D. Miguel para si o trono cujo depósito eu lhe havia confiado.

As potências estrangeiras estigmatizaram este acto de rebelião fazendo imediatamente retirar os seus representantes da Corte de Lisboa, e os meus ministros plenipotenciários como imperador do Brasil nas cortes de Viena e Londres, fizeram os dois solenes protestos de 24 de Maio e 8 de Agosto de 1828 contra toda e qualquer violação de meus direitos hereditários, e dos de minha filha, — e contra a abolição das instituições espontaneamente outorgadas por mim, e legalmente estabelecidas em Portugal — contra a ilegítima e insidiosa convocação dos antigos Estados daquele reino, que tinham deixado de existir, já por efeito de uma diuturíssima prescrição, já em virtude das mencionadas instituições — e contra a precipitada decisão dos chamados três Estados do reino; e os argumentos em que a apoiaram, — nomeadamente contra a falsa interpretação de uma lei feita nas cortes de Lamego, e outra feita um 12 de Setembro de 1642 por el-rei D. João IV, a pedido dos três Estados, e em confirmação da mencionada lei das cortes gerais de Lamego.

Todos estes protestos foram selados com o sangue que quase quotidianamente têm vertido, desde então, tantos milhares de vítimas da mais acrisolada fidelidade: e na verdade, esta criminosa usurpação, colocando o príncipe que a perpetrou no caminho da ilegalidade e da violência, tem feito pesar sobre os desgraçados portugueses, um cúmulo de males superior a quantos jamais foram suportados.

Para sustentarem um governo que blasonava emanar da vontade nacional, foi preciso levantarem-se cadafalsos onde foram imolados um grande número daqueles, que tentaram resistir ao jugo atroz da usurpação; encheram-se do vítimas todas as prisões do reino, castigando-se por esta forma, não o crime, mas a lealdade e o respeito à fé jurada; inumeráveis inocentes vítimas foram enviadas para os horrorosos desertos de África, outros tem acabado sua existência em horríveis cárceres, à força de angústia, e de tormentos; e, finalmente, os países estrangeiros encheram-se de portugueses fugitivos da sua pátria, constrangidos a suportarem longe dela as amarguras de um não merecido desterro!

Por esta forma se desencadearam sobre o país em que eu nasci todos os horrores que pode excitar a perversidade humana! Oprimidos os povos pelos ultrajes que cometem as autoridades que os governam, manchadas as páginas da história portuguesa pelas afrontosas satisfações com que o frenético governo da usurpação se tem visto obrigado a expiar alguns actos de sua irreflectida atrocidade contra súbditos estrangeiros, em menoscabo de seus governos; interrompidas as relações diplomáticas e comerciais com a Europa inteira; em fim, a tirania manchando o trono; a miséria e a opressão sufocando os mais nobres sentimentos do povo! Eis o quadro lastimoso que apresenta Portugal há perto de quatro anos. O meu coraçãoaflito pela existência de tão horríveis males, consola-se, porém, reconhecendo a protecção visível que Deus, dispensador dos tronos, concede à nobre e justa causa que defendemos.

Ao contemplar, que apesar dos maiores obstáculos de todo o género, a lealdade pôde salvar na ilha Terceira (asilo e baluarte da liberdade portuguesa, já ilustrado em outras épocas da nossa história), os escassos meios com que seus nobres defensores não só têm conseguido desde ali ajuntar novamente ao domínio da minha augusta filha, as outras ilhas dos Açores, mas também reunir as forças com que hoje contamos, não posso deixar de reconhecer a protecção especial da Divina Providência.

Confiado no seu amparo, e havendo-me representado a regência actual em nome da Rainha Fidelíssima, por via de uma deputação que enviou à presença da mesma soberana e à minha, os vivos desejos que tinham os povos das ilhas dos Açores, e mais súbditos fieis daquela senhora, residentes nas sobreditas ilhas, de que tomando eu ostensivamente a parte que me cabe nos negócios de Sua Majestade, como chefe da Casa de Bragança, desse em tão grande crise as providências prontas e eficazes, que a circunstâncias imperiosamente reclamam: movido, finalmente, dos deveres que me impõe a lei fundamental de Portugal, resolvo-me a abandonar o repouso a que as minhas actuais circunstâncias me levariam; e deixando no continente os objectos que mais caros são ao meu coração, vou-me reunir aos portugueses, que à custa dos maiores sacrifícios se tem sustentado por seu heróico valor contra todos os esforços da usurpação. Depois de agradecer nas ilhas dos Açores aos indivíduos que compuseram a regência (que nomeei por estar ausente) o patriotismo com que desempenharam em circunstâncias tão dificultosas o seu encargo, reassumirei (pelos motivos que ficam ponderados) a autoridade que na mesma regência se achava depositada, a qual conservarei até que, estabelecido em Portugal o governo legítimo de minha augusta filha; deliberem as Cortes gerais de nação portuguesa (a cuja convocação imediatamente mandarei proceder) se convém que eu continue no exercício dos direitos, que se acham designados no artigo 92.º da Carta Constitucional; e resolvida que seja esta questão afirmativamente, prestarei o juramento exigido pela mesma Carta, para o exercício da regência permanente.

Será então que os portugueses oprimidos, verão chegar o termo dos males que há tanto tempo os flagelam: não deverão temer as reacções e as vinganças por parte de seus irmãos, que os vão resgatar: ao momento de os abraçarem, os que estiverem tanto tempo longe do solo pátrio deplorarão com eles os infortúnios porque têm passado, e prometerão sepultá-los em eterno esquecimento. Quanto aos desgraçados, cuja consciência culpável teme a ruína da usurpação de que foram os fautores, devem estar certos que, se a acção das leis os pode castigar com a perda dos direitos políticos, de que fizeram um tão vergonhoso abuso para desgraça de sua pátria, nenhum deles ficará privado, nem da sua vida, nem dos direitos civis, nem de suas propriedades (salvo o direito de terceiro), como o foram desgraçadamente tantos homens honrados, cujo crime era defender a lei do país.

Publicarei um decreto de amnistia, em que sejam marcados os limites deste indulto, declarando desde já que não será acolhida declaração alguma sobre acontecimentos ou opiniões passadas, evitando-se por meio de medidas oportunas que ninguém possa para o futuro ser inquietado por tais motivos.

Sobre estas bases ocupar-me-ei com o mais constante desvelo de outras muitas medidas não menos convenientes à honra, e ao bem-estar da nação portuguesa, sendo uma das primeiras o restabelecimento das relações políticas e comerciais que existiam entre Portugal e os demais Estados, respeitando religiosamente seus direitos, e evitando escrupulosamente todo e qualquer comprometimento em questões de política estrangeira, e que possam inquietar para o futuro as nações aliadas e vizinhas.

Portugal ganhará todas as vantagens que resultam da paz interna e da consideração dos estrangeiros: o crédito se restabelecerá pelo reconhecimento de todas as dívidas do Estado, quer nacionais quer estrangeiras, legalmente contraídas, e por isso se acharão meios para o seu pagamento, o que sem dúvida influirá sobre a prosperidade pública. Assegure àquela parte do exército português que, iludida, hoje sustenta a usurpação, que será por mim acolhida, se, renunciando a defesa da tirania, se unir espontaneamente ao exército libertador; exército que prestará sua força à sustentação das leis, e será o mais firme apoio do trono constitucional, e do bem-estar dos seus concidadãos: Igualmente assegure aos militares da segunda linha, que não tomaram parte na defesa da usurpação, que não serão incomodados, e imediatamente serão dispensados do serviço, a fim de poderem voltar ao seio do suas famílias, e aos seus trabalhos domésticos, de que há tanto tempo se acham separados.

Não duvidando, que estas minhas francas expressões penetrarão os corações dos portugueses honrados, amantes da pátria, e que eles não hesitarão em vir unir-se a mim, e aos leais e denodados compatriotas que me acompanham na heróica empresa da restauração do trono constitucional da Rainha Fidelíssima, minha Augusta filha; declaro que não vou levar a Portugal os horrores da guerra civil, mas sim a paz e a reconciliação, arvorando sobre os muros de Lisboa o estandarte real da mesma soberana, como o pedem as leis da eterna justiça, e os votos unânimes de todas as nações cultas do Universo.

— A bordo da fragata Rainha de Portugal, aos 12 de Fevereiro de 1832. — D. Pedro, Duque de Bragança.

Documento JJ: Carta régia porque foi nomeado governador do bispado o bacharel Bernardo do Canto, com poderes de o visitar e reformar.[editar]

Bernardo de Canto Machado de Faria e Maia, prior da igreja matriz de S Sebastião da cidade de Ponta Delgada: Eu, o duque de Bragança, regente em nome da Rainha, vos envio muito saudar. Sendo necessário dar pronto remédio aos graves males, que no Arquipélago dos Açores sofrem a religião, a disciplina eclesiástica e a moral pública, procedentes em parte da imoralidade e devassidão que as concussões políticas trazem ordinariamente consigo, no desenvolvimento das paixões, de ódio, vingança e quebra das leis divinas e humanas, e em parte da ausência e rebelião do bispo desta diocese, que esquecido de seus mais sagrados deveres procurou por todos os meios desviar o clero da sua obediência, assim como os mais súbditos da Rainha, da fidelidade que lhe devem, não havendo, além disto, neste bispado autoridade legalmente instituída, que possa regular todas as coisas que necessitam de provimento: e porque deferindo à justa representação do desembargador do paço João José da Cunha Ferraz, fui servido aposentá-lo exonerando-o do exercício dos empregos eclesiásticos que tinha no cabido e bispado: Hei por bem nomear-vos governador temporal e visitador geral deste bispado de Angra, para que em conformidade com as leis, e segundo as ordens que vos forem transmitidas, visiteis, reformeis e rejais as igrejas do clero secular e regular, e providencieis a todas as coisas como cumpre ao serviço de Deus e da Rainha, à utilidade e bem-estar dos povos, e melhoramentos de costumes. E por esta Secretaria de Estado dos Negócios Eclesiásticos e de Justiça, dareis parte de tudo quanto achardes e fizerdes, esperando eu do vosso zelo e moderação o desempenho da honrosa tarefa que vos incumbo, e que exercereis em quanto eu não houver de desonerar-vos dela. — Cumpriu assim. — Escrita em Ponta Delgada, aos 30 de Maio de 1832. — D. Pedro, Duque de Bragança. — José Xavier Mouzinho da Silveira. Lugar do selo. — Para Bernardo do Canto Machado de Faria e Maia.

Documento KK: Representação da Câmara da vila de S. Sebastião à regência sobre os vexames que sofriam os povos na arrecadação dos dízimos.[editar]

A Câmara de S. Sebastião tem a honra de levar ao alto conhecimento de V. M. uma exposição dos males que sofrem os povos da sua jurisdição, e de toda a ilha Terceira, e desde já concebe a esperança de uma providência geral, contra a arbitrariedade; e confia, que eles não ficarão no esquecimento, como até agora têm existido.

A falta de uma lei regulamentar, a respeito dos dízimos que se pagam dos animais, o tributo das pastagens, chamado da ervagem que pagam os lavradores, e os precários arrendamentos que se lhes fazem dos prédios vinculados, são de tempos mui antigos a causa da miséria dos povos. Repetidas queixas, feitas aos diferentes governos da terra sobre tais sofrimentos, chegariam com o feliz sucesso, mais de uma vez, ao trono, se alterações políticas não tivessem sepultado nas suas ruínas os seus autores. É pela terceira vez que esta Câmara representa sobre tais vexames; mas se ela viu até aqui malograr seus intentos pela distância do trono, e estado de coisas, talvez agora possa gloriar-se de que já não clama no deserto.

A carta régia da 16 de Fevereiro de 1474 que determinou a arrecadação dos tributos desta ilha, não trata do dízimo dos animais, nem do da ervagem; e só pela provisão de 13 de Janeiro de 1540 se determina que os proprietárias que arrendassem terras e cerrados de pasto, daqueles que fossem capazes de dar pão ou pastel, a trigo e a dinheiro, pagassem dízimo da renda que levassem, de onde se manifesta, que esse dízimo ervagem, não era até então conhecido nem se devia entender se não daqueles prédios nas referidas circunstâncias.

Abusaram com tudo os dizimeiros da simplicidade dos povos, e pretenderam ervagem de todos os pastos, fossem ou não capazes de produzir pão ou pastel, chegando a tanto, que tiveram contra si sentença, confirmada na Relação em 11 de Agosto de 1650, pela qual se deliberou se não pagasse dízimo das ervagens nem das terras que cada qual deixava de relva.

Isto apenas determinado, que logo os dizimeiros inventaram os dízimos dos animais a seu arbítrio, levando por cada um o que queriam, fazendo insuportável um jugo que só tivera origem na ambição deles, e estupidez do vulgo. Tais extorsões e violências não foram em silêncio, nem o podiam ser. Tratou-se a questão, e quando deviam estar pelo julgado, que respeitosamente oferecemos no documento a folhas 2 e 2 verso, continuou-se a cobrança dos dízimos dos animais como de antes; e por esta forma fizeram os dizimeiros desejar de dia em dia uma lei regulamentar, que desconhecida até ali, lhes devia pôr termo, conforme as sentenças no documento a folha 2 — e folha 2 verso —, as quais de tal maneira fixaram a arrecadação daqueles dízimos, quanto mesmo a quis terminar o corregedor da comarca, mandando-as registar nas câmaras de toda a ilha. Mas que execução tiveram elas? Aquela que ainda informa esta Câmara no documento a folha 3, e aparelharem-se agora os pobres criadores, para a próxima e arbitrária dizimada nos animais, que rouba todos os seus teres e os esfola. Muito mais poderia esta Câmara ajuntar sobre os abusos praticados a respeito do dízimo ervagens, e dizimada dos animais, se V. M. não tivesse profundos conhecimentos, para de um só golpe de vista conhecer a necessidade de uma pronta reforma.

Quanto aos aforamentos perpétuos dos terrenos vinculados, e a maneira de os enfitêuticar, V. M. conhece melhor o que convém a benefício do público e dos proprietários, e algumas reflexões que poderíamos fazer sobre os melhoramentos da agricultora nesta ilha, respeitosamente as sujeitamos a V. M. repetidas já pelos nossos predecessores e insertas no documento a folha 3.

Deus guarde a V. M. por muitos anos. — Vila de S. Sebastião, em Câmara, ao 1.º de Dezembro de 1830. — José Ferreira Drummond — Luiz Borges Ferreira — António Borges Godinho — António José Toste.

Documento LL: Segunda representação da Câmara da Vila de S. Sebastião em ampliação da que atrás fica copiada, e ambas dirigidas à Regência em nome da Rainha (Crónica da Terceira em 10 de Abril 1831).[editar]

Concluídas neste concelho, felizmente, as eleições das juntas paroquiais, é do nosso dever apresentar a V. M. os respectivos autos; e penetrados de todo o respeito implorar desculpa das imperfeições que neles se possam encontrar, e a real aprovação, tendo a certificar Igualmente, que esta nova instituição produziu neste julgado uma satisfação completa, vendo os povos, que eles, pela liberal destreza de V. M., surgiram do letargo em que, ab initio, e memória dos homens, jaziam degradados dos seus locais interesses e pessoais direitos.

Remetemos a V. M. o foral das ervagens, como nos foi ordenado na portaria de 7 de Dezembro corrente, como aquele em que esta Câmara fundava a sua representação no 1.º do dito mês. E tendo V. M. feito a especial graça de nos ouvir sobre a origem dos males que dissemos oprimem os povos desta ilha, influiu em nós uma esperança, não só de serem minorados aqueles, mas até outros que ainda não ressoaram nas abóbadas do trono, quando seus impetuosos efeitos varrem os ares e suplantam, não só os habitantes desta ilha, mas até os de Portugal. O silêncio guardado pelas outras corporações representantes, é verdade, confunde a Câmara da vila de S. Sebastião, que nesta extremidade vacila havendo de combater só esses robustos fundamentos, arreigados lá de séculos góticos e férrea idade, no centro da ignorância, do fanatismo e do erro; porém, animada pela alta sabedoria de V. M., vai ampliar a sua exposição primária, e vencer o pudor, que aliás a embaraçava.

A vista do foral da ervagem, que oferecemos a V. M., nada nos resta a expor, porque não compete a homens da nossa profissão interpretar as leis, e só ouvimos clamar — que os pastos que não produzem trigo, milho, ou junça, e os demais grãos, servindo só de alimento aos gados, maxime os que não produzem aqueles géneros, se deveriam excluir do dízimo, porque o gado que ali se nutre o paga, e a sisa quando vai ao açougue; e de cada vaca parida se pagam 40 reis anualmente, chamados — o dízimo do leite.

Que abuso senhora! O dízimo de uma vaca parida, o dízimo do bezerro que ela cria (e pela estimativa), o dízimo da erva que ela come; o dízimo da ovelha e da lã; o dízimo das cebolas, dos alhos, das abóboras e dos bogangos; o dízimo dos inhames plantados pelos regatos; e, finalmente, o dízimo das frutas e das madeiras.

Igualmente se faz digno da atenção de V. M. o dízimo do tremoço, que não servindo para exportação, é empregado no estrume das terras e sustentação dos gados do trabalho. Não é menos reparável nesta ilha o dízimo das galinhas e das mais aves domésticas, que são dizimadas pela estimação do seu valor, a arbítrio dos dizimeiros e conforme o flagelo que preside aos cadernos o protocolos das rapinas. E por conclusão chegaram a lembrar-se os dizimeiros que, de telha, se lhes devia o dízimo, passando a executar o réu que há pouco foi absolvido no supremo senado da relação. À vista de tais abusos emudece o ente civilizado, e apenas acredita houvesse outro Argel. Tais dízimos, de que o legislador não teve ideia, permita-nos V. M. esta reflexão, parece deveriam ser extintos, ou pagos por uma taxa certa, em certo tempo e lugar; ainda que para a sua cobrança precedessem informações, porque estão os cartórios cheios de execuções a pessoas que jamais tiveram essas coisas. Não seria menos útil, que nestas averiguações tivesse parte alguma das autoridades locais, e que sobre todas presidisse um fiscal.

Temos exposto alguns males que sofrem estes habitantes, ampliando aquela representação, sem que nos possa esquecer, que a base da felicidade primária seriam os arrendamentos perpétuos dos terrenos cultos. Agora passamos, suplicando a V. M. nova atenção, a expor outras necessidades que oprimem os demais habitantes. A religião do estado, tão precisa para sustentação do sistema das nações, e boa ordem da sociedade, ganharia muito quando nesta terra se provessem de curas de alma algumas capelas, onde pela grande distância das paróquias, os povos pagam a sacerdotes que lhes dizem missa. Tal há neste termo, a Ribeira Seca; no Porto Martins, Santa Margarida; na Praia, Santa Luzia; na Serra, Santa Rita; e na Vila Nova, Nossa Senhora de Ajuda. E se V. M. nos pergunta de onde sairão as prebendas? respondemos: que existindo já nessas capelas os ornamentes para a celebração dos sacrifícios, os padres andam pagos, e servindo, talvez com menos edificação, na Sé de Angra: como são: — 4 beneficiados desta vila e outros tantos de Santa Bárbara, e alguns da colegiada de Nossa Senhora da Conceição. Seria demasiado e pouco decente notarmos se aqueles fora da sua instituição e localidades, devem antes preencher o que carecem os povos, nas referidas capelas, ou ensinar o catecismo cristão e obediência às Leis a todos os que não sabem ler.

O povo do Raminho requereu um dia queria fazer um templo à sua custa, para não ir dali légua e meia ouvir missa. Permitia-nos V. M lembrar, haver nesta vila alguns ornamentos para este fim na extinta Misericórdia: propondo mais a favor deles, que perdem muitos de seus trabalhos, por aquela distância.

Não merecem menos cuidado os tácitos clamores de todos os paroquianos, obrigados a pagar três vezes tributo da triste humanidade ao seu vigário, a saber: quando nascem, quando casam, e quando morrem. Quando nascem, que se não baptizam sem pagar a oferta do baptizado; quando casam, os tributos dos banhos; e quando morrem, que estas ovelhas são esfoladas pelo seu pároco e pastor, tirando-lhes a coberta que levam, a que chamam — colcheta — conforme se ajustam pelos teres do morto.

Estes tributos, cuja origem se perde na obscuridade dos tempos, parece com algum fundamento, partir da descoberta da ilha, quando, existindo os párocos, pelo pequeno número de fregueses sem prebendas, estes lhes pagavam a celebração dos ofícios divinos; porém, desde que o infeliz D. Sebastião, que santa glória haja, lhes aumentou e instituiu côngruas conforme às da ilha de S. Miguel, deveriam esses párocos ter largado aos povos esses tributos, e reverter em benefício das igrejas as ofertas de pé de altar para aumento delas. Não seria por isso um pequeno bem que estes corpos de mão morta cessassem de engranelar tantos tributos, que são o sangue do Estado e a pele das suas ovelhas. O abandono em que eles têm os melhores monumentos de legitimidade e filiação no canto mais imundo e mais abjecto de suas casas (com pouca excepção) já carcomidos e dilacerados, é uma prova evidentíssima, que eles não são aqueles pastores do evangelho, que dão a vida pelo seu rebanho. Que males, Senhora, não têm causado nesta ilha o castigo das denúncias fundado na falência desses títulos essenciais, na discrepância e deformidade dos mesmos? Famílias sem conto lamentam debalde a falta ou nulidade dos assentos paroquiais e a filiação de seus maiores que de dia em dia mais se destruem e lhes deveram conservar seus párocos.

O mesmo sucede nos cartórios seculares e com tal infortúnio, que maus cidadãos, e péssimos escrivães, se tem querido defender e defendem, ancorados com a ordenarão do reino que os não obrigam a conservar papéis antigos, é verdade; mas é porque o legislador não supunha que fosse alguém rapaz de os queimar e destruir sem necessidade. Há pouco, Senhora, se decidiu e passou em julgado que não era punível aquele que destruíra tais monumentos. Que desgraça! Eis aqui, senhora, o que procede nesta infeliz terra a respeito da qual, dirá alguém, se esgotava o Setes, e forjavam ansiosamente as cadeias da sua eterna escravidão, se ela digna aliás de melhor sorte não tivesse a fortuna de encerrar em si um dia a sua legisladora, a sua glória e o seu presídio.

A vista do que, quando V. M. tivesse por uma sua lei regulado o dízimo da ervagem, excluído e reformado outros referidos, estabelecido a dizimada dos animais; restabelecido a agricultura aumentado o culto divino; reparado os abusos e corruptelas dos párocos; arrecadado os monumentos eclesiásticos e seculares no depósito de cada um julgado; e, finalmente, feito ali mesmo registar as últimas disposições dos moradores dos concelhos, teria V. M., sem dúvida, terminado a felicidade completa da ilha Terceira e anexas; e dela triunfaria tanto mais, com tantas providências e fama, quanto a antiga Roma (na frase do poeta latino) das demais cidades.

Se V. M. julgar que as reflexões que temos feito não se acordam com a razão, ou a exposição de tantos males lhe não mereceu atenção, será especial graça para nós sermos punidos com o silêncio de V. M., que só bastaria a confundir a nossa temeridade.

— Deus guarde a V. M. por muitos anos. — Vila de S. Sebastião, em Câmara, aos 14 de Dezembro de 1830 — José Ferreira Drummond — Luiz Borges Ferreira — António Borges Godinho — António José Toste — Francisco Ferreiro Drummond, secretário.

(A provisão a que se referia esta representação foi copiada e impressa na Chronica daquele ano, n.º 3).

Documentos a que se refere a nota 15 do Capítulo VIII.[editar]

Protesto do general conde de Saldanha, contra a violência do comodoro Walpole no porto da Vila da Praia, na ilha Terceira

Aos dezasseis dias do mês de Janeiro de mil oitocentos e vinte e nove, a bordo do brigue inglês Suzana , debaixo das baterias da Vila da Praia na ilha Terceira, quando o dito brigue entrava no ancoradouro da mesma Vila, em conserva da galera Minerva, e do brigue Lira, da mesma nação, e também da galera russa Delfim, transportes desarmados, que saíram de Plymouth no dia seis do corrente, conduzindo a seu bordo o conde de Saldanha, o general Pizarro, diversos oficiais, soldados, marinheiros e paisanos que sem armas, nem munições, ou aparência alguma hostil procuravam a ilha Terceira, sempre fiel e obediente como eles, à sua legítima soberana a Rainha D. Maria II de Portugal, foram o dito brigue e o Lira, que navegavam na proa das duas galeras, repentinamente atacados por duas fragatas inglesas, que pouco tempo a antes tinham içado a sua bandeira a sotavento do mesmo porto, e transportes, uma das quais, a Ranger, do comando do comodoro Walpole, atravessando logo que chegou a alcance, rompeu o seu fogo contra os brigues Lira, e Suzana , quando estes tratavam de dar fundo já dentro, e debaixo das fortalezas da Vila da Praia; fogo que fez logo dois rombos no brigue Suzana que despedaçou a sua lancha, matou um soldado, que trabalhava em desatracá-la, e feriu gravemente um paisano Em consequência desta espantosa agressão, praticada nas praias dos domínios da Rainha Fidelíssima D. Maria II, deixou a Suzana e os transportes de dar fundo, e atravessando; então o comodoro William Walpole mandou abordo do Suzana um oficial com uma carta para quem comandasse os portugueses, perguntando para que fim demandava aquela ilha e mares. O conde de Saldanha, a quem competia responder, declarou que tinha ordem da sua legítima soberana, a Rainha D. Maria II, para conduzir à ilha Terceira, governada em seu augusto nome, e ocupada por algumas de suas tropas, uma parte dos portugueses, que voluntariamente haviam passado ao reino de Inglaterra; ordens que procuraria cumprir a todo o risco. A esta declaração contestou o comodoro William Walpole que ele tinha ordens positivas do seu governo para não consentir que aportassem em alguma das ilhas dos Açores, e que empregaria contra nós as forças do seu comando se quiséssemos demandar qualquer delas; insistindo em que dali nos afastássemos. O conde de Saldanha tornou a repetir que, apesar da rapidez das intimações, estava como devia, determinado a cumprir as ordens que tinha, e que só desistiria de desembarcar no porto em que entrara, sem encontrar impedimento algum no alto mar, quando o comodoro W. Walpole o declarasse prisioneiro, ou metesse o pique os transportes neutros e desarmados que ele dirigia, invocando, como lhe era possível, o direito das gentes, os tratados, e relações de paz e amizade subsistentes entre Sua Majestade Fidelíssima e Sua Majestade Britânica. O oficial inglês portador da segunda intimação do comodoro julgou não dever esperar a resposta por escrito, mas comunicando ao seu chefe algumas reflexões do conde de Saldanha, mandou aquele o capitão Radford a bordo do Suzana com uma terceira intimação, que se reduzia a dizer, que se o Suzana com os navios da sua conserva não deixasse o porto da Praia antes das três horas da tarde, tornaria a empregar as armas para se fazer obedecer. O conde de Saldanha sustentou outra vez por escrito as suas primeiras asserções, acrescentando que, ouvindo as intimações verbais do capitão Radford, e as expressões hostis dos ofícios do comodoro só podia considerar-se prisioneiro de guerra, e que seguiria as forças britânicas para onde elas o conduzissem, declarando ao mesmo tempo que as suas provisões, e a aguada não davam lugar a grande viagem. Enquanto o conde de Saldanha se ocupava em escrever apressadamente ao comodoro, defendendo os direitos da sua Soberana, na diligência de executar as suas ordens, patenteando também quanto sentia que o comodoro não tivesse julgado conveniente responder-lhe sempre por escrito em circunstâncias tão árduas, tão novas, tão extraordinárias, e únicas talvez na história das nações cultas, aproximou-se ao Suzana a fragata Ranger, e o comodoro intimou desta embarcação não só ao conde de Saldanha mas ao capitão do Suzana — que seguisse logo, logo. Apesar disto, e da lamentável e sanguinolenta agressão que o Suzana sofrera poucas horas antes, no momento de dar fundo, o conde de Saldanha mandou o capitão Praça a bordo da Ranger com outro ofício expendendo várias razões, e acrescentando que a precipitação das intimações ameaçadoras lhe tirava a possibilidade de mandar ao comodoro o protesto, que estava redigindo, contra a nunca vista agressão, que os portugueses acabavam de sofrer nos seus próprios portos e mares. A este oficio respondeu o comodoro por escrito — que só por brevidade tinha deixado de escrever, e que às intimações que tinha feito, e às reflexões do conde de Saldanha só tinha a acrescentar, que o conde de Saldanha podia navegar para França, para Inglaterra, ou para onde quisesse, contanto que saísse imediatamente das ilhas dos Açores — omitindo porém o comodoro, tanto neste oficio como nas intimações antecedentes, responder, se considerava ou não, o conde de Saldanha prisioneiro de guerra. Esta omissão obrigou o conde a pedir novas explicações; mas no momento em que escrevia (ouça-nos o céu, ouça-nos a terra, saibam-no os reis, e saibam-no os povos) as balas da Ranger, fragata de Sua Majestade Britânica, comandada pelo comodoro William Walpole, cruzaram novamente os mastros do Suzana atravessado nas águas de um porto onde reina a Rainha Fidelíssima D. Maria II, aliada a mais antiga, talvez, do Rei da Grã Bretanha!

Então o conde de Saldanha fez arrojar o bote ao mar, lançou-se nele e dirigiu-se à Ranger, que atravessou para o receber, e levou ele mesmo o ofício que arrebatadamente terminara, mas só obteve além das atenções e delicadezas próprias do comodoro W. Walpole, que parecia sofrer pelo serviço penoso e infeliz que era obrigado a executar, e pelo sangue derramado a bordo do Suzana, uma resposta por escrito, renovando as intimações e ameaças anteriormente feitas, e sustentando a sua firme resolução de empregar logo as forças do seu comando para nos expulsar do porto da Vila da Praia. Com esta resposta voltou o conde de Saldanha para bordo do Suzana, e viu que as fragatas tinham já tomado posição a barlavento, e a sotavento dos transportes, que por ordem do conde de Saldanha se tinham conservado sempre atravessados, posição que dava às fragatas a possibilidade de os submergir com as primeiras bandas da sua artilharia.

Então o conde de Saldanha conhecendo, que o pairar por mais tempo naquele porto, serviria só para sacrificar a vida dos portugueses desarmados, que a sua Rainha lhe havia confiado, e a expor a maiores insultos a nação, que ali representava, reputou-se prisioneiro de guerra no meio das fragatas de Sua Majestade Britânica, e mandou marear pelo mesmo modo que as fragatas indicavam; por consequência os quatro transportes navegaram à bolina o que o vento dava, o qual era do norte para o nordeste (amura por bombordo) escoltados pelas fragatas, das quais uma continuava a navegar a barlavento da nossa proa, e outra na mesma alheta.

Navegamos assim até às oito horas da noite, tendo largado o porto da Praia depois das quatro da tarde, e àquela hora, quando o Suzana, em consequência de um aguaceiro, foi obrigado a ferrar os joanetes, foi forçado por um tiro das fragatas a largá-los novamente, o que não fizemos sem algum risco em tal embarcação. Pouco tempo depois, as fragatas dirigiram também um tiro ao Minerva, provavelmente pelo mesmo motivo, de sorte que nos tem sido necessário observar com toda a vigilância as manobras das fragatas para evitar o fogo das suas baterias. Os abaixo assinados não podem acabar este protesto sem repetir novamente, que os nossos transportes já não estavam no alto mar quando foram atacados, mas dois sobre o ancoradouro do porto da vila da Praia, e outros dois nas águas do mesmo porto: as fragatas inglesas não nos impediram de aportar, mas arrancaram-nos de um porto e de uma praia portuguesa, protegidos pelos fortes do mesmo porto e praia; e ou sejam polígonos inexpugnáveis como Gibraltar, ou Tenalhões mal situados, mal guarnecidos, mal artilhados, são contudo fortes portugueses: as nossas amarras estavam safas, os ferros prontos, e o Suzana atravessava para dar fundo, quando o fogo da Ranger despedaçou um soldado ao tempo de desatracar e lancha: fomos arrancados finalmente de solo português, e arrojados pelas armas e em nome de uma potência antiga, para o meio do Oceano como prisioneiro de guerra! Nossos Irmãos estavam sobre as praias e estendendo-nos os braços, e as cornetas do destacamento que ocupa aquela Vila da Praia festejavam já a nossa chegada: estávamos tanto sobre a Praia, que os portuguesas a bordo do Suzana quiseram que o conde de Saldanha e o general Pizarro desembarcassem no bote (visto que a lancha estava despedaçada pelo fogo da Ranger) o que eles recusaram, não podendo acreditar que fossem ingleses, os navios de guerra, que em semelhante paragem cometiam tais hostilidades. À vista destes factos, e outras circunstâncias tão penosas como agravantes, que a brevidade do tempo não deixa detalhar, é evidente que o direito das gentes foi refletidamente atropelado pelo governo britânico; em prejuízo manifesto, e incalculável da soberania reconhecida, e incontestável da Rainha Fidelíssima D. Maria II e daqueles dos seus fiéis súbditos, que confiados no direito público Europeu, nos tratados existentes entre os legítimos soberanos de Portugal e da Grã Bretanha, e no mesmo na lei comum do povo inglês, tinham vindo espontaneamente habitar em Inglaterra e depositar nela os restos da sua fortuna, não só como reino neutro, mas aliado antigo, e reconhecedor até hoje dos mesmos princípios de legitimidade, que fielmente sustentamos: direitos atropelados, sim, pelo abuso da força, desprezo da moral e da fé pública, mas direitos sagrados, em virtude dos quais nos era permitido navegar a nosso próprio risco, à nossa própria custa, em transportes neutros, e desarmados; sem armas, sem munições, para qualquer ponto da monarquia portuguesa, que obedecesse, e fosse governado em nome da sua legítima Rainha D. Maria II de Portugal: circunstâncias plena, e cabalmente realizadas na ilha Terceira, capital dos Açores.

Os abaixo assinados, tomando o céu por testemunha, sobre as vagas do Oceano Atlântico, à vista e debaixo das baterias das fragatas britânicas que os aprisionaram, protestam com a solenidade possível, e em nome da sua Soberana, contra o procedimento horrorosamente hostil, praticado hoje contra eles no porto da vila da Praia na ilha Terceira, pelo comodoro William Walpole, comandante das fragatas de Sua Majestade Britânica, a Ranger e a Nimrod; repetindo e declarando que a mesma força, que o mesmo comodoro, que os fez prisioneiros no porto da Praia, os conduz e escolta, disparando a sua artilharia à mais pequena alteração nas velas dos transportes em que navegamos. — Em firmeza do que se fez este auto de protesto às dez horas da noite do dia 16 de Janeiro de 1829 — que eu Joaquim Nogueira Gandra, secretário do governo das armas do Porto, escrevi — conde de Saldanha — Joaquim de Souza Quevedo Pizarro, brigadeiro general — barão de Sabroso, coronel — Rodrigo Pinto Pizarro, coronel do estado-maior — José Joaquim Alves, capitão-de-mar-e-guerra — José de Sousa Pimentel e Faria, major comandante do 2.º batalhão do Regimento n.º 18 de Infantaria — Francisco de Paula Barros e Quadros, major de milícias da Maia — Manuel Joaquim Berredo Praça, capitão ajudante de ordens — Leonel Tavares Cabral, deputado da nação portuguesa e delegado da polícia em Coimbra — doutor Joaquim António de Aguiar, lente de leis na Universidade de Coimbra, e deputado da nação portuguesa — João António Lopes de Andrade, major graduado de milícias — José de Mendonça David, capitão de cavalaria — Gaspar Pinto de Magalhães Cardoso, capitão de artilharia — D. Fernando Xavier de Almeida, capitão de Cavalaria n.º 10 — Albino Pimenta de Aguiar, capitão de Cavalaria n.º 12 — Domingos Manuel Pereira de Barros, tenente do Regimento de Cavalaria n.º 5 — o padre António Gomes Lima, capelão do Batalhão de Voluntários Académicos de Coimbra — Francisco Infante de Lacerda, tenente de Cavalaria n.º 4 — José Pereira de Magalhães, cirurgião mor graduado de Cavalaria n.º 12 — José Maria Cristiano de Macedo, alferes do estado-maior do Exército — José Gonçalves Barbosa Rangel, ajudante de milícias — António Rodrigues, comissário do Exército — Joaquim Nogueira Gandra, secretário do governo das armas do partido do Porto — António Xavier Pinto da Silva, voluntário académico — Inácio Joaquim, ajudante do Regimento n.º 18 — José Bernardo de Oliveira, escrivão e fiel do comissariado — António Belle Coutinho, fiel do Exército — D. António José de Melo, alferes do Regimento n.º 16 de Infantaria.

Correspondência que teve lugar entre o general conde de Saldanha e o comodoro William Walpole no porto da vila da Praia e mares compreendidos entre 38° e 44° latitude norte, desde o dia 16 até 24 de Janeiro de 1829

(Primeiro ofício do comodoro ao conde de Saldanha)

A bordo do navio de S. M. Britânica o Ranger no porto da Praia, aos 16 de Janeiro, 1829. Sr. — Tenho a pedir queirais comunicar-me qual o motivo da vossa vinda a este porto com a força do vosso comando. — Tenho a honra de ser, senhor, vosso obediente, e humilde criado: — Guilherme Walpole, capitão — Ao oficial comandante das tropas embarcadas.

(Resposta do conde de Saldanha ao comodoro)

Porto da Vila da Praia a bordo do brigue Suzana, 16 Janeiro de 1829. Sr. — O motivo da minha chegada a este porto, é o de cumprir as ordens de Sua Majestade Fidelíssima a Rainha de Portugal, a qual me ordena que eu conduza à ilha Terceira, desarmados, e sem alguma aparência hostil, os portugueses que estão a bordo dos quatro transportes à vista da ilha, que nunca deixou de obedecer, e reconhecer como sua legítima Soberana a Rainha D. Maria II. Como súbdito fiel, e militar, julgo necessário afirmar-vos que estou determinado a cumprir o meu dever, seja qual for o risco — Conde de Saldanha. — Ao capitão Guilherme Walpole, comandante do navio de Sua Majestade Britânica, o Ranger.

(Segundo ofício do comodoro Walpole ao conde de Saldanha)

A bordo do navio de S. M. Britânica o Ranger no porto da vila da Praia, em 16 de Janeiro 1829. Sr. — Acuso a recepção da vossa carta em data de hoje, e devo informar-vos, que tenho também um dever imperioso a satisfazer, e que em consequência das instruções do meu governo, não posso consentir que vós, ou qualquer parte da força do vosso comando, aqui desembarque, ou em qualquer das ilhas dos Açores. Desejo portanto que não tenteis um desembarque, ou eu serei obrigado a empregar a força que comando para o impedir. Por esta razão ficais obrigado a não continuar nesta paragem depois desta intimação. — Tenho a honra de ser, senhor, vosso obediente e humilde criado. — William Walpole, capitão. — Ao Conde de Saldanha.

(Resposta do conde de Saldanha ao comodoro)

Sr. — O imperioso dever, que vós tendes a preencher, não pode ser outro que as ordens de Sua Majestade Britânica vosso soberano; exactamente, e da mesma natureza são as ordens, e instruções que eu tenho a executar: é a minha Soberana quem positivamente me determina que desembarque na Terceira. — Eu estou determinado a cumprir o meu dever, pronto a perder a minha vida, e a ver cada um dos soldados de Sua Majestade Fidelíssima, a bordo de navios neutrais, desarmados, e confiados somente nos direitos das gentes, demandando uma parte dos domínios portugueses, que nunca obedeceram ao usurpador mas antes reconheceram constantemente a soberania de Sua Majestade Fidelíssima a Rainha a Senhora D. Maria II, estou determinado, torno a dizer, a ver cada um deles morrer, antes que abandoná-lo. — O sangue dos mais antigos aliados de Sua Majestade Britânica já foi derramado, um homem foi morto, e outro gravemente ferido a bordo deste navio; mais pode correm ainda; podeis apontar de novo contra nós a vossa a artilharia; podeis meter-nos a pique; mas ficai certo, que senhor de mim, ou enquanto não for feito prisioneiro (e reparai bem senhor que isto se passa debaixo das baterias da vila da Praia) empregarei todas as diligências que poder para satisfazer o meu imperioso dever. Permiti-me senhor que vos observe, que vós ides descarregar a vossa artilharia contra quinhentos portugueses desarmados a bordo de transportes ingleses e russos! A Europa, e a vossa mesma pátria particularmente, ficará mais espantada ainda, que os mesmos súbditos de Sua Majestade Fidelíssima. Deixai-me que vos observe também, que nós não vimos atacar nem cometer agressão alguma; nós vimos completamente desarmados reunir-nos a nossos irmãos numa terra que nunca obedeceu ao usurpador, mas tem pelo contrário reconhecido constantemente a legítima autoridade do Rainha minha Soberana. Devo declarar-vos também que nós não temos provisões, e que ainda quando o meu dever permitisse alteração, seriámos obrigados a recebe-las. Tendes portanto em vosso podar duas armas decisivas para destruir-nos; porém o mundo verá com assombro, e os portugueses com pesar inexprimível, dirigir contra eles, e empregar na sua destruição (sem motivo, sem razão, na mais profunda paz, quando Sua Majestade Fidelíssima acaba de ser recebida em Windsor Castle por Sua Majestade Jorge IV, como legítima Rainha de Portugal), aquelas mesmas armas que tantos vezes combateram, a par deles, o inimigo comum em tantas batalhas gloriosas. Seja qual for a vossa resolução, ficai persuadido de que eu vou fazer um protesto o mais solene, que será publicado por qualquer daqueles que me sobreviver. — Conde de Saldanha. — Ao comodoro o Walpole, comandante dos navios de Sua Majestade Britânica defronte da Vila da Praia.

(O comodoro Guilherme Walpole não respondeu por escrito a este oficio, porém mandou repetir verbalmente as suas intimações ao conde de Saldanha, pelo capitão Radford do navio de Sua Majestade Britânica Nimrod).

(Resposta do conde de Saldanha à intimação verbal do comodoro Walpole

A bordo do brigue Suzana, no porto da Praia, 16 de Janeiro de 1829.

Sr. — Em consequência das comunicações verbais que me foram feitas pelo capitão Radford, só tenho a acrescentar às outras minhas cartas oficiais, que eu me considero vosso prisioneiro, e seguirei o vosso navio para qualquer parte que nos conduzir o destino; porém, novamente vos declaro, que não tenho provisões, nem água. — Conde de Saldanha. — Ao comodoro Walpole.

(Resposta do conde de Saldanha à outra intimação verbal do comodoro Walpole)

A bordo do brigue Suzana, no porto da vila da Praia, 16 de Janeiro de 1829.

Sr. — Eu sinto muito, que vós só tenhais respondido verbalmente às minhas comunicações: O capitão Radford acaba de comunicar-me as vossas ordens para que eu largue imediatamente pelo rumo de SW b E. Se vós me considerais vosso prisioneiro, eu farei o que vós me ordenais, mas deveis fornecer-me provisões, e água, e dar-me uma ordem por escrito para seguir-vos; porque eu sou responsável por minha conduta, e creio ter direito a esperar respostas por escrito de um oficial da marinha britânica. Se me tivesse sido impossível, por outro qualquer motivo, desembarcar na Terceira, a minha intenção era voltar para Inglaterra, ou para França: a intimação que neste mesmo instante vós me fazeis, do vosso navio, não me dá lugar a escrever mais, nem a mandar-vos o protesto que estou redigindo. — Conde de Saldanha. — Ao comodoro Guilherme Walpole, comandante dos navios de Sua Majestade Britânica junto da Vila da Praia.

(Terceiro oficio do comodoro ao conde de Saldanha)

À bordo do navio de Sua Majestade Britânica o Ranger, 16 de Janeiro de 1829.

Sr. — Em consequência da vossa resposta verbal à minha última comunicação, tenho só a dizer-vos, que se não vos fizerdes à vela, antes das três horas da tarde, e deixardes a vizinhança destas ilhas, em serei obrigado, e estou resolvido a empregar a força, para vos forçar a fazê-lo assim. — Tenho a honra de ser, senhor, vosso obediente e humilde criado. — William Walpole, capitão. — Ao Conde de Saldanha.

(Este ofício referia-se às observações, que o conde de Saldanha fizera à intimação do capitão Radford).

(Quarto ofício do comodoro em resposta ao quarto do conde de Saldanha)

Ranger, 16 de Janeiro, dez minutos antes das três da tarde.

Sr. — O motivo de me corresponder convosco verbalmente tem sido o desejo da brevidade. Só tenho agora a acrescentar àquilo que tenho dito já, que vós estais em liberdade de partir imediatamente, ou para França, ou para Inglaterra, ou para qualquer parte de vossa escolha, contanto que deixeis a vizinhança desta ilha, e daquelas dos Açores. — Tenho a honra de ser, senhor, vosso obediente e humilde criado. — William Walpole, capitão. — Ao Conde de Saldanha.

(Resposta do conde da Saldanha ao comodoro)

A bordo do Suzana, defronte da Vila da Praia, 16 de Janeiro de 1829.

Sr. — Recebi neste momento as vossas comunicações, nas quais não mencionais ”se sim ou não me considerais prisioneiro de guerra”, e só respondeis àquilo que eu acidentalmente disse ser minha intenção, no caso de ser impedido de desembarcar na Terceira, por outros motivos: portanto, se me considerais em liberdade, preciso executar as minhas ordens, se não estou em liberdade, então refiro-me às minhas comunicações antecedentes; isto é que só impedido pela força é que eu deixarei de executar as ordens da minha Rainha...; agora mesmo fazeis vós novamente fogo contra nós..., e novamente eu vos digo também que se não estou prisioneiro de guerra, seguirei o meu rumo na conformidade das minhas instruções. — Ao comodoro William Walpole, comandante dos navios de Sua Majestade Britânica defronte da Vila da Praia. — Conde de Saldanha. —

(Este ofício foi levado ao Ranger pelo conde de Saldanha, em mão).

(Quinto ofício do comodoro ao conde de Saldanha)

Ranger, ao mar da Terceira, 16 de Janeiro.

Sr. — Em resposta à vossa última comunicação explicada por vós mesmo, só posso remeter-vos ao exposto nas minhas primeiras declarações, e preciso nova, e positivamente, assegurar-vos que se ainda pensais em pairar à roda destas ilhas, é meu dever e firme resolução pôr em plena execução aquelas medidas de que vós já tendes conhecimento: por esta razão confio que vós vejais a conveniência de deixar esta vizinhança. — Tenho a honra de ser, senhor, vosso obediente e humilde criado. — William Walpole, capitão. — Ao Conde de Saldanha.

(Ofício do conde de Saldanha ao comodoro)

A bordo do Suzana, à vela. Latitude 39º 01’N, 17 de Janeiro.

Sr. — Segundo as participações oficiais, que ontem vos dirigi, tenho a honra de transmitir-vos o mapa incluso dos súbditos portugueses embarcados nos quatro transportes que vós escoltais. — Não podendo o capitão deste navio dizer-me positivamente a razão porque vós nos fizestes fogo, mais de uma vez, a noite passada, ainda que julga ter sido em consequência de ter arriado os joanetes para evita qualquer estrago mais, rogo-vos queirais habilitar-me a dar as direcções necessárias; ficando certo que a ordem única e geral que eu tenho dado é para seguir o vosso navio no seu rumo e manobras. Tenho além disso a honra de transmitir-vos o protesto incluso, que eu considero absolutamente necessário e que mencionei num dos meus ofícios de ontem, prevenindo-vos de que o estava redigindo com toda a brevidade. — Tenho a honra de ser vosso humilde e obediente criado. — Conde de Saldanha. — Ao comodoro William Walpole, comandante dos navios de Sua Majestade Britânica ao mar da vila da Praia.

(O capitão W. Walpole não rejeitou o mapa dos seus prisioneiros!)

(Ofício do conde de Saldanha ao comodoro)

À bordo do Suzana, à vela, 19 de Janeiro de 1829.

Sr. — Os papéis inclusos estão selados desde o dia dezassete, pela manhã; porém, o mar tempestuoso, e a violência do vento tem-me impedido o ter a honra de transmitir-vo-los. Como a nossa situação se torna mais embaraçada, depois que a corveta Nimrod deixou de navegar à nossa proa no dia 17, às três horas e meia da tarde, e como vós ainda nos fizeste fogo na noite daquele dia, rogo-vos, uma vez mais também, queirais dirigir-me as vossas ordens. — Tenho a honra de ser, senhor, vosso obediente e humilde criado. — Conde de Saldanha. — Ao comodoro William Walpole.

(Sexto ofício do comodoro ao conde de Saldanha)

A bordo do navio de Sua Majestade Britânica o Ranger, 24 de Janeiro de 1829.

Sr. — Ficar-vos-ei muito obrigado se me disserdes, se é vossa intenção ir para Inglaterra, porque tenho despachos do cônsul na Terceira, e meus, para mandar ao governo inglês —Tenho a honra de ser vosso obediente e humilde criado. — William Walpole. — Ao general conde de Saldanha.

(Resposta do conde de Saldanha ao comodoro)

A bordo do Suzana, à vela, 24 de Janeiro de 1829.

Eu fico espantado com a vossa pergunta! Que, senhor? vós vindes à Terceira aprisionar-nos; vós tendes-nos escoltado por estes oito dias; vós impediste-me de cumprir as minhas ordens; vós puseste em perigo as vidas de tantos fiéis súbditos da mais antiga aliada do vosso Soberano; vós fizestes-nos consumir as nossas escassas provisões; vós tendes-me obrigado positivamente a não dividir os meus navios; vós tendes exercido sobre mim uma autoridade de conquistador; e no fim de tudo isto perguntais-me para onde vou? Eu não sei para onde vou; mas o que sei é que vou para onde vós me conduzirdes, em conformidade de todas as minhas asserções nas minhas cartas oficiais. — Tenho a honra de ser vosso obediente e humilde criado. — Conde de Saldanha — Ao capitão Guilherme Walpole, comandante do navio de Sua Majestade Britânica, o Ranger.

(Oitavo ofício do comodoro ao conde de Saldanha)

A bordo do navio de Sua Majestade Britânica o Ranger, ao mar, em 24 de Janeiro 1829.

Sr — Eu fico surpreso e confundido com o que dizeis na vossa carta, agora mesmo recebida, depois de vos ter repetidamente declarado na minha correspondência, que vos era permitido continuar em vossa derrota e destino. Tenho agora a informar-vos, que a vossa conduta me determina a não vos escoltar mais. — Tenho a honra de ser, senhor, vosso obediente e humilde criado, William Walpole — Ao conde de Saldanha.

N. B.

Compare-se este último oficio com o 6.º do mesmo comodoro, no qual ele diz ao conde de Saldanha, estais em liberdade mas não podeis voltar para os Açores, nem para as ilhas Ocidentais! Estais em liberdade mas eu faço fogo aos vossos transportes para que se reunam debaixo da minha artilharia! Estais em liberdade mas eu faço fogo aos transportes, porque não quero que alterem o seu rumo, ou se separem! Estais em liberdade mas a fragata Ranger não vos larga, senão quando e aonde me parecer! Este código de liberdade marítima foi certamente redigido para as caravelas do Sultão Mahmoud, aliado mais favorecido do Governo Britânico que a Rainha de Portugal.

  1. Nota do editor: Francisco Ferreira Drumond havia falecido a 11 de Fevereiro de 1858.