Contos Tradicionaes do Povo Portuguez/O peixinho encantado

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26. O PEIXINHO ENCANTADO

Era uma pobre mulher, que tinha um unico filho, e esse era parvo, e não queria trabalhar. Coitadinha, não lhe servia senão para comer. Um dia que ia para o matto buscar lenha um rapazinho da visinhança, ella pediu-lhe para que levasse comsigo o tolinho, e lhe ensinasse a fazer um feixinho. Quando chegaram ao monte, o rapaz foi cortar dois molhos de lenha, e o parvo poz-se a brincar ao pé de uma ribeira. Ali esteve sem pensar em nada, a ver os peixinhos na agua; eis senão quando salta um peixinho mesmo ás abas do parvo, que lhe botou logo as unhas. O peixinho assim que se viu nas mãos do parvo, disse-lhe:

— Não me mates, que em paga, quando quizeres alguma coisa, basta dizeres: «Peço a Deus e ao meu peixinho que me dê tal e tal, que tudo hade sahir como pedires.»

O parvo, assustado deixou o peixinho cair-lhe da mão, o qual desappareceu na ribeira. O outro rapaz bem chamava por elle para vir erguer o seu molho; elle foi, e quando viu que o molho era pesado, disse:

— Peço a Deus e ao meu peixinho que me ponha a cavallo n’este feixe de lenha.

Saltou para cima do molho, que o levou a galope pelo matto fóra e por toda a cidade até chegar a casa da mãe. O rei estava á janella do palacio, e ficou admirado; chamou a filha:

— Vem ver o parvo a cavallo n’um feixe de lenha.

A princeza desatou a rir, quando o viu; mas o parvo disse baixinho:

— Peço a Deus e ao meu peixinho, que a princeza tenha um menino meu.

Tempo depois começou a princeza a padecer; todos os medicos foram de opinião, que a princeza andava occupada. O rei ficou desesperado e pediu-lhe por todos os santos que a filha lhe dissesse quem tinha sido o causante de uma tal vergonha. A princeza jurava por tudo que não sabia explicar aquillo; o rei mandou botar um pregão, de que quem viesse confessar que era pae do menino casaria com a princeza.

Depois de tempo, veiu o parvo ao palacio para fallar ao rei:

— Venho dizer a vossa real magestade, que eu é que sou o pae do menino da princeza.

O rei ficou espantado, a princeza não sabia o que estava ouvindo. O parvo contou então todo o acontecido. O rei para se confirmar disse-lhe:

— Pois pede ao teu peixinho que te faça apparecer agora aqui muito dinheiro.

O dinheiro caiu-lhe de todos os lados.

— Pede ao teu peixinho que te faça um moço muito perfeito e muito esperto.

O parvo ficou logo mais formoso que todos os principes, casou com a filha do rei, e pela sua grande esperteza ficou governando.

(Algarve.)


Notas[editar]

26. O peixinho encantado. — Ha uma outra versão da Foz do Douro intitulada João Mandrião, nos Contos populares portuguezes, n.º XXX. Vide nota 14, retro. Nos Portuguese folk-tales, de Consiglieri Pedroso, apparece com o n.º XVII sob o titulo O preguiçoso filho da Padeira, diversificando no episodio da laranja. Ralston, na sua Introdução (p. VII) considera-o commum a todo o oriente da Europa, e cita os n.os 55, do volume V dos Skaski de Affanasieff, os n.os 32 do vol. VI, e 31 do volume VII; depois da vasta collecção russa, cita o conto n.º 19 dos Contos de Grimm, O pescador e sua mulher; uma variante nos Griechische Märchen, n.º 8, de Hahn, e termina dizendo que na Asia esta tradição conserva uma fórma mais rasoavel. Sobre os Peixes-Salvadores vid. n.º 14.