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Dicionário de Cultura Básica/Ulisses

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ULISSES (herói mítico) → Odisséia, de HomeroUlisses, de Joyce

"Meu nome é Ninguém"

Personagem mitológico, símbolo do triunfo da inteligência sobre a força bruta, do amor conjugal sobre as relações extramatrimoniais, da dedicação à terra de origem em relação às vicissitudes no estrangeiro. O apelido de "astuto", que a tradição mítica atribui a Ulisses, define muito bem sua personalidade, pois a capacidade de preparar ardis o acompanha do nascimento à morte. Ulisses nasceu como conseqüência de uma dúplice artimanha preparada pelos dois homens mais inteligentes da Grécia da era pré-histórica: Sísifo, rei de Corinto, para vingar-se de Autólico, que lhe roubara o rebanho, seduziu-lhe a filha Anticléia. Mas isso era tudo o que o próprio Autólico tinha planejado, pois desejava ter um neto que herdasse a astúcia de seu rival Sísifo. A moça Anticléia, abandonada por Sísifo e grávida de Ulisses, desposou Laertes, rei de Ítaca, que assumiu a paternidade da criança. O jovem Ulisses, educado pelo sábio centauro Quirão, na idade de contrair núpcias, apaixonou-se por Helena, a mulher mais bonita da Grécia; mas, por serem muitos os pretendentes, desistiu da competição, estabelecendo o famoso"pacto": os concorrentes à mão de Helena se comprometiam a respeitar a vontade da moça na escolha do esposo e a defender a união do casal. Helena escolheu como esposo o príncipe grego Menelau e Ulisses casou-se com Penélope, prima de Helena. Declarada a guerra dos gregos contra Tróia para a reconquista de Helena, raptada pelo príncipe troiano Páris, Ulisses foi obrigado a participar do assédio de Tróia, vítima do acordo por ele próprio inventado. Depois de dez anos de cerco e de lutas,Tróia foi expugnada pelo ardil da construção do cavalo de madeira, também invenção de Ulisses. O herói iniciou então a viagem de retorno para Ítaca, onde o esperavam a fiel esposa Penélope e o devotado filho Telêmaco → Odisséia. Mas a vingança de Vênus, deusa do amor e protetora de Páris, e a força do Destino (→ Fado) fizeram com que Ulisses demorasse mais de dez anos para retornar ao seu lar, impedido por tempestades marítimas, naufrágios, sereias sedutoras, ciclopes antropófagos. O episódio de Ulisses com o ciclope Polifemo é antológico para percebermos a astúcia do herói grego: preso, com seus companheiros, na gruta do ciclope, diz chamar-se "Ninguém". Assim, quando Polifemo, cegado por Ulisses, ao invocar a ajuda dos outros ciclopes, grita:

"Ninguém me cegou,
Ninguém quer me matar"

não é atendido pelos colegas, que pensam que Polifemo estava delirando ou blefando. Enfim, vencendo todas as dificuldades, quer por dotes naturais, quer pela ajuda de Minerva, e desprezando o amor, de ninfas bonitas (Circe, Calipso, Calídice, Evipe) com as quais teve vários filhos, e renunciando inclusive ao reino dos feácios e ao amor puro da linda princesa Nausica, Ulisses conseguiu aproar na sua terra natal, onde ainda foi obrigado a lutar ardilosamente para vencer os poderosos pretendentes ao seu reino e à presumida viuvez de Penélope. O mito de Ulisses foi criado pelos gregos para exaltar sua expansão marítima e afirmar o triunfo de um povo civilizado sobre a força bruta de povos bárbaros e sobre os percalços do destino, além de expressar a importância da fidelidade conjugal. A história ficcional de Ulisses e Penélope ultrapassou o tempo e o espaço e, até hoje, estimula a produção artística. Veja-se, apenas como exemplo, o romance Ulisses do escritor irlandês James Joyce, a epopéia da modernidade em prosa, ou o recente filme Cold Montain (USA, 2003), versões atualizadas da Odisséia de Homero.