Anexo:Imprimir/Sons de viola

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Índice[editar]

Olá, quem é que não foi
De manhã na Feira Velha.
Onde gente é como abelha,
Onde retalha-se o boi?

— Bem ao pé do chichazeiro
Quase em frente do portão
A tia Chica, no chão,
Vendia o seu tabuleiro.

Mais além, no calçamento,
Uma briga depravada
Entre mulheres vadias.

"Esmola pra o Sacramento!"
Um homem de opa encarnada
Diz na bodega do Frias.

Oh Bem-te-vi! Que estou vendo?
Desrespeita a calvície,
A humildade e a sandice
Desse Urubu reverendo?

Respeita a roupa de luto,
A mudez e ao tamanho,
Mesmo ao nome que tem ganho
O pobre Urubu matuto!

Quer nos ares, quer pousado,
Quer no campo, ou na cidade,
Não lhe poupas com teu bico!?

Acaso és tu copiado
Nos moldes da humanidade?
— É ele pobre e tu rico?

Menina, eu nunca dedilhei na lira
Porque achei sempre a lira um impossível
Aos dedos meus tão toscos e estouvados

Canto à viola, enquanto o samba gira
Em curvas de atração irresistível
E dás no corpo uns jeitos engraçados

Deixa que os toleirões civilizados
Andem-se a francesar pelos salões
Depinicando os virgens corações
Como quem prova à mesa os bons guisados

Este viver assim é mais gostoso,
É mais humano e até paradisíaco,
É sensual sem ser afrodisíaco,
Acerba dor não traz depois do gozo.

Como um tapete de risos
Num campo de paz fecundo,
Em cujos variados frisos
De prazeres brinca um mundo.

Ao ar sadio da aurora
Assim me parece o bando
Das aves que, a toda hora,
Vivem alegres vadiando.

Nas aguapés agrupados
A tona das águas brandas
Que o vento enruga de leve.

E vêm descendo as manadas
Para as marginais varandas
De areia da cor de neve.

Lá no imo da barreira
Como um santinho no nicho
Permanece a água pura.

E está fechada a porteira
Para lá não descer bicho.
Um espeque é fechadura.

Pelas veredas tortuosas,
Com cabeças de água cheias,
Num vozear de sereias
Vão indo as cunhãs formosas

Não usam roupas custosas,
Calçam tamancos sem meias,
E trazem sangue nas veias,
E têm as bocas de rosas.

Queria dizer que te amo,
Queria dizer: te adoro,
Acho o teu olhar canoro
Como os sons de um gaturamá.

— Mas, ligeiro qual um gamo,
Foge-me o verbo sonoro:
Em vão os versos decoro
A memória em vão reclamo:

O loquaz entusiasmo
Esfria de uma lapada
E faz-se um brutal marasmo.

É que a linguagem falada
Tem honras de pleonasmo
Ante os fulgores da olhada.

Na paz de minha alma quieta
Há um exército que aterra,
Lá existe um Napoleão:

Sabe esgrimir baioneta,
Conhece as artes da guerra
O meu calmo coração.

As mãos ele tem calosas,
Suporta o calor do estio,
Ama doudamente ao frio,
Gosta de amor e de rosas:

Formas as linhas, impetuosas
como as enchentes dum rio,
Pra lutar em desafio
Com as mulheres formosas.

A candidez do jasmim
Com os pudores da rosa
E os cantos de um querubim

Tu tens nos lábios, formosa,
Nesse teu sorrir sem fim
Que arrebata, que endeusa.

E tua alma é também flores
Adorantes, sensuais:
Fecunda como os amores
De nossos primeiros pais:

As vozes das virgens puras,
Em coro, formam no espaço
De flores celestes laço
Onde prendem-se as venturas.

Lá vêm as vacas. O dia
Agora é que vai morrendo
No seu leito de rubis

Como a criança vadia
Vêm os bezerros fazendo
Mil diabruras gentis.

Os garrotes mais robustos
Cruzam os chifres airosos,

Nuns torneios sinuosos,
Elegantes, bons, adustos.

E vocês, em algazarra
Trepam com medo o curral
Gritando em folia — Marra!
Garrotinho sem igual!

No cajueiro os galos de campina
Soltam corridas como chuvas d'ouro;
E, ricos e preciosos, um tesouro
São pássaros, frutos, canto e tu, menina!

Soltas, à terna viola, o desafio
Na rede armada entre os ramais, que o vento,
Que traz de leste o refrescor do rio,
Embalada sussurantes, ameno e lento.

Cantas e cantas mais. Oh doce encanto
Que no cenário tem de uma paisagem
Nuns lábios virginais alegre canto!

Mas que contêm os bardos de plumagem
Ganharás sempre a eles, pois que tanto
És bela no cantar como na imagem.

Eu não gosto dos poetas
Que andam sempre a se queixar
Como quem sofre de calo.

O sentir desses patetas
É como um sino a chorar
Sob os golpes do badalo

A dor, que relenta a flux
Numa lágrima prateada,
Ao pó a atração conduz.

Me alimenta a gargalhada
Solta aos ventos como a luz
Desde o albor da madrugada.

Se ocultam belos cajus
Pendentes de vida cheios,
Como centenas de seios
Nas folhas metidos nus.

Há um desejo que esmaga
No leito de puro alvismo,
Há um desejo na flor

Por entre os matos pervaga
Um cheiro de sensualismo,
Atraente, abafador.

E a seiva nos ramos corre,
Nas folhas se embebe a luz;
Enquanto uma flor já morre
Um botão rebenta a flux