Dicionário de Cultura Básica/Marx
MARX, Karl (Comunismo na Europa e no Brasil, estética socialista)
Apóstolo das doutrinas socialistas, Karl Heinrich Marx (1818–1883) foi perseguido por todos os governos da Europa, encontrando amparo apenas na Inglaterra. Na base de sua formação intelectual encontramos a cultura clássica ("A diferença entre a filosofia da Natureza de Demócrito e a de Epicuro" foi o título de sua tese de doutoramento na Universidade de Iena), o pensamento sociologista de Saint-Simon, de Adam Smith e de Proudhon e o Idealismo dialético de Hegel. Mas foi a leitura de Feuerbach que o encaminhou decisivamente para o Materialismo Histórico, o centro nevrálgico da sua especulação filosófica. Marx achou que Hegel tinha descoberto a verdade ao intuir o princípio dialético; só que esta verdade caminhava de cabeça para baixo, pois a essência das coisas não reside nas "idéias" mas nas realidades objetivas (→ Realismo). O conhecimento do real só é possível pela análise da dialética dos meios de produção: para prover sua subsistência os homens estabelecem relações fundamentais com a natureza e com os outros homens. O que se produz, como se produz e os meios de troca das mercadorias determinam as diferenças de classes e as superestruturas políticas, jurídicas e morais. Enfim, é a realidade social que determina a consciência dos homens e impõe os valores a serem cultuados, e não o contrário, como diziam os idealistas. A amizade profunda com Friedrich Engels que, filho de industrial, escrevera um trabalho crítico sobre a economia capitalista (A situação das classes trabalhadoras na Inglaterra, 1844), forneceu a Marx a experiência da vida operária. Os dois se convenceram da importância da luta do proletariado contra o capitalismo explorador das forças do trabalho humano. Em 1848, lançaram o "Manifesto Comunista", acolhido entusiasticamente em vários países da Europa, especialmente onde a industrialização tinha provocado graves problemas sociais. Em 1867 sai publicado o primeiro volume de O capital (→ Capitalismo), em que Marx tenta descobrir a lei econômica que rege o movimento da sociedade. A crítica mais profunda que ele tece contra o sistema capitalista é a alienação dos trabalhadores. Pela apropriação dos produtos por parte do dono da empresa, o operário se sente estranho à obra que ele realizou e, mal retribuído, torna-se um objeto desprezível nas mãos do empregador. As teorias de Karl Marx foram estudadas e reelaboradas por vários sociólogos e economistas, destacando-se a figura de Lênin, o teórico da Revolução Comunista na então União Soviética. Tentou-se demonstrar que a concentração do capital nas mãos de poucas pessoas gera o Imperialismo Nacional e Internacional: as grandes empresas devoram as pequenas, que não suportam o peso da concorrência, e se expandem além das fronteiras nacionais, escravizando as economias mais fracas ou atrasadas (→ Absolutismo). Daí a luta entre classes sociais desaguar na luta entre nações, comprometendo a paz mundial. No decorrer da I Guerra Mundial, o sonho da instalação de um governo de regime comunista se realiza na Rússia. O grande país do Leste europeu, governado pelo czar Nicolau II, sofrendo de uma grave crise social crônica, passa por uma transformação radical pela insurreição das tropas descontentes, dos camponeses famintos e dos operários explorados, liderados pelo marxista Vladimir Lênin. Em 1917, a revolução comunista depõe o czar e implanta um "estado operário e democrático". Após a morte de Lênin, em 1924, Stalin ascende ao poder, iniciando um período de autoritarismo e de perseguições políticas internas. Sob o impulso da III Internacional Socialista, os partidos comunistas começaram a serem implantados no mundo todo, no Ocidente e no Oriente, sob diferentes nomes: esquerdismo, socialismo, coletivismo, social-democracia, frente popular, partido dos trabalhadores. A luta contra o Nazismo (→ Hitler) renovou as forças dos partidos comunistas nacionais da Europa, após a I Guerra Mundial (→ Marte). O Exército Vermelho das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) ajudou muitas nações a se defenderem da opressão nazi-fascista. A Itália foi um exemplo dessa bipolaridade: o partido comunista (PCI), durante décadas, lutou sempre em oposição ao regime fascista (→ Mussolini). Na II Guerra Mundial (1939–1945), o Comunismo soviético se juntou ao Liberalismo europeu e americano para debelar o eixo nazi-fascista Berlim-Roma-Tókio. Com a vitória dos Aliados, formaram-se dois blocos de poder: a esquerda comunista, chefiada pela URSS, e a direita liberal, liderada pelos USA. Após vários anos de "Guerra Fria", que levou à corrida armamentista com ameaças recíprocas de lançamento de bombas atômicas e a rivalidade entre americanos e soviéticos na exploração do espaço sideral, com Mikhail Gorbatchev no poder (1985 —l991) a União Soviética passa para um período de avaliação do seu regime. Gorbatchev, o todo poderoso, jovem e vibrante, com sua simpática esposa Raisa, realiza visitas diplomáticas a países ocidentais, tirando a Rússia do isolamento cultural. Promove reformas liberalizantes através da glasnost ("transparência") e perestroika ("reestruturação"). A tomada de consciência do fracasso social do regime comunista, junto com a unificação da Alemanha logo após a queda do muro de Berlim, em 1989 (o "Muro da Vergonha" fora erguido em 1961 para separar a parte norte da capital, comunista e pobre, da parte ocidental, liberal e próspera), e os movimentos de autonomia política em vários países do leste europeu, tiveram por conseqüência a dissolução do império soviético. Bulgária, Hungria, Polônia, Romênia, Checoslováquia, Ucrânia e as repúblicas bálticas declaram sua independência, abandonando o regime marxista. No Natal de 1991, após 74 anos de domínio, os cidadãos de Moscou e do mundo inteiro assistem, pela televisão, à baixada da bandeira vermelha com a foice e o martelo e à derrubada da estátua do fundador da KGB. Mas o Comunismo não foi um fenômeno apenas europeu. O ideal marxista se espalhou pelo mundo todo. Na China, durante a "A Revolução de Maio", de 1949, guerrilheiros comunistas, comandados por Mão Tse-tung, vencem os nacionalistas chefiados por Chang Kai-Chek, que se refugiam na ilha de Taiwan, onde fundam um Estado independente. Mão proclama a República Popular da China e inicia um programa de transformações radicais na sociedade chinesa. Mais tarde, em 1960, discordando do regime soviético, rompe as relações com a URSS. Em 1971 a China ingressa na ONU e estabelece relações com os Estados Unidos, mesmo continuando seu regime comunista. Em 5 de junho de 1989, na praça da Paz Celestial de Pequin, tanques do exército chinês abrem fogo sobre uma multidão de estudantes que protestava contra a corrupção e o autoritarismo do governo comunista, matando aproximadamente três mil jovens. Embora mais brando e com tendências à democratização e à ocidentalização, o regime de governo chinês ainda hoje é comunista. No Caribe, na ilha de Cuba, acontece algo de semelhante: em 1959, após uma luta de dois anos contra o ditador corrupto Fulgencio Batista, os guerrilheiros de Fidel Castro ocupam Havana, instalando o Comunismo e alinhando-se com a URSS. O único país do continente americano governado por um regime comunista acusa uma melhoria em seus indicadores sociais, apesar do embargo econômico movido pelos EUA, projetando a pequena ilha no cenário mundial pela prática dos esportes. Pena que o progresso cultural do povo cubano tenha custado um alto preço: a perda da liberdade e a perseguição implacável aos dissidentes do regime. Quarenta e quatro anos depois, Fidel Castro ainda governa Cuba com mão de ferro, sendo o mais antigo dos últimos ditadores. No Brasil, o movimento comunista mais significativo foi o "movimento tenentista", seguido pela chamada "Coluna Prestes": durante dois anos, de 1925 a 1927, quase 1500 homens, chefiados pelo ex-tenente Luís Carlos Prestes (1898–1990) e pelo major Miguel Costa, percorrem o país pregando reformas político-sociais, lutando contra as velhas oligarquias detentoras do poder. O longo cordão humano, que se estendia do Sul ao Nordeste, apelidado de "coluna", perseguido pelo Exército, ingressou na selva amazônica e cruzou a fronteira com a Bolívia. Prestes, em 1935, após exílio político em vários países, voltou ao Brasil e, no ano seguinte, foi preso e condenado à prisão perpétua. Sua mulher, Olga Benário, alemã e judia, grávida de sete meses, foi entregue a agentes do governo nazista, vindo a falecer num campo de concentração alemão. A biografia do escritor Fernando Morais, Olga Belisário Prestes, foi adaptada para o cinema pelo diretor Jayme Monjardim (Olga, 2004), interpretando os papéis principais Camila Morgado (Olga), Caco Ciocler (Prestes) e Fernanda Montenegro (mãe de Prestes). Anistiado em 1945, Luis Carlos chefiou o Partido Comunista Brasileiro. Após o golpe militar de 1964, fugiu outra vez para a Rússia, sendo novamente anistiado, em 1979. Atualmente, o regime comunista ainda sobrevive de modo residual em alguns países do Terceiro Mundo, como Vietnã e Coréia do Norte, além de Cuba.
O ideal de vida comunitária, que o marxismo, embora sem sucesso, conseguiu implantar em algum tempo e em algum lugar, constitui um sonho da humanidade, desde suas origens. A utopia comunista povoa o imaginário coletivo ao longo da história, fundamentada na idéia de que a terra é propriedade de todos, não admitindo classes sociais diferenciadas e condenando qualquer forma de egoísmo, individual ou de grupos. Na Grécia antiga, no séc. IV a.C., o filósofo Platão, em vários Diálogos ("República", "Político", "As Leis") apregoa um modelo de vida socio-político de base comunitária, com a supressão da família. O Estado educaria as crianças, segundo a aptidão natural de cada um, dividindo a sociedade em três classes de cidadãos, correspondentes às três partes em que se divide a alma humana: a razão (os filósofos), a coragem (os guerreiros) e o instinto (os trabalhadores). Com o advento de Jesus Cristo, difundiram-se a idéia e o sentimento de que seria possível a existência de uma sociedade igualitária ou mais justa, sob a égide do amor e da fraternidade. Com efeito, as primeiras comunidades cristãs praticaram o uso comunitário dos bens, especialmente durante as perseguições dos romanos. Mas nos Evangelhos não está contestado o princípio da autoridade do Estado ("Dai a César o que é de César"), nem o do direito individual à recompensa pela frutificação do capital (a parábola dos talentos). No Islã primitivo (→ Maomé), ao redor do séc. X, os muçulmanos viviam em comunidades (umma), cujo chefe (imã ou califa) era encarregado de fazer aplicar a lei corânica. Na época da Reforma Protestante (→ Lutero), no séc. XVI, a facção dos anabatistas ("os batizados de novo"), deu origem à Guerra dos Camponeses, na tentativa de instaurar na cidade alemã de Münster um governo teocrático, centrado na comunidade dos bens. Quase dois séculos depois, com o socialista revolucionário François Noël Babeuf, apelidado de "Gracchus" (talvez por defender a mesma causa da Reforma Agrária, que provocou a morte dos dois irmãos romanos Caio e Tibério → Agricultura), o ideal comunista se separou da religião, tornando-se ateu. Pela sua profissão (jornalista e funcionário público encarregado do registro das terras) e pela sua cultura (centrada sobre as obras de Rousseau) achou-se em condição de pôr em prática o ideal igualitário, lutando contra a injusta repartição das riquezas. Durante o cruel inverno de 1795–1796, que aumentou o sofrimento da classe francesa mais pobre, chefiou a chamada "Conjuração dos Iguais", movimento que provocou sua prisão e condenação à morte. Se a França ofereceu um precedente histórico, a Alemanha contribuiu com o suporte teórico para o avanço das lutas para a afirmação do Comunismo ateísta. Ludwig Feuerbach (1804–1872), ex-teólogo e ex-idealista hegeliano, impressionado pela união do poder religioso com o poder político na Prússia, cria o "Materialismo Dialético", negando qualquer forma de transcendência. O espírito ou a alma, segundo sua teoria, também é composto de matéria, sendo apenas uma essência mais sutil. Chegou a afirmar que o "o homem é o que come", pois a comida se transforma em substância cerebral. O quociente da inteligência humana, portanto, está diretamente proporcional à qualidade dos alimentos. Na sua obra mais famosa, A Essência do Cristianismo, tenta demonstrar que a história de Deus é a própria história do desenvolvimento humano. Esses foram os antecedentes culturais que levaram Marx e Engels, em plena era do triunfo do Capitalismo, produzido pela Revolução Industrial, a fazerem uma profunda análise crítica do sistema socio-econômico do séc. XIX, propondo a alternativa de um regime de governo socialista e dando ao movimento operário uma organização revolucionária e internacional.
Karl Max é uma figura fundamental na história da cultura ocidental, revolucionando o campo da Sociologia, assim como Darwin na Biologia, Freud na Psicologia e Einstein na Física. Os reflexos da sua doutrina ultrapassaram o campo das Ciências Sociais, atingindo também o mundo das artes. O pensamento marxista influenciou fortemente uma parcela da arte moderna e contemporânea, a mais voltada para a problemática das injustiças sociais. Apontamos, na Literatura, o filão da narrativa ficcional chamado de "realismo socialista"; no Teatro, as peças engajadas de Gogol, Brecht e Sartre; no Cinema, as películas neo-realistas dos grandes diretores italianos das décadas de 60–70. Os princípios estéticos do Realismo socialista criaram um novo tipo de arte, cujos fundamentos podem ser assim sintetizados: a) a arte tem uma função utilitária, que deve ser posta a serviço do progresso material e espiritual da comunidade, devendo-se evitar o puro intelectualismo: "toda vez que o trem da vida faz uma curva, os pensadores caem pela janela", dizia Marx; b) o objeto primordial da arte é descrever a realidade, mas com uma visão seletiva: devem-se representar apenas os aspectos da realidade que fortaleçam os ideais da coletividade; c) a forma artística deve ser tradicional e simples, de modo a ser facilmente compreendida pelo povo; d) a forma deve estar em função do conteúdo, condenando-se as extravagâncias lingüísticas, o intelectualismo exagerado, o psicologismo profundo, a moda surrealista, os experimentalismos formais; e) os temas e as personagens de um romance devem ter um tratamento maniqueísta, pois ações e personagens boas são as que seguem os ideais da nova sociedade; quem deles se afasta deve ser considerado um ser diabólico, inimigo público. O herói deste tipo de arte é o camponês, o operário, o trabalhador em geral, que coloca seu braço ou sua mente a serviço da coletividade, visando uma maior produtividade econômica ou um grande progresso científico, com o intuito de demonstrar a eficiência do sistema socialista. A estética socialista teve no escritor russo Máximo Gorki seu melhor representante, com repercussões também fora União Soviética. Lembramos apenas dois grandes teóricos da escola: o húngaro Georg Lukács (1885–1971) e o francês Jean-Paul Sartre. Para o primeiro autor, a estética socialista não é um estilo particular de uma época, mas o fundamento de qualquer atividade literária, pois toda arte é realista no momento em que nasce da realidade e lhe reflete os problemas. Na época atual, todo realismo tem que ser socialista, visto que é obrigado a configurar as lutas e as práticas humanas em função da criação de uma sociedade justa e igualitária. Entre as numerosas obras de filosofia e de crítica de Lukács, assinalamos: Teoria do romance, História e consciência de classe, Os grandes realistas russos, O romance histórico, A significação presente do Realismo crítico, Estética marxista. Para o socialismo do escritor francês, veja-se o verbete Sartre. No Brasil, a filiação à escola do realismo socialista foi tentada, no âmbito da narrativa, por Jorge Amado.