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Anexo:Imprimir/O Brasil Anedótico

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Índice

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Frases históricas que resumem a crônica do Brasil-Colônia, do Brasil-Império e do Brasil-República.

A Carlos de Laet

e Afonso Celso


Modelos de saber e de virtudes que a Monarquia legou à República.

"Se la storia è un albero contesto di gesta
memorande che ne formano il tronco, i rami
e le foglie, l'aneddoto è il fiore che sboccia
tra il verde, e gli conferisce aroma,
freschezza e leggiadria".

Adolfo Padovan

Moreira de Azevedo — Mosaico Brasileiro, pág. 141

Bernardo Pereira de Vasconcelos, no início da moléstia grave que afinal o inutilizou para o serviço do país, sofria de uma paralisia nas pernas, que o obrigava a arrastar os pés, quando andava. Entrava ele, certa vez, no Senado, esfregando os sapatos no soalho, quando o visconde de Caravelas, que era coxo e abaixava-se de uma banda a cada passada, lhe observou, rindo:

— Que é isso? Você está varrendo o Senado?

— É verdade — confessou o grande tribuno. — É verdade.

E, aludindo ao defeito do agressor:

— Eu varro o Senado e você ajunta o cisco!

Alfredo Pujol — Machado de Assis, pág. 15

Achava-se Francisco Otaviano uma tarde no escritório, quando lhe apareceu o seu velho camarada Carlos Bernardino de Moura, redator da Pátria,de Niterói, e pediu-lhe algum dinheiro para levar à família, que não tinha o necessário para as despesas do dia.

— Olha, Bernardino, vamos dividir irmãmente o que eu tenho no bolso, — propôs o poeta.

E tirando da algibeira quarenta mil réis, passou vinte ao camarada.

Meia hora depois, ao sair do escritório, encontrou Otaviano o Bernardino na rua do Ouvidor, à porta de uma confeitaria, sobraçando dois vistosos melões "casca-de-carvalho", que se não compravam por menos de dez mil réis cada um. Deu-lhe caça, tomando-lhe a frente.

— Olha, Bernardino, — disse, detendo-o.

E tomando-lhe um dos melões:

— Vamos dividir isso irmãmente!

Taunay — Reminiscências, vol. I, pág. 109

O Imperador Pedro II não tinha grandes simpatias pessoais por José de Alencar. Porque este o houvesse ferido por mais de uma vez pela imprensa, ou porque lhe fizesse mal o amor-próprio, ou melhor, o orgulho do escritor, foi o soberano contrário, desde o princípio, à candidatura do seu ministro da Justiça à cadeira de senador pelo Ceará. No dia em que este lhe foi comunicar que era candidato, o monarca objetou-lhe:

— No seu caso, não me apresentava agora: o senhor é muito moço...

Alencar, num daqueles repentes que lhe eram habituais, não se conteve.

— Por esta razão, — disse — Vossa Majestade devia ter devolvido o ato que o declarou maior antes da idade legal...

E tomando conta de si:

— Entretanto, ninguém até hoje deu mais lustre ao governo...

O Imperador não lhe perdoou, jamais, esse ímpeto, vetando, como se viu depois, o seu nome, que era o mais votado da lista.

Tobias Barreto — A tolerância do Imperador, O Jornal 5-12-1925

Era Ferreira Viana ministro no gabinete João Alfredo, quando, em um concurso na Faculdade de Direito de Recife, Martins Júnior, republicano e positivista, tirou o primeiro lugar em um concurso, contra o filho de um dos maiorais do governo na província. O Imperador defendia, a todo o transe, Martins Júnior, contra os interesses do gabinete.

— Ele é republicano, majestade! — alegou Ferreira Viana.

— Isso não é razão, — contestou o monarca; — a fé republicana não o impede de ser um bom professor.

— Depois, é um ateu.

— Ainda menos, — tornou o soberano. — Todas as crenças podem ser admitidas, desde que sejam sinceras.

Ferreira Viana sentiu-se vencer, e reagiu:

— Bem. Vossa Majestade, dispensa no civil, mas eu não dispenso no religioso!

E fechou a questão.

Humberto de Campos — Carvalho e Roseiras, pág. 63

Joaquim Gomes de Sousa, o genial brasileiro, que, aos trinta anos, resumia todo o saber do seu tempo, era profundíssimo em tudo, principalmente em matemática. Na Câmara, discutia todas as matérias. Certo dia, ao apartear um deputado que discursava sobre finanças, o orador retrucou veementemente:

— O assunto em discussão não é da especialidade de V. Exa.!

E Gomes de Sousa, logo, de pé, com todo o fogo do seu orgulho:

— É por isso mesmo que eu o discuto com V. Ex. Se se tratasse de assunto da minha especialidade, eu não admitiria V. Ex. à discussão.

Tobias Monteiro — "Pesquisas e Depoimentos", pág. 34

Votava-se no Senado a lei do Ventre Livre, a 28 de setembro de 1878. Nas tribunas do Senado, repletas, apareciam as figuras mais eminentes do mundo diplomático, entre essas o ministro dos Estados Unidos. A discussão do projeto foi brilhante e vigorosa, sob a presidência de Abaeté. E quando, pela votação, se verificou a vitória de Rio-Branco, o povo que enchia as galerias irrompeu em manifestações ao grande estadista, lançando-lhe sobre a cabeça braçadas e braçadas de flores.

Terminada a sessão, O ministro dos Estados Unidos desceu ao recinto para felicitar o presidente do Conselho e os senadores que haviam votado o projeto. E colhendo, com as próprias mãos, algumas flores, das que o povo atirara a Rio-Branco, declarou:

— Vou mandar estas flores ao meu país, para mostrar como aqui se fez deste modo, uma lei que lá custou tanto sangue!

Taunay — Homens e Coisas do Império, pág. 112

O Duque de Caxias, quando em campanha, fazia questão de sofrer as mesmas agruras e correr os mesmos riscos que os seus soldados. Uma tarde, em Lomas Valentinas, estava ele, completamente molhado, sob uma laranjeira, esperando o momento do ataque, quando uma ordenança se aproximou, trazendo à mão, com cuidado, uma fumegante xícara de café.

— Aqui está — disse — que o sr. dr. Bonifácio de Abreu mandou para V. Excia., e ordenou-me que não deixasse cair um pingo no chão.

O marechal fitou-o pausadamente.

— Eu não quero, — respondeu, afinal.

E para o soldado, abrandando a voz:

— Beba-o você, camarada.

Taunay — Reminiscências, vol. I, pág. 107

Em uma das suas audiências dos sábados, em que atendia a toda a gente, recebeu D. Pedro II no Paço da Boa Vista um preto velho, que se queixava dos maus tratos de que era vítima.

— Ah, meu senhor grande, — lamentava-se o mísero, — como é duro ser escravo!

O Imperador encarou-o, comovido.

— Tem paciência, filho, — tranqüilizou-o. — Eu também sou escravo... das minhas obrigações, e elas são muito pesadas! As tuas desgraças vão minorar...

E mandou alforriar o preto.

Alfredo Pujol — Discurso de recepção na Academia Brasileira de Letras

A demissão^ de Rodrigues Júnior na pasta da Guerra, no gabinete Lafayette, havia constituído um escândalo nos arraiais políticos. Explicando à Câmara o seu ato, o presidente do Conselho dera a perceber que este fora motivado pela ignorância do seu ex-companheiro de gabinete.

— Decline V. Ex. um fato! Diga qual foi o erro que cometi! — aparteou, furioso, o acusado.

E Lafayette, brutal e imperturbável:

— A incapacidade não se prova com fatos!

Salvador de Mendonça — Artigo n'O Imparcial — 1913

Professor das princesas, filhas de Pedro II, Joaquim Manuel de Macedo, o célebre romancista de A Moreninha, desempenhava o seu mandato de deputado geral, quando o conselheiro Francisco José Furtado, organizador do gabinete Liberal de 31 de agosto de 1864, o convidou para a pasta dos Estrangeiros.

Recusada a honra, mandou o Imperador chamar o escritor à sua presença, e indagou o motivo do seu gesto, quando possuía tantas qualidades para ser um bom ministro.

— Admita-se que eu tenha as qualidades que Vossa Majestade me atribui, — respondeu Macedo: — mas eu não sou rico, requisito indispensável a um ministro que queira ser independente.

E decidido:

— Eu não quero sair do Ministério endividado ou ladrão!

Taunay — Reminiscências — vol. I, pág. 26

Zacarias de Gois e Vasconcelos era orgulhosíssimo e fazia questão de, quando falava, ser ouvido atentamente por toda a casa. Um dia, achava-se ele na tribuna, quando notou que dois velhos colegas, o Barão do Rio-Grande e o Barão de Pirapama, que eram profundamente surdos, conversavam em voz alta, para se entenderem sobre navalhas afiadas. Zacarias parou. E como a interrupção causasse estranheza:

— Estou esperando que os Barões de Pirapama e do Rio-Grande acabem de se barbear!

Taunay — Reminiscências, vol. I, pág. 48

Sales Torres-Homem, apesar do seu tipo austero e pesado, primava em trajar-se com a maior correção e, mesmo, com certo luxo: sobrecasaca rigorosamente justa e abotoada, botina de verniz, luvas, gravatas de gosto com alfinetes adequados.

— É preciso — aconselhava ele, não deixar aos medíocres e tolos sequer essa superioridade: trajarem bem. As exterioridades têm inquestionável importância. A um tresloucado e criminoso é muitíssimo mais fácil dar logo cabo de qualquer maltrapilho, do que simplesmente desrespeitar um homem revestido das insígnias de alta posição social. Conturba-o a certeza de que esse insulto será incontinente punido pelas leis e pelas autoridades.

Tobias Barreto — Pesquisas e depoimentos, pág. 242

Homem de sentimentos nobres e caráter inflexível, Ouro-Preto justificava o gesto de Deodoro, revoltando-se contra o seu gabinete, mas não perdoava a atitude de Floriano, traindo-o até a última hora, a 15 de novembro. De regresso do exílio, achando-se Floriano no governo, foi o último presidente do conselho cientificado por um amigo comum de que o ditador desejava ouvir alguns homens antigos e sugeria um encontro com a sua pessoa. Ouro-Preto cortou o assunto.

— Meu amigo — declarou, — se eu alguma vez tivesse encontrado Deodoro e ele me estendesse a mão, apertá-la-ia sem esforço. Mas, à presença do general Floriano...

— ?...

— Só irei preso!

Ernesto Sena — Deodoro, pág. 149

O marechal Deodoro jamais contestou que, até às vésperas de 15 de novembro tivesse servido devotadamente ao Imperador. A sua adesão às idéias de Benjamim data, talvez, de 10 a 12 daquele mês.

Certo dia, já presidente, recebeu Deodoro no Itamarati um cavalheiro que alegava ser republicano de longa data, batendo-se pela República desde 1875.

— Pois eu, meu caro senhor, não dato de tão longe.

E pachorrentamente:

— Eu sou republicano de 15 de novembro, e o meu irmão Hermes de 17!

Taunay — Reminiscências, vol. I, pág. 158

Na sessão de 6 de setembro de 1869, atacado por Zacarias, José de Alencar, ministro da Justiça, investiu-o galhardamente. Zacarias, forte e esbelto, o havia chamado de "fanadinho", procurando ridicularizar a sua pequena estatura.

— Ora, senhores — bradou Alencar, em meio do seu discurso, — sei que alguns homens altos, e aqui não há certamente desses, — costumam curvar-se para poderem passar por certas portas; mas os homens baixos têm esta vantagem, nunca se curvam. Quando passam pelas portas baixas ou pelas altas, como esta do Senado, trazem a cabeça erguida!

Tobias Monteiro — Pesquisas e depoimentos, pág. 196

O que mais atemorizava os estadistas do Império quando se tratava da abolição da escravatura era o desgosto dos fazendeiros prejudicados, que passariam a agir contra a coroa. E esse receio, como se viu depois, era mais que fundado.

A 13 de maio, discutia-se no Senado a lei João Alfredo quando Cotegipe enunciou mais uma vez os seus temores.

— V. Excia. não tem razão, aparteou o visconde de Jaguaribe.

E entre os aplausos das galerias:

— Tenhamos fé nas instituições; se elas valem alguma coisa não há de ser por falta de escravos que hão de cair!

Aluísio de Castro — Discurso da Academia Brasileira de Letras, 1918.

Quando o Dr. Francisco de Castro assumiu, em 1901, a direção da Faculdade de Medicina, quis ter a seu lado, no ato da posse, o seu velho amigo Machado de Assis. Encarregado de ir buscar o grande romancista no Ministério da Viação, ia o Dr. Aluísio de Castro, então estudante, ao lado do autor do Brás Cubas, quando, na rua da Misericórdia, começou a lamentar a desgraciosidade do casario colonial, que tornava o caminho mais longo.

— Que casas feias!... — lamentou o estudante, numa censura de moço olhando aquela edificação secular.

E Machado de Assis, numa desculpa:

— São feias, são: mas, são velhas...

Taunay — Reminiscências, vol. I, pág. 27

Analisava, certo dia, Zacarias de Góis e Vasconcelos, da tribuna, os atos e a vida particular de Cotegipe, então ministro da Marinha no gabinete 16 de julho.

— S. Excia. — diz o orador, — não tem tempo material para despachar o simples expediente da sua pasta. Senão, vejamos. O nobre ministro levanta-se tarde, mais ou menos às 10 horas da manhã; faz a sua toilette com apuro, o que lhe leva bem uma hora; almoça às 11, palestra com os amigos; chega ao Senado às 12; vai à Câmara ou responde aqui pelos desacertos do gabinete; fica livre às 4; acha a casa cheia de gente; torna a palestrar com os íntimos; janta às 7 e meia; joga a sua indefectível partida de voltarete; vai ao teatro às 10, sai dele às 11, passeia por aí, etc., etc., e afinal recolhe-se depois de meia-noite, senão mais tarde!

No dia seguinte, Cotegipe responde-lhe, no mesmo tom:

— Sinto, Sr. Presidente, não ter podido ouvir ontem, o minucioso relatório, que o nobre senador apresentou sobre a minha vida diária, pois houvera retificado várias inexatidões. Até certo ponto, porém, foi conveniente, porquanto tivesse ensejo de proceder a conscienciosas indagações e estou agora habilitado, do meu lado, para indicar ao Senado o modo por que S. Excia. reparte as horas do seu dia. Levanta-se cedo, às 6 horas da manhã, toma o seu banho frio, bebe café com leite e come um pratinho de torradas. Depois, estuda os relatórios e as matérias da ordem do dia até às 9. Aí, almoça e vai vestir-se, no que gasta algum tempo, por isso que prova várias sobrecasacas, a ver a que melhor lhe assenta. (Era, com efeito, uma das preocupações do Zacarias andar sempre com roupas severas, mas muito bem ajustadas e elegantes). Vem para o Senado e até às 4 horas da tarde leva a causticar a todo o mundo. Volta à casa na sua caleça; janta às 5 e palita os dentes. Às 6 e meia sai para a Misericórdia; às 8 encerra-se com as irmãs de caridade e com elas conversa, até às 9 e meia; recolhe-se às 10 e deita-se, dormindo sono de beato por ter cumprido com todas as suas obrigações.

Provedor da Santa Casa, Zacarias achou oportuno propor a Cotegipe um acordo, para que aquilo não ficasse nos anais. Procurou-o.

— Colega, — pediu, com gravidade, nas provas taquigráficas vou tirar aqueles maliciosos "etcetera, etcetera". V. Excia., por sua parte, há de eliminar a tal história das irmãs de caridade. Ouviu?

— Riscarei tudo quanto V. Excia. quiser, — concordou o Barão, — mas não consinto, isso nunca, que deixem de aparecer os tais "etcetera, etcetera". Esses são meus, e vão dar-me muita força moral.

E com o seu perfil de fuinha:

— Se os suprimir, reclamo-os da tribuna; fique certo!

Taunay — Homens e Coisas do Império, pág. 87

Vítima de um ataque de uremia, o Visconde do Rio branco agonizava, cercado pela família e pelos amigos. Pálido como cera, os olhos cerrados, tentava, de quando em quando, erguer o braço, no seu gesto de orador, deixando escapar frases que davam idéia do seu delírio.

— Senhor presidente... — exclamou, grave; — peço a palavra...

Momentos de silêncio. E depois:

— Peço licença para falar com muita pausa devido ao meu melindroso estado de saúde...

Novo silêncio. Em seguida:

— Não perturbem a marcha do elemento servil...

E com energia, na frase derradeira:

— Confirmarei diante de Deus tudo quanto houver afirmado, diante dos homens!...

Momentos depois, era a morte.

Taunay — Reminiscências, vol. I, pág. 74

Logo após a República, foi o conselheiro Paulino José Soares de Sonsa, provedor da Santa Casa, procurado por uma comissão de positivistas, que o foi convidar a mudar a denominação do cemitério São João Batista para Sul-Colombiano.

— Tomo nota da idéia — replicou o velho monarquista; — mas convém, antes da execução, saber se os que lá se acham têm até agora motivo de queixa ou aborrecimento contra esse nome de São João Batista.

Ernesto Sena — Deodoro, pág. 160

Era a 23 de novembro de 1893. Verificada a traição de amigos em que confiava, e para não atear a guerra civil, Deodoro resolveu renunciar a presidência da República.

Manda lavrar o decreto. Levam-lho. Ele torna da pena, comovido, a mão trêmula.

— Assino a carta de alforria do último escravo do Brasil, — declara.

E assinou.

Taunay — Reminiscências, vol. I, pág. 47

Sales Torres-Homem era dos mais famosos sibaritas que o Brasil tem produzido. Os prazeres da mesa eram, para ele, dos maiores. Comia, porém, com arte, com método, não como um glutão, mas como um verdadeiro artista do paladar. Em certo banquete dizia ele a um vizinho:

— Não coma do pão senão a côdea, meu amigo: o miolo incha logo no estômago e ocupa lugar que pode ser mais bem preenchido!

Taunay — Reminiscências, vol. I, pág. 74

Era o conselheiro Paulino José Soares de Sonsa provedor da Santa Casa de Misericórdia quando foi intimado pelas autoridades republicanas a acabar com o "Deus guarde" dos seus ofícios ao governo.

— Não me é licito aceder à intimação de V. Excia. — respondeu ele ao ministro do Interior: — neste estabelecimento ainda há Deus, nem se o pode dispensar no meio de tantos sofrimentos e misérias dos homens.

E não alterou a fórmula.

Serzedelo Correia — Páginas do Passado, pág. 15

A imprensa, na sua quase unanimidade, reclamava diariamente a eleição presidencial, que Floriano ia adiando. Desejando pôr termo a essa situação os ministros reuniram-se na secretaria da Viação, sendo todos acordes em forçar o ditador a essa medida. Incumbido de levantar a questão no despacho semanal, Simeão fê-lo com coragem. Floriano escutou-o e, ao cabo, voltando-se para Rodrigues Alves, indagou:

— O senhor conselheiro pensa da mesma forma?

— Perfeitamente.

Voltou-se para José Higino:

— E o senhor?

— Solidário com eles.

Era a vez de Serzedelo Correia. Floriano sabia-o na conjuração. Antes, porém. que este se manifestasse precipitou:

— A opinião aqui do meu camarada, eu já conheço.

Transfigurou-se:

— Mas os senhores estão enganados.

E batendo com a Constituição em cima da mesa:

— Enquanto esta vigorar, sou o presidente, e não faço a eleição!

Alfredo Pujol — Machado de Assis, pág. 20

Era José de Alencar ainda criança, quando se reuniam secretamente na casa de seu pai, no Rio, os políticos do Clube Maiorista, que preparava a revolução parlamentar da maioridade. Logo que chegavam os altos personagens da conspiração, era um reboliço em toda a casa para o arranjo do chocolate, com bolinhos e manuês. Vendo dali a pouco voltarem da sala secreta as mucamas com as enormes bandejas devastadas, o futuro romancista, desconfiado, comentava:

— Qual! Estes homens o que querem é chocolate!...

Taunay — Reminiscências, vol. I, pág. 25

Vitalícios como eram, os senadores do Império acabavam necessariamente amigos, quase parentes, ao fim de dez, vinte, trinta anos de intimidade. As divergências políticas não conseguiam estabelecer inimizades duradouras entre os velhos representantes do povo.

Às vezes, as discussões azedavam-se, tornavam-se violentas. No meio, porém, do tumulto, ouvia-se a palavra irônica de Cotegipe, reclamando calma, com uma antiga frase de Montesuma:

— Nada de brigas! Nada de brigas! Lembremo-nos que temos de viver juntos toda a vida!

Coelho Neto — Discurso na Academia Brasileira de Letras

Começava Patrocínio a ser hostilizado pelos propagandistas da República, que o acusavam de haver abandonado as suas fileiras, lisonjeado pelo beijo que a Princesa dera no seu filho pequeno, quando, num "meeting", o grande abolicionista tentou falar.

— O Brasil... — ia começando, quando se deteve.

Atribuindo aquela pausa a um estado de decadência, a multidão começou a rir. Patrocínio olhou-a, do alto, e continuou:

— O Brasil... que somos nós?

Silêncio absoluto.

— Sim; que somos nós? — tornou.

E formidável:

— Somos um povo que ri, quando devia chorar!

Alfredo Pujol — Discurso na Academia Brasileira de Letras

A ascensão de Lafaiete à pasta da Justiça, no gabinete de 5 de janeiro de 1878, havia irritado os políticos profissionais, que não compreendiam a escolha fora dos partidos. Tornando-se eco do despeito geral, Martinho de Campos, exclamou, certo dia, num aparte, na Câmara.

— Eu só queria saber de que meios V. Excia. se serviu para subir tão depressa aos conselhos da coroa!

— Eu? — fez Lafaiete, a mão no peito.

E com orgulho:

— Subi montado em dois livrinhos de Direito!

Aluísio de Castro — Discurso na Academia Brasileira de Letras, 1918

Em um encontro na Livraria Garnier, apresentara Francisco de Castro o seu filho Aluísio, ainda estudante, a Machado de Assis. Vendo quase homem aquele que vira recém-nascido, Machado sentenciou, triste:

— A vida é um baile de máscaras; uns vão saindo depois dos outros.

E com voz meio gaguejada:

— Já me sinto no fim do baile...

Osvaldo Cruz — Discurso na Academia Brasileira de Letras, 1913

O temor de lavrar uma sentença injusta, fizera de Raimundo Correia um tímido, um irresoluto, diante das menores coisas da vida. Saltara ele em uma estação da Central rumo de Minas, afim de comprar um par de sapatos para uma das filhas, quando se pôs a conjeturar:

— Deve ser azul... É melhor... é cor do céu... as moças gostam mais do azul...

E pegando em outro:

— Ou vermelho?... É a cor da alegria... do sangue... da mocidade...

O trem apitou.

— Vai o azul. Embrulhe o azul!

Correu a tomar o carro, que já se punha em marcha. E já da janela do vagão, agitando um embrulho, para uns amigos que o tinham ido abraçar na passagem:

— Antes tivesse trazido os vermelhos!...

Augusto de Lima — Discurso na Academia Brasileira de Letras, 1923

Comandava Saldanha da Gama uma das unidades da nossa esquadra quando, um dia, mandou aplicar algumas dezenas de chibatadas em um grumete de catadura feroz, o mais indisciplinado, talvez, do navio. Ao sofrer a pena, o marujo, com o corpo lanhado, sangrando e babando, jurou que, na primeira oportunidade, se vingaria do comandante, vibrando-lhe quatro punhaladas.

Saldanha mandou-o vir imediatamente à sua presença, no seu camarote. O marujo apresentou-se.

— Entra! Ordenou-lhe.

— Às ordens, "seu" comandante.

Saldanha fechou a porta por dentro, ficando aí apenas os dois.

— Faze-me a barba, — mandou, sentando-se, e indicando-lhe a navalha.

O marinheiro obedeceu. Mas de tal forma lhe tremia a mão, que estacou.

— Então?! — fez o comandante, reclamando.

E o grumete:

— Não posso mais, "seu" comandante... Tenho medo de "amolestá vossenhoria"!

E caiu de joelhos, em pranto, beijando-lhe as mãos.

Salvador de Mendonça — O Imparcial, janeiro 1913

Joaquim Manuel de Macedo, o famoso autor d' A Moreninha, exercia a medicina durante o seu tempo de estudante, quando ia a Itaborá, sua cidade natal. Uma vez formado, abandonou a profissão de tal modo, que não se lembrava, às vezes, que era médico.

Certo dia, morreu-lhe em casa uma pretinha, sendo necessário, para enterrá-la, um atestado médico. Distraído, o romancista saiu, e, ao chegar à cidade, encontrou-se com o Barão de Capanema, que perguntou aonde ia. Macedo contou-lhe o que lhe ocorrera em casa, e a sua atrapalhação para o enterro.

— Agora, o pior — terminou — é um médico para o atestado.

— Um médico? — fez Capanema espantado.

E sacudindo-lhe o braço:

— Aqui está um!

E riram, os dois.

Medeiros e Albuquerque — Discurso na Academia Brasileira de Letras

Raimundo Correia era de um escrúpulo doentio ao lavrar as suas sentenças de juiz. Certa vez, foi ter-lhe às mãos um processo movido contra Medeiros e Albuquerque por um fornecedor que pretendia receber duas vezes uma conta de novecentos mil réis. Chamado à casa do poeta-magistrado, Medeiros encontrou-o abatido, desolado.

— Sabes — comunicou-lhe Raimundo, há nove noites não durmo por causa deste processo. Vou jurar suspeição.

— Mas, pelos autos, eu tenho ou não tenho razão?

— A conclusão que eu tiro, — informou o autor do Mal Secreto, — é que a razão está contigo. E aí é que está o meu escrúpulo.

— ?...

— Há nove noites eu pergunto a mim mesmo: mas eu acho que o Medeiros tem razão porque tem mesmo, ou é porque o Medeiros é meu amigo?

E passou adiante a papelada.

Moreira de Azevedo — Mosaico Brasileiro, pág. 189.

Escolhido senador em 1833, Paula e Sonsa estava no leito, desenganado, em 1851, quando a 15 de agosto lhe foram anunciar que, no dia seguinte, entrava em discussão no Senado um projeto de lei militar, consagrando princípios que a sua palavra sempre condenara.

— Quero ir ao Senado, — disse ele, ansiando: — quero ir ao Senado, e falar pela última vez. Quero protestar, em nome da Constituição, contra o projeto de lei que sujeita paisanos a comissões militares. Talvez possa a voz do moribundo, com o prestígio da morte, impedir semelhante violência.

Nessa mesma tarde, perdeu a fala. No dia seguinte, era enterrado.

Alfredo Pujol — Machado de Assis, pág. 60.

Ao iniciar Machado de Assis a publicação, em folhetins diários, do seu romance A mão e a luva, Francisco Ramos Paz, um dos seus poucos amigos e seu confidente literário, lembrou-lhe a conveniência de descrever, em um dos capítulos da obra, o soberbo parque do Conde de São Mamede, no Cosme Velho.

— A natureza inspirará uma bela página ao teu romance... — disse-lhe.

Machado recusou, porém, de pronto.

— A natureza não me interessa...

E definindo-se:

— O que me interessa é o homem!

Tobias Barreto — O Jornal, 5 de dezembro de 1925

Encarregado de promover, na madrugada de 16 de novembro, o embarque da família imperial a bordo do Parnaiba, o coronel Mallet foi desobrigar-se da sua missão, no Paço.

— Que é isto? Então vou embarcar a esta hora da noite? — exclamou o velho Imperador.

Mallet adiantou-se, com ar respeitoso:

— O governo pede a Vossa Majestade que embarque antes da madrugada. Assim convém.

— Que governo? — indagou o monarca.

— O governo da República, — informou o oficial.

— Deodoro também está metido nisso?

— Está, sim senhor; é ele o chefe do governo.

E o Imperador, num espanto:

— Estão todos malucos!...

Sampaio Ferraz em Ernesto Sena — Deodoro, pág. 165

Na noite de 15 para 16 de novembro, Deodoro piorou consideravelmente da sua dispnéia cardíaca, e recolheu-se ao quarto, padecendo horrivelmente. Aí mesmo recebia os próceres do movimento revolucionário do dia, dando-lhes ordens, apresentando-lhes sugestões.

Nomeado chefe de Polícia, Sampaio Ferraz foi vê-lo nessa noite. Encontrou-o estertorando, numa crise.

— Não sei se amanhecerei! — declarou-lhe o marechal.

E asfixiado:

— Mas, enfim, cumpri o meu dever!

Mário de Alencar — Revista da Academia Brasileira de Letras, n° 7, 1912

Era Raimundo Correia juiz no Rio de Janeiro quando lhe foram a despacho os papéis de um processo-crime, sobre um ferimento, a facão, num açougueiro, feito pelo seu próprio empregado.

Raimundo mandou chamar as partes. Declarou que ia absolver o culpado, porque havia sido ofendido no insulto. Mas, só o faria com uma condição: se os dois não guardassem ódios. Fez-lhes uma preleção sobre a violência, e terminou:

— Vocês têm religião?

— Sim, senhor.

E aproximando-os:

— Então, vão, e sejam amigos...

Moreira de Azevedo — Mosaico Brasileiro, pág. 37

Era costume de D. Francisco de Almeida, depois segundo conde das Galveas e íntimo de D. João VI, comparecer ao Paço com a barba por fazer. Um dia, o monarca observou-lhe:

— Pois nem hoje, dia dos meus anos, D. Francisco, fizeste a barba?

— Por que não fez Vossa Majestade anos ontem, que foi dia em que me barbeei? — retrucou o fidalgo, na sua bonomia.

Faria Neves Sobrinho — A Manhã, de 19 de janeiro de 1927

Verificada a renúncia de Deodoro, e conseqüente ascensão de Floriano, os amigos deste promoveram por todo o país movimentos revolucionários, pondo no governo dos Estados gente do seu grupo. Em Pernambuco, deposto o Barão de Contendas, foi constituída uma Junta governativa, com o general Jaques Ouriques, José Vicente Meira de Vasconcelos e Ambrósio Machado Cunha Cavalcante. Urgia, entretanto, eleger um governo definitivo, e a Junta, em telegrama a Floriano, propôs três nomes: Martins Júnior, José Vicente e Ambrósio Machado.

Dias depois vinha este telegrama lacônico de Floriano:

— "Barbosa Lima aceita e agradece".

A Junta ficou boquiaberta. Jamais havia passado pela idéia dos seus membros o nome de Barbosa Lima.

Taunay — Reminiscências, vol. I, pág. 30

Discutia-se no Senado o projeto de lei emancipando os escravos, quando Zacarias, que lhe era contrário e ocupava a tribuna, exclamou, em certo momento, zombeteiro, ferindo de frente Rio-Branco:

— Podem, por exemplo, sr. Presidente, dizer a um desses escolhidos: "És um Rio, e às tuas brancas águas entregarei a nau que leva os destinos da coroa!"

Quando Zacarias acabou, Rio-Branco subiu à tribuna e começou assim:

— Sou o primeiro, Sr. Presidente, a lamentar que as circunstâncias me colocassem nesta posição e que ao ministério de que faço parte coubesse a realização de tão grande idéia. Fora, sem dúvida, mais feliz o país se tivesse à frente do seu governo um atleta da força do nobre senador pela Baía. Mas S. Excia. mesmo teve a bondade de recordar-nos que, às vezes, a Providência permite que pequenos e modestos instrumentos possam realizar maiores feitos do que alterosos gênios.

E entrou, em seguida, no assunto.

Tobias Barreto — "A tolerância do Imperador", no O Jornal, de 5 de dezembro de 1925

Pedro II estava no exílio, quando, ao abrir um jornal, deparou a notícia da morte de Benjamim Constant.

— Aqui está uma notícia que me entristece, — declarou.

O Barão de Penedo, que se achava presente, estranhou aquele sentimento, por quem se mostrara tão ingrato. E o neto de Marco Aurélio:

— Nada tem uma coisa com a outra. Esse era o homem político. Deploro a morte do homem de ciência, que estimei, e que era muito boa criatura.

Moreira de Azevedo — "Mosaico Brasileiro", pág. 135.

Ao contrário do que se pode concluir das suas máximas, o marquês de Maricá não era um homem sisudo, grave, conceituoso, na palestra. Gostava de pilheriar com finura, tendo deixado, nesse terreno, alguns ditos interessantes.

Certo dia, estava ele à mesa, quando recebeu uma participação de casamento.

— Vamos, marquesa, — disse, pondo-se de pé; vamos quanto antes dar os parabéns aos noivos. Bom será que seja hoje mesmo.

— Hoje, marquês? Por que tanta pressa?

— Para não acontecer — respondeu ele, — o que sempre acontece; isto é, dar-se parabéns quando os noivos já estão arrependidos.

Anais do Senado

Sessão de 7 de julho de 1894, no Senado. Quintino acaba de defender os interesses de Floriano Peixoto, advogando a prorrogação do sítio e a suspensão das imunidades parlamentares. Ora Leopoldo de Bulhões.

Ramiro Barcelos aparteia-o. A manutenção das imunidades vai ser um fermento de novos pronunciamentos.

Bulhões protesta:

— V. Excia. engana-se!

E numa imagem:

— Pelo fato da eletricidade e do vapor produzirem desastres, deve a indústria deixar de empregar, de servir-se dessas forças?

Domingos Barbosa — Silhuetas, pág. 81

Resolvida a adesão da província ao movimento de 15 de novembro, foi constituída no Maranhão uma Junta Governativa, de que era membro o tribuno Paula Duarte, republicano da propaganda; o major Tavares, representando o elemento militar e o comerciante Francisco Xavier de Carvalho, homem de poucas letras mas de grande seriedade, que entrava, no caso, como delegado do povo.

Ao fim de alguns dias de governo, apareceu na imprensa de São Luiz um manifesto assinado pelos três, admiravelmente escrito, mas que se particularizava, do princípio ao fim, pela violência da linguagem.

Espantado com a assinatura de Paula Duarte naquele documento imprudente, um amigo procurou-o, para estranhar o fato.

— Que podia eu fazer, filho? — observou o tribuno, abrindo os braços. — Que podia eu fazer?

E desculpando-se:

Imagine você que, entre a ignorância e a espada, mal pude salvar a gramática!

José Mariano Filho — O Jornal, 24 de abril de 1927

Nas vésperas da sua morte, em abril de 1927, já no leito, dizia Martim Francisco Ribeiro de Andrada a José Mariano Filho, que, como médico, lhe assistia a marcha da moléstia:

— Teu pai, quando se metia numa revolução, punha o meu nome na lista dos revoltosos sem me consultar.

— E o senhor nunca protestou contra esse abuso? indagou José Mariano.

E ele:

— Não. Sempre estive de acordo com ele em matéria de revolução. Até por sinal que na última que organizamos, nós dois fomos os únicos revoltosos...

O Jornal, 24 de abril de 1927

Após a vitória do governo na revolução de São Paulo, e iniciado o período de perseguição aos vencidos, foi Martim Francisco chamado à Polícia Central, para dar explicação sobre a sua conduta durante a ocupação da cidade pelos revoltosos.

— É certo que V. Excia. foi a terceira pessoa que conferenciou com o general Isidoro? — inquiriu a autoridade.

— É mentira! — protestou Martim Francisco. — É mentira o que vieram dizer à Polícia.

E no mesmo tom:

— Fui a primeira!

Ernesto Sena — Deodoro, pág. 148

Certo engenheiro, amigo de Deodoro, era candidato à construção de uma estrada de ferro, e dia sim, dia não, aparecia em palácio para falar na sua pretensão. Uma tarde, achava-se o Marechalíssimo nos jardins do Itamarati, quando um oficial que o acompanhava lhe indicou o engenheiro.

Este aproximou-se. Deodoro recebeu-o amavelmente, mas, virando-se para o oficial, adiantou, como quem reata uma conversa:

— Pois, é isso; agora estou resolvido a não conceder mais honras de Coronel do Exército a ninguém; e quanto a estradas de ferro...

E simulando indignação:

— Só darei uma única concessão: e será a que partir do Inferno e vá terminar na casa de quem ma pedir!

É desnecessário dizer que o engenheiro nunca mais tocou no assunto.

Moreira de Azevedo — Mosaico Brasileiro, pág. 112

Achava-se José Bonifácio enfermo em Niterói, quando um amigo, que o vira no fastígio político, o foi visitar ali, velho, esquecido, abandonado. Ao penetrar no aposento, notou logo a modéstia do ambiente, e, sobretudo, os remendos do lençol que cobria o leito de pobre.

— Não repare — desculpou-se o patriarca.

E passando a mão pelo lençol:

— O que afeia estes bordados é apenas a irregularidade do desenho...

Jornais de dezembro de 1925

Uma das medidas visadas pela reforma da Constituição de 1925, era a extinção da cauda dos orçamentos, a qual era aproveitada ordinariamente para autorizações duvidosas e favores pessoais. Não obstante isso, os favores continuaram.

A propósito disso, discutia-se na Comissão de Finanças do Senado, nesse ano, um desses favores, quando um senador observou:

— De nada serviu, então, a supressão da cauda no orçamento!

— Perfeitamente, — concordou o senador Lauro Müller.

E como velho fabulista:

— A cauda foi-se, mas o macaco ficou

Antônio Ribas — "Perfil de Campos Sales", pág. 21

Não obstante a sua dedicação ao esposo, Dona Ana Gabriela de Campos Sales não suportava sem revolta as acusações feitas ao marido pelos seus adversários. Campos Sales procurava tranqüilizá-la, acalmá-la, dizendo-lhe que política era isso mesmo, e que ela estava no dever de tudo sofrer pela República.

— Não; isso, não! — protestava a esposa.

E na sua indignação:

— A República tem direito à sua vida; mas à sua honra, não!

Vieira Fazenda — "Antiqualhas e Memórias", pág. 59

O Conde da Cunha era por natureza desabusado e violento, sem prejuízo dos seus sentimentos de justiça. Administrava ele, um dia, em pessoa, as obras do palácio dos governadores, quando viu subir o morro da Conceição um gordo comerciante, esparramado numa cadeirinha carregada por quatro negros, que suavam em bica, sob o peso formidável do senhor.

Mandando parar a viatura, o Conde intimou o comerciante a deixar a cadeirinha:

— Saia!

E ordenando a um dos pretos mais fatigados de carregá-la:

— Entre você!

E para o comerciante:

— Agora pegue ali no pau com os outros, e carregue o preto!

O comerciante obedeceu. Uma semana depois, porém, morria, não se sabe se ao peso da cadeira, ou da vergonha de que se cobriu.

Moreira de Azevedo — "Mosaico Brasileiro", pág. 87

Barba por fazer, casaca mal posta, apareceu D. Francisco de Almeida, segundo conde das Galveas, no Paço, em uma das festas de D. João VI. À barriga, pela altura do cós do calção, faiscava a sua comenda de uma das grandes ordens portuguesas do tempo.

— Que é isso, sr. conde? — observou-lhe, espantado, um dos ministros. — É aí, então, que pondes a vossa comenda?

— É aí o lugar, filho, — retrucou, indiferente, o fidalgo.

E com bonomia:

— As condecorações andam tão por baixo, que eu, para andar na moda, pus a minha à cintura!

Serzedelo Correia — "Páginas do Passado", pág. 13.

Em uma das reuniões do ministério, com Floriano no governo, Custódio José de Melo, ministro da Marinha, propôs que se telegrafasse ao Marechal Moura, ministro da Guerra, então no Rio Grande, dando-lhe instruções para a pacificação do Sul. Floriano aceitou o alvitre, combinou o texto do telegrama e, no despacho seguinte, Custódio o interpelou.

— Então, telegrafou ao Moura?

— Não, — respondeu Floriano, seco; — mudei de opinião.

O almirante estranhou:

— Como? — V. Excia. não podia mudar de opinião; era assunto resolvido por todo o ministério.

— Mas mudei, — tornou o ditador. — Se o senhor quer a presidência da República, eu lhe passo o poder.

— Não, isso, não; — volveu Custódio.

E dando a sua demissão:

— Se eu quisesse a presidência da República, quando tinha os canhões do Aquidaban voltados para a cidade, não teria vindo ser ministro da Marinha no seu governo!

Frei Vicente do Salvador — "História do Brasil", pág. 107.

Andando com outros por entre o mato, em busca de um lugar em que o seu amo fundasse uma povoação, um galego, criado de Duarte Pereira, foi ter a um monte à beira-mar, de onde se divisava um soberbo panorama. E tão encantado ficou com a posição descoberta que, não se contendo, exclamou:

— Oh, linda!

É essa a origem, vulgarmente admitida, do nome que ainda hoje tem a antiga capital pernambucana.

Afonso Arinos — Discurso de recepção na Academia Brasileira de Letras.

No seu hotel de Paris, possuía Eduardo Prado um criado inglês, o Humphyes, que, pouco a pouco, aprendeu o português, e se transformou em mordomo do suntuoso globe-trotter.

Certo dia, ao entrar nos apartamentos de Eduardo, encontrou-o um amigo a trancar, discreto, os jornais brasileiros recebidos naquela manhã.

— Ainda não os leste?

E Eduardo, confuso:

— Não é por isso; é que tenho vergonha de Humphyes. Não quero que ele saiba do que se passa, agora, na terra do seu amo!

Múcio Teixeira — "Os Gaúchos", vol. I, pág. 229.

Comandava o Coronel Emílio Mallet. Barão de Tapeví, um regimento de artilharia em frente a Paissandú, quando recebeu ordem de atravessar o rio e atacar o exército paraguaio, acampado na outra margem. Um dos seus filhos era o porta-bandeira e o outro, João Nepomuceno, que chegou a marechal, comandava a primeira ala.

Ao receber a ordem, o comandante reuniu a oficialidade, e expôs-lhes a situação da sua consciência.

— Meus filhos — disse — devem ser os primeiros a atravessar o rio, devido à posição que ocupam no regimento; mas estou indeciso, porque, se os mando na frente, poderão dizer que quero enchê-los de glória; e se os retirar para a retaguarda, pensarão talvez que procuro poupar-lhes a vida.

Resolveu, porém, que eles iriam à frente. Um, morreu. Outro, foi o primeiro a pisar território inimigo.

Alberto Rangel — "In memoriam de Euclides da Cunha", pág. 17

Adido à coluna do general da expedição a Canudos, Euclides da Cunha assistia, horrorizado, a selvajaria com que um dos assessores do comandante tratava os jagunços. A sua alma de civilizado confrangia-se ante aqueles espetáculos de barbaria ordenados pelo carrasco.

Uma tarde em que marchavam juntos por uma encosta, pareceu a Euclides ver sob a farda do Torquemada o ouro de um crucifixo.

— Que é isto? — indaga, surpreso.

— Jesus! — responde-lhe o oficial.

— Pois, olhe, — diz-lhe o escritor, revoltado com aquela hipocrisia.

E batendo no peito:

— Eu tenho aqui dentro um coração!

Cândido Freire — "Rev. do Brasil", n° 60, de 1920

A 10 de novembro de 1840 penetravam a bordo do patacho Saraiva, ancorado a pouca distância do cais, na Baia, um pretinho de dez anos, e que seria mais tarde o poeta e abolicionista Luiz Gama, o pai deste, homem branco, e jogador, que o tivera de uma preta-mina, e o dono de uma casa de tavolagem, de nome Quintela.

Enquanto o menino se distraía com os marinheiros, os dois entram em entendimento com o capitão, e retomam o bote que os trouxera. Ao vê-los partir, o negrinho corre, chega à escada, e grita:

— Meu pai? meu pai? não me leva?

— Eu volto já, para te levar, — informou o miserável.

E o menino, compreendendo tudo, num ímpeto de dor e de revolta:

— Meu pai, o senhor me vendeu !...

E era verdade. Foi assim, vendido, que Luiz Gama veio para o Rio, e foi, escravo, do Rio para São Paulo.

Moreira de Azevedo — "Mosaico Brasileiro", pág. 129

José Vilela Barbosa, que foi, depois, marquês de Paranaguá e um dos signatários da Constituição do Império, era um dos homens de mais espírito do seu tempo, no Brasil. Os seus epigramas tiveram fama e, não menos, as suas respostas galantes ou atrevidas.

Palestrava ele, no Paço, com uma senhora, quando esta, irritando-se, redargüiu ferina:

— V. Excia. sempre é um homem que tem um nome que começa por "vil"!

— Vil não! — protestou Paranaguá.

E emendando:

— "Vil, ela"!

Salvador de Mendonça, n'"O Imparcial", 1913

O Diário Mercantil de Francisco Otaviano, tinha como caixa e administrador o velho César, septuagenário que possuía uma grande prática de negócios. Quando se tratava da parte comercial da folha, Otaviano mandava:

— Isso é lá embaixo, com o César; desça ao "paiol da pólvora".

— Isto é o paiol mesmo, — confirmava o velho César.

E acentuava:

— Sem isto não se faz fogo lá em cima!

Serzedelo Correia — "Páginas do Passado", pág. 24

Transmitida a Deodoro, por Floriano. na manhã de 15 de novembro, a notícia de que o Visconde de Ouro-Preto lhe queria falar, o velho soldado subiu e, ao penetrar no gabinete em que se achava reunido o ministério no quartel-general, foi inevitável o choque.

— Senhor general, — declarou Ouro-Preto, — diante da força e do seu ato de violência, impossibilitado eu de combatê-lo, entrego à sua guarda as instituições e o governo!

— Sim, respondeu Deodoro; — diante da força e da violência provocadas pelos governos que nunca souberam tratar o soldado. Se VV. Excias. soubessem o que é ser soldado, se VV. Excias. sofressem com cinco anos de campanha, o fogo, as intempéries e a fome, e como eu, oito dias seguidos, só comessem milho cozido, haviam de compreender as amarguras da alma do soldado, e tratá-lo de outro modo!

— Por maiores que sejam as amarguras e agonias do soldado, — retorquiu o Visconde, — não podem ser iguais às minhas, ouvindo nesta hora V. Excia.

Deodoro perdeu a calma.

— Pois V. Excia. está preso! bradou.

Floriano intervém, porém:

— Não, Manuel; isto não é do trato!

E Deodoro de novo:

— Podem o ministério e V. Excia. se retirarem para as suas casas.

J. M. de Macedo — "Ano Biográfico", vol. 1, pág. 82

Ângelo Moniz da Silva Ferraz, que morreu em Petrópolis em 1868, dois dias depois de lhe ser conferido o título de Barão de Uruguaiana, foi, como deputado e senador, um dos oradores mais vigorosos do seu tempo.

Eleito pela Baía em 1845; dirigia ele uma oposição de três ou quatro deputados, quando, num discurso, exclamou:

— Eu, e o meu partido...

— V. Excia. não comanda um partido, aparteou um deputado governista. — V. Excia. chefia, apenas, uma patrulha!

A frase ganhou curso, ficando Ferraz, até a sua adesão ao partido liberal, com o apelido de "chefe de patrulha".

Alfredo Pujol — Discurso na Academia Brasileira de Letras

Era Lafayette ministro da Justiça, no gabinete Sinimbú, quando, atacado, em virtude de um dos seus atos, subiu à tribuna para defender o governo e a sua pessoa. Chefiava o movimento contra ele o velho Martinho de Campos, e Lafayette foi impiedoso:

— Pelo que me diz respeito, — concluiu, — estou perfeitamente tranqüilo, vendo o nobre deputado no comando desta campanha. Há trinta anos S. Excia. comanda batalhas políticas, e as tem perdido todas!

Ernesto Sena — "Deodoro", pág. 159

Deodoro, conforme se sabe, morreu sem descendência. Muito ligado, porém, à família, tratava como seus os filhos dos seus irmãos, os quais interferiam na sua vida com certa liberdade, ajudando-o em muitas coisas mas, também, como era natural, causando-lhe aborrecimentos. E sempre que um destes lhe vinha, era fatal a sua frase:

— Qual! Quando Deus não nos dá filhos, o Diabo nos dá sobrinhos!...

Magalhães de Azevedo — "D. Pedro", pág. 49.

Nas palestras com os seus ministros, costumava dizer D. Pedro II, em 1870:

— As eleições, como elas se fazem no Brasil, são a origem de todos os nossos males políticos.

À margem de um opúsculo de Joaquim Nabuco, O erro do Imperador, escrevia o monarca em 1886, confirmando essas idéias:

"Não é o vestido que tornará vestal a Messalina, porém, sim, a educação do povo e, portanto, a do governo. Parece-me que devo conhecer essa chaga, pois a observo, sem ser mero expectante, há quarenta e tantos anos".

Afonso Celso — Discurso na Academia Brasileira de Letras, recebendo Lauro Müller.

Na sua vivenda de Jacarepaguá, possuía o senador Lauro Müller grande quantidade de galináceos, e entre estes, numerosas galinhas d'Angola, de crista vermelha e plumagem cinzenta. Nédias, fortes, livres, satisfeitas, corriam por todo o quintal. Entretanto, de manhã à noite, a cantiga era a mesma: "estou fraco! estou fraco! estou fraco!"

É curioso! — observa o dono da casa, um dia, a um amigo.

E com bom humor:

— Não posso ver e ouvir estas aves que não fique, logo, pensando no Brasil!...

Mário de Alencar — "Revista da Academia Brasileira de Letras", n° 7, de 1912

Era Raimundo Correia juiz em Minas-Gerais, quando, ao abrir certos autos, encontrou um envelope com um conto de réis. Chamou o escrivão.

— Foi a parte mesmo quem o deixou, senhor doutor, em sinal de reconhecimento pela rapidez com que teve andamento o inventário. Eu também recebi um conto de réis.

— Bom, — retrucou Raimundo, — se é uma remuneração espontânea, cabe à sua consciência resolver sobre o caso.

E entregando-lhe o envelope que lhe coubera:

— Tome... Devolva o meu...

Tradição oral

Achava-se Laurindo Rabelo uma tarde à rua do Ouvidor, canto da atual Gonçalves Dias, quando passou uma senhora, um pouco magra, mas bonita, trajando vistoso vestido verde. À passagem da moça, que o poeta conhecia, um sujeito metido a espirituoso, e que se achava ao lado, exclamou:

— Que pena! Tanta alface para tão pouca carne!

— Pois, olhe, eu não acho, — declarou Laurindo, voltando-se para o indivíduo.

E com a sua franqueza habitual:

— O que me parece é que há ali pouco capim para um burro do seu tamanho!

Araripe Júnior — "Revista da Academia Brasileira de Letras", n° 39, pág. 252.

Nos fins de 1895, a neurastenia de Raul Pompéia havia se acentuado de modo impressionante. Na tarde de 23 de dezembro, encontrando-se com Araripe Júnior no largo de São Francisco, deixou extravasar todo o seu nojo pela vida e pelos homens.

— Lama! — dizia. — Sinto lama podre até nas conjunções da frase, quando penso.

E logo:

— Capacite-se de uma coisa. No Brasil só há um ato digno para um homem honrado: pegar de um revólver e salpicar com os miolos esta terra sinistra, e pulha, ao mesmo tempo!

No dia seguinte, matava-se, com um tiro no coração.

Frei Vicente do Salvador — "História do Brasil", pág. 154

Nas suas cartas para a metrópole, não se cansava Tomé de Sousa de pedir a El-Rei que, por tudo, lhe mandasse um substituto. Sentia-se fatigado de tratar com degredados, e isso em uma terra hostil e árida, onde a vida não compensava o trabalho.

Um dia, porém, ao regressar da visita a uma nau que vinha do Reino, foi o meirinho avisar ao governador que se achava a bordo D. Duarte da Costa, que o vinha substituir. A essa nova, o governador ficou como suspenso.

— Vedes isso, meirinho? disse, ao fim de um momento. Verdade é que eu desejava muito, e me crescia água na boca quando cuidava em ir para Portugal.

E com os olhos úmidos:

— Mas não sei por que é que agora se me seca a boca de tal modo, que quero cuspir e não posso...

Moreira Guimarães — "O jornal", de 5 de dezembro.

Tanto Benjamim Constant como Deodoro deviam, conforme é sabido, grandes favores pessoais ao imperador. Ordenado, porém, o embarque da família imperial, procuravam atordoar-se com as responsabilidades que acabavam de assumir, esquecendo, assim, a ingratidão praticada. Pela manhã de 17, estava Benjamim no seu gabinete no ministério da Guerra, quando lhe foram comunicar que o monarca já se achava a bordo. O apóstolo deteve-se um instante, mudo. E num suspiro:

— Está cumprido o mais doloroso dos nossos deveres!...

Moreira de Azevedo — "Mosaico Brasileiro", pág. 126

Conhecia o cônego Januário da Cunha Barbosa, fundador do Instituto Histórico, um indivíduo cujos pés eram excessivamente grandes. Ao referir-se às plantas desse sujeito, dizia sempre "péses", em vez de pés.

Estranhando o caso, um amigo perguntou-lhe a razão.

— É — respondeu o cônego — porque assim se torna mais expressivo.

E num gesto:

— A palavra fica maior...

Paulo Barreto — Discurso de recepção na Academia Brasileira de Letras

Guimarães Passos havia tido uma namorada de meninice, cuja mão jamais disputou, e que acabou casando com outro, com o qual teve um filho, a quem deu o nome de Antônio. O poeta é que nunca esqueceu a noiva perdida. Às vezes, alta noite, nas rodas de boêmia, entristecia de repente, levantando-se da mesa.

— Aonde vais? — indagavam os outros.

E ele, soturno:

— Vou pensar na mãe do Antônio.

E metia-se em casa, até de manhã.

Coelho Neto — Conferência da Biblioteca Nacional, agosto de 1918

Desconfiado já da perfídia doméstica, da qual lhe resultou, afinal, a morte trágica, foi Euclides da Cunha, já íntimo amigo de Coelho Neto, procurá-lo em sua residência, pedindo-lhe que o fosse visitar em casa, onde a esposa de achava acamada pelo nascimento do último filho. Coelho Neto foi, com a senhora. No dia seguinte, à noite, Euclides voltou ao lar do amigo. Levava a tempestade na alma.

— Coelho Neto, — pediu, — que achas do meu filho?

E com os olhos em fogo:

— Não te parece uma espiga de milho num cafezal?

Tobias Monteiro — "O Jornal", 5 de dezembro de 1925

Conduzido, com a família imperial, para o cais Faroux, afim de embarcar na lancha que o devia levar para bordo do Parnaiba, o imperador Pedro II não deixava de protestar:

— Não embarco; não embarco a esta hora!

E ao braço do Conde d'Eu, que o puxava docemente:

— Não embarco a esta hora, como negro fugido!

Alfredo Pujol — Discurso na Academia Brasileira de Letras

Fiel ao imperador exilado, de quem se fizera amigo, e cujas nobres qualidades sempre engrandeceu, o conselheiro Lafayette absteve-se de qualquer solidariedade com o novo regime. Tendo-lhe alguém perguntado por que não intervinha na organização das novas instituições, objetou:

— Regimes novos requerem a direção de homens novos. Veja o exemplo do conselheiro Saraiva, o chefe liberal de maior prestígio no segundo império... Foi deputado à constituinte republicana. Apresentou uma infinidade de emendas ao projeto de constituição, e viu-as quase todas, senão todas, rejeitadas pelos cadetes da República!

Moreira de Azevedo — "Mosaico Brasileiro", pág. 111

Com a dissolução da Assembléia Constituinte de 1823, foram presos diversos deputados, e, entre eles, Antônio Carlos. Recebida a ordem de prisão, marchou o brilhante parlamentar à frente dos oficiais. Ao passar, porém, junto a unia das peças de artilharia postadas em frente ao edifício da Câmara deteve-se, respeitoso.

— Obedeço à soberana do mundo! — disse, numa continência.

E passou adiante, sorrindo.

Narrado por Lauro Müller

Desde o seu aparecimento na política nacional, patenteou João Pinheiro as suas altas virtudes de homem de Estado. Eleito presidente de Minas, Lauro Müller, seu amigo íntimo, chamou-lhe a atenção para os perigos da bajulação.

— Toma cuidado com os bajuladores, João. Eles são os nossos maiores inimigos. Não te atordoes com a lisonja!

Ao fim de alguns meses, encontraram-se os dois amigos em Belo-Horizonte, onde João Pinheiro era louvado e "engrossado", como possível sucessor de Afonso Pena.

— Então, como vão os bajuladores? Tem sido muito incensado?

— Ah, meu velho, — respondeu o republicano mineiro, — que gente intolerável!... que coisa indigna, a lisonja...

E em voz baixa, rindo:

— Mas, deixe estar, "seu" Lauro, que é bom como o diabo!...

Henrique Marinho — "O Teatro Brasileiro", pág. 53

Fernando de Almeida, empresário teatral, havia mandado vir da Europa uma companhia dramática, que aqui chegou em 1829, no dia mesmo em que falecia esse empresário. Abandonada a companhia, os artistas lastimavam-se por toda parte, como um rebanho que tivesse perdido o pastor. E era um desses atores que se queixava, quando ouviu, de repente:

— E não estou eu aqui?

Era Pedro I, o qual, nesse mesmo dia, nomeou uma comissão para dirigir oficialmente a companhia.

Moreira de Azevedo — "Mosaico Brasileiro", pág. 78.

D. José da Cunha Azeredo Coutinho, bispo de Pernambuco, falecido em 1821, foi um dos prelados mais ilustres que o Brasil tem possuído. Certo dia, falava-se sobre leis.

— As leis, meu filho... — fez o sacerdote.

E definiu:

— As leis são teias de aranha que servem para apanhar insetos, mas que se deixam romper pela pressão de qualquer corpo mais pesado!

Ferreira da Rosa — "O Jornal", de 2 de dezembro de 1925

Ao ser proclamada a República, era chefe de Policia da corte o dr. José Basson de Miranda Osório, o qual, ao ter conhecimento, pela manhã, dos acontecimentos do Campo de Santana, se dirigiu para a sua repartição, sentando-se, espapaçado, em sua cadeira, sem tomar a menor providência. Por volta das duas da tarde, apeou-se à porta da repartição o capitão do Exército Vicente Antônio do Espírito Santo, confiou o cavalo a um soldado, subiu a escada a arrastar o espadagão e, abrindo ele mesmo o reposteiro do gabinete, foi dizendo ao chefe:

— Eu venho, em nome do Governo Provisório, tomar posse da chefia da Policia do Distrito Federal.

E Bassou, levantando-se:

— E eu estou aqui para lhe entregar!

E, tomando o chapéu, retirou-se, numa reverência.

Mensagem ao Congresso de Sergipe.

Era o dr. Rodrigues Dória presidente de Sergipe, quando uma professora pública, em adiantado estado de gravidez, pediu licença, com vencimentos, para "tratar da sua saúde", alegando "enfermidade". E o despacho do presidente foi este:

— "Indeferido; porque só pode ser reconhecida como enfermidade, pelo Estado, aquela que o paciente contrai involuntariamente. E não é esse o caso da requerente, que está "enferma", porque assim o quis"!

Humberto de Campos — "Da Seara de Booz", pág. 57.

Poucos meses antes de tombar sob o punhal de Manso de Paiva, conversava Pinheiro Machado com alguns amigos no recinto do Senado, quando alguém aludiu à despreocupação com que o chefe conservador expunha a sua vida, tão ameaçada pela agitação do momento.

— Se eu tiver de tombar assassinado, — observou Pinheiro, a voz arrastada, quero que seja aqui no Senado, a punhal, como César.

— No dia em que isso acontecesse, general, — atalhou um áulico, — haveria uma hecatombe!

— Sim, — confirmou Pinheiro, com ironia.

E olhando em torno, como quem conhece a sua gente:

— Se o golpe falhasse...

"A Manhã", do Rio, de 9 de janeiro, 1926.

Dois jornalistas, redatores d'A Manhã, do Rio, foram procurar Capistrano de Abreu, para entrevistá-lo sobre o problema social no Brasil. Ao encontrá-lo na rua, para solicitar-lhe um encontro, o erudito misantropo disse-lhes logo, hostil:

— Estou em casa sempre até às 11 do dia e depois das 9 da noite. Se quiserem ir, vão; se não quiserem, não vão. Para mim é indiferente.

No dia seguinte, houve a visita. O misantropo deitado em uma rede e cuspindo numa lata, achou que o país estava perdido. Tudo uma lástima. E concluiu, feroz:

— Agora andam falando em reforma constitucional. Querem atribuir os erros à lei.... Eu proporia que se substituíssem todos os capítulos da Constituição, decretando: "Artigo único: todo brasileiro fica obrigado a ter vergonha"!

E cuspiu na lata.

Antônio Ribas — "Perfil de Campos Sales", pág. 99.

A 15 de novembro de 1887 os fazendeiros paulistas promoveram ali um "meeting" para examinar a questão do elemento servil. Antônio Prado propôs a alforria geral, com a condição de prestarem os escravos aos antigos senhores três anos de serviço. Campos Sales é mais radical e, a propósito da fuga, exclama:

— Não, senhores; o escravo não foge ao trabalho, mas foge ao cativeiro.

E a um aparte contrário:

— Não é a pena do trabalho que o impele; é, sim, o horror da escravidão!...

Alfredo Pujol — "Machado de Assis", pág. 28.

Francisco Ramos Paz, que legou à Academia Brasileira de Letras a sua coleção de clássicos e dez contos de réis em apólices, e que transmitiu a Machado de Assis o amor à boa linguagem, era português de nascimento e veio da sua terra aos nove anos de idade. A bordo, um passageiro perguntou-lhe se já sabia ler.

— Sei, sim, senhor — respondeu o pequeno.

O passageiro deu-lhe um livro que tinha consigo.

— Leia, então.

Ramos Paz abriu a brochura na primeira página (era o prólogo), e soletrou, pausadamente, acentuando cada sílaba:

— Pró-ló-gó...

— Muito bem, — declarou o desconhecido.

E batendo-lhe no ombro:

— É mais um jumento que vai para o Brasil!

Moreira de Azevedo — "Mosaico Brasileiro", pág. 21.

De passagem pela quinta de Cintra, em Portugal, havia Basílio da Gama deixado no tronco de uma árvore estes dois versos:

Neste tronco com os meus votos Escrevo os de Márcia bela.

Caldas Barbosa, que se achava no mesmo logradouro, foi chamado para completar a quadra, e terminou-a assim, entre aplausos:

Porém se o tronco murchar Não é por mim, é por ela.

J.M.Macedo — "Ano Biográfico", vol. II, pág.22.

Sofrendo de uma afecção crônica biliosa, o marquês de Paraná, Honório Hermeto Carneiro Leão, foi atacado de uma crise grave no momento em que combatia, em 1856, com todo o brilho do seu talento, o projeto de reforma eleitoral. Procurado pelos amigos, que lhe pediam se recolhesse ao leito, abandonando a campanha, recusou, terminantemente.

— Enquanto durar esta luta — declarou, — o meu espírito será mais forte do que meu fígado. Depois da vitória, cairei doente.

E assim foi. Uma semana após a vitória, recolheu-se ao leito, e morreu.

Rodrigo Otávio — Revista da Academia Brasileira de Letras, n° 27.

Em 1901, a Academia de Letras tinha como sede, ainda, o escritório de advocacia de Rodrigo Otávio, à rua da Quitanda. Foi aí que se reuniu na tarde de 31 de dezembro para eleger Afonso Arinos.

Carlos de Laet e José do Patrocínio, por essa época, viviam em constantes polêmicas, e até descomposturas, pela imprensa. Nessa tarde, porém, ao entrar na sala, foi Laet apertando a mão a um por um, até que chegou diante do grande abolicionista. Recuar, seria indelicadeza. Expor-se a uma desconsideração, seria desagradável. Teve, porém, um recurso: deteve-se diante do grande negro, e interpelou-o:

— Camarada! Nós agora estamos bem ou estamos mal?

— Mas, estamos bem, amigo! — fez Patrocínio, levantando-se.

E apertaram-se as mãos.

Moreira de Azevedo — "Mosaico Brasileiro", pág. 165.

Era o conde de Irajá bispo do Rio de Janeiro, quando, um sábado, de regresso do Paço, em companhia do cônego Fernandes Pinheiro, encontrou, como de costume, a ladeira do morro da Conceição ladeada de pobres, de baixo até em cima.

Ao ver aqueles infelizes que esperavam a sua passagem, o grande prelado tornou-se risonho, imprimindo ao semblante uma expressão de ternura.

— Eis aqui a guarda de honra dos bispos! — disse.

Alberto Rangel — "D. Pedro I e a Marquesa de Santos", pág. 37

Resolvida a morte de Ractcliff pelo tribunal que o julgou, levou o presidente deste a Pedro I a sentença de morte, para que o imperador a assinasse. Era um documento longo, minucioso e violento, em que a vítima era tratada com insolência e desprezo.

— Não assino! — rugiu o monarca.

E devolvendo o papel, para ser modificado:

— Morra o homem, que é quanto basta; mas não o insultem numa sentença!

Taunay — "Reminiscências", vol. I, pág. 150

Após as campanhas de 1868, quando supunha ir travar a batalha definitiva com as forças de Solano Lopez, viu o duque de Caxias que este, mudando de tática, se embrenhava nas cordilheiras, fugindo diante das tropas brasileiras afim de iniciar o regime das guerrilhas.

— Não posso tomar o papel de capitão do mato, a correr atrás de fujões! — declarou Caxias.

E, pedindo uma licença, embarcou para o Rio.

Ernesto Sena — "Deodoro", pág. 109.

Era nos últimos dias de outubro de 1889. Chegado do sul, Deodoro era insistentemente procurado pelos camaradas para que se decidisse a chefiar o movimento republicano, quando, uma tarde, presentes os coronéis Andrade Vasconcelos e Melo Rêgo, o major Solou e outros, alguém aludiu à sua situação.

— Sou monarquista, — declarou o general, — mas...

E em tom firme:

— Se me convencer de que a Monarquia é incompatível com os interesses da Pátria, optarei pela Pátria!

Ferreira da Rosa — "O Jornal", de 2 de dezembro de 1925

No tempo do Império, a Capela Imperial, que é hoje a Catedral, estava ligada às dependências do Paço (onde é hoje a Academia de Comércio) por meio de um passadiço sobre a rua Sete de Setembro. Outro passadiço sobre a rua da Misericórdia, ligava essas dependências ao próprio Paço, que é onde hoje fica o edifício dos Telégrafos. O governo provisório mandou derrubar esses passadiços, isolando os edifícios.

— É assim que se separa a Igreja do Estado! dizia-se no tempo.

Anedota recolhida pelo autor no Ceará

Quando Afonso Pena andou pelo Norte, na sua viagem presidencial, resolveu ir visitar o interior cearense, principalmente os açudes de Quixadá e Aracajú-Mirim, que haviam consumido, já, milhares de contos.

Na ocasião da partida para o interior, chegou o presidente à estação da Estrada de Ferro de Baturité, em Fortaleza, e saiu pela plataforma, a examinar o comboio. Ao dar com a locomotiva resfolegante, em que havia uma placa com o seu nome, franziu a testa, com aborrecimento.

— A placa é nova... — observou.

E como quem compreende aquela lisonja da última hora:

— Mas a máquina é velha...

Vieira Fazenda — "Antiqualhas e Memórias", pág. 75.

D. João VI, que mostrava sempre grande entusiasmo pelas festas de igreja, a ponto de ir à Penha assisti-las, nutria uma aversão irreprimível ao teatro. Forçado, porém, a ir a espetáculos de gala, como uma satisfação ao corpo diplomático, dormia a bom dormir na sua cadeira de espaldar, encontrando nesse divertimento a maior das estopadas.

Com o barulho da música, das palmas, ou o grito dos personagens da peça, acontecia-lhe, porém, despertar de vez em quando, estremunhado. Então abria a boca, passava as mãos pelos olhos, indagando, aborrecido, de quem se achasse mais próximo:

— Já se casaram, esses bêbados?

Tobias Monteiro — "Pesquisas e depoimentos", pág. 207.

Três ou quatro dias antes de 15 de novembro, Benjamim Constant mostrou-se apreensivo com a situação de Floriano Peixoto. E confessou os seus receios a Deodoro.

— Não se aflija com isso, — aconselhou o general.

E contou, a propósito, que, tempos antes, Floriano, em conversa com ele, lhe dissera, pegando-lhe com dois dedos nos botões da farda:

— "Seu" Manuel, a Monarquia é inimiga disto!

E adiantara, logo:

— Se for para derrubá-la, estarei pronto.

Frei Vicente do Salvador — "História do Brasil", pág. 191.

Acabava Mem de Sá de fundar a cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro, quando uns mercadores chegados do reino lhe foram pedir permissão para vender vinho por certo preço exorbitante.

— Concedo, — respondeu o Fundador, — com uma condição.

E arrancando o seu capacete:

— Há de ser este o quartilho!

A sua imposição foi obedecida, e, por muito tempo, o quartilho brasileiro ficou sendo aferido por um capacete, sendo assim muito maior que o de Portugal.

Alberto Rangel — "Pedro I e a Marquesa de Santos", pág. 61.

Ia, certa vez, o imperador em uma das suas visitas de amante à residência da marquesa de Santos, quando, à porta da casa, o seu guarda-roupa, José Caetano de Andrade Pinto, que o acompanhava, se deteve, escrupuloso:

Na soleira desta porta, Majestade! — exclamou, — terminam as minhas funções!

— Pois, considere-se demitido do meu serviço! — bradou Pedro 1.

No dia seguinte, porém, mandou chamar o funcionário demitido.

— Fique o dito por não dito, — comunicou.

E com gravidade:

— Refleti melhor: o senhor portou-se como devia.

"Correio da Manhã", do Rio, de 24 de abril de 1927.

Era Martim Francisco Ribeiro de Andrada secretário da Fazenda do governo de São Paulo, quando foi espalhada a notícia de que o Tesouro atravessava uma situação delicada, lutando com dificuldade para satisfazer os seus compromissos. Alarmados com o boato, alguns credores correram ao secretário da Fazenda.

— É falso! — protestou Martim Francisco.

E com o seu orgulho de paulista:

— São Paulo, para pagar a sua divida, precisa de tempo para contar o dinheiro!

Moreira de Azevedo — "Mosaico Brasileiro", pág. 53.

Exercia Agostinho Petra Bittencourt o cargo de juiz aposentador no Rio de Janeiro, quando, ao dar uma ordem a um dos seus subordinados, este recusou cumpri-la. Indagada a razão, respondeu laconicamente:

— Porque não quero!

Preso o funcionário pelo juiz, e recolhido à cadeia, foi o magistrado surpreendido, no dia seguinte, por uma carta do Paço, em que um dos maiorais da corte lhe ordenava que soltasse o preso, por não se considerar crime a expressão — "não quero".

À leitura da ordem, o juiz Petra, que era desabusado, voltou-se para o portador:

— Diga ao seu amo que, se não é crime dizer não quero ...

E furioso:

— Não solto o homem — porque "não quero"!

Gustavo Barroso — Discurso na Academia Brasileira de Letras, 1923

Realizava Dom Silvério Gomes Pimenta, arcebispo de Mariana, uma das suas peregrinações a Roma, quando ali, em uma reunião de prelados de todo o mundo, um deles, branco, fez alusão à cor do antístite brasileiro.

— Negro! — teria exclamado, no seu idioma, o sacerdote inconveniente.

Mas não ficou muito tempo sem resposta. Porque, estacando de súbito, um dos bispos brasileiros retrucou, logo, com orgulho:

— "Niger, sed sapiens"!

J.M.de Macedo — "Ano Biográfico", vol. I, pág. 11.

Era Manuel Antônio Galvão ministro do Império em 1839, quando vagou o lugar de bibliotecário público da Corte. Multiplicaram-se os candidatos e, com eles, os empenhos.

— Esse lugar pertencerá a um homem que nunca me lisonjeou, e que não pede, declarou.

E nomeou Januário da Cunha Barbosa.

Ernesto Sena — "Deodoro", pág. 42.

Em uma das reuniões preparatórias do movimento republicano, a 6 de novembro, em casa de Benjamim Constant, assentavam-se planos quando Benjamim, de repente, indagou:

— E que faremos do "nosso Imperador"?

Um silêncio profundo foi a resposta. A figura bondosa e justa do monarca infundia respeito a todos aqueles conspiradores, impedindo uma resolução. Quebrou, porém, esse silêncio, o tenente Manuel Inácio.

— Exila-se! — disse.

— E se resistir?

— Fuzila-se! — declarou o tenente.

Todos se levantaram, numa reprovação,

— Oh! fez Benjamim, refletindo a repugnância de todos. — O senhor é sanguinário!

E entre a aprovação geral:

— Ao contrário, devemos cercá-lo de todas as garantias e considerações, porque é um nosso patrício, e muito digno!

Rodrigo Otávio — Revista da Academia Brasileira de Letras n° 27.

Nos primeiros dias do século possuía a Academia de Letras na sua sede, no escritório de Rodrigo Otávio, uma coleção de retratos metidos em molduras modestas, e que eram os de Machado de Assis, Taunay, Joaquim Nabuco, e outros, formando galeria. Por esse tempo, era costume da Polícia, para prevenir o público, expor nas estações da Central, nos subúrbios, os retratos de todos os batedores de carteiras mais temíveis da cidade.

Um dia, vai à sede da Academia uma senhora, constituinte de Rodrigo Otávio, levando em sua companhia uma filha de cinco anos. A pequena olha, examina os retratos, e, de repente, voltando-se para a moça:

— Mamãe, quem são aqueles gatunos?

Tobias Barreto — "Pesquisas e depoimentos", pág. 240

Preso na noite de 15 para 16 de novembro, foi o visconde de Ouro-Preto conduzido ao quartel do 1° Regimento, onde, fatigado, adormeceu. Alta noite, entra no compartimento um oficial, o tenente Mena Barreto, que lhe grita:

— Acorde, e prepare-se, que mais tarde tem de ser fuzilado.

Ouro-Preto pôs-se de pé.

— Só se acorda um homem para fuzilar, — retorquiu: — mas não para o avisar de que vai ser fuzilado.

E acentuou:

— O senhor verá que, para saber morrer, não é preciso vestir farda!

Serzedelo Correia — "Páginas do Passado", pág. 15.

Prevenido com Rodrigues Alves, o marechal Floriano resolveu pô-lo fora do ministério, onde ocupava a pasta da Fazenda. Preferia, porém, que ele se demitisse e, num dos despachos coletivos, despachou com todos os ministros. Ao chegar a vez de Rodrigues Alves, levantou-se, foi para o interior da casa e não voltou mais. No despacho seguinte, reproduzia-se a cena. Até que, no terceiro, voltando-se para os outros ministros, declarou-lhes:

— Tenho uma triste notícia a dar-lhes.

E com a maior seriedade:

— Não é que o nosso bom amigo Rodrigues Alves quer deixar-nos, pedindo demissão?

Informação do professor Raul Pederneiras

Fiscal de uma casa de penhores, Emílio de Menezes ia uma vez por mês ao Tesouro receber os magros vencimentos do cargo. E ao entrar ali, encontrava sempre um indivíduo obsequioso, que chorava as suas misérias, as suas moléstias, a sua fome, até que lhe arrancava uma cédula de cinco mil réis. Certa vez, o "mordedor" foi mais longe nas suas lamentações.

— O senhor não imagina, — gemia, — o que eu tenho passado. Basta dizer-lhe que há quinze dias não como!

— O que, homem? — espantou-se o poeta.

E para os funcionários:

— Este camarada com certeza já está com teias de aranha no céu da boca!...

Osório Duque-Estrada — Discurso da Academia Brasileira de Letras.

Passava Sílvio Romero, uma tarde, pela Avenida, quando viu grande aglomeração à porta de um cinema. Perguntou O que era, e um cavalheiro explicou-lhe, indicando um violinista:

— Este homem comprometeu-se a tomar parte no nosso concerto de benefício, e recusa-se agora, por imposição da mulher, de quem tem medo!

Silvio varou a multidão, indo tomar o "medroso" pelo braço.

— Coragem, amigo! — Não se importe! — disse-lhe.

E com a sua costumada bonomia:

— Aqui está um velho que já casou três vezes, e que só tem feito no mundo o que as mulheres têm querido!

Afrânio Peixoto — Conferência ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a 2 de julho de 1923

Reunidas em Pirajá, as tropas brasileiras desenvolviam daí, em 1822, o cerco do general Madeira, encurralado na Baía com o restante das foças portuguesas. A 8 de dezembro Madeira lança um contingente de 2.000 homens contra a ala direita dos sitiantes, levando-os de roldão. Chegam reforços de parte a parte, e os lusitanos vão triunfar, quando o coronel brasileiro Barros Falcão prevendo a derrota e querendo salvar o resto dos seus homens, ordena ao clarim Luiz Lopes, português de nascimento, mas que abraçara, aí, a causa da independência:

— Toca "retirar!"

O soldado leva o clarim à boca e o toque que se ouve é:

— "Avançar, cavalaria!"

E logo outro:

— "Degolar!"

Apavorados com o que ouviam, os portugueses, quase vitoriosos, recuam, os brasileiros ganham ânimo e avançam de novo.

Estava ganha a batalha.

Múcio Teixeira — "Os Gaúchos", vol. I, pág. 362.

Era Salvador de Mendonça diretor do jornal A República, no Rio de Janeiro, quando o governo imperial, não obstante as suas idéias democráticas, o nomeou cônsul do Brasil nos Estados-Unidos. Aceita a nomeação, foi o jornalista, nas vésperas da viagem, despedir-se do Imperador, e pedir as suas ordens para aquele país.

— Não tenho ordens a dar-lhe, — respondeu-lhe, benévolo, o soberano.

E sorrindo:

— Apenas faço votos para que o senhor preste tão bons serviços ao Império, nessa República, quantos prestou à sua República no meu Império.

J.M.de Macedo — "Ano Biográfico", vol. I, pág. 11.

Liberal ardoroso, Manuel Antônio Galvão batia-se valorosamente na Câmara quando, no maior da agitação, em 1826, arrefeceu o entusiasmo, recolhendo-se a um silêncio prudente. Anos depois, quando lhe perguntavam a razão dessa mudança, ele explicava:

— Tirei então a minha acha da fogueira para me não arrepender na ocasião do incêndio!

"Excelsior", de Santiago, de 15 de novembro de 1925.

Em palestra com o encarregado dos Negócios do Chile, D. Miguel Rocuant, dizia-lhe o presidente Artur Bernardes, sobre o seu governo:

— Quando se me apresenta um assunto, começo a estudá-lo só e a fundo, ajudado pela minha experiência; depois, reuno meus amigos, especialmente os de maior preparo na matéria; ouço as suas opiniões, analiso-as, observo ou aceito e, por fim, adoto a resolução que mais diretamente contribua para realizar o que aquele assunto exige do Governo. Tomada, assim, depois de longos e minuciosos estudos, uma resolução, levo-a à prática sem atender, na maior parte das vezes, nem ao artigo do jornal da oposição, nem ao discurso do deputado adversário da minha política, porque sei que nem o jornalista, nem o orador se deram ao trabalho de estudar, tão seriamente como eu e meus amigos, o assunto de que se trata. Esta é uma das razões da inflexibilidade das minhas resoluções de Governo.

Antônio Ribas — "Perfil de Campos Sales", pág. 21.

Dona Ana Gabriela de Campos Sales, esposa do grande estadista que chegou à presidência da República, foi o melhor incentivo para a luta que travou, durante a propaganda, o grande cidadão. Entusiasta do novo regime, andava a ilustre senhora ao par de todos os planos de seu marido, e de tal modo que, ao despedi-lo para ir a algum dos perigosos encontros com os outros propagandistas, não se esquecia de recomendar:

— Vá... e hoje não se lembre que tem mulher e filhos!

Coelho Neto — Discurso na Academia Brasileira de Letras, recebendo Mário de Alencar

Não obstante o seu temperamento combativo e boêmio, José do Patrocínio era profundamente religioso. De regresso de Paris, trouxe ele um carro a vapor, que seria o avô do automóvel. Desembarcado o monstro, o jornalista montou na boléia, e, tomba aqui, tropeça acolá, foi encravá-lo, inutilizado, num buraco da Tijuca.

— Já sei por que foi! — fez Patrocínio, de repente, batendo na testa. — É porque não o batizei; estava pagão, o miserável!

E penalizado:

— Qual! Sem religião e com estas ruas sem calçamento, não há progresso possível!

Alberto Faria — Conferência no Museu Histórico Nacional, a 13 de maio de 1924

Exposto à venda num lote de escravos, no mercado de Campinas, Luiz Gama, que andava apenas pelos dez anos, foi abordado por um fazendeiro das cercanias, que lhe perguntou:

— Onde nasceste?

— Na Bahia, — respondeu o molequinho.

— Baiano... nem de graça! — declarou o comprador.

E afastando-se:

— Já não foi por bem que te venderam tão pequeno!

Trinta anos depois, tornado grande jornalista e advogado famoso, fez Luiz Gama relações com esse fazendeiro, que era o Conde de Três-Rios. E esse titular, que o não quisera para escravo, orgulhava-se, então, de tê-lo como amigo.

Afrânio Peixoto — Conferência no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a 2 de julho de 1923.

Sitiado o general Madeira na Baía, começou, em 1823, o dissídio entre as tropas sitiantes, que deviam obedecer ao comando geral do general Labatut. Desobedecido esse general por Felisberto Gomes Caldeira, comandante de um dos batalhões patrióticos, é este preso. Dias depois a Junta da Cachoeira, ordena a prisão do próprio Labatut, e a libertação de Caldeira.

— Foi mal feito! — declarou o oficial brasileiro, depois de solto.

E emitindo a sua opinião:

— Um general que não convém às tropas não deve ser preso por estas: deve ser morto!

No ano seguinte, as suas tropas o matam!

Alfredo Pujol — "Machado de Assis", pág. 15.

Instado pelo Imperador, a quem não suportava desde que voltara formado de S. Paulo, ia Francisco Otaviano algumas vezes ao Paço da Boa-Vista, ouvir os versos do monarca. De regresso de uma dessas visitas, perguntou-lhe Salvador de Meudonça:

— Como vai o homem?

— Como sempre, — informa o poeta-senador.

E acrescenta:

— A fazer maus versos e a criticar os bons!

Versão corrente no Rio de Janeiro.

Um conhecido alfaiate da rua do Ouvidor havia tido uma questão com o fisco por causa de um contrabando de casimiras, após o qual começou a reconstruir o prédio em que se achava estabelecido. Em meio às obras, com a rua atulhada de materiais, um clube carnavalesco resolve protestar contra o entulho perante a Prefeitura.

— Mas a Prefeitura não tem nada com isso, — opina Emílio de Menezes. O caso deve ser tratado com o ministro da Fazenda.

E justificando a opinião:

— Aquela casa "de fatos", é do alfaiate, mas, de "direitos", é da Alfândega!

Tobias Monteiro — "Pesquisas e depoimentos", pág. 227.

Nos últimos dias da monarquia, sendo chefe de Polícia o dr. Basson, proibiu este que os estudantes comemorassem o 14 de julho com grande passeata, a qual seria, fatalmente, fonte de distúrbios republicanos. O Imperador mandou chamar a autoridade, e, obtendo dela a confirmação da medida, aconselhou:

— Não faça isso, sr. Basson.

E paternalmente:

— Deixe os rapazes...

Henrique Marinho — "O Teatro Brasileiro", pág. 75.

O teatro S. Pedro de Alcântara havia sido edificado sob mau signo. Dois incêndios o haviam já destruído, quando, em 1856, sobrevem o terceiro. E tudo ficou reduzido a cinzas.

Empresário e diretor da Companhia, João Caetano, no meio do povo, no largo do Rócio, chorava como um possesso, arrancando os cabelos. Era a ruína, era a miséria completa que o assaltava. Não se pudera salvar, sequer, o arquivo!

Nesse momento, um homem grave, cortando a multidão, aproxima-se do grande ator:

— Tranqüilize-se, — pediu, batendo-lhe no ombro.

E ao ser ouvido, estancando as lágrimas do artista desesperado:

— O São Pedro será reconstruído! Era o marquês do Paraná.

Ernesto Sena — "Deodoro", pág. 170

Dona Rosa Paulina da Fonseca, mãe de Deodoro, ao saber do rompimento com o Paraguai, fez seguir para o campo de batalha seis dos seus filhos e, pouco depois, o sétimo, ainda de menor idade. Três deles tombam mortos, em Curupaiti e Itororó. Dois outros, entre os quais Deodoro, são gravemente feridos. Ao ter notícia, porém, de que se preparava a paz com o inimigo — paz sem vitória, — não se conteve.

— Prefiro não ver mais meus filhos! — declarou.

E com a sua alma varonil:

— Que fiquem antes todos sepultados no Paraguai, com a morte gloriosa no campo de batalha, do que enlameados por uma paz vergonhosa para a nossa Pátria!

Anotado pelo autor.

Em palestra sobre Machado de Assis, na sua sala de trabalho, Coelho Neto, o romancista do Rei Negro, manifestava mais uma vez a Humberto de Campos a sua estranheza em relação à arte do criador de Brás Cubas. Apaixonado pela Natureza portentosa, Neto não compreendia que Machado de Assis não se impressionasse com a moldura maravilhosa em que fazia mover os seus personagens.

E de repente, resumindo tudo:

— Já reparaste que a casa de Machado de Assis não tem quintal?

Moreira de Mendonça — "Mosaico Brasileiro", pág. 15.

Entre as muitas rixas que lhe atormentavam a vida, teve Gregório de Matos, o terrível satírico baiano, uma com o vice-rei do Brasil, D. Afonso Furtado de Mendonça Castro do Rio e Menezes.

Passava esse fidalgo, um dia, por uma rua da cidade, quando o poeta sacudiu a cabeça, num gesto significativo:

— É célebre! — disse. E de mão no queixo:

— Ainda não vi um Mendonça que não tenha "Furtado"!

Ernesto Sena — "Deodoro"

Eram cinco e meia da manhã de 15 de novembro quando Benjamim Constant chegou ao quartel do 2° Regimento de Artilharia. Pulou do carro, em que o acompanhava o 2° tenente Lauro Müller, e, recebido pela oficialidade, declarou, feliz:

— Estou entre os meus amigos! Chegou o momento de ver quem sabe morrer pela Pátria!

E momentos depois, com entusiasmo, enquanto vestia a sua farda de tenente-coronel:

— Ainda há dignidade na classe militar!...

"A Manhã", de 27 de janeiro de 1927.

Poeta de delicada sensibilidade, Francisco Mangabeira, irmão dos oradores João e Otávio Mangabeira, havia partido para o Alto Amazonas, a lutar pela vida. Minado pelas febres da região, voltou, e, no regresso, pela altura do rio Gurupi, entre o Pará e o Maranhão, foi assaltado pelos suores da morte.

— Morro sem abraçar meu pai...

E morreu.

Moreira de Azevedo — "Mosaico Brasileiro", pág. 28.

O Marquês do Lavradio, que tanto fez como vice-rei, pelo asseio da cidade, era, como se sabe, indiscretamente dado às aventuras amorosas. Por esse tempo, havia no Rio de Janeiro um doido, tipo popular, de nome Romualdo, famoso pelo modo desabusado por que tratava toda a gente.

Encontrando-o uma vez, o vice-rei perguntou-lhe, de bom-humor:

— Então, Romualdo, que dizem por aí de mim?

— Dizem que V. Excia. limpa as ruas mas suja as casas! — respondeu-lhe o aluado.

E foi saindo.

Anedota colhida no Ceará.

Andava Caio Prado, então presidente da província, pelo interior do Ceará, quando viu, à porta do mercado, em Granja, um tropeiro, que vendia a um comerciante uma carga de rapaduras.

— Dou-lhe por doze mil réis! — dizia o vendedor. — E é dado; porque eu estou comprando, na Serra Grande, a quatorze e até a quinze.

Ante aquela transação, o presidente voltou-se para Justiniano de Serpa, seu secretário:

— Que negócio é esse? Ele compra a quatorze na Serra, e vende a doze, aqui... Qual é o lucro?

— É grande, Excelência! — fez Serpa.

E rindo:

— É que ele, lá, compra fiado; e aqui, vende a dinheiro!

Humberto de Campos — Discurso na Academia Brasileira de Letras, a 8 de maio de 1920.

Em uma roda de literatos, discutia-se, certa vez, metrificação, quando um deles procurou amesquinhar Machado de Assis, observando, leviano:

— Era um péssimo poeta. O último verso dos alexandrinos A uma criatura tem onze sílabas; é um verso de pé quebrado.

Emílio de Menezes que se achava no grupo, e sentia uma religiosa admiração pelo Mestre, franziu a testa profética e protestou soturno:

— Não pode ser.

E sentencioso:

— Os bons versos não têm pés: têm asas!

Alberto Faria — Conferência ao Museu Histórico Nacional, a 13 de maio de 1924

Exercia Luiz Gama, o famoso apóstolo negro, a advocacia e o seu apostolado contra a escravatura em São Paulo, quando lhe entrou pelo escritório, aflito, um negro, o qual, apresentando o seu pecúlio, lhe pedia que lhe promovesse a libertação. Minutos depois entra o senhor do escravo que, ao ver o negro, foi exclamando:

— Mas por que isso! Que mal te fiz eu? Pois eu não te trato como filho? Não tens cama, comida e dinheiro? Queres, então, deixar o cativeiro de um senhor bom, como eu, para seres infeliz em outra parte? Que te falta lá em casa? Anda! fala!

O negro ofegante e cabisbaixo, calava-se.

— Falta-lhe o principal, — interveio, irônico, Luiz Gama.

E dando uma palmada amiga no ombro do homem da sua cor:

— Falta-lhe a "liberdade de ser infeliz" onde e como queira!

Informação do professor Raul Pederneiras.

Guimarães Passos era, como se sabe, tuberculoso, e vivia em perpétua luta com a moléstia insidiosa. Um dia, aparece nas livrarias o Tratado de Versificação Portuguesa, do autor dos Versos de um Simples, e cujo produto ele reservava para uma viagem à Europa, onde pretendia curar-se.

— Coitado do Guima! — comentou Emílio de Menezes uma tarde, na antiga Colombo.

E simulando pena:

— Desde que o conheço, que ele, coitado, tem "tratado de ver se fica são"!...

Raul Fernandes — Discurso na Academia Fluminense de Letras, 1924.

Nilo Peçanha, como orador, impressionava mais pelo gesto do que pela palavra. Em uma das suas excursões pelo interior, acabava ele de discursar em Rio-Bonito, quando um tabaréu que ouvira Sizenando Nabuco como advogado e Ciro de Azevedo, que começara como promotor daquela comarca, se acercou do chefe fluminense.

— Sim, senhor, sr. doutor! — exclamou.

E com entusiasmo:

— Oradores, conheci dois na minha vida: Sizenando Nabuco e Ciro de Azevedo. Mas "jogo de cena" como o seu, nunca vi!

Tobias Monteiro — "Pesquisas e Depoimentos", pág. 246.

Na manhã de 15 de novembro, Floriano foi à casa de Deodoro, a convite deste, para se entenderem definitivamente sobre o movimento preparado. Floriano admitia a hipótese de uma conciliação. Deodoro insistiu pela manifestação armada. Floriano cedeu.

— Enfim — declarou — se a coisa é contra os "casacas", lá tenho a minha espingarda velha!

Leôncio Correia — "Correio da Manhã", 17 de julho de 1927.

Era o general Osório ministro da Guerra, quando, tendo-se aberto uma vaga de brigadeiro, levou ao Imperador, em um dos despachos, o decreto promovendo um coronel de brilhantíssima fé de ofício. O soberano deixou ficar o decreto e, no despacho seguinte, recorreu a um subterfúgio qualquer, para evitar a promoção.

— Majestade — objetou o ministro, — o oficial cujo nome apresento como digno do novo posto, é, como homem e como soldado, absolutamente merecedor de respeito. Se, entretanto, Vossa Majestade tem conhecimento de algum fato em contrário, será serviço a mim e ao Exército revelá-lo.

— É muito moço... — declarou o Imperador, como desculpa.

— Pois, melhor, — tornou o ministro.

— Poderá, mais a miúdo, inspecionar as nossas fronteiras.

Pedro II olhou em torno, e, chegando a boca ao ouvido do ministro:

— E dizem que é muito mulherengo...

A essas palavras, Osório desatou a rir:

— Mas, isso é até uma virtude, Majestade! Se isso impedisse promoção...

E com os seus modos francos:

— Eu ainda hoje seria soldado raso!..

Alberto Rangel — "Pedro I e a Marquesa de Santos", pág. 97

Certa vez, regressava Pedro 1 de um passeio aos subúrbios, quando, em caminho, encontrou D. Domitila, a futura marquesa de Santos, que vinha de liteira. De um salto, apeou-se do cavalo, conversou um pouco à portinhola e, após um momento, afastando um dos escravos, suspendeu a liteira, pelos varais.

— Como V. A. é forte! fez a sedutora brasileira, num suspiro de admiração. — Como V. A. é forte!

Chamados os oficiais da escolta, mandou Pedro I que estes substituíssem, num trecho do caminho, os pretos que carregavam a namorada. Esta ria, encantada. E ele, feliz:

— Nunca mais V. Excia. terá uns "negrinhos" como estes!

Osório Duque-Estrada — Discurso de recepção na Academia Brasileira de Letras.

Desbraguilhado de boca, Sílvio Romero não escolhia meios de expressão, quando se via aborrecido ou cansado. Professor da Faculdade de Direito, entrou ele, um dia, na sala, quando se sentiu, de súbito, incomodado de saúde.

— Não dou aula hoje, — declarou, enfadado, aos alunos que esperavam, atentos, a sua palavra.

E levantando-se:

— Estou hoje muito burro para falar; e vocês ainda mais burros para me compreenderem!

Domingos Barbosa — "Silhuetas", pág. 186.

O poeta maranhense Souzandrade, republicano da velha guarda, que redigiu em Nova York O Globo, com José Carlos Rodrigues, recolheu-se depois de 15 de novembro, à companhia dos livros, na sua quinta de São Luiz, cercada de um muro enorme, que parecia de fortaleza. Sem recursos, começou a vender o muro, aos metros, para material de construções.

Filósofo e simples, não maldizia entretanto da vida.

— Como está o senhor? — saudavam-no os íntimos.

— Eu, menino?

E com um sorriso resignado:

— Comendo pedras!...

Magalhães de Azeredo — "D. Pedro II", pág. 87.

Um dia, em Cannes, conversava o imperador Pedro II com alguns brasileiros, quando declarou, gravemente:

— Se eu não fosse imperador, desejaria ser professor. Não conheço missão maior e mais nobre, que a de dirigir as inteligências juvenis e preparar os homens do futuro!

Contado por Afrânio Peixoto

Gonçalves Dias foi casado, segundo se depreende da sua correspondência e do depoimento dos contemporâneos, com uma senhora de grandes virtudes mas ciumentíssima, e que exercia sobre ele grande ascendência. Certa vez, estando enfermo, de cama, conversava com um amigo quando ouviu os passos da senhora, que se aproximava. Rápido, o poeta calou-se, mergulhou a cabeça no cobertor, aquietando-se, intimidado.

Sentindo, porém, que a esposa se retirava, emergiu, de novo, para a conversa.

— É um anjo esta minha mulher, — declarou: — mas...

E abanando-se com a mão:

— Abafa-me demais!...

Joaquim Nabuco — "Um estadista do Império", vol. I, pág. 85

Em 1843, a situação do Tesouro Imperial era das mais delicadas. Identificado com a sorte do país, Pedro II resolve abrir mão da quarta parte da sua dotação, para as urgências do Estado.

Levada à Câmara a notícia do fato,

Peixoto de Brito, palaciano assíduo, ergue vivas ao Imperador e declara seguir-lhe o exemplo abrindo mão da quarta parte do seu subsídio, insinuando à Câmara que esta devia fazer o mesmo.

A lembrança é recebida, porém, com reservas.

— Talvez o sr. deputado não seja casado, — interrompeu Carneiro da Cunha.

E fazendo rir a Câmara:

— Se fosse, julgo que não poderia logo, sem o consentimento de sua mulher, fazer esta cessão, porque a ela pertence a metade.

Contada pelo Comandante Albino Maia.

Érico Coelho morreu quase octogenário, tendo conservado, porém, até às proximidades da morte o mesmo garbo de figura, e um porte marcial de mosqueteiro. Por isso mesmo, não gostava que lhe falassem em idade, achando que os indivíduos têm, não a idade verdadeira, mas aquela que parecem ter.

Certo dia, uma senhorita estouvada resolveu tocar-lhe, em uma festa, nesse ponto delicado.

— Senador, — indagou, — que idade, mesmo, o senhor tem?

— Ah minha filha, — retrucou o republicano fluminense, detendo a sua irritação, — eu não sei ao certo a idade que tenho. Mas já devo ser muito velho.

E com tremores na barba:

— Imagine que eu sou de um tempo em que era falta de educação perguntar-se a idade dos outros!...

Humberto de Campos — Discurso na Academia Brasileira de Letras, 8 de maio de 1920.

Nos últimos dias do século passado era famoso no Rio, pelos seus processos de adquirir dinheiro, um boêmio cuja habilidade se tornou proverbial. A sua fórmula, para promover a elasticidade das bolsas, era cômoda e comovente. Chegava-se a um amigo, e lastimava-se:

— Veja só! Eu já tive uma fortuna regular, com os meus prédios, as minhas apólices, a minha caderneta de Banco... E hoje sou isto!...

E após uma pausa:

— Você, que me viu tão feliz, não poderá me "passar" uma de cinco mil réis?

Comentando esse modo de vida, Emílio de Menezes explicava:

— Coitado do Rocha! O que ele diz é verdade. Ele teve posição, casa, fortuna. Hoje, vive do "passado"!...

Contada pelo sr. Carvalho a Alberto de Oliveira.

Havia em Niterói, na rua da Praia, um pequeno comerciante de gêneros alimentícios em cujo estabelecimento existia um sótão em que Fagundes Varela, já no fim da vida, se recolhia para escrever os seus versos dos últimos tempos. Foi esse sr. Carvalho que guardou para a literatura o poema inédito Diário de Lázaro.

A esse amigo humilde e generoso, Varela só tratava, porém, de "Anfíbio".

— Ó Anfíbio, como vais? — saudava.

Um dia o sr. Carvalho o interpelou, intrigado:

— Anfíbio? Mas por que me chama você de Anfíbio?

— Ora, ora! — fez o poeta.

E piscando os olhos:

— Tu não sabes então que és... de "secos e molhados"?

Anais da Câmara.

Dividida a Câmara em dois campos, a propósito da prorrogação do sítio com que se queria armar Floriano, César Zama, veneranda figura da casa, lançou-se à arena para condenar a possibilidade de novas violências.

— As portas da revolução, -— bradou, não se fecharão jamais com a medida de rigor, com o extermínio dos revolucionários nos campos de combate; mas com a remoção das causas que a provocaram, e com um governo de liberdade, justiça e probidade.

E num surto:

— Os povos livres e felizes não se revoltam!

Ernesto Sena — "Deodoro", pág, 160.

Não obstante a sua fisionomia austera, Deodoro era um espírito alegre e gostava de pilheriar. Como não tivesse tido filhos nem filhas, costumava beijar na testa as sobrinhas, onde as encontrava.

Um dia, estando em despacho, entrou uma destas, e Deodoro beijou-a. Afonso de Carvalho, ministro da Justiça, e velho magistrado, ponderou, gracejando, que aquele ósculo não era constitucional.

— Por que? — perguntou o marechal, intrigado.

— Porque não foi na forma do art. 40 da Constituição da República.

— Errou, meu caro amigo, — retrucou o marechal; — isso pertence exclusivamente ao expediente do meu gabinete particular.

E retomando o trabalho:

— Referendará você os que eu der na coroa de monsenhor Brito...

Araripe Júnior — Revista da Academia Brasileira de Letras, n° 39, pág.256.

Genro do general Solon, Euclides da Cunha tivera noticia de que Floriano, que mandara prender aquele militar, o ia mandar fuzilar. Num ímpeto de coragem, o moço escritor procurou o ditador. E, sem medir as conseqüências, começou a verberar o seu procedimento, se tal fizesse. Tamanha audácia, era das que Floriano costumava punir com uma descarga de fuzilaria, no silêncio de uma fortaleza. Ao terminar, o ditador indagou, a testa franzida:

— Já acabou?

— Já, — respondeu, firme, Euclidcs.

E Floriano, desanuviando a testa:

— Menino, quando seu pai não cogitava sequer de fabricá-lo, (a frase é outra, brutal, mas equivalente), eu já era amigo de Solon.

E no mesmo tom:

— Pode retirar-se.

Humberto de Campos — Discurso na Academia Brasileira de Letras.

Em certa roda, elogiava-se a atividade de Medeiros e Albuquerque, o polígrafo mais completo do Brasil.

— O Medeiros, — dizia um do grupo, — o Medeiros é genial! Escreve sobre tudo: é romancista, é "conteur", é jornalista, é cronista, é critico literário, é conferencista, e homem de ciência... Entende tudo.

Emílio deu de ombros:

— Mas é prédio da Avenida, filho.

E num gesto, rindo:

— Muita frente e pouco fundo!

Frei Vicente de Salvado — "História do Brasil", pág. 163

D. Duarte da Costa, que sucedera a Tomé de Sonsa no governo geral do Brasil, costumava rondar alta noite o povoado que era então a Bahia. Certa vez, percorria assim uma das vielas escuras, quando, ouvindo vozes no interior de uma casa fechada e em que havia luz, se chegou, cauteloso, a ouvir o que diziam. E notando que o assunto era a sua própria pessoa, a quem todos atacavam impiedosamente, soprou, baixo, para dentro, por uma fresta da tábua:

— Falem baixo, que os ouve o governador...

E deslizou, de novo, na sombra.

Joaquim Nabuco —; "Um estadista do Império", vol. I, pág. 208.

A sessão da Câmara de 26 de junho de 1855 foi a mais interessante, talvez, de toda a legislatura, graças a um discurso de Justiniano José da Rocha, o maior jornalista do Segundo Império.

Acusado de deserção pelo marquês do Paraná, que o elegera, Justiniano sobe imediatamente à tribuna, e faz um discurso dos mais ingênuos, singelos, comoventes e, ao mesmo tempo, divertidos, entre os quantos se encontram nos Anais. Conta as suas origens, o dinheiro que os ministros lhe davam, e, no meio de numerosos episódios pitorescos, este, reproduzido textualmente:

"E já que falo nisto, sr. presidente, vá uma pequena revelação. Distribuíam-se africanos, e estava eu conversando com o ministro que os distribuía, e S. Excia. me disse: "Então, sr. Rocha, não quer algum africano?" "Um africano me fazia conta", respondi-lhe. "Então, por que o não pede?" "Se V. Excia. quer, dê-me um para mim e um para cada um dos meus colegas". (Risadas). O ministro chamou imediatamente o oficial de gabinete e disse-lhe:

"Lance na lista um africano para o dr. Rocha, um para o dr. Fulano, e outro para o dr. Fulano".

Contada pelo Dr. Leví Carneiro.

Acabava Nilo Peçanha, então chefe incontrastável da política fluminense, de formar a Assembléia Estadual, compondo-a de elementos amorfos e de, apenas, duas os três figuras de valor, quando um amigo lhe observou, intrigado:

— Eu não sei como é que você, um homem inteligente, organiza uma Assembléia daquelas. Apenas dois ou três rapazes de talento, para vinte nulidades, quando há tanta gente aproveitável no Estado.

Nilo Peçanha fez dançar no dedo o seu pince-nez de aros de tartaruga, pendente de uma grossa fita negra, e sorriu:

— Ora, filho!... Você já viu esses ramalhetes que as meninas oferecem à professora nos dias de festa? Pois, as Assembléias devem ser assim.

E com perversidade:

— Duas ou três rosas bonitas,_ o resto manjericão...

Frei Vicente de Salvador — "História do Brasil", pág. 227.

Nomeado governador das capitanias do sul, havia chegado o dr. Antônio Salema ao Rio de Janeiro quando o foram visitar todas as autoridades e pessoas importantes. Entre estas, estava o chefe indígena Martim Afonso de Sousa, o Araribóia, o qual, ao assentar-se na presença do recém-chegado, foi logo pondo uma perna sobre a outra, conforme era seu costume. O dr. Salema estranhou aquela liberdade, e mandou que o intérprete o chamasse à ordem, dizendo-lhe que aquilo não era posição para tomar-se diante do governador, que era representante d' El-Rei.

Martim Afonso pôs-se de pé.

— Se tu souberas — retrucou com arrogância, os olhos fuzilando de cólera, — se tu souberas quão cansadas tenho as pernas das guerras em que servi a El-Rei, não estranharás dar-lhes agora este pequeno descanso; mas, já que me achas pouco cortesão, eu me vou para a minha aldeia, onde não curamos destas pequenas coisas, e não tornarei mais à tua corte!

Faria Neves Sobrinho, na "A Manhã", de 19 de janeiro de 1926.

Havia Barbosa Lima assumido o governo de Pernambuco, quando, em visita ao interior, foi ter a certo município onde o receberam com grandes festas, inclusive um banquete. À mesa, o Prefeito, um sujeito pernóstico, iniciou o seu discurso:

— Senhores, saudemos o Dr. Barbosa Lima; S. Excia. tem demonstrado no governo que é um homem de bem. Enfim, senhores, S. Excia. é um cínico, um venal!

Os convivas entreolharam-se. O orador gozou o efeito dos vocábulos, cuja significação ignorava. E quando todos esperavam um protesto, Barbosa Lima aparteou:

— Obrigado, pela intenção! E as palmas ressoaram.

Humberto de Campos — Discurso na Academia Brasileira de Letras, 8 de maio de 1920.

De regresso de Paris, onde deixara a batina, o padre Severiano de Rezende surgia, uma tarde, à rua Gonçalves Dias, trajando jaquetão claro, chapéu de palha, flor à lapela, mas tendo à mão, em conflito com aquela meia elegância, um guarda-chuva de cabo torcido. Ao encontrá-lo à porta da Confeitaria Colombo, Emílio de Menezes abriu os braços para estreitá-lo:

— Estás belo, padre, assim à paisana!

— Achas?

— Decerto.

E olhando melhor:

— Agora, é só a bengala que traja à clerical.

— Que bengala? — estranhou o ex-sacerdote. — Isto é um guarda-chuva...

E Emílio:

— Pois é isso mesmo: que é um guarda-chuva senão uma bengala de batina?

Augusto de Lima — Revista da Academia Brasileira de Letras.

Os últimos anos da vida de Bernardo Guimarães foram de recolhimento e de isolamento. Pobre e modesto, depois de haver tentado vários lances da fortuna, vivia em um dos arrabaldes de Ouro-Preto, quando ali o foi visitar Augusto de Lima. No correr da palestra, o romancista da Escrava Isaura falou de si, assinalando o modo por que a sorte paradoxalmente o protegia.

— O meu destino é de tal ordem, meu amigo, — disse, — que a minha sogra tem o nome de Felicidade!...

Anais do Senado.

Ano de 1894. O Congresso, incerto ainda das suas funções, discute o estado de sitio e as imunidades parlamentares. No Senado formam-se dois blocos, em torno dessas medidas. Virgilio Damásio, espírito liberal, ataca, na sessão de 9 de julho, a prorrogação do sítio, defendendo a liberdade dos cidadãos.

É melhor, então, o excesso de liberdade, a licença? — aparteia João Cordeiro.

— Não; a licença não é o excesso, protesta o orador.'

E sentencioso:

— A licença é a perversão da liberdade!

Antônio Ribas — Ob. cit., pág. 724.

Magoado com o ato do Ministério Lucena revogando o decreto n.^0 521, de 26 de junho de 1890, sobre a obrigatoriedade do casamento civil antes do religioso, Campos Sales subiu à tribuna do Senado a 13 de junho de 1891, e produziu um dos seus mais belos discursos, combatendo a ação do clero contra aquele seu ato.

E a certa altura, exclama:

— Enquanto for necessário, sr. Presidente, combater a influência da Igreja para garantir, com a ação do poder civil, o progresso social, eu a combaterei!

Moreira de Azevedo — "Mosaico Brasileiro", pág. 65.

O carmelita frei Antônio Gonçalves Cruz, natural de Guaratinguetá, era uma das figuras principais do clero do Rio, quando adoeceu, e cegou. Indo visitá-lo, o cardeal Calepi, então na nunciatura da corte brasileira, tocou-lhe os olhos com a cruz de ouro que trazia pendente do pescoço. Mãos trêmulas, o sacerdote tateou o cordão, e apalpando a cruz, sorriu, triste.

— Fiquei do mesmo modo, senhor núncio. E com a sua ironia de pobre:

— Se a cruz fosse de pau, talvez produzisse algum milagre.

Ernesto Sena — "Deodoro", pág. 151.

Era Deodoro presidente da República quando o convidaram para visitar o atelier de Rodolfo Bernardeli, no qual se achava, quase acabado, o quadro representando a proclamação da República.

O velho soldado parou diante da tela, na qual a sua figura varonil aparecia montando um ginete árdego, examinando-o, atento.

De repente, voltou-se para os que o acompanhavam.

— Vejam os senhores! — disse.

E indicando o quadro:

— Quem lucrou no meio de tudo aquilo foi o cavalo!...

Alfredo Pujol — Discurso na Academia Brasileira de Letras.

Não obstante a agudeza do seu entendimento, Lafayette não tinha confiança na estabilidade do regime republicano. Acreditava que, de um momento para outro, a monarquia seria restaurada.

— Um dia a gente encontra na rua o carro do Estado abandonado. É só trepar à boléia e fazê-lo andar...

Paulo Barreto — Discurso na Academia Brasileira de Letras.

Preso durante a revolta, foi Guimarães Passos obrigado a assentar praça na Guarda Nacional, no posto de cabo. Vítima de um inimigo rancoroso, escreveu a um amigo, pessoa de confiança do governo, este bilhete rápido:

"Salva-me de ser cabo, para ser alferes, ao menos."

Aflito, o amigo procurou o comandante da milícia, arranjou-lhe posto melhor, farda, dinheiro, e mandou-lhe tudo. E, à noite, recebia outro bilhete:

"Promovido tenente sigo grato rumo ao mar."

E fugiu para a Argentina.

J.M. de Macedo — "Ano Biográfico", vol. I, pág. 156.

Na sessão legislativa de 1837, acabava Diogo Antônio Feijó de apresentar o seu relatório propondo medidas audaciosas para manter a ordem à revelia das forças regulares, quando um deputado, à sua direita, indagou:

— V. Excia. tem quarenta mil homens para sustentar as idéias do relatório?

— Não; mas tenho quarenta mil guardas nacionais!

Rio-Branco — Com. a "História da Guerra do Paraguai", cap. XVIII.

A coluna brasileira de Mato-Grosso recuava acossada pelos paraguaios e dizimada pelo cólera, quando, chegada a um pouso, foram procurar o comandante, o coronel Camisão, para comunicar-lhe novas mortes. Encontraram-no com a fisionomia alterada, em dores atrozes. O médico da expedição, o dr. Gesteira, quis experimentar uma nova aplicação de remédios.

O chefe recusou, porém:

Deixe-me morrer tranqüilo; nada me pode salvar: socorra antes aos soldados que ainda possam escapar...

E morreu.

Taunay — "Reminiscências", vol. I, pág. 156.

Em uma das últimas sessões de 1872, Martinho de Campos estava na tribuna, quando lhe deram um aparte. Perdendo a serenidade, de que raro se afastava, não se conteve. E bradou:

— Fique certo o sr. D. Pedro II, que não se fechou a barra por onde saiu o senhor seu pai!

Oliveira Lima — "O Jornal", 5 de dezembro de 1925

Um dos maiores desejos de Pedro II era conhecer pessoalmente Victor Hugo, então no esplendor da notoriedade e da glória. Ao chegar a Paris em 1877, procurou fazer sentir ao poeta o prazer que sentiria se recebesse a sua visita.

O antigo solitário de Guernesey era, porém, soberbo até à inconveniência.

— Eu não visito imperadores, — respondeu.

Pedro II, ao ter notícia da resposta, sorriu.

— Não faz mal, — disse. — Eu procurarei conhecê-lo.

E generoso:

— Victor Hugo tem sobre mim o triste privilégio da idade e também a superioridade do gênio. Far-lhe-ei, eu, portanto, a primeira visita.

Alfredo Pujol — "Machado de Assis", pág. 53.

Estava Machado de Assis na sua mesa de diretor de seção na antiga Secretaria da Indústria, quando foi procurado por um cavalheiro, interessado no despacho de certo papel. Machado declarou-se contrário à sua pretensão, mas o sujeito insistiu, querendo convencê-lo, e declarando que não se conformava com aquela solução. O despacho tinha que ser favorável.

— Nesse caso... fez o romancista, pondo-se de pé.

E indicando ao desconhecido a cadeira de que acabava de levantar-se:

— O senhor diretor não quer sentar-se, para lavrar o parecer?

Taunay — "Reminiscências", vol. I, pág.15.

O Visconde do Rio-Branco, quando orava, estendia com freqüência, ora o braço direito, ora o esquerdo, puxando de vez em quando os punhos, ou então levantava no ar o dedo indicador da mão direita fechada. Esse hábito deu ensejo a um verso de Joaquim Serra, que exclamava:

"Embainha, ó Rio-Branco, esse teu dedo!"

O próprio Visconde comentava, às vezes, com espírito, esse seu gesto, explicando

— Quando a idéia, não vale por si para ir bastante alto, suspendo-a na ponta do dedo!

Esse movimento, que era peculiar ao grande tribuno da lei de 28 de setembro, tornou-se famoso no tempo. Certo dia, perguntou o Imperador ao Marquês de Abrantes que tal achava Rio-Branco.

E com entusiasmo:

— Quando ele não pode alcançar a nota que tem de dar, fisga-a na ponta do dedo, e mostra-a ao público!

Múcio Teixeira — "O Imperador visto de perto", pág. 68.

O Imperador do Brasil visitou Vítor Hugo, às 9 horas da manhã de 22 de maio de 1877. O Poeta fê-lo sentar-se a seu lado, e as primeiras palavras do monarca foram estas:

— Sentando-me ao lado de Vitor Hugo, cuido pela primeira vez que estou num trono!

O poeta imenso, afeito à lisonja, sorriu.

Contada pelo Dr. Castro Neves.

Presidente do Estado do Rio, resolveu Nilo Peçanha facilitar a representação da minoria da Câmara Federal, deixando uma vaga em cada distrito, isto é, três cadeiras, das dezesseis de que se compõe a bancada.

— Doutor Nilo — perguntou-lhe alguém da sua entourage — três é "terço" de dezesseis?

Nilo Peçanha riu, assestou o pince-nez e, no mesmo tom:

— Diga-me uma coisa: você já viu "décima" urbana ser dez por cento?

Múcio Teixeira — "O Imperador visto de perto", pág. 69.

Na visita que fez a Vítor Hugo, o Imperador Pedro II, o Poeta mandou vir os seus netinhos, para apresentá-los ao monarca.

— Jeanne — disse — apresento-te o Imperador do Brasil.

— Quer dar-me um beijo, minha menina? — pediu o soberano.

E como Jeanne lhe apresentasse a fronte:

— Dê-me também um abraço.

Passando-lhe os bracinhos em torno do pescoço, a menina apertou-o com tanta força, que o avô teve de intervir:

— Basta... Queres dar-te ao luxo de estrangular um Imperador?

A. Austregésilo — Discurso na Academia Brasileira de Letras.

Certo poeta, hoje ilustre, supondo-se um inovador, foi mostrar os seus versos a Heráclito Graça.

— Filho, você quer o meu conselho? — opinou o gramático. — Pendure a lira ao salgueiro; não faça mais versos.

O poeta rebelou-se:

— É porque você não entende disso. Os meus versos são "novos"!

— Novos? — fez Heráclito Graça. É engano seu.

E implacável:

— Desde menino eu ouço dizer que a asneira é coisa velha!

Contada pelo Dr. Mário Brant.

Ocupava o general Osório a pasta da Guerra quando em um dos despachos coletivos no Paço, o Imperador, minado pelas moléstias e pela velhice, começou a cochilar, e adormeceu, na presença mesmo dos seus ministros. Estes entreolharam-se, numa consulta silenciosa. Que fazer, em semelhante emergência? Irem-se embora? Seria uma desconsideração. Chamá-lo? Seria um desrespeito.

Osório teve uma idéia. Desafivelou o cinturão, e, como inadvertidamente, deixou cair a espada, com estrondo, no soalho. Despertando com o barulho, o monarca, vendo o que era, objetou-lhe, sorrindo:

— Certo, sr. general, a sua espada não caía assim no Paraguai.

— Absolutamente, majestade! — contestou o herói.

E num assomo repentino de orgulho:

— Mesmo porque, no Paraguai, não se dormia!

Moreira de Azevedo — "Mosaico Brasileiro", pág. 15.

Irreverente nas suas sátiras, foi Gregório de Matos chamado em palácio pelo governador Caetano de Melo, o qual o proibiu de fazer versos, atacando fosse quem fosse. Dias depois passava o poeta por uma das ruas da Baía, quando viu duas mulheres eugalfinhadas, e em atitude ridícula. Fez uma corneta com as mãos, e pôs-se a gritar:

— Aqui d'El-Rei contra o sr. D. Caetano de Melo!

Acorreram populares, indagando o que era. E o poeta, aflito, de um lado para outro:

— Proibiu-me de fazer versos quando me oferecem assuntos como este!

Múcio Teixeira — "O Imperador visto de perto", pág. 71.

Ao contar a Vítor Hugo o modo por que distribuía o seu tempo, o Imperador Pedro II observou-lhe que não tinha "direitos" sobre seu povo: tinha "deveres", que lhe couberam por acasos da fortuna e do nascimento.

E o poeta, comovido:

— Senhor, sois um grande cidadão! Sois o neto de Marco Aurélio!

Narrado pelo professor Raul Pederneiras.

Achava-se Emílio de Menezes em uma roda da Pascoal, quando chegou um amigo e apresentou-lhe um rapaz que vinha em sua companhia:

— Apresento-te Fulano; é nosso patrício e tem corrido o mundo inteiro. Fala corretamente o inglês, o francês, o italiano, o espanhol, o alemão.

O rapaz sorria, modesto, ante os elogios e a palestra voltou ao que era. Ao fim de uma hora, durante a qual apenas proferiu alguns monossílabos, o viajante despediu-se, e se foi embora.

— Que tal esse camarada? — perguntou a Emílio um dos da roda.

— Inteligentíssimo e, sobretudo, muito criterioso, — opinou o rei dos boêmios.

— Mas, ele não disse palavra.

— Pois, por isso mesmo, — tornou Emílio.

E rindo:

— Você não acha que é ter talento saber ficar calado em seis línguas diferentes?

Moreira de Azevedo — "Mosaico Brasileiro", pág. 36.

O ano de 1702, de seca intensa, abrasava o nordeste, até Pernambuco. Alarmada, a população de Olinda foi procurar o bispo D. Frei Diogo de Jesus Jardim, pedindo-lhe licença para uma procissão de penitência.

— Nada de procissões, meus filhos, — protestou o velho prelado, notável pelas suas virtudes; — a verdadeira penitência consiste na emenda da vida e na reforma dos costumes. Emendai-vos, e a chuva há de cair.

A multidão retirou-se, contrita.

No dia seguinte começou a chover.

Múcio Teixeira — "O Imperador visto de perto", pág. 69.

Ao visitar em 1877 Vítor Hugo, cujo estro fulminava as testas coroadas do século, o Imperador Pedro II fez-lhe uma observação piedosa:

— Não queira mal aos "meus colegas". Eles vivem tão rodeados, tão enganados, que não podem ter as "nossas idéias".

E o poeta, com tristeza:

— Sois o único, Senhor, infelizmente...

Múcio Teixeira — "O Imperador visto de perto", pág. 70.

Ernesto Sena — "Deodoro", pág. 149.

Após a apresentação da sua netinha Jeanne ao Imperador do Brasil, Vítor Hugo foi buscar pela mão o seu neto:

— Senhor, tenho a honra de apresentar o meu neto Jorge a Vossa Majestade.

O Imperador abraçou a criança, e, alisando-lhe os cabelos:

— Meu filho, aqui não há mais que uma majestade.

E indicando o poeta:

— Ei-la!

Ernesto Sena — "Deodoro", pág. 149.

Quando presidente da República, era Deodoro procurado por dezenas de indivíduos que se diziam republicanos de longa data e que se consideravam, por isso, com direito a serem amparados pelo novo regime. Um deles, homem de idade avançada, queixava-se, certa vez, insistentemente, da ingratidão da pátria, pois que havia sido propagandista, e era republicano há mais de trinta anos.

— Ora, meu caro amigo, — atalhou Deodoro, — eu sou republicano a datar de 15 de novembro, e já cheguei a presidente da República. Logo, a República não é ingrata.

E estendendo-lhe a mão para despedi-lo:

— O senhor é que é caipora!

Constâncio Alves — Revista da Academia Brasileira de Letras, n° 39, pág. 243.

Rui Barbosa era um espírito faminto de leituras. Lia tudo. Passava pelos olhos todos os jornais do Rio, quase todas as revistas, e não dispensava à cabeceira, para conciliar o sono, um romance policial.

Certa vez, em conversa com Constâncio Alves, citou o grande publicista um conto infantil, que lhe havia despertado interesse.

— Onde V. Excia. o leu? — teria indagado Constâncio.

E o mestre:

— Não estou certo; creio, porém, que foi no Tico-Tico...

Domingos Barbosa — "Silhuetas", pág. 39.

Era Paula Duarte, espécie de Paula Ney maranhense, membro da Junta Governativa instituída no seu Estado com a proclamação do regime republicano, quando um popular, homem de cor, o atacou, em discurso, num comício. Preso à ordem de Casemiro Cunha, chefe de polícia, foi Paula Duarte, em pessoa, interrogá-lo:

— Por que a sua agressão? Diga!

— "Seu" doutor, — começou o preto, gaguejando; — eu pensei...

— Pensou?... — fez Paula Duarte, interrompendo-o. — Tu já viste preto pensar?

E voltando-se para o chefe de polícia:

— Casemiro, quando ele te definir o que é "pensamento", solta-o!

Moreira de Azevedo — "Mosaico Brasileiro", pág. 24.

Domingos Caldas Barbosa, poeta popular e de cor parda, hostilizado por Bocage, improvisava à guitarra quando surgiu o português Caldas, riquíssimo negociante. Ao vê-lo, o repentista improvisou, logo:

Tu és Caldas, eu sou Caldas, Tu és rico e eu sou pobre; Tu és o Caldas de ouro, Eu sou o Caldas de cobre!

Foi um sucesso.

Múcio Teixeira — "Os Gaúchos", vol. I, pág. 205.

Era Osório ministro, quando uma tarde, em despacho do gabinete com o Imperador, um colega, que sentava logo junto, ao

tomar o areeiro, bateu com o cotovelo no tinteiro, derramando-o. A tinta espalhou-se pela mesa, alcançando vários decretos da pasta da Guerra.

Osório aborreceu-se.

— Caramba, camarada! — exclamou.

E batendo os papéis:

— Não se pode acampar a seu lado!...

Tobias Monteiro — "Pesquisas e depoimentos", pág. 28.

O gabinete de 7 de março batia-se contra uma oposição violenta, quando, um dia, na Câmara, um deputado mais veemente, interpretando ao pé da letra uma frase de Chateaubriand citada pelo Visconde do Rio-Branco, declarou que este já havia confessado, ele próprio, ter sido tratado como lacaio pelo Imperador.

O presidente do Conselho teve um assomo de indignação. E, grave, deixou cair, apenas, como resposta, estas palavras parlamentares, empregadas ordinariamente quando há um ébrio na assembléia:

— O nobre deputado não se acha em estado de deliberar...

Tobias Monteiro — Pesquisas e depoimentos", pág. 114.

Espalhada a notícia dos acontecimentos de 10 de abril de 1892, os políticos começaram a correr para o Itamaratí oferecendo os seus serviços. De repente, soube-se que o estado de sítio fora decretado, e que o Marechal ordenara a prisão de diversos congressistas.

Esta última notícia alarmou os próprios amigos do ditador, alguns dos quais comentavam o caso em um dos corredores da residência presidencial, quando Floriano passou por eles e indagou:

— Que é que vocês conversam?

Um deles, mais íntimo, disse a verdade. Achavam a medida violenta e perigosa.

— Bom, — fez Floriano, ciente do assunto.

E afastando-se:

— Vão discutindo que eu vou mandando prender.

Osvaldo Cruz — Discurso de recepção na Academia Brasileira de Letras, 1913.

Era Raimundo Correia promotor público em São João da Barra, quando um chefe político o procurou, pedindo-lhe uma palavra em particular. Atendido, este explicou-lhe, nervoso:

— Contaram-me, doutor, uma coisa muito grave a seu respeito, mas eu confesso-lhe que não acreditei. Para tranqüilidade minha, porém, venho contar-lhe o que se anda dizendo por aí do senhor.

— Andam dizendo que o senhor é poeta!

— É falso! É falso! — protestou Raimundo, de pé.

E estendendo-lhe a mão:

— O senhor fica autorizado, em meu nome, a rebater essa "ofensa"!

Múcio Teixeira — "O Imperador visto de perto", pág. 116.

Em sua última viagem, em 1886, ao interior de São Paulo, o Imperador Pedro II visitava uma escola, quando uma menina de oito anos, a mandado da professora, começou a recitar o Credo. Em certa altura, quando a pequena dizia que Jesus fora concebido de Maria Virgem, "virgem antes do parto, durante o parto e depois do parto", o monarca interrompeu-a e, voltando-se para a educadora:

— Não acrescente nada ao Credo; esta oração é a síntese completa da nossa religião. Nem entre na questão da Conceição, que é um dogma muito recente.

E virando-se para um jornalista:

— A religião deve ser ensinada pelas próprias mães; só na falta destas é que pode ser confiada à professora.

Afonso Arinos — Discurso na Academia Brasileira de Letras

De regresso de uma das suas viagens à Europa, trouxe Eduardo Prado para a sua fazenda do Brejão uma infinidade de anzóis, pesos, iscas artificiais, destinados à pesca, no rio. Ante as minhocas de borracha que os caboclos supuseram enfeite para pescoço, Eduardo explicou:

— É com isto que se pesca na Inglaterra.

— Quá, seu dotô! — fez, rindo, o caboclo mais velho.

E incrédulo:

— Os nosso peixe de cá não pega nisso, não! eles são muito velhaco! quando nas iscas de devéra eles custa, quando mais, nessa!...

Moreira de Azevedo — "Mosaico Brasileiro", pág. 71.

Frei Francisco de São Carlos, o autor da Assunção, achava, apesar da sua cultura leiga, que os livros sagrados podiam satisfazer toda a fome do espírito. Certo dia, entrando na cela de um companheiro de clausura, encontrou-o aborrecido.

— Que contrariedades são essas, irmão?

— Estou aborrecido, — informou o outro, não tenho nem um livro para ler.

Frei São Carlos voltou-se, ofendido:

— E que fazeis da Bíblia, meu padre?

J.M. de Macedo — "Ano Biográfico", vol. II, pág. 247.

Derrotado a 3 de abril de 1832, pelo major Luiz Alves de Lima, que saíra ao seu encontro com um corpo de polícia, o major Miguel de Frias pôs-se em fuga, procurando escapar. Lançando-se no seu encalço, estava Alves de Lima para alcançá-lo, quando um adversário lhe dispara um tiro de pistola, fazendo pranchear o cavalo e permitindo, com isso, que o fugitivo desaparecesse.

Avançando de novo, é Caxias informado de que o chefe revoltoso se havia asilado em uma casa da rua do Sabão da Cidade Nova. Apeia-se, o dono da casa franqueia-lhe a residência, que Caxias percorre. Ao fim de um corredor, havia uma porta fechada, com a chave na fechadura. O chefe legalista dá volta à chave, e abre. No centro do quarto, de pé, Miguel de Frias o esperava. Os dois heróis olham-se, mudos. Ao fim de um instante, Alves de Lima puxa a porta, e retira-se, dizendo ao dono da casa:

— Desculpe-me; não há ninguém...

No dia seguinte, Miguel de Frias fugia, asilando-se nos Estados Unidos.

Osório Duque-Estrada — Discurso de recepção na Academia Brasileira de Letras.

Era Silvio Romero examinador na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, quando se sentou à banca, para ser examinado, um irmão de Raimundo Correia. Tirado o "ponto", Sílvio argüiu o aluno:

— Você é mesmo irmão do Raimundo?

— Sim, senhor.

— Então, recite As Pombas.

O examinando recitou.

— Estou satisfeito ! — continuou Silvio.

E aprovou o rapaz plenamente.

J.M. de Macedo — "Ano Biográfico", vol. I, pág. 91.

Nomeado governador geral do Brasil em 1558, achava-se Mem de Sá em 1560 na Bahia, sede do governo, quando recebeu ordem de seguir imediatamente com rumo ao sul, afim de desalojar os franceses que se haviam instalado na baía do Rio de Janeiro.

Não obstante a modéstia dos recursos de que dispunha, embarcou, como lhe mandavam do Reino, levando apenas 120 portugueses e 140 índios. Venceu, porém, o inimigo, desalojando-o da ilha que ocupava, no centro da baía. E era já vitorioso, que o governador geral escrevia para a Corte, informando à rainha regente, D. Catarina:

— "Eu me pus logo prestes o melhor que pude, que foi o pior que um governador podia".

Couto de Magalhães — "Viagem ao Araguaia", pág. 178.

Subia Conto de Magalhães, em 1862, o Araguaia, quando notou, no lago Dumbá, cujas margens acoitavam dezenas de escravos fugidos do Pará e províncias vizinhas, um movimento de caça, que logo lhe acordou a mania venatória. Tomou da espingarda, e ia fazer fogo, quando um soldado da comitiva se interpôs, rogando, choroso:

— Sr. doutor, pelo amor de Deus, não atire!

— Então, por que?

O soldado, após um silêncio envergonhado, baixou os olhos e a voz, e explicou, titubeante:

— Eu ando querendo dar baixa, tenho caçado um substituto e não acho.

— E que tem isso com o meu tiro?

— É que o tiro esparrama os negros do quilombo, e eu estou querendo pegar um calunga que faça o meu tempo de serviço!

J.M. de Macedo — "Ano Biográfico", vol. I, pág. 215.

Prevendo a próxima emancipação da antiga colônia, as tropas portuguesas que constituíam a guarnição do Rio de Janeiro iniciaram um pronunciamento, afim de forçar o príncipe regente a jurar as bases da Constituição emanada das Cortes de Lisboa, e a fazê-lo regressar ao Reino. Operando a reação, o Senado da Câmara enviou uma delegação ao Paço, sob a presidência de José Clemente Pereira. E horas depois, a 9 de janeiro de 1822, José Clemente tranqüilizava os brasileiros com estas palavras famosas pronunciadas pelo Príncipe, e que, repetidas por ele, da janela do Paço, foram recebidas com delírio:

— Como é para bem de todos e felicidade geral da nação, diga ao povo que — fico!

Paulo Barreto — Discurso de recepção na Academia Brasileira de Letras.

Uma tarde, encontrou-se Guimarães Passos, na cidade, com um amigo.

— Se tivéssemos dois tostões, jantaríamos esplendidamente, — informou.

O outro arranjou o níquel, e tomaram, os dois, um bonde de segunda classe, para São Cristóvão. Em frente à Quinta da Boa-Vista, saltaram.

— Aonde vamos? — indagou o companheiro do Guima.

— Aonde? Vamos comer a carne com que Sua Majestade sustenta as feras!

Entraram na quinta. Em frente à jaula das panteras, estacaram. O beluário, insolente e brutal, intimou-os:

— Os meninos vão embora. Ou vão, ou eu solto os bichos!

Um sinal de incredulidade, e ia o homem suspender os varões, quando os dois dispararam, no rumo do palácio:

— As feras! — gritaram. — As feras!

O bibliotecário do Imperador aparece à janela, fazendo-os entrar. Nesse dia, Guimarães Passos arranjou o seu primeiro emprego.

Augusto de Lima — Discurso na Academia Brasileira de Letras, 1921.

É conhecida a ojeriza que Raimundo Correia tomou aos mais famosos dos seus sonetos. Por isso mesmo, foi um dia de nervosismo intenso aquele em que, de regresso do colégio, uma de suas filhas pequenas lhe perguntou:

— Papai, o senhor é o poeta d'As Pombas?

Quem foi que lhe disse essa tolice, menina?

— Foi a professora.

Raimundo ficou indignado. E no dia seguinte era a professora informada de que, se repetisse tal coisa às pequenas, ele tiraria as filhas do colégio.

J.M. de Macedo — "Ano Biográfico", vol. III, pág. 425.

Não obstante a sua condição de português, Joaquim de Oliveira Álvares, que se havia distinguido nas campanhas do Sul, declarou-se abertamente a favor da emancipação do Brasil, colocando-se ao lado de José Clemente Pereira. Oficial respeitado e temido, estava de cama, com um ataque de gota, quando soube, que em conseqüência do "Fico!" de Pedro 1, as tropas portuguesas, fortes de dois mil homens, haviam tomado as armas, ocupando o morro do Castelo, de onde, sob o comando do general Avilez, intimaram o príncipe a partir imediatamente para o Reino.

Torcendo-se de dores, Oliveira Álvares ordenou:

— Levem-me para o Campo de Santana!

Conduzido para aí, mandou estender um tapete na relva, assumindo, deitado, o comando das tropas nacionais e dos paisanos que se haviam armado, e dando durante todo o dia, e toda a noite, as providências para resistir ao ataque do inimigo.

A notícia de que Oliveira Álvares se achava à frente do elemento brasileiro atemorizou Avilez, que atravessou a baía na manhã de 12 de janeiro, indo entrincheirar-se em Niterói.

Anais da Câmara

Sessão de 30 de junho, em 1894. A Câmara discute, no meio de enorme agitação, os poderes discricionários concedidos a FIoriano, cuja mensagem anuncia, aliás, a derrota dos revolucionários no sul. Discursa o senhor Augusto Montenegro, e cruzam-se os apartes.

O sr. Belisário_ de Sousa — V. Excia. acredita que está fechado o ciclo das revoluções?

O sr. Augusto Montenegro — Eu dizia que nesse tempo estávamos ingenuamente convencidos de que estava fechado...

O sr. Belisário de Sousa — Mas pergunto se acredita que está fechado hoje?

O sr. Erico Coelho — Hoje, só há uma coisa aberta: o alçapão da Polícia.

Moreira de Azevedo — "Mosaico Brasileiro", pág. 23.

Tornado famoso em Lisboa pelos seus improvisos, deram ao poeta Caldas Barbosa o seguinte mote:

"Quem perdeu a liberdade".

O poeta glosou-o mas, tendo errado um verso, e, observando que haviam dado por isso, emendou logo, com outra quadra:

"Errei o verso, é verdade, E confessar é preciso, Que é muito que perca o siso Quem perdeu a liberdade!"

João Luso — "Elogios", pág. 17.

O Barão do Rio-Branco era intransigente na manutenção do princípio da autoridade. O seu espírito burocrático e disciplinado não podia compreender que, num conflito entre um funcionário subalterno e um superior, a razão estivesse com o primeiro, pois que a classificação do segundo devia ser uma demonstração das suas qualidades de homem de bem.

Era o Barão ministro no governo Hermes, quando ocorreu uma cena de sangue na fortaleza de Santa-Cruz. Tomados os depoimentos de um soldado e de um major, verificou-se no correr do inquérito que o oficial não havia sido leal na narrativa. Rio-Branco indignou-se.

E com a sua mentalidade de chefe:

— É extraordinário que se aceitem como verdadeiras as declarações desse soldado, quando há um oficial que afirma justamente o contrário!

Antônio Ribas — Ob. cit., pág. 445.

Partidário de Floriano Peixoto, que lhe prometera repor no governo os republicanos apeados pelo Barão de Lucena, Campos Sales resolvera apoiar todas as medidas do ditador, inclusive a deportação dos treze generais e a prisão de congressistas. Orando no Senado sobre esses assuntos na sessão de 13 de janeiro de 1892, exclamou, no ardor do debate:

— Uma situação violenta reclama outra situação igualmente violenta.

E a um aparte, em que um colega estranhava a sua frase revolucionária:

— Podem tomar as notas que quiserem das minhas frases, porque estou habituado a não dizer senão aquilo que sinto e aquilo de que estou preparado para tomar a responsabilidade.

Pires Brandão — "Correio da Manhã", de 13 de dezembro de 1925.

Certo médico do Paço, candidato a uma cadeira de senador e que figurava na lista tríplice, recebeu, um dia, do Imperador, uma preciosa caixa de rapé, de tartaruga, com lavores em ouro, verdadeira obra prima.

Radiante de júbilo pelo presente recebido, que parecia augurar a sua escolha, mostrou-a, na Câmara, a Martinho de Campos.

— Que tal? — indagou.

Martinho de Campos mirou o régio presente, e observou ao dono:

— É linda, meu amigo; mas acho que você preferiu a pitada à caixa!

Com efeito, meses depois deu-se a escolha imperial. F o escolhido foi outro.

Narrada pelo professor Raul Pederneiras

Em uma cervejaria de São Paulo, cujo soalho, como é de praxe nos estabelecimentos do gênero, se achava coberto de serragem, bebiam Emílio de Menezes e alguns amigos, quando um conhecido engenheiro, falando de arte, começou a louvar Florença e a influência dos florentinos na Renascença. No auge, porém, do entusiasmo, põe-se de pé, afasta a cadeira, e, ao sentar-se de novo, projeta-se de costas no chão. Levanta-se sujo de serragem, e quer insistir.

— Sim, é aos florentinos que devemos todo esse patrimônio artístico...

— Homem, intervém Emílio de Menezes, — deixa os florentinos...

E limpando-lhe a serragem:

— Tu agora estás "à milanesa".

Taunay — "Reminiscências", vol. I, pág. 25

Osório era, por índole, gracejador e espirituoso. Em um piquenique que lhe foi oferecido no Corcovado, uma senhora, a quem havia dado o braço, perguntou-lhe em que consistia o segredo da sua bravura.

— Eu fui valente por medo... — informou o herói.

— Medo?

— Sim; tinha medo de que as minhas patrícias bonitas não me recebessem bem, se me portasse mal nas batalhas.

Múcio Teixeira — "Os Gaúchos", vol. I, pág. 204.

Ser senador do Império, era conseguir no regime a mais invejável das situações. "Se havia semi-deuses em política — escreve Taunay — eram os senadores do tempo da monarquia, e o apreço público não recusava as suas mais profundas barretadas até àqueles que não possuíam outras razões de seleção senão pertencerem a tão elevada e afinal onipotente corporação". Era a propósito dessas regalias que o Imperador dizia sempre:

— No Brasil há duas posições invejáveis: senador e professor do Colégio Pedro II!

João Luso — "Elogios", pág. 38.

Entre as anedotas singelas que Raimundo Correia costumava contar, uma havia, que patenteava flagrantemente a sua modéstia. Ocorrera, no dizer do narrador, por ocasião da sua permanência em Portugal como secretário de legação.

Achava-se o poeta do Mal Secreto, uma noite, em um grupo de homens de letras, em Lisboa, quando, apresentado a um deles, este se lançou a fazer-lhe elogios derramados, declarando conhecer toda a sua obra.

— Imagine o senhor, — dizia-lhe o escritor, no seu entusiasmo, — que eu o admiro tanto, que sei até um dos seus sonetos de cor.

— E recitou-me concluía Raimundo, — um soneto... de Bilac!

Alberto faria — Conferência no Museu Histórico

Era Luiz Gama, o grande preto, antigo escravo, advogado em São Paulo, quando, na defesa de uma causa que o entusiasmava, notou, da tribuna, que se faziam comentários sobre a sua cor. De um golpe de vista, o assombroso tribuno percebeu a situação e interrompendo um período da oração, começou outro:

— Neste processo, vejo tudo escuro... Negro é o crime... Negro é o réu... Negro o acusador... Negro eu... advogado da defesa. E V. Excia., sr........

E após uma pausa, fitando o dr. Joaquim Pedro Vilaça, pardavasco que foi, mais tarde, ministro e presidente do Supremo Tribunal de Justiça:

— V. Excia., também, não está muito longe de o ser!

Serzedelo Correia — "Páginas do Passado", pág. 18.

Apresentado pelo tenente Janseu Tavares, foi ao Itamaratí, para falar a Floriano, um oficial do Exército, que pretendia dois meses de soldo adiantado:

— Sente-se, — ordenou o presidente.

Recusando a gentileza, o militar, mesmo de pé, contou ao que ia. E puxando do bolso uma nota de 5$000 e outra de 1$000, completamente machucadas, abriu-as, e disse ao ditador:

— Eis o dinheiro que eu e a minha família temos para passar o mês.

Floriano voltou-se, dizendo:

— Vá embora; vou mandar que lhe dêem três meses.

E virando-se para o tenente Jansen:

— Este camarada joga!...

— Não sei, marechal.

— Sabe, sim. Ele é jogador.

— Joga um pouco, — articulou Jansen.

— Um pouco, não; joga muito.

— Como sabe V. Excia. disso?

— Pois você não vê como ele tira o dinheiro do bolso todo machucado?! Isto só faz o jogador. No pano verde apanha indistintamente as notas de 20$000, de 10$000 e de 5$000, machuca tudo, mete no bolso e depois, ao fazer a parada, puxa-as da calça e abre para as pôr na mesa.

O oficial era, de fato, grande jogador.

Humberto de Campos — Discurso na Academia Brasileira de Letras, 1920.

Certo dia, passava Emílio de Menezes pela Avenida Central, quando cruzou com um deputado seu conhecido, que não prima-a pela educação, e que o deteve pela manga do casaco.

— Vem cá, ó Emílio... Quero dar-te a honra da minha companhia... Vamos tomar alguma coisa?

— A honra? — fez, com ironia, o poeta.

E com orgulho, desembaraçando-se do atrevido:

— Obrigado, meu velho; você já está tão desfalcado!...

Contada pelo ex-deputado Laurindo Lemgruber.

Um político fluminense, amigo de Nilo Peçanha, acabava de entrar para a política do Estado, quando um dia, irritado com um magistrado local, resolveu atacá-lo. Antes disso, foi, porém, comunicar a sua resolução ao chefe do partido.

— Acalme-se, meu amigo; acalme-se... — aconselhou o ex-presidente da República. — Nada de precipitações e, se você quer ser mesmo político, não brigue com gente que usa saia.

E definiu:

— Juiz, mulher e padre...

Antônio Ribas — "Perfil de Campos Sales", pág. 193

Tendo a República de concluir as negociações já entabuladas com a Argentina pela Monarquia sobre o território das Missões, pediu Deodoro a Quintino Bocaiuva, ministro das Relações Exteriores, que se aprontasse para ir a Buenos-Aires em companhia de Henrique Moreno, representante daquele país no Brasil.

— Irão no Riachuelo, e já expedi ordens nesse sentido, — declarou o marechalíssimo.

E como Quintino se escusasse, preferindo um paquete de carreira:

— Não, senhor; é o governo do Brasil que vai na sua pessoa; irá, portanto, em navio da sua esquadra.

Moreira de Azevedo — "Mosaico Brasileiro", pág. 21.

Achava-se José Basílio da Gama, autor do poema Uruguai, em Lisboa, quando alguns dos seus amigos portugueses o levaram a visitar os pontos principais da cidade. De súbito, na sua vaidade de filho da metrópole, um deles perguntou ao visitante:

— Há, no Brasil, algum monumento que se compare à nossa estátua de D. José?

— Não; não há, — confessou o poeta.

E, por sua vez, num acesso de orgulho:

— Mas poderia tê-lo, de ouro maciço, com o ouro que tem mandado para cá!

J.M. de Macedo — "Ano Biográfico", vol. III, pág. 52.

Desgostoso com o rumo tomado pela política, o senador Francisco Gonçalves Martins, visconde de São Lourenço, que foi ministro do Império, abandonou o Senado e a Corte em 1860, indo refugiar-se na sua província, a Bahia, inteiramente alheio à marcha dos negócios públicos.

Ao fim de quatro anos voltou, porém, ao Rio de Janeiro, onde, forçado a subir à tribuna, pronunciou um notável discurso, em que havia este trecho:

— Sou, enfim, senhores, um ressuscitado, que vem de um país onde as paixões não dominam, nem mesmo penetram!

Amadeu Amaral — Discurso na Academia Brasileira de Letras, pág. 20.

Levava Bilac uma vida de boêmio nos primeiros tempos da mocidade, quando o pai, entregando-lhe um bilhete de entrada, lhe ordenou, um dia, que fosse ao teatro, onde se representava nessa noite um dramalhão: Os sete degraus do crime.

O poeta foi. No dia seguinte o velho indagou:

— Assistiu à peça?

— Assisti, sim, senhor.

— Prestou bem atenção ao final?

— Prestei.

— Como foi que morreu o protagonista?

— Na forca.

— Pois, olhe, — bradou-lhe o ancião, com voz estentórica, — é esse o fim que o espera, se o senhor não mudar de vida!

Moreira de Azevedo — "Mosaico Brasileiro", pág. 26.

Assistia o vice-rei Conde da Cunha ao desembarque de materiais para a construção da casa de armas no morro da Conceição, quando avistou em uma janela, ao alto, um homem envolvido em vasto camisão, tendo na cabeça um grande barrete de cassa branca com babados.

— Quem é aquele sujeito? — perguntou o Vice-rei a um indivíduo que estava a seu lado.

— É o capitão João Homem Pereira.

— Vá buscá-lo e traga-me assim como está vestido.

Compareceu o capitão João Homem.

— Está vossa mercê na sua janela a divertir-se vendo o vice-rei trabalhar, não é assim? — gritou-lhe o Conde.

— Senhor...

— Pois carregue tijolo, que eu também estou servindo a el-rei nosso senhor.

E o capitão João Homem, cujo nome é guardado por uma das ladeiras do morro da Conceição, teve de entrar mesmo em serviço, carregando tijolos até tarde do dia, vestindo camisão e barrete de dormir.

João Luso — "Elogios", pág.42.

Raimundo Correia nutria no meio dos seus altos cuidados de juiz e homem de letras, a ingênua paixão das minúcias, Às vezes, quase meio século após o acontecimento, subia ele as escadas do Jornal do Comércio, e pedia a um dos redatores conhecidos:

— Manda-me ver, por favor, a coleção do Jornal de 1874.

E, sentando-se a uma cadeira, à espera:

— Quero ver como foi que vocês noticiaram a morte de Castro Alves...

Oliveira Lima — "O Jornal", de 5 de dezembro 1925

Terminada a campanha contra o Paraguai, que custara ao Imperador, em cinco anos de cuidados, vinte anos de vida, abriram os seus admiradores uma subscrição nacional, para erigir-lhe uma estátua. Ao ter notícia da idéia, S. M. dirigiu uma carta aos promotores do movimento, pedindo-lhes que aplicassem o produto da subscrição na instalação de escolas para o povo. E dizia, ao primeiro signatário:

— "O senhor e seus predecessores sabem como sempre tenho falado no sentido de cuidarmos seriamente da educação pública, e nada me agradaria tanto como ver a nova era de paz, firmada sobre o conceito de dignidade dos brasileiros, começar com um grande ato de iniciativa deles a bem da educação pública. Agradecendo a idéia que tiveram da estátua, estou certo que não serei forçado a recusá-la".

Serzedelo Correia — "Páginas do Passado", pág. 21.

Era Serzedelo Correia ministro de Floriano, quando, um dia, enveredando pela casa em que residia o presidente, o encontrou à mesa do jantar, tendo a seu lado, na cabeceira, um soldado pretinho, carapinha branca.

— Meu velho amigo da campanha do Paraguai — apresentou Floriano.

E para o ministro:

— Foi um bravo. Saúde-o!

Serzedelo apertou-lhe a mão.

Humberto de Campos — Discurso de recepção na Academia Brasileira de Letras, 1920.

Certas vez, ia Emílio de Menezes em um bonde, quando se sentaram no banco imediato, em frente, duas senhoras de grandes banhas, que dificilmente puderam entrar no veículo. Com o peso das duas matronas, o banco, que era frágil, range, estala, geme, estranhando a carga. O poeta, que observa o caso, leva a mão à boca, no seu gesto característico, e põe-se a rir em silêncio, no seu riso sacudido e interior, E como se o companheiro o olhasse, explicou:

— Sim, senhor! É a primeira vez que vejo um banco quebrar por excesso de fundos!...

J.M. de Macedo — "Ano Biográfico", vol. III, pág. 101.

Naturalista de grande nomeada, foi Alexandre Rodrigues Ferreira incumbido pelo governo português de estudar as riquezas do Brasil, principalmente as do vale amazônico. De volta a Belém do Pará, encontrou aí, desolado, o capitão Luiz Pereira da Cunha, intermediário dos produtos por ele mandados para o reino, o qual se queixava de não haver recebido do governo as importâncias que, ademais, constituíam o dote de sua filha.

— Se o seu desgosto é esse, meu amigo, estou pronto a fazê-lo desaparecer — declarou-lhe o sábio.

E num originalíssimo pedido de casamento:

— Eu caso com a sua filha, e prescindo do dote!

Moreira de Azevedo — "Mosaico Brasileiro", pág. 32.

Considerado cúmplice da Conjuração Mineira e atirado aos subterrâneos da ilha das Cobras, o poeta Alvarenga Peixoto sentiu, ao ouvir ler a sua sentença de morte, tamanho choque nervoso, que, em uma noite, os seus cabelos, de negros que eram, se tornaram totalmente brancos.

— Ah, senhor! Como envelhecestes da noite para o dia! — exclamou, ao vê-lo, pela manhã, o carcereiro

O poeta sorriu:

— A Natureza é justa, amigo.

E com estoicismo:

— Eu devia morrer velho; mas, como os homens me condenaram ainda moço, apressou-se a morte em envelhecer-me...

Ernesto Sena — "Deodoro", pág. 157.

Com a queda do Império havia ficado abolido o Hino Nacional de Francisco Manuel, adotando-se outro, de Leopoldo Miguez. Toda a gente sentia, porém, saudades do velho símbolo musical, vigoroso como poucos.

A 15 de novembro de 1890, os representantes da imprensa resolveram pedir a Deodoro a reabilitação do antigo, refugado por imperial. Antes, porém, convencionaram com os mestres das bandas militares postadas dentro e nos jardins do palácio, então o Itamarati, para que, obtido o assentimento, tocassem, a um tempo, a soberba epopéia musical.

Obtido o consentimento do ditador, fez-se o gesto combinado. As bandas, a um tempo, atacaram as notas do nosso canto de guerra, sagrado nos campos de batalha. Foi um momento emocionante. Muita gente chorava. O próprio Deodoro tinha os olhos úmidos.

Lá fora, entretanto, na rua, o povo fugia, correndo em todas as direções, supondo que as forças armadas haviam, lá dentro, restaurado a monarquia!...

Paulo Barreto — "Revista da Academia Brasileira de Letras", n° 8, abril de 1912.

Na sua vida de notívago e de boêmio, teve Guimarães Passos, por mais de uma vez, de ser interpelado pelos policiais rondantes. Uma noite, caminhava ele sem destino, quando um guarda o deteve.

— Que queres, vérmina humana? — interpelou o poeta, descendo da nuvem onde rimava o seu sonho.

— Aonde vai assim? — insistiu o policial.

— "Urbi et orbi!" — informou o Guima, num gesto largo.

— Como?

— "Urbi et orbi!"

— "Têje" preso, é que é. Não pode "insurtá" a guarda! — protestou o rondante.

E levou-o para a delegacia.

Frei Gaspar da Madre de Deus — "Memórias para a História da Capitania de São Vicente", pág. 243.

Levantado Portugal contra o jugo espanhol, resolveram as capitanias do Brasil acompanhar a primitiva metrópole, aclamando rei ao duque de Bragança, com o titulo de D. João IV. Os paulistas de origem espanhola acharam, porém, que a ocasião era excelente para se emanciparem da tutela européia, e em 1642, saíram a aclamar, como seu rei, a Amador Bueno da Ribeira, homem de condição nobre, nascido na colônia e de grande prestígio entre os naturais.

Procurado para ser investido de poderes reais, Amador Bueno, coração leal e sem ambições de mando, correu a refugiar-se no convento dos Beneditinos. E quando surgiu, no segundo dia, diante do povo que o buscava, foi para gritar, desembainhando a espada:

— Viva D. João IV, nosso Rei e Senhor, pelo qual darei a vida!

A sua recusa do trono salvou esse ponto do império colonial português, e, com isso, a unidade do Brasil.

Adelmar Tavares — "Revista da Academia Brasileira de Letras", n° 58, de 1926.

Após uma nervosa carreira de político, feita à custa dos seus recursos de jurista habilíssimo, chegara João Luiz Alves, em 1925, ao posto de ministro do Supremo Tribunal Federal. No dia da sua posse, aí, foram palavras suas, iniciando um discurso:

— Fecho um livro da minha vida pública, e abro outro.

E concluíra:

— Que Deus, o Supremo Juiz, me ampare e inspire!

Adoecendo logo, seguiu para Paris, onde falecia pouco depois. E ao morrer, foram estas as suas últimas palavras:

— Chamem o contínuo... Despachei todos os feitos ...

Moreira de Azevedo — "Mosaico Brasileiro", pág. 42.

José Inácio da Costa, apelidado o Capacho, era poeta, ator e major do regimento dos pardos, nos tempos coloniais. Havendo-se mudado as vozes das manobras militares, o major Capacho, ainda pouco prático, trovejou, em exercício:

— Armas ao ombro!

— Não é armas ao ombro, sr. oficial, — retorquiu-lhe o ajudante, — é "ombro armas!"

Apresentando-se o major dois dias depois ao serviço, ao entrar no paço deu um espirro.

— "Dominus tecum" — disse-lhe um soldado.

— Não diga "dominus tecum", mas "tecum dominus"! — observou o major.

E solene:

— Não sabe que, agora, tudo está mudado?

Presenciada pelo colecionador.

Na ante-sala da Academia, conversava-se sobre a situação de Coelho Neto, que acabava de tornar-se avô, quando Lauro Müller, que se achava no grupo, declarou.

— Você vai sentir, agora, Neto, a mais doce modalidade da paternidade. As minhas definições são estas.

E declinou:

— Avô — pai, sem exigências.

— Avó — mãe com açúcar.

Taunay — "Reminiscências", vol. I, pág. 217.

Meses após a proclamação da República, encontrando-se o Visconde de Taunay com Benjamim Constant, pôs-se este a queixar-se amargamente do regime por ele próprio implantado.

— Olhe — dizia — eu contava com sincero patriotismo e só tenho encontrado "pratiotismo". Conhece esta palavra?

Taunay fez um sinal significativo. E Benjamim:

— Inventei-a para o meu uso; há simples transposição de um "r" da segunda silaba para a primeira. "Pratiotismo" e o amor incondicional, acima de tudo, do "prato", da barriga, do interesse, o sentimento que inutiliza, espezinha e conculca o patriotismo.

Humberto de Campos — Discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, 1920.

Havia no Rio, anos atrás, um jornalista de má fortuna, diretor de um periódico oportunista, que claudicava de uma perna, aleijada por uma inchação crônica, e que vivia, então, da exploração, mais ou menos inteligente, da vaidade alheia. Uma tarde, passava este homem de imprensa ou de negócios pela rua do Ouvidor, arrastando, tardo, a sua perna enferma, quando um intimo_ de Emílio de Menezes lhe chamou a atenção.

— Admira — diz — como aquele homem, com tamanho defeito, seja tão "cavador"...

— Pois, a mim, não admira, — contrapôs o poeta.

E voltando-se para o companheiro:

Ele não tem uma perna "inchada"?

J.M. de Macedo — "Ano Biográfico", vol. III, pág. 27.

Ao partir para Portugal, D. João VI previa, pelos acontecimentos, que o Brasil, depois de ter hospedado a Corte, não se conformaria mais com a condição de colônia. Seria, pois, mais hábil, deixar aqui o filho, Pedro de Alcântara Bourbon, pelo qual eram evidentes as simpatias dos brasileiros.

Na véspera do embarque, chamou o monarca, à parte, o filho, e fez-lhe sentir os seus temores de uma rebelião e, conseqüentemente, da emancipação. E concluiu, paternal:

— Pedro, em tal caso, põe a coroa sobre a tua cabeça, antes que algum aventureiro lance mão dela!

Joaquim Nabuco — "Um estadista do Império", tomo II, pág. 6.

Escolhido para a pasta da Justiça, o primeiro ato de Silvestre Pinheiro consistiu em aposentar um desembargador, seu parceiro dc voltarete, o qual, no jogo, ao ganhar cada partida, exclamava:

— Quem não tem justiça, compra-a; quem a tem, paga-a!

Alarmado com o ato do novo ministro, o magistrado correu à Secretaria, para solicitar a sua reconsideração, por parte do antigo parceiro.

Silvestre Pinheiro respondeu-lhe, porém, grave, com as suas palavras de jogador:

— Quem não tem justiça, compra-a; quem a tem, paga-a!

Tobias Barreto — "Pesquisas e depoimentos", pág. 9.

Ao subir ao governo pela segunda vez, Dautas levava como programa íntimo a solução definitiva do problema grave, e momentoso, do elemento servil. Falou nisso ao Imperador. Fez ver a Sua Majestade que a opinião nacional reclamava do governo apenas uma palavra sobre o caso, e medidas, mesmo ligeiras, tendentes a tornar possível a abolição.

— Pois bem, sr. Dantas, — concordou Pedro II.

E como homem prudente:

— Mas, quando o senhor quiser correr, eu o puxo pela aba da casaca...

Recolhido pelo colecionador.

Meses antes de morrer de uma angina que o garroteou em plena rua, mostrava Paulo Barreto, não obstante a sua gordura, uma fisionomia cansada, fatigada, denunciadora de certo esgotamento físico. Ao vê-lo nesse estado, Coelho Neto impressionou-se. E, uma tarde, observava, penalizado, a Humberto de Campos:

— Sabes? O Paulo não vai muito longe, não. Quando ele cair, será de uma vez.

Olhou o outro que era magro, e tornou:

— Nós, meu velho, nós, os magros, somos junco da lagoa. A moléstia é o vento forte: curva-nos, mas não nos abate.

E com a sua imaginação de sempre:

— Gente gorda é como bananeira: cai, não indireita mais. Está cheia dágua.

Um mês depois, Paulo Barreto morria de repente.

Alberto Faria — Conferência no Museu Histórico, a 14 de maio de 1924.

Vigoroso e inclemente na sua oratória, Luiz Gama, o grande negro abolicionista, era, não raro, atacado nos tribunais de modo impiedoso e grosseiro. Certa vez, no Foro de São Paulo, o dr. Falcão Filho, professor da Faculdade de Direito, exclamou, no exórdio de uma acusação, no Júri:

— Desci... Desci... Desci... E quem fui encontrar lá embaixo, senhores jurados? Luiz Gama!

Chegado o momento da defesa, O negro ilustre subiu à tribuna, e, sereno, parodiou-o:

— Subi... Subi... Subi... E quem fui encontrar lá em cima, senhores jurados?

E aludindo à mãe natural do ofensor, apontando-o, entre o riso da assistência:

— O filho da Maria Manca!....

J.M> de Macedo — "Ano Biográfico", vol. III, pág. 146.

Religioso do convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro, frei Fabiano de Cristo, que viveu no século XVIII, era de uma humildade comovedora. O povo tinha-o como santo.

Certa noite, muito tarde, um frade velho e irascível que se achava enfermo, pediu-lhe um caldo. Não querendo incomodar os serventes, frei Fabiano foi em pessoa prepará-lo, e, de regresso, o frade, não achando o caldo do seu gosto, atirou com a xícara ao rosto do pobre leigo.

A face ferida e queimada, Frei Fabiano caiu-lhe aos pés.

— Perdoe-me, meu padre! — pede humildemente.

E de mãos postas:

— Eu vou preparar-lhe outro caldo!

O velho frade, tocado daquela humildade, saltou do leito e, chorando, caiu de joelhos, pedindo o seu perdão.

Joaquim Nabuco — "Um estadista do Império", tomo II, pág. 54.

Mestre e chefe de duas gerações de políticos, o Marquês de Olinda teve o desgosto de ver arrebatadas pela morte, uma a uma, as figuras pernambucanas formadas à sombra do seu prestígio. Dentro de um ano, de março de 1863 a março de 1864, viu ele morrer Sebastião do Rego e Francisco Xavier Pais Barreto, ministros ambos, um da Guerra, outro da Marinha, do Gabinete Ferraz.

Ao fechar o caixão deste último, exclamou o Marquês, a voz trêmula, entre a comoção de todos que o cercavam:

— Aí vai encerrado o resto do tesouro que eu esperava deixar à minha província!

Taunay — Prefácio aos "Homens e Coisas do Império", pág. XXI.

O movimento de 15 de novembro. tão grave quanto inesperado, isolou inteiramente o imperador Pedro II de quantos lhe deviam solidariedade no momento da queda. Dos palacianos habituais, nenhum lhe apareceu, procurando cada qual retrair-se mais, deixando-se ficar em casa.

Monarquista leal e dedicado ao monarca, o visconde de Taunay, senador do Império, informado da deportação do soberano, resolveu ir, correndo mesmo todos os riscos, levar-lhe o seu abraço de despedidas. Antes de sair, foi, porém, à casa de outro senador, seu vizinho, perguntando-lhe se não queria ir também.

— Eu, senador? É impossível! — desculpou-se este.

E na única evasiva que encontrou:

— O senhor não está vendo que eu estou vestido de claro?

Coelho Neto — Conferência na Biblioteca Nacional, agosto de 1918.

Apresentado a Coelho Neto em Campinas, Euclides da Cunha foi visitá-lo uma noite. Risonho e desconfiado, o romancista, já informado das suas esquisitices, não lhe quis dizer o que se passava no interior da casa, deixando-o ler algumas das páginas dos Sertões. A certa altura, porém, uma criada vem trazer a Coelho Neto uma notícia. A sua senhora acabava de dar à luz mais um filho.

— Então, entramos no mesmo dia em sua casa, — declara Euclides, comovido.

E no mesmo tom:

— Havemos de ser amigos...

Tradição Oral.

Afonso Celso, visconde de Ouro-Preto, era de uma altanaria tal, que chegaram a atribuir ao seu orgulho a queda da monarquia. A sua atitude no quartel-general do Exército, quando Deodoro o intimou a deixar o poder, foi, realmente, a de um homem que se não dobra.

De regresso da Europa, onde estivera exilado, foi Ouro-Preto recebido do caís Faroux por grande multidão de amigos, de jornalistas, de antigos correligionários. De repente, avança um fotógrafo, e pede-lhe "pose" para as objetivas. O visconde destaca-se de um grupo de parentes e posta-se, isolado, a cabeça erguida, em desafio.

— Faz favor, sr. visconde ... — pede um dos fotógrafos, assestando a máquina:

E com um gesto da mão:

— Abaixe mais a cabeça... Sim?

A essas palavras, os olhos do velho estadista fuzilaram.

— Seria a primeira vez! — rugiu, com orgulho.

E abandonou a forma.

Joaquim Nabuco — "Um estadista do Império", tomo II, pág. 54.

Entre os estadistas moços formados pelo marquês de Olinda, Francisco Xavier Pais Barreto era uma das figuras mais brilhantes, e de maior futuro. Atingido, porém, de moléstia grave, faleceu aos 42 anos de idade, quando ministro do partido Progressista. Integro na vida, mostrou que o era até o momento da morte. No seu delírio, eram estas as suas palavras de todo instante:

— Não dou o dinheiro; o dinheiro do Estado não é para batotas!

Morreu em absoluta penúria.

Constâncio Alves — Discurso de recepção na Academia Brasileira de Letras, 1922.

O poeta Laurindo Rabelo descurava de tal forma do seu vestuário, que as famílias mais íntimas e que mais o admiravam, sentiam constrangimento em convidá-lo para as suas festas.

Certa dona de casa, incitada pelos filhos para que o contemplasse com um convite para as suas reuniões mundanas, objetou, um dia:

— Agora, não. Esperem que ele tenha roupa, que eu o convido.

Assim que o poeta exibiu um terno novo, a matrona cumpriu o que prometera; mandou-lhe um convite, logo aceito.

O sarau começou, porém, sem o boêmio. Quando já estavam cansados de esperar, bate alguém à porta. Todos correram para receber o retardatário. E foi uma decepção. Quem chegava era um carregador, trazendo em um tabuleiro a roupa nova do poeta, e este bilhete:

— "Aí vai o Laurindo".

Coelho Neto — "Revista da Academia Brasileira de Letras", n° 42, de junho de 1925.

Com os seus sofrimentos de fígado, coração e rins agravados, Olavo Bilac recolhera-se aos seus aposentos de solteirão desde outubro de 1918. E a 28 de dezembro, quando o dia começava a raiar, morreu.

— Amanhece... — disse, fechando os olhos.

E no último alento:

— Vou escrever...

"Revista da Semana", número especial, de 28 de novembro de 1925.

Era o Duque de Caxias ministro da Guerra, quando o Imperador foi visitar, em sua companhia e com o seu séquito, um dos quartéis da capital. Chegando ali, percorreu o edifício todo, indo até à cozinha, onde se servia, na ocasião, o rancho aos soldados.

— Dê-me uma destas marmitas, — ordenou o soberano, indicando uma das rações de sopa.

Atendido, tomou Sua Majestade todo o conteúdo, declarando que, mesmo no Paço, jamais tomara sopa tão saborosa.

Disciplinado e disciplinador, Caxias não gostou da singeleza do monarca. E, ao portão do quartel, disse-lhe, brusco:

— Vossa Majestade há de desculpar a minha franqueza, mas, por esse processo, Vossa Majestade não se populariza.

E corajoso:

— Vossa Majestade "vulgariza-se"!

Moreira de Azevedo — "Mosaico Brasileiro", pág. 50.

Em 1808, o governo de Lisboa declarou guerra aos índios do Brasil, por meio de um manifesto em português castiço, que mandou espalhar no pais.

— Vou pedir um armistício, — declarou, ao ler esse documento, o jornalista brasileiro Hipólito José da Costa, em quem era nativo o ódio à metrópole.

— Armistício para que? — indagou um amigo.

E ele:

— Para dar tempo aos índios de aprenderem a ler, afim de apreciarem as razões aqui alegadas.

Humberto de Campos — Discurso de recepção na Academia Brasileira de Letras, maio de 1920.

Entre as figuras de relevo que serviam de alvo habitual à sátira impiedosa de Emílio de Menezes, estava Capistrano de Abreu, historiador ilustre, sábio respeitadíssimo, em torno do qual se criara uma glosadíssima lenda de desleixo, de abandono próprio, e, mesmo, de falta de higiene. Utilizando esta versão popular, contava o poeta:

— Uma vez o Capistrano mandou à tinturaria, para ser lavado, um terno com que andava há doze anos. Uma semana depois, aparece-lhe à porta um empregado da tinturaria, e entrega-lhe um embrulho pequenino, que lhe cabia na mão.

E como lhe perguntavam o que seria, Emílio concluía, invariável:

— Eram os botões, menino!

Moreira de Azevedo — "Mosaico Brasileiro", pág. 52.

Chegada ao Rio de Janeiro em 1808 a família real portuguesa com todo o seu séquito de fidalgos e fâmulos, foi posta em execução a chamada lei das aposentadorias, a qual obrigava os proprietários e inquilinos a mudarem-se, cedendo as casas para residência dos criados e servidores d'el-rei. Bastava que o fidalgo desejasse uma casa, para que o juiz aposentador intimasse o morador por intermédio do meirinho, que se desempenhava do seu mandato escrevendo sumariamente na porta, a giz, as letras P. R. Estas significavam — "Príncipe Regente", ou, como interpretava o povo — "ponha-se na rua".

Era Agostinho Petra de Bitencourt juiz aposentador quando, um dia, lhe apareceu um fidalgote, requerendo aposentadoria em uma excelente casa, apesar de já ter uma. Dias depois veio pedir-lhe mobília e, finalmente, escravos.

Ao receber o terceiro pedido, Agostinho Petra, que acompanhava a indignação do povo com tantos abusos da Corte, gritou para a esposa, no interior da casa:

— Prepare-se Dona Joaquina, que pouco tempo podemos viver juntos.

E indicando, para a mulher, que acorrera, o fidalgote insaciável:

— Este senhor já duas vezes me pedir casa, depois mobília, e agora, criado. Brevemente quererá, também, mulher, e como eu não tenho outra senão a senhora, ver-me-ei forçado a servi-lo!

Constâncio Alves — "Revista da Academia Brasileira de Letras", n° 60, de dezembro de 1926.

Laurindo Rabelo, não obstante o descaso de si mesmo, era profundamente orgulhoso. Médico do Exército e íntimo na casa do coronel Tamarindo, havia o poeta chegado à residência deste, em dia festivo, na ocasião, exatamente, em que a mesa das pessoas gradas já se achava completamente cheia. Não querendo fazê-lo esperar, a dona da casa indicou-lhe um lugar na mesa da gente moça.

Laurindo franziu o rosto.

— Adeus, coronel, — disse, despedindo-se.

E já da porta, ofendido:

— Os médicos do Exército jantam com o Estado-Maior!

Narrada pelo professor Azevedo Amaral, descendente do velho diplomata.

José Maria do Amaral era a negação a elegância. Mal equilibrado nas pernas fracas, era objeto, não raro, de ironias, a que respondia com espírito.

Era ele ministro do Brasil em Paris, quando foi transferido para a Rússia, sucedendo-lhe chegar a Bruxelas, em trânsito, nas vésperas precisamente de um grande baile oficial.

Nos salões reais, a ministra do Brasil, lindíssima criatura, entendeu de pilheriar com José Maria, e começou:

— É verdade, então, dr. Amaral, que o senhor vai para a Rússia?

— É, minha senhora.

— E como o senhor se arranjará por lá, em uma corte tão exigente? Que fará o senhor, assim tão magro, com essas pernas tão finas, quando tiver de comparecer a uma festa em que os homens tenham que ir de calções?

O velho Amaral não se perturbou; sorriu e, lançando um olhar significativo à linda patrícia, respondeu-lhe, de modo a ser ouvido pelos admiradores mais próximos:

— É simples, minha senhora. Quando eu tiver de ir a uma festa em tais condições, farei o seguinte: caso-me com uma dama tão linda como a senhora, visto-a como a senhora está vestida, e, enquanto os convidados estiverem olhando para as pernas dela não se incomodarão com as minhas!

Moreira de Azevedo — "Mosaico Brasileiro", pág. 51.

Era Agostinho Petra Bitencourt juiz de fora e, ao mesmo tempo, presidente do Senado da Câmara, quando, num dia de audiências, se demorou em mandar entrar as partes, que aguardavam na sala contígua. Impacientes, as pessoas que esperavam falar ao magistrado começavam a irritar-se, quando um cavalheiro, perdendo a calma, bateu fortemente à porta.

— Quem bate? — indagou o juiz, de dentro, com irritação.

— É o povo, em nome da lei! — gritaram-lhe, de fora.

E Petra Bitencourt, que era violento, mas justo:

— Como é o povo em nome da lei, pode entrar.

E escancarou a porta.

"Revista da Semana", do Rio de Janeiro, número especial, de 28 de novembro de 1925.

Quatro dias após a proclamação da República, a legislação brasileira recebia o seguinte decreto:

"Considerando que o senhor D. Pedro II pensionava de seu bolso a necessitados e enfermos, viúvas e órfãos, para muitos dos quais esse subsídio se tornava o único meio de subsistência e educação;

Considerando que seria crueldade envolver na queda da monarquia o infortúnio de tantos desvalidos;

Considerando a inconveniência de amargurar com esses sofrimentos imerecidos a fundação da República;

Resolve o Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil:

Artigo 1° — Os necessitados, enfermos, viúvas e órfãos, pensionados pelo Imperador deposto continuarão a perceber o mesmo subsídio, enquanto durar a respeito de cada um a indigência, a moléstia, a viuvez ou a menoridade em que hoje se acharem.

Artigo 2° — Para cumprimento dessa disposição se organizará, segundo a escrituração da ex-mordomia da casa imperial, uma lista discriminada quanto à situação de cada indivíduo ou à quota que lhe couber.

Artigo 3° — Revogam-se as disposições em contrário.

Sala das sessões do Governo Provisório, em 19 de novembro de 1889. — Manuel Deodoro da Fonseca — Aristides da Silveira Lobo Rui Barbosa — Manuel Ferraz de Campos Sales Quintino Bocaiuva — Benjamim Constant Botelho de Magalhães — Eduardo Wandenkolk".

Observação de um republicano:

— Não precisa o túmulo de Pedro II de epitáfios pomposos, em latim grandiloqüente. Basta que se grave esse decreto do Governo Provisório sobre a pedra mármore de Pedro, o Pobre.

Moreira de Azevedo — "Mosaico Brasileiro", pág. 121.

Por ocasião das lutas que precederam a maioridade, surgiram numerosos periódicos combativos, cada qual com um título mais extravagante.

Certo dia, foram comunicar a Evaristo Ferreira da Veiga, o próximo aparecimento de uma folha, destinada a atacá-lo.

— Como se intitula? — indagou o grande jornalista.

Filho da Terra.

E Evaristo, rindo:

— Se não é gigante, é minhoca!

Múcio Teixeira — "Os Gaúchos", pág. 312; confirmada pelo prof. Raul Pederneiras, filho de Paranhos Pederneiras.

O dr. Manuel Veloso Paranhos Pederneiras, falecido em 1906, era da idade de Pedro II e, parte por coincidência, parte por esforço, nas maneiras e no trajar, parecidíssimo com o Imperador. Trabalhando na imprensa, coube-lhe certa vez acompanhar o soberano em uma das suas excursões pelo interior. Ao passar o trem, em marcha lenta, por uma estação de segunda ordem, a multidão, ao ver a figura imponente do jornalista na plataforma do carro destinado à imprensa, rompeu em ovação:

— Viva o nosso Imperador!

Pederneiras, o lenço na mão, agradecia risonho:

— Obrigado, meu povo! Obrigado!... Obrigado!...

Pedro II, que vinha no carro anexo, ia chegar à portinhola. Ao dar, porém, com Pederneiras, encolheu-se todo na poltrona para que o povo continuasse na sua ilusão...

Taunay — "Reminiscências", vol. I, pág. 87.

Ao aparecer a partitura do Guarani, José de Alencar mostrou-se, a princípio, desolado. Pouco a pouco, porém, se foi conformando, a ponto de dizer, apenas:

— O Gomes fez do meu Guarani uma embrulhada sem nome cheia de disparates, obrigando a pobre da Ceci a cantar duetos com o cacique dos Aimorés, que lhe oferece o trono da sua tribo e fazendo Peri jactar-se de ser o "leão" das nossas matas. Desculpo-lhe, porém, tudo, porque daqui a tempo, por causa talvez das suas espontâneas e inspiradas harmonias, não poucos hão de ir ler esse livro, senão relê-lo — o maior favor que pode merecer um autor.

Barão de Tefé, na "Revista da Semana", número especial de 28 de novembro de 1925.

Tinha Pedro II vinte e sete anos quando foi assistir aos exames anuais na Academia de Marinha. Sentado à mesa, ao lado de Sua Majestade, chamou Cristiano Otoni o primeiro aspirante sorteado, e ordenou-lhe:

— Exponha com clareza e precisão a matéria do seu ponto.

A presença do monarca perturbou o rapaz, que em silêncio, se pôs a empalidecer e a suar frio.

— Vamos — tornou Otoni, impaciente. Sua Majestade veio aqui para ouvi-lo e julgar do seu aproveitamento; fale ou retire-se!

Por essa altura, o Imperador interveio:

— Compreendo a sua perturbação, mas acalme o seu espírito. Aqui não há juizes ferrenhos, mas amigos dispostos a esperar que lhe volte o sangue frio.

E pôs-se a conversar, propositalmente, com Otoni, até que o aluno, encorajado assim pelo soberano, retomou alento, que lhe permitiu fazer uma das provas mais completas do dia.

J.M. de Macedo — "Ano Biográfico", vol. III, pág. 224.

Em 1830, a situação de Pedro 1 só poderia ser mantida por um ato de força, e que consistia na dissolução da Câmara, sede de grandes agitações. O ministério compreendeu isso, e Francisco Vilela Barbosa, Marquês de Paranaguá, propôs essa medida extrema, em Conselho de Ministros, sendo apoiado por todos os seus colegas.

Silencioso, o Imperador ouvia a opinião de cada um.

— Sim, os senhores julgam que esse é o remédio, declarou, quando o último acabou de falar.

E numa interpelação que ficou sem resposta:

— Mas, quem me responde pelo sangue que terá de correr?

E não dissolveu a Câmara.

Anais do Senado, 1895.

Sessão do Senado, de 17 de dezembro de 1894. Discute-se a aprovação dos atos do governo durante o sitio determinado pela revolta de 6 de setembro. Dada a palavra ao sr. Coelho Rodrigues, este alude acidentalmente à concessão inconstitucional de honras e à nomeação de oficiais honorários.

"O sr. João Cordeiro — Pois se V. Excia. quiser eu lhe arranjo uma nomeação de oficial honorário.

O sr. Coelho Rodrigues — Não aceito, porque considero ilegal a nomeação que só se pode fundar no parágrafo 11 do artigo 102 da outra Constituição, que ainda está em execução nesta parte.

O sr. João Cordeiro — Não está não.

O sr. Coelho Rodrigues — Se não considerasse ilegal a nomeação, eu a aceitaria, porque, afinal de contas, como trunfo é espada, antes ser espada do que bainha".

Alberto Faria — Conferência na Academia Brasileira de Letras, 1925.

Recomendado do Rio ao carcereiro da cadeia de Recife, de tal modo se portou ali Fagundes Varela, utilizando a roupa e o calçado desse funcionário, que este se viu na contingência de expulsá-lo da sala que lhe havia sido cedida para hospedar-se.

Dias depois, encontrando o carcereiro na rua, o poeta fez-lhe um cumprimento.

— Suas saudações irritam-me os nervos, — declarou o benfeitor ludibriado. — Espero que não me tire mais o chapéu.

— O chapéu? — estranhou o poeta. — Mas, o cumprimento não me custa nada.

E mostrando-lhe o feltro, que havia trazido na mudança:

— O chapéu não é seu?

Moreira de Azevedo — "Mosaico Brasileiro", pág. 54.

Havia no Rio de Janeiro uma padaria cujo proprietário era freqüentemente condenado a multas pelo juiz Petra de Bitencourt, pelo furto, que fazia ao povo, no peso e na qualidade do pão. Apadrinhando-se com um fidalgo prestigioso esse comerciante desonesto conseguiu que o ministro assinasse um aviso, ordenando ao magistrado que não mais perseguisse o fabricante de pão pequeno.

Portador do aviso, o comerciante entregou ao juiz Petra, o documento, e esperou a resposta.

— Vá descansado, — declarou O magistrado, ao terminar a leitura do documento. — Vá descansado.

E nos seus modos desabridos:

— Vá descansado, e pode furtar à sua vontade, porque o ministro o autorizou; e tolo será o senhor se não furtar dez vezes mais do que até agora tem feito

J.M. de Macedo — "Ano Biográfico", vol. III, página 296.

Atacado pelas febres nos pântanos paraguaios, o general José Joaquim de Andrade Neves, já agraciado com o título de Barão de Triunfo, não queria abandonar a sua divisão de cavaleiros rio-grandenses, para tratar-se. Cada vez que caía sobre o inimigo era uma vitória para a sua cavalaria.

Após o choque em Lomas Valentinas, o herói não pôde mais. Levado para Assunção, a febre alta não o deixava mais, conservando-o em delírio permanente. E nesse delírio, os olhos em fogo, as mãos crispadas, erguia-se no leito, a barba em desalinho, como no fragor das batalhas.

A 6 de janeiro de 1870, era esse o seu estado, quando, no último delírio, bradou, com as últimas forças:

— Camaradas!... mais uma carga!... E tombou arquejando, para morrer.

Alberto Faria — Conferência sobre Fagundes Varela, na Academia Brasileira de Letras, em 1925.

O poeta Aureliano Lessa, cuja intemperança ficou famosa na Faculdade de Direito de São Paulo no tempo de Álvares de Azevedo, de quem foi o companheiro mais íntimo, chegou aos trinta e três anos inteiramente inutilizado pelo álcool.

Às portas da morte, o ventre enorme, vendo a esposa em pranto, consolou-a, rindo, com esta quadra, improvisada quase nos estertores da agonia:

"Enxuga, Augusta, este pranto Nas dobras da tua anágua; Que o teu pobre Aureliano Morre de barriga dágua!"

Anais da Constituinte Republicana, vol. I, pág. 559.

Na sessão de 15 de dezembro de 1890, o assunto do dia foi a mudança da capital da República. Da tribuna, o sr. Virgilio Damásio justifica o projeto, alegando a necessidade de afastar o governo de um ambiente agitado pelas paixões e pelos interesses.

— Essa grande massa de homens — diz — é uma arma, uma alavanca poderosíssima em mãos de agitadores.

O sr. Vinhais — Pois esta é a verdadeira base em que assenta a democracia.

O sr. Virgílio Damásio — A base da democracia é a liberdade!

J.M. de Macedo — "Ano Biográfico", vol. III. Pág. 212.

A atitude das Cortes de Lisboa em relação ao Brasil havia congregado os patriotas deliberados a emancipar a antiga colônia com ou sem o auxilio do Príncipe Regente. As combinações para isso marchavam céleres, multiplicando-se os emissários especiais entre São Paulo e Rio, estabelecendo ligações para o grande movimento libertador.

Incumbido, um dia, pelos patriotas da Corte, de ir àquela província com uma mensagem verbal aos conspiradores, o capitão Pedro Dias Pais Leme, que foi mais tarde marquês de Quixeramobim, entendeu no seu dever, de caminho, passar na Quinta da Boa-Vista, e, como amigo do príncipe, narrar-lhe o que se tramava.

D. Pedro ouviu, calmo, a narrativa, e, ao fim, em vez de agradecer-lhe ou dar-lhe qualquer ordem, pôs-se a falar de viagens e caçadas. Até que, por certa altura, chegando à janela, começou a olhar o horizonte, no rumo do sul. E apontando-o a Pais Leme:

— Que belo dia para se viajar!...

O oficial compreendeu tudo. Beijou, comovido, a mão do Príncipe, desceu rapidamente as escadas, montou a cavalo, e partiu a galope.

Anais do Senado, 1895.

Sessão de 31 de maio de 1895, do Senado. Na tribuna, atacando o governo, o sr. Coelho Rodrigues lembra aos seus colegas republicanos que na monarquia, ele, orador, não poupava o soberano, toda a vez que este se desmandava. E cita, entre outras, esta frase daquela época:

— "O direito é o mesmo, ou não existe".

E concluindo:

— "E a Justiça não é nenhum funil, com o lado largo para Sua Majestade e o estreito para nós!"

Alberto Rangel — "Pedro I e a Marquesa de Santos", pág. 48.

Certo coronel mercenário, utilizado, como tantos outros, por Pedro 1 nos primeiros dias do Império, costumava gabar-se da amizade que lhe dispensava o Imperador.

— Quando eu morre — dizia ele, freqüentemente, no seu português de alemão; — quando eu morre, lmperradorr chorra muito!

Um dia, durante um jantar entre camaradas em que todos haviam bebido em demasia, entenderam estes de tirar a prova daquela asserção, e mandaram um portador ao Paço, comunicar a Sua Majestade a morte do oficial.

Ao regressar o emissário, o coronel indagou, pressuroso e comovido:

— Imperradorr chorra?

— Não, senhor, — informou o encarregado da missão. — Quando eu lhe dei a notícia, Sua Majestade limitou-se a dizer: -"Pois que vá feder pra longe!"

Alberto Faria — Conferência na Academia Brasileira de Letras, em 1925.

Freqüentador da casa dos Marianos, de que descende Alberto de Oliveira, conheceu Fagundes Varela, aí, um mulato pernóstico, de nome Teodorico. Aliteratado, o pardavasco pediu ao poeta que lhe emprestasse as Flores do Mal.

Não posso, — recusou Varela, piscando os olhos azuis.

E sem a menor consideração:

— É de Baudelaire; não para "bode ler"!

J.M. de Macedo — "Ano Biográfico", vol. III, pág. 383.

Implicado na Revolução Pernambucana de 1817, foi Antônio Carlos, esmagado esse movimento, preso em Olinda, e remetido para a Bahia, onde ficou encarcerado.

Alguns dos seus companheiros de aventura haviam sido, já, condenados à morte, e executados; e tudo prenunciava que ele teria o mesmo destino, quando o procurou na sua masmorra um emissário da Corte, dizendo-lhe que, se pedisse perdão, o rei D. João VI o perdoaria.

Orgulhoso como sempre, o grande tribuno ergueu-se, indignado.

— Isso, nunca! — declarou.

E no mesmo tom:

— Perdão, só o peço a Deus, dos meus pecados; ao rei, só peço justiça!

Anais da Constituinte Republicana, vol. I, pág. 250.

Sessão do Congresso Constituinte, de 19 de novembro de 1890. Discute-se um artigo da futura Constituição, e César Zama, representante da Bahia, combate-o vigorosamente.

— Eu não dou o meu voto a essa disposição, — exclamava. — Houve um deputado que representava a minha província, o qual dizia...

E citando a frase do outro:

— Suicidem-me os senhores, porque, por minhas mãos, eu não me suicido!...

Alberto Rangel — "Pedro I e a Marquesa de Santos", pág. 199.

Em meados de setembro de 1827 o grande assunto da cidade do Rio de Janeiro era o rompimento do Imperador com a Marquesa de Santos. O próprio monarca não guardava reservas sobre essa atitude, dando, assim, liberdade aos seus íntimos para se manifestarem.

Cortesão dos mais apurados, o Marquês de Queluz foi um dos primeiros a patentear a sua alegria pelo modo por que Pedro 1 se libertava, ou pretendia libertar-se, da "mulher fatal".

— Senhor! — exclamou, beijando a mão ao monarca.

E num arrebatamento de áulico:

— Caístes como homem, mas erguestes-vos tal um herói e a admiração da Europa será a vossa recompensa!...

Coelho Neto — "Revista da Academia Brasileira de Letras", n° 12, de abril de 1913.

O grupo de boêmios de que faziam parte Bilac, Murat, Coelho Neto, Guimarães Passos, Pardal Mallet, Paula Ney e outros, atravessava a sua fase luminosa, quando, um dia, ao chegarem estes à pensão em que morava Aluísio Azevedo, o encontraram com os olhos vermelhos de chorar. Tinha-lhe morrido a mãe no Maranhão, e o romancista, além de outras preocupações, estava a braços com a do luto, impossível na ocasião pela absoluta falta de dinheiro. A única roupa que possuía era um terno cinzento, absolutamente inútil naquela emergência.

Guimarães Passos havia chegado, porém, recentemente de Alagoas, e era dono de um terno preto, destinado a grandes cerimônias. Correu à casa, e trouxe-o, para emprestar ao amigo, enquanto este arranjava outro.

Passou-se, entretanto, o primeiro mês. Passou-se o segundo. Passou o terceiro, e Aluísio sem devolver ao dono o terno preto, em que se metia diariamente. Guimarães Passos não suportou mais a demora; plantou-se, uma tarde, à rua do Ouvidor, ao lado de Coelho Neto e Alcindo Guanabara, e, à passagem do autor d' O Mulato, que vinha com a sua roupa emprestada, chamou-o:

— Aluísio!

E fazendo-o parar, intimativo:

— É preciso que alivies o luto!...

J.M. de Macedo — "Ano Biográfico", vol. III, pág. 390.

Habituado aos debates quotidianos na Câmara, onde iam rebentar todas as paixões intensas do tempo, Antônio Carlos sentiu-se, naturalmente, deslocado ao ser escolhido senador em 1845. Se a Câmara era a agitação, a luta, o choque das idéias e dos interesses, era o Senado a tranqüilidade, o repouso, a calma, filha da fadiga e da experiência.

Ao ser empossado nessa ante-sala da morte, o vigoroso tribuno verificou, logo, que o ambiente ia amortecer a sua notoriedade. E tentou reagir, num discurso fulgurante, magistral, comparando as duas casas, tão diversas na sua atuação política.

E exclamou, a certa altura

— Eu venho dos ardores do Industão para os gelos da Sibéria!...

Visconde de Taunay — "Trechos de minha vida", pág. 27.

Incorporado ao Exército brasileiro com o posto de major, Carlos Augusto Taunay, tio do visconde de Taunay, seguiu para a Bahia, afim de dar combate, ali, ao remanescente das tropas portuguesas comandadas pelo general Madeira. Metendo-se, porém, a criticar os planos do general Labatut, contra o qual conspirava, foi preso e condenado à morte.

Esperançoso, todavia, de salvar-se, pediu Carlos Taunay adiamento da execução, alegando o desejo de confessar-se antes de morrer.

Labatut condescendeu, mas não perdoou. E a sua resposta foi esta, num português arrevesado:

— "Confissa ou non confissa, ma fussila!"

J.M. de Macedo — "Ano Biográfico", vol. III, pág. 227.

De regresso de Minas Gerais, a 11 de março de 1831, Pedro I encontrou a capital do Império em grande efervescência, a qual se acentuou no dia 12.

Nessa noite, grupos de portugueses, querendo prestigiar o seu antigo príncipe, hostilizado pelo elemento indígena, saíram à rua, gritando:

— Viva o Imperador!... Viva o Imperador!...

Os brasileiros natos formaram, por sua vez, os seus grupos, e partiram ao encontro dos primeiros, mas com este grito:

— Viva o Imperador enquanto Constitucional!...

Alberto Rangel — "Pedro I e a Marquesa de Santos", pág. 40.

Informado de que os seus adversários pretendiam aproveitar a "fala do trono", em 1830, para continuar fora da Câmara a campanha sistemática iniciada contra a sua pessoa, resolveu o Imperador antecipar-se na agressão, tomando a ofensiva.

Aberta a sessão gravemente pelo monarca, pôs-se este de pé, e, desenrolando uma folha de papel, começou:

"Augustos e Digníssimos Representantes da Nação".

E imediatamente:

"Está fechada a sessão".

O pasmo dos circunstantes foi indizível. Todos se entreolharam, aflitos, atônitos, assombrados. E foi no meio dessa estupefação, que o Imperador desceu, soberbo, os degraus do trono, exclamando, como num desafio:

— É isto mesmo!

Tobias Monteiro — "Pesquisas e depoimentos", pág. 296

Ordenada a deportação da família real, foi escalado para comboiar o Alagoas até Lisboa o couraçado Riachuelo, navio de marcha demorada e que, em péssimo estado, parava freqüentemente para consertar as caldeiras. Aborrecido com isso, que lhe retardava a viagem, o Imperador pediu ao comandante Pessoa, do Alagoas, que mandas-se um recado ao comandante do navio de guerra.

— Diga a esse moço — pediu, — que se o Riachuelo é honraria, eu dispenso; se quer dizer receio, eu não quero voltar.

E no mesmo tom:

— O Brasil não me quer; vou-me embora.

J.M. de Macedo — "Ano Biográfico", vol. III, pág. 246.

Figura de relevo no Exército do Império desde os acontecimentos de 7 de abril de 1831 o major Miguel de Frias achava-se preso em uma das fortalezas, quando, na noite de 3 de abril de 1832, desembarcou na cidade, afim de assumir o comando da tropa, que entrava na conspiração. Em caminho, amigos procuraram dissuadi-lo, pois a maior parte da guarnição não o seguiria.

— É tarde — declarou ele; — agora já dei o primeiro passo!

E seguiu para o campo de Santana, onde, uma hora depois, era desbaratado.

Anais da Constituinte Republicana, vol. I, pág. 864.

Na sessão de 24 de dezembro de 1890, da Constituinte, é posta em discussão a moção de Américo Lobo, em que o Congresso se congratula com as forças armadas pela proclamação da República. Combatido por alguns congressistas, o autor da moção sobe à tribuna para justificá-la. Não se trata de uma curvatura diante das forças de terra e mar.

— Eu, representante de um país do arado e da toga, — diz — de um país pacífico, não posso pensar que o militarismo domine jamais no Brasil.

E num audacioso lance de eloqüência:

— Para que tal se desse, seria preciso que houvesse uma espada tamanha como o diâmetro da terra!

O conselheiro Dr. Manuel Luiz Álvares de Carvalho, que redigiu os primeiros estatutos do curso médico-cirúrgico do Rio de Janeiro, era um caráter altivo e, apesar do tempo em que vivia, um espírito independente.

Saía o Dr. Manuel Luiz, certa vez, do Paço, onde fora como profissional, quando encontrou em um dos corredores uma das damas de honor puxando o carro do príncipe D. Sebastião. Sendo isso, então, uma honraria, achou a dama que o médico se sentiria desvanecido com a distinção e ofereceu-lhe um dos cordões do carro para puxar.

— Dê V. Excia. a honra de puxar o carro do Infante a quem quiser, — respondeu, azedo, o velho cirurgião.

E indignado com as baixezas da época:

— Eu não sou besta de sege!

Contada pelo deputado Luís Domingues ao colecionador.

Ao chegar ao Rio de Janeiro em 1886, Luiz Domingues, que foi presidente do Maranhão, e deputado federal, procurou Cotegipe afim de entregar-lhe uma carta de recomendação. O velho estadista deu-lhe alguns conselhos, e, à despedida, acentuou:

— Meu filho, procure nunca ser de todos ao mesmo tempo. Dizem que, "quem não tem vergonha todo o mundo é seu"; a verdade, porém, é que, quem não tem vergonha, é que é de todo o mundo.

Alberto Rangel — "Pedro I e a Marquesa de Santos", pág. 41.

Chegado do estrangeiro, onde se havia demorado, o Visconde de Barbacena, foi ao palácio de São Cristóvão visitar o Imperador. E um dos primeiros cuidados deste, com a amizade que votava ao discreto titular, foi mostrar-lhe o Príncipe Imperial, que seria Pedro II e andava apenas pelos dois anos de idade.

— Este — disse-lhe o soberano, agradando o pirralho; — este será bem educado; hás de ver.

E como quem se conhece:

— Eu e o mano Miguel havemos de ser os últimos malcriados da família!

J.M. de Macedo — "Ano Biográfico", vol. III, pág. 232.

Os fatos desenrolados na noite de 6 para 7 de abril de 1831 puseram em relevo todas as qualidades_ de energia e de orgulho do primeiro Imperador do Brasil. Formada no Campo de Santana, a guarnição da capital exigia a reintegração do ministério de 20 de março, demitido na véspera. Passava e meia-noite quando o brigadeiro Lima e Silva, comandante das armas, despachou para S. Cristóvão o major Miguel de Frias, pedindo a Sua Majestade que cedesse à vontade do povo e da tropa.

— O mesmo ministério, de forma alguma! — declarou, peremptório, Pedro I, ao ouvir o emissário. — Isso é contra a minha honra e contra a Constituição. Antes abdicar. Antes a morte!

Refletiu, porém, um instante, pediu ao oficial que esperasse, e, entrando para um compartimento próximo, voltou, momentos depois, com um papel na mão.

— Aqui tem a minha abdicação, — declarou, entre a surpresa dos presentes, entregando ao major Frias a folha de papel.

E comovido, entre o silêncio de todos:

— Desejo que sejam felizes. Eu me retiro para a Europa, e deixo um país que sempre amei, e tanto amo!

Eram duas horas da manhã.

Serzedelo Correia — "Páginas do Passado", pág. 41.

Na noite em que Deodoro assinou o decreto dissolvendo o Congresso, Serzedelo Correia, informado disso, às onze horas, pelo deputado Urbano Marcondes, correu a comunicar o fato a Floriano, que morava, então, em Santa Alexandrina. Ao bater na porta, em companhia de Sampaio Ferraz e Aníbal Falcão, que encontrara tomando cognac, no Café de Londres, acorreu do fundo da casa quase às escuras a ordenança do futuro consolidador.

— O marechal está acordado? — indagou.

— Está.

— Vai dizer-lhe que o tenente-coronel Serzedelo precisa falar-lhe.

Entraram os três.

Floriano recebeu-os na sala de jantar, em ceroulas, com um candeeiro na mão.

Visconde de Taunay — "Trechos de minha vida", pág. 168.

O retrato que Pedro I possuía da princesa Amélia de Leuchtenberg, tornara-o ansioso pela sua chegada ao Rio de Janeiro. A visita da filha do príncipe Eugênio quase que o enlouqueceu, pois que o original era mais lindo ainda que o retrato.

Ao vê-la, a bordo da embarcação que a trouxera, o Imperador não se conteve. A princesa vestia, para o desembarque, um delicioso vestido de gaze branco, salpicado de rosas meio abertas. E foram essas rosas que deram ao imperial noivo, de espírito cavalheiresco, a idéia súbita de criar uma Ordem honorífica.

— Será a Ordem da Rosa! — declarou.

E criou-a nesse mesmo dia, com a divisa:

— "Amor e Fidelidade".

Moreira de Azevedo — "Mosaico Brasileiro"..

Omajor Miguel Nunes Vidigal, cujo nome atravessou o tempo e é citado hoje, depois de um século, como se tivesse passado há dois anos, era não só enérgico, severo na imposição dos castigos, mas, também, inteligente.

Com carta branca para restituir a segurança e o sossego à cidade, invadiu o major, certa noite, uma casa de pândega, encontrando aí, entre outros infratores da moralidade noturna, um cadete, filho de um seu amigo, a quem logo reconheceu. O rapaz, ele próprio, alegou essa qualidade, procurando escapar ao corretivo.

— O que?! trovejou Vidigal. Esse tratante, além de metido nestes lugares, ainda quer passar como cadete e filho de um amigo meu! Metam-lhe a chibata! O moço de quem ele fala não era capaz de tomar parte nestas reuniões tão ridículas!

E após a surra, baixo, para o rapaz:

— Eu o reconheci. O senhor é o cadete filho do meu amigo. Mas... para que os senhores fazem destas?

Alberto Rangel — "Pedro I e a Marquesa de Santos", pág. 40.

É nos dias tormentosos de 1830, quando a Câmara ferve, discutindo a eleição do ex-ministro da Guerra, Joaquim de Oliveira Álvares, eleito deputado pelo Rio Grande do Sul. Ansioso pela salvação do amigo, Pedro I chega a uma das janelas do Paço que dá para o edifício da Câmara, e é recebido com chufas e assobios pela população aglomerada na rua.

Nesse momento, chega alguém que vem da Câmara. O Imperador volta-se, aflito, indagando:

— Quem está falando neste momento na Assembléia?

— É o Ledo, — responde-lhe. — Está estupendo, quebrando lanças pelo Oliveira Álvares!

— Forte tratante! — exclama o soberano, contente.

E esfregando as mãos, feliz:

— É a terceira vez que o compro e de todas tem me servido bem!...

J.M. de Macedo — "Ano Biográfico", vol. III, pág. 317.

O dr. Mateus Saraiva, que exerceu a clínica no Rio_ de Janeiro na primeira parte do século XVIII, e que escreveu A América Portuguesa Ilustrada, obra em que procurava demonstrar a passagem do apóstolo Tomé pelo Brasil, tornou-se veneradíssimo pela sua caridade.

Era sua esta frase:

— Se há alcaide que prenda a Deus, ou se Deus se pode deixar prender, é a caridade o único ministro que, sem sacrilégio, pode executar a diligência!

Anais da Câmara dos Deputados

Sessão de 29 de junho de 1894, na Câmara dos Deputados. Com a sua eloquência habitual César Zama bate-se pela conciliação das forças Políticas e militares, advogando a anistia aos revoltosos de 1893.

— Aos vencedores — diz — sempre fica bem a magnanimidade.

E numa hipérbole:

— O pó das revoluções não se apaga com o sangue dos revolucionários!

J.M. de Macedo — "Ano Biográfico", vol. III, página 427.

Não obstante os serviços prestados ao país nos primeiros anos da sua emancipação, Joaquim de Oliveira Álvares, que fora duas vezes ministro da Guerra e exercia grande influência sobre as forças armadas, viu-se guerreadíssimo pelos liberais na organização da Câmara em 1830. Eleito pelo Rio Grande do Sul, viu o seu diploma quase anulado. E tão desgostoso ficou que, tendo de receber uma herança de Londres, resolveu abandonar definitivamente o Brasil.

Aos seus olhos de homem experiente a marcha dos negócios públicos não deixava, porém, grandes dúvidas. A queda de Pedro I era, para ele, inevitável. E assim foi que, ao despedir-se do Imperador, declarou, respeitoso, mas irônico:

— Senhor, eu parto; mas, se as coisas políticas não mudarem no Brasil, breve nos encontraremos no Carnaval de Veneza!

Um ano depois, efetivamente, encontravam-se os dois, não em Veneza, mas em Londres.

Constâncio Alves — "Folhetim do Jornal do Comércio", em dezembro de 1926.

Condenado, por ter escrito uns versos metendo a ridículo o ministro da Guerra, a abandonar o Rio de Janeiro e a embarcar para o Rio Grande do Sul, chegou Laurindo Rabelo a Pelotas, apresentando-se aí ao general Caldwell, comandante da guarnição. O general recebeu-o bem, mas comunicou-lhe que teria de seguir, no dia seguinte, a cavalo, para a fronteira.

Laurindo franziu a testa.

— Vossa Excia. poderá informar-me — indaga — se os médicos do Exército estão sujeitos, aqui, a castigos corporais?

E ante a resposta negativa:

— Como é, então, que Vossa Excia. me condena a uma viagem dessas, que me deixa mais morto do que uma surra de espada?

Serzedelo Correia — "Páginas do Passado", pág. 20.

Manhã de 15 de novembro de 1889. Em frente ao quartel-general Deodoro punha em linha as bocas de fogo da tropa revoltada. Ignorando toda a extensão da conspiração militar, o Visconde de Ouro-Preto chama Floriano e pergunta por que as forças fiéis ao governo não saíam, para dar combate à força rebelde.

— É que Deodoro tem artilharia e, em cinco minutos, arrasaria o quartel-general, — respondeu o mestre de campo.

Ouro-Preto estranhou a resposta:

— No Paraguai tomava-se artilharia; só se aquela não pode ser tomada por estar comandada por um general valente...

— Não, não é por isso, — revidou Floriano, compreendendo a ironia.

E no mesmo tom:

— É que no Paraguai eram inimigos, e ali são brasileiros!

Tobias Monteiro — "Pesquisas e depoimentos", pág. 243.

Ao chegar a Lisboa, exilado, a 30 de novembro de 1889, Ouro-Preto foi visitar a bordo do Alagoas o Imperador deposto. Encontrou-o calmo, conformado.

— Em suma, estou satisfeito, — declarou-lhe Pedro II.

E referindo-se à sua deposição:

— É a minha carta de alforria... Agora, posso ir onde quero...

J.M. de Macedo — "Ano Biográfico", vol. III, pág. 388.

Era em 1839. Com sessenta e seis anos, Antônio Carlos era, ainda, o grande tribuno da mocidade e, talvez, mais eloqüente, mais arrojado, mais perfeito. Não obstante isso, e à falta de outro argumento, os adversários procuravam freqüentemente aludir à sua idade, com o intuito de desarmá-lo.

Certo dia, nesse ano, na Câmara, o ministro da Guerra, Sebastião do Rego Barros, respondendo a um discurso daquele a quem já denominavam o "Mirabeau brasileiro", observou, de súbito:

— O próprio sol tem o seu ocaso...

— Mas este sol — respondeu-lhe de Antônio Carlos, — este sol brilha no

8eu ocaso com todos os esplendores do meio-dia!...

Ernesto Matoso — "Cousas do meu tempo", pág. 124.

Por ocasião da sua viagem ao Paraná, foi Pedro II hospedado em Ponta-Grossa, por um fazendeiro rude, mas trabalhador e leal, o qual, ao oferecer um almoço ao monarca, fê-lo, sem maiores cerimônias, nos seguintes termos:

— Senhor Imperador! Eu podia ter feito mais alguma cousa; podia ter matado mais uma vitela, mais um peru; mas preferi assinalar por outro modo a vossa passagem por esta terra e a honra de vir a esta sua casa: libertei todos os meus escravos (cerca de setenta) e peço a Vossa Majestade o favor de lhes entregar as cartas de liberdade!

Ao chegar à Corte, levou o Ministro do Império ao soberano os decretos distinguindo as pessoas que o haviam homenageado na excursão, cabendo ao fazendeiro paranaense o oficialato da Ordem da Rosa.

— Isso é pouco para esse benemérito — declarou o Imperador; — faço-o Barão.

Mas, Majestade, obtemperou o ministro ele é quase um iletrado.

— Não será o primeiro, — tornou o imperador; — e com a circunstância de que é um homem muito digno.

E imperativo:

— Mande-me o decreto fazendo-o Barão dos Campos-Gerais.

Tobias Monteiro — "Pesquisas e depoimentos", pág. 309.

Antes de deixar, no porto de Lisboa, o Alagoas, o Imperador pediu ao comandante do navio, José Maria Pessoa, uma lista de toda a tripulação, afim de gratificá-la, tendo em atenção a categoria de cada pessoa de bordo. A criatura mais humilde do navio era um homem, estranho à equipagem, tomado para cuidar do gado durante a viagem. Até dele o Imperador se lembrou.

— Falta o homem que trata dos bois — disse, ao notar a falta do seu nome.

E recomendando ao comandante:

— Não o esqueça.

Anais de Câmara dos Deputados, 1873.

O Visconde de Barbacena havia conseguido do governo privilégio para exploração das minas do Tubarão, no Rio Grande do Sul. Atendido, pediu vantagens para uma estrada de ferro, e a concessão dos terrenos marginais. Em seguida requereu garantia de juros para o capital empregado. E era discutindo mais uma regalia requerida por esse titular, que Rodrigo Silva bradava na Câmara, na sessão de 14 de julho de 1873:

— S. Excia. quer mais, muito mais. A princípio, pediu o cachimbo, deram-lhe o cachimbo; veio depois, pediu o fumo, deram-lhe o fumo.

E entre a hilaridade da Câmara:

— E agora aparece para exigir o fogo!

Moreira de Azevedo — "Mosaico Brasileiro", pág. 135.

Tendo se verificado um roubo vultoso no Tesouro Público, no Império, foram levar a notícia do fato ao Marquês de Maricá, acentuando que o crime havia sido praticado por uns miseráveis.

— Miseráveis!... Miseráveis!... Miseráveis, não, meu caro amigo! — exclamou o velho filósofo.

E em uma das suas sentenças de momento:

— O roubo de milhões enobrece os ladrões!

Anais da Câmara dos Deputados, 1873.

Sessão de 12 de julho de 1873 da Câmara dos Deputados, no Império. Discute-se projeto relativo à reforma da Guarda Nacional, apresentado pelo governo. Araújo Lima, na tribuna, ataca a passividade da Câmara, anulada pela vontade do Ministério.

E exclama, no meio da sua oração:

— Votai, senhores, esta lei; pouco falta para se inscrever na frente deste edifício o dístico: Casa para alugar!

Ernesto Matoso — "Coisas do meu tempo", pág. 239.

Era Lafayette Rodrigues Pereira ministro, quando, um dia, orando no Senado em resposta a uma interpelação, notou que o senador Diogo Velho procurava confundi-lo com apartes insistentes, uns sobre os outros. Perdendo a paciência Lafayette interrompeu a sua oração, e, voltando-se para o adversário, olhando-o de frente, deixou cair, uma a uma, estas palavras de uma frase de Aulo Pérsio:

Pueris, sacer est locus, extra migite.

Que significam:

— "O lugar é sagrado, menino; vá urinar lá fora!"

Ernesto Matoso — "Coisas do meu tempo", pág. 237.

Chefe, embora, do Partido Conservador na província do Rio de Janeiro, o conselheiro Paulino José Soares de Sousa deixava nas mãos de Andrade Figueira todo o seu prestígio eleitoral. Certo dia, na Câmara, respondendo um aparte daquele político, fulminou-o Lafayette, então ministro, com esta observação:

— Eu sei que V. Excia. se diz chefe do Partido Conservador. Mas, de chefe, V. Excia. só tem a bainha.

E entre o riso da Câmara:

— Porque a espada, essa, está nas mãos do seu colega, o deputado Andrade Figueira!...

Tobias Barreto — "Pesquisas e depoimentos", pág. 365.

Vendo-se, de súbito, traído pelos próprios camaradas de farda, com Floriano à frente, Deodoro passara a este o governo e subira, com os seus sofrimentos agravados, para Petrópolis. De regresso, o peito opresso, as pernas horrivelmente inchadas, recomendara-lhe o médico que subisse a pé, lentamente, e descesse, todas as manhãs, a ladeira da rua Taylor. Lucena era o seu companheiro de todo o dia, leal e devotado.

Certa manhã de abril, em 1892, desciam os dois a ladeira, Deodoro ao braço do amigo, quando, ao descortinar-se o panorama da baía, o generalíssimo estacou, os olhos fuzilantes. A barba tremia-lhe. E foi numa espécie de delírio, que exclamou, como na agitação de um combate:

— Onde está essa infantaria que não avança? E esses navios de fogos apagados?

Levado para casa, Deodoro nunca mais saiu.

Barbosa de Godói — "História do Maranhão", tomo II, pág. 318.

Português embora, Manuel Bekman se havia identificado de tal maneira com os brasileiros, que amava o Brasil muito mais que a sua pátria de nascimento. Daí a sua atitude desassombrada, chefiando o movimento popular contra o capitão-mor, interino, Baltasar Fernandes e, principalmente, contra o estanco, que estava arruinando a capitania do Maranhão. Vitoriosa a revolução, começava dentro de pouco tempo o desânimo entre os outros colaboradores, até que se restabeleceu o prestígio da metrópole, com a chegada de Gomes Freire a S. Luiz.

Condenado à morte e posta a prêmio a sua cabeça, foi Bekman entregue a uma escolta de Gomes Freire por um seu afilhado filho de criação, de nome Lázaro de Meio, quem haviam prometido uma patente de capitão. Sereno e digno, subiu o chefe da revolta maranhense ao patíbulo, exclamando, do alto dele:

— Pelo povo do Maranhão, morro contente!

Ernesto Matoso — "Coisas do meu tempo", pág. 79.

Atendendo aos serviços prestados por Disraeli, primeiro ministro inglês, em favor das boas relações entre o seu país e o nosso, resolveu Pedro II enviar-lhe a comenda de dignitário da Ordem da Rosa. Semanas depois recebia, porém, o ministro de Estrangeiros, Manuel Francisco Correia, uma carta do estadista inglês, declarando não aceitar o distintivo, pois, possuindo outros de categoria mais elevada, não podia usar esse, na sua posição de chefe do governo da Inglaterra. Manuel Francisco Correia estava certo de que, ciente do caso, o Imperador mandaria dar a Disraeli a grã-cruz da Ordem.

— Não aceitou esta — fez Pedro II, tomando a comenda. — Muito bem.

E guardando-a:

— Pois outra não lhe dou!

Moreira de Azevedo — "Mosaico Brasileiro", pág. 136.

Um dos assuntos prediletos do Marquês de Maricá, na feitura das suas máximas e pensamentos, era o confronto da mocidade com a velhice. Após a leitura de algumas sentenças desse gênero, entendeu um rapazola, seu conhecido, de apresentar-lhe algumas objeções.

— Não as aceito, — declarou o velho filósofo.

E com o seu bom senso habitual:

— Não as aceito, porque o senhor não tem a minha idade e nada sabe a respeito dos velhos; e, se julgo os moços, é com conhecimento de causa, pois já fui moço como o senhor.

Ernesto Matoso — "Coisas do meu tempo", pág. 250.

Tendo entrado para o Senado do Império por haver obtido um voto, apenas, mais do que o seu competidor, Diogo Velho era alvo, freqüentemente, de alusões depreciativas, por parte dos seus adversários. Certo dia, um deles, atacando-o, começou:

— Sua Excia., que entrou nesta casa não se sabe como...

— Ora, ora! — fez o conselheiro Zacarias, da sua cadeira.

E entre a hilaridade geral:

— Entrou aqui porque encontrou a porta aberta!

Anais da Câmara dos Deputados, 19 de dezembro, 1913.

Era em fins de 1913, e a Câmara discutia o projeto de Martim Francisco, mandando repatriar os restos do Imperador Pedro II, depositados em S. Vicente de Fora, em Portugal. Orava Pedro Moacir, e a sua oração era um apelo veemente ao governo, no sentido de ser restituído ao Brasil o corpo do seu antigo monarca. O pais precisava prosternar-se diante daqueles despojos, em que havia morado a alma de um dos seus maiores cidadãos.

E é quando Irineu Machado aparteia, interrompendo o patético do momento:

— O tempo é pouco para adorar os vivos!...

Ernesto Matoso — "Coisas do meu tempo", pág. 91.

Foi na noite em que se realizava o baile aos chilenos na ilha Fiscal, que os republicanos resolveram, definitivamente, o dia e o modo de derrubar a monarquia, a 9 de novembro de 1889.

Conduzido para ali em barca especial, o Imperador desembarcou com facilidade, mas, ao penetrar no edifício, tropeçou num tapete. Correram pessoas a ampará-lo. O monarca equilibrou-se, porém, por si mesmo, e, voltando-se para os que o rodeavam, observou, sorrindo:

— A Monarquia escorregou, mas não caiu!

Moreira de Azevedo — "Mosaico Brasileiro", pág. 135.

Conversava-se certa vez, no Paço, sobre a facilidade com que toda a gente, no tempo, discutia os negócios públicos, opinando sobre coisas que não entendia, quando o Marquês de Maricá teve esta frase:

— A Grécia tinha sete sábios; mas no Brasil, só sete é que não o são!...

Ernesto Matoso — "Coisas de meu tempo", pág. 77.

O Imperador Pedro II nutria uma aversão indissimulável à bajulação. Por isso mesmo, os homens que menos influência exerciam sobre o seu ânimo eram os da sua intimidade, principalmente os que ocupavam cargos de etiqueta na Casa Imperial.

Um destes, seu camarista, subserviente pelo cargo e pela índole, desejava entrar para a política, e apareceu como candidato de um dos partidos a uma cadeira no Senado.

Votado em primeiro lugar, foi preterido na escolha pelo monarca. Três vezes veio, ainda, na lista tríplice e três vezes foi esquecido. Conhecendo-lhe a doblez como palaciano, o Imperador sabia que esta se não coadunava com a independência e a altivez indispensáveis a um senador daqueles tempos.

Ressentido, o camarista indagou de Sua Majestade a razão de tantas preterições.

— Não_ tenho queixas contra o senhor, declarou o soberano.

E deixando patente o motivo:

— É que são tão importantes os serviços que me presta como "servidor da minha casa", que não quero privar-me deles!

Ernesto Matoso — "Coisas do meu tempo", pág. 61.

Era por ocasião da questão Christie, em 1862. Não tendo o governo imperial atendido a algumas reclamações descabidas da Inglaterra, iniciou esta uma série de represálias, aprisionando no mar diversos navios mercantes brasileiros. A multidão, indignada, enchia as ruas e praças do Rio de Janeiro, reclamando a reação. Até que se aglomerou diante do Paço, pedindo a palavra do soberano.

Pedro II apareceu a uma das janelas, o rosto severo.

— Calma, senhores, calma! pediu.

E a voz segura de quem não recuará:

— Confiem no meu governo e fiquem certos que, sem honra, não quero ser imperador!...

Ernesto Matoso — "Coisas do meu tempo", pág. 92.

O cônego Joaquim Camilo da Silva Brito, republicano histórico, era já admirado, como homem de grande cultura, pelo Imperador, quando Sua Majestade o conheceu pessoalmente em Minas por ocasião da sua viagem àquela província. De regresso à Corte, encantado com as demonstrações de atenção pessoal recebidas de tão ilustre sacerdote, incluiu Pedro II o seu nome da lista dos agraciados, concedendo-lhe a comenda da Ordem de Cristo.

Dias depois, aparecia nos A pedidos de uma folha da Capital a seguinte comunicação:

"AO PÚBLICO — Tendo sido agraciado pelo governo imperial com a comenda da Ordem de N. S. Jesus Cristo, um eclesiástico de nome igual ao meu, declaro, para evitar confusões, que desta data em diante, passo a assinar-me: Vigário Joaquim Camilo de Brito, com um 'l' só".

Jean de Lery — "História de uma viagem à terra do Brasil", ed. De 1926, pág. 154.

Quando Nicolau de Villegaignon se fixou na baía do Rio de Janeiro, em 1555, os índios tupinambás, que habitavam o litoral, achavam-se na guerra com a tribo dos maracajás, cujos prisioneiros eram todos devorados. Para impedir a continuação da antropofagia, procurava o conquistador francês adquirir por compra todos os prisioneiros, salvando-os, assim, da voracidade do inimigo.

Essa interferência do hóspede branco negócios da raça não agradava nada aos tupinambás, um dos quais se queixava, num suspiro a Jean de Lery:

— Não sei o que será de nós, de agora em diante!... Depois que Paicolás (nome davam a Villegaignon) veio para a ilha, não comemos nem a metade dos nossos prisioneiros!...

J.M. de Macedo — "Ano Biográfico", vol. II, pág. 321.

Era Magalhães Calvet, oficial-maior da Secretaria do Império, quando foi eleito deputado geral pelo Rio Grande do Sul. Dependendo embora do governo, declarou-se em franca oposição ao ministério, discutindo os atos do ministro com uma eloquência desusada e admirável conhecimento de todos os atos dos chefes.

— Que pensa do oficial-maior da sua secretaria? — perguntou ao marquês de Monte-Alegre, então ministro, um deputado da maioria.

— Penso e sei que é deputado liberal e da oposição, aqui, respondeu o marquês; — mas posso adiantar, também; que é modelo de lealdade na Secretaria de que é, e continuará a ser, oficial-maior!

A.J. de Araújo Pinho — "O Barão de Cotegipe no Rio da Prata", pág. 78.

Com seu espírito sutil, o Barão de Cotegipe era um céptico. Sem vaidades, não disputava nem, mesmo, aceitava honrarias. Ao regressar do Rio da Prata, onde resolvera o problema da restauração do Paraguai, o Imperador quis decretar a elevação do seu título, ato a que ele se opôs, Se morresse como ministro, o seu desejo era que lhe não prestassem, sequer, honras fúnebres, como era de praxe.

E acentuava:

— Por um cadáver não se devem incomodar duzentos homens!

J.M. de Macedo — "Ano Biográfico" vol II, pág. 83.

Afastado da pasta da Fazenda, em 1829, por incompatibilidade com o Imperador, vivia José Bernardino Batista Pereira de Almeida Sodré indiferente ao poder, quando Pedro I o mandou chamar ao Paço.

— Quero que faça parte do novo ministério — disse o monarca. — Pode escolher a pasta que lhe convenha. Aceita?

— Não, majestade! — respondeu, com orgulho, José Bernardino.

E de pé, para retirar-se:

— Senhor, honra de donzela, e confiança de ministro, só se perde uma vez! Eu não posso, pois, tornar a ser ministro de Vossa Majestade!

Jean de Lery — "História de uma viagem à terra do Brasil", ed. De 1926, pág. 56.

Não obstante a sua intervenção constante junto aos tupinambás, seus aliados, para que não comessem os inimigos aprisionados em combate, Nicolau de Villegaignon adquiria esses prisioneiros em troca de espelhos e anzóis, e, nos seus momentos de mau humor, infligia-lhes os mais duros suplícios.

Certa vez, foi um desses infelizes, já entregue aos franceses, submetido a um dos tormentos mais bárbaros que se podia imaginar: o da gordura fervendo, derramada nas nádegas. Estorcendo-se de dor, o desgraçado, amarrado a uma peça de artilharia, gemia, e bradava:

— Se soubéssemos que Paicolás nos ia tratar assim, teríamos deixado que os inimigos nos comessem!...

J.M. de Macedo — "Ano Biográfico", vol. II, pág. 83.

Era José Bernardino Batista Pereira de Almeida Sodré ministro da Fazenda, em 1828, quando o seu colega da pasta da Guerra lhe oficiou, pedindo o pagamento das despesas de transporte, e outras, de alguns operários que o Imperador mandara engajar na Alemanha. Recusado esse pagamento, mandou Pedro I chamar José Bernardino, interpelando-o.

— Senhor, — respondeu o ministro, — no orçamento que vigora não tenho verba que autorize essa despesa; ela é, portanto, ilegal, e eu não a posso ordenar.

— Mandei engajar esses homens, — tornou o Imperador, com energia; — quero que as despesas sejam pagas.

— E se-lo-ão, Senhor; pois que Vossa Majestade o quer.

Dias depois, indagado pelo monarca sobre o cumprimento da sua ordem, o ministro informou:

— Em face da lei, o Tesouro Nacional não podia pagar a esses engajados; a ordem de Vossa Majestade tinha, porém, de ser cumprida.

— E então?

— Paguei-os de meu bolso particular!

A. J. de Araújo Pinho — "O Barão de Cotegipe no Rio da Prata", pág. 85.

O Barão de Cotegipe, cujas previsões políticas lhe deram a fama póstuma de profeta, foi, talvez, a inteligência mais aguda do Segundo Império. Contrário à emancipação dos escravos pelo abalo econômico que essa medida acarretaria, opôs-se quanto pôde à sua execução, observando sempre à Princesa Regente, quando ministro, os riscos de uma providência radical. Feita a abolição em 1888, encontrou-se um dia a Princesa com o velho titular, e interpelou-o, feliz:

— Então, sr. Cotegipe?... A abolição se fez com flores e festas... Ganhei ou não a partida?

O Barão fitou-a, com os seus olhos miúdos e inteligentes.

— É verdade, — confessou. E com tristeza:

— Vossa Alteza ganhou a partida, mas perdeu o trono!...

Um ano depois, proclamava-se a República.

Manuel de Carvalho Paes de Andrade, que havia de ser, depois, a alma da Confederação do Equador, da qual foi o primeiro e Presidente, exercia já uma influência poderosa em Pernambuco quando ali se cogitou do movimento de 1817, sob o patrocínio de Antônio Carlos e do governador José Luiz de Mendonça. O objetivo desse movimento era, porém, apenas, pedir a D. João VI uma Constituição para o Brasil. Paes de Andrade já se não satisfazia, no entanto, nesse tempo, com isso.

— Não basta! — declarou, ao ouvir a proposta dos outros. — República e só República!

E entre o espanto dos que o escutavam:

— Morra para sempre a tirania real!...

J.M. de Macedo — "Ano Biográfico", vol. II, pág. 151.

Em 1850, a enfrentar sozinho a Câmara inteira, Sousa Franco, que ainda não era visconde e falava, apesar de doente, várias vezes por dia, foi atacado da tribuna pelo deputado Aprígio, que procurava fazer espírito com a "unidade oposicionista". A certa altura desse discurso um espectador interrompeu o orador, arremedando o latir de um cachorro. O presidente fez soar a campainha, protestando contra o insulto.

— Sr. presidente, — reatou Aprígio, — foi um aparte do sr. Sousa Franco.

— É engano de V. Excia. — retrucou, prontamente, este.

E revidando o golpe:

— Foi o eco de sua voz.

Ulisses Brandão — "A Confederação do Equador", pág. 287.

João Guilherme Ractcliff, cujo nome se acha tão ligado à história das idéias liberais no Brasil e que foi uma das vítimas do movimento republicano de 1824 em Pernambuco, viu-se condenado à morte, na Corte, a 15 de março de 1825, sendo conduzido à fôrca no dia 17, com os seus dois companheiros de jornada, João Metrowick e Joaquim da Silva Loureiro. No local do suplício tentou falar ao povo, e começou:

— Brasileiros! Eu morro inocente; morro pela causa da razão, da justiça e da liberdade! Praza ao céu que o meu sangue seja o último que se derrame no Brasil e no mundo por motivos políticos...

Ia continuar, mas o padre que o acompanhava pediu-lhe que o não fizesse. Ractcliff atendeu-o, acrescentando, apenas:

— Eu me resigno, e morro pela causa da Liberdade!...

J.M. de Macedo — "Ano Biográfico", vol. II, pág. 498.

Antônio Francisco de Paula e Holanda Cavalcanti de Albuquerque, visconde de Albuquerque, que foi senador de 1838 a 1863, e um dos estadistas do Império que sobraçou maior número de pastas ministeriais, era temido no Senado pela franqueza com que julgava, incisivamente, os homens e os fatos.

Certa vez, em 1848, acabava um dos membros do governo de dar, da tribuna, informações sobre a grave situação do país, quando o visconde se ergueu:

— Senhor presidente! — começou. — O país vai mal, e o seu estado não melhorará enquanto não se enforcar algum ministro. Tenho dito.

E sentou-se.

A. Cerqueira Mendes — "Figuras Antigas", vol. I, pág. 71.

O Visconde de S. Lourenço e o Barão de Cotegipe, dois dos maiores espíritos do Senado do Império, viviam quase sempre em divergência. Certo dia, historiava o primeiro, da tribuna, a sua atuação na política nacional, a sua preocupação em pôr em evidência os homens de real merecimento, quando Cotegipe começou a aparteá-lo.

— Eu também tenho feito o mesmo e, no entanto, só tenho colhido desilusões, — declarou o Barão.

— Mas há uma diferença, — replicou S. Lourenço.

E alteando a voz:

— É que eu tenho criado águias, e V. Excia. perus!

Moreira de Azevedo — "Mosaico Brasileiro"

Era José Maria do Amaral ministro do Brasil no Paraguai, quando, em uma audiência que lhe fora concedida pelo ditador Lopez, com a assistência do respectivo ministro dos Estrangeiros, teve de apresentar uma série de queixas formuladas pelo governo Imperial. Ao expor o caso de mau tratamento dado pelas autoridades paraguaias ao comandante de um navio brasileiro, Lopez o interrompeu, brusco:

— Mente Usted!

José Maria estremeceu com aquele modo de contestar, mas continuou. E o ditador, de novo:

— Mente Usted!

Concluída a exposição, durante a qual Solano Lopez desmentiu quatro ou cinco vezes, sumariamente, o nosso ministro, coube ao ditador a vez de falar. À enunciação, porém, do Primeiro fato, José Maria o interrompeu, claro:

— Mente V. Excia.!

— Como é isso? — bradou Lopez, furioso. — Eu minto? Dizer-me a mim que minto?

— Perdão, Excia., — observou José Maria, respeitoso.

E numa reverência:

— Estou apenas usando uma fórmula da diplomacia paraguaia!

E continuou a desmentir.

Joaquim Nabuco — "Um analista do Império", tomo I, pág. 400.

Era o Marquês do Paraná presidente do Gabinete, quando surgiu a candidatura do seu filho, Honório Carneiro Leão, a deputado geral por Minas Gerais, nas eleições de 1856. Informado do fato, o Imperador, em conversa com o seu ministro, procurou abordar o assunto, fazendo-lhe sentir o inconveniente de apresentar-se como candidato "o filho do presidente do Conselho". Paraná era, porém, orgulhoso demais para deter-se.

— Eu, como Honório Hermeto Carneiro Leão, não preciso do favor do presidente Conselho para eleger um deputado por Minas! — declarou.

Ocorrendo, porém, a sua morte antes do pleito, o seu filho foi estrondosamente derrotado.

J.M. de Macedo — "Memórias da Rua do Ouvidor", pág. 227.

À rua do Ouvidor, entre a atual rua Sachet e a dos Ourives, cortada pela Avenida, havia, outrora, a Livraria Mongie, em frente à qual era estabelecido o cabeleireiro Desmarais.

— Temos os dois a mesma profissão — dizia o livreiro ao seu velho amigo de palestras à porta. — Ambos nós adornamos as cabeças.

E concluía:

— Eu por dentro, e você por fora!

Moreira de Azevedo — "Mosaico Brasileiro", pág. 394.

Nascido em 1835, Antônio Carlos_ de Mariz e Barros, filho do Visconde de Inhaúma, tinha apenas 31 anos e já se havia coberto de glória no Paraguai. A 7 de março de 1866, ao retirar-se o Tamandaré do bombardeio do forte de Itapirú, foi esse navio, do qual era comandante o moço oficial, atingido por uma granada inimiga, cujos destroços mataram e feriram grande número de homens da guarnição._ Com uma das pernas esfacelada, tinha Mariz e Barros de submeter-se a uma amputação, e os médicos pediram-lhe que se deixasse cloroformizar.

— Prefiro um charuto, — declarou, indo, o bravo marinheiro.

E foi fumando, e conversando_ alegre que se deixou amputar.

O terminar, porém, a operação, durante a qual não soltou, sequer, um gemido, cessou de sorrir e começou a empalidecer.

— Digam a meu pai que eu sempre honrei o seu nome, — pediu, em despedida, às mãos amigas que lhe eram estendidas.

E pendeu a cabeça, morto.

Melo de Morais Filho — "Artistas do meu tempo", pág. 175.

Após uma juventude acidentada e boêmia, que se comprazia em ferir os outros com as flechas de ouro da ironia, Laurindo Rabelo sentiu o coração tocado por uma funda simpatia pela moça que veio a ser depois sua esposa. Casou-se. E a modificação que sofreu, pelo menos por algum tempo, foi completa. Abandonou as rodas brejeiras, pôs de parte o costume de despertar inimizades. Até o violão, seu companheiro de infância, foi posto à margem. Os amigos interpelavam-no sobre mudança tão brusca. E ele respondia, rindo:

— Case-se o mar, que o mar ficará manso!

A. Cerqueira Mendes — "Figuras Antigas", vol. I.

O arcipreste da Sé de São Paulo, Joaquim Anselmo de Oliveira, era não só desabusado como espirituoso. Após uma vida acidentada, já na velhice, embarcou para o Rio de Janeiro afim de ser operado da catarata que lhe ia empanando a vista.

No dia seguinte ao da operação, Hilário de Gouveia, o operador, aproximou-se dele, que se achava de olhos vendados.

— Sente-se feliz? — perguntou.

— Muito! — retrucou o sacerdote. — E compreende bem que há razão para isso.

E prevendo o insucesso da intervenção cirúrgica:

— Vazam-me o olho por dois contos de réis! É barato!

Moreira de Azevedo — "Mosaico Brasileiro", pág. 156. Este episódio é dado, também, como ocorrido com Floriano Peixoto. Domingos Barbosa ("Silhuetas", pág. 46), e atribui, por sua vez, ao Conselheiro Gomes de Castro.

Era Álvares Machado presidente do Rio Grande do Sul em 1840, quando se apresentou em palácio um indivíduo de boas maneiras que lhe ia dar parabéns pela investidura e, ao mesmo tempo, pedir-lhe um emprego. Desejava, porém, que o lugar fosse de representação, bem remunerado e de pouco trabalho.

— Pois, não, meu caro senhor; pois, não, — prometeu o presidente. — O segundo que eu descobrir nessas condições será seu.

— O segundo? e por que não o primeiro?

E Álvares Machado:

— Porque, andando eu há muito tempo atrás de um emprego desses, o primeiro, naturalmente, será meu!

Múcio Teixeira — "O Imperador visto de perto", pág. 192.

Era Múcio Teixeira cônsul geral do Brasil na Venezuela, quando ali chegou a notícia da proclamação da República. Ao penetrar no palácio do governo, onde fora pedir o seu "exequatur", o presidente da Venezuela, dr. Rojas Paul, encaminhou-se para ele, dizendo:

— "Señor Consul Geral do Brasil, pida a Dios que su Patria, que ha sido gobernada durante medio siglo por un sabio, no sea de hoy por delante llevada por el tacón del primero tirannelo que el ejercito le presente".

E abraçando-o, comovido:

— "Se ha acabado la unica Republíc; que existia en America: el Imperio del Brasil!"

Presenciado pelo colecionador.

Na sala de espera da Academia Brasileira de Letras, no "Petit Trianon", um visitante falava mal dos mineiros, em geral, e acentuava:

— Eu tenho tanta prevenção com mineiro, que, havendo uma sobrinha minha, a quem muito estimo, contraído casamento recentemente com um rapaz de Juiz de Fora, cortei inteiramente relações com ela. O mineiro tem todos os defeitos e o principal é furtar nos negócios em que se mete.

O general Lauro Müller, que se achava próximo, e que, como se sabe, era catarinense, não se conteve:

— Pois olhe, meu caro amigo, — interveio, mesmo sem conhecer o sujeito; — sabe de uma cousa? O senhor ainda vai ser muito amigo desse mineiro, porque fique certo que ele vai tratar muito bem a sua sobrinha.

— Eu, amigo de um homem que furta?

— Sim, senhor, — tornou Lauro Müller. Porque, o brasileiro, em geral, furta da família para lançar fora; ao passo que o mineiro, se furta, como o senhor diz...

E com entusiasmo:

— Furta para a família!

Moreira de Azevedo — "Mosaico Brasileiro", pág. 145.

Era o Dr. João Gomes de Campos juiz na Corte, quando se apresentou na sua casa uma titular de grande estalão com uma carta de empenho, para que lhe fosse favorável no julgamento de uma causa.

— Minha senhora, tenha a bondade de abrir essa gaveta, — pediu o magistrado.

A dama puxou a gaveta, que se achava repleta de cartas para abrir.

— Que viu aí, minha senhora?

— Cartas; muitas cartas, ainda fechadas, dirigidas a V. Excia.

— Pois, deite a sua aí, minha senhora.

— Mas, Sr. Desembargador...

— Perdoe-me, minha senhora; tenho feito isso aos pobres e não posso ser mais generoso com os ricos.

E de pé, para despedi-la:

— A lei, minha senhora, é a melhor carta de empenho que me podem apresentar.

Moreira de Azevedo — "Mosaico Brasileiro", pág. 151.

Era o capitão-tenente Bento José de Carvalho, irmão do Visconde de Inhaúma, comandante da corveta Isabel, quando esta naufragou, em 1859, nas costas de Marrocos.

O sinistro ocorreu durante uma tempestade. As ondas, enormes e furiosas, varriam o navio, quando este, rebentado o casco e partidos os mastros, começou a afundar-se.

— A vida de um comandante, depois do naufrágio, é fardo que não se deve disputar às ondas! — gritou, em desespero, o bravo marujo.

E atirou-se ao abismo.

A. J. de Araújo Pinho — "O Barão de Cotegipe no Rio da Prata", pág. 8.

O Barão de Cotegipe, com a sua preciência política, foi, pode-se dizer, o piloto avisado da marcha da monarquia. Pelos acontecimentos de que era testemunha, previa aqueles que se avizinhavam. Pelo vôo das gaivotas conhecia a aproximação da tormenta.

Em maio de 1888, comentando a abolição, previu que, dentro de pouco tempo, se iniciaria para o país uma fase revolucionária, a qual traria a nação convulsionada por muito tempo. E como alguns colegas, sorrissem, voltou-se para eles, exclamando, em tom profético:

Se eu me engano, lavrem na minha sepultura este epitáfio: "O chamado no século Barão de Cotegipe, João Maurício Wanderley, era um visionário"!

Moreira de Azevedo — "Mosaico Brasileiro", pág. 161.

Álvares de Azevedo foi, talvez, o talento mais precoce que o Brasil já produziu. Nascido a 12 de setembro de 1831, faleceu a 25 de abril de 1852, contando, portanto, pouco mais de 21 anos, — o que não obstou nos tivesse deixado uma obra poética imperecível.

Ao sentir a aproximação da morte, que lhe vinha prematura em conseqüência da vida boêmia em que consumia a mocidade, pediu Álvares de Azevedo à sua mãe que se retirasse, ergueu-se no leito, encostou a cabeça ao peito do irmão, e, tomando a mão do pai, beijou-a com ternura.

— Que fatalidade, meu pai! — murmurou.

E fechou os olhos, para sempre.

Humberto de Campos — Discurso de recepção na Academia Brasileira de Letras, maio de 1920.

Uma tarde, estava Emílio de Menezes à porta da confeitaria Pascoal, em companhia de um amigo, quando passou pela calçada, arrogante, charuto ao queixo, um cavalheiro de alta representação, conhecido na cidade pela sua aversão ao pagamento das dívidas. Ferido pela soberba do tipo, Emílio voltou-se para o companheiro, perguntando-lhe, à queima-roupa:

— Em que se parece aquele sujeito com um botão?

O outro não atinou com a chave do enigma, e ele completou, perverso:

— É que ele também não paga a casa em que mora...

Ernesto Sena — "Notas de um Repórter", pág. 164.

Estava o conselheiro Ferreira Viana uma tarde na Câmara dos Deputados, quando se aproximou do seu grupo um antigo político e homem de letras diversas vezes incluído na lista senatorial, e sempre atirado à margem. Talentoso, mas avarento, o recém-chegado vestia um paletó cheio de manchas à altura dos quadris, onde de vez em quando esfregava as mãos.

Com a sua jovialidade habitual, Ferreira Viana perguntou-lhe:

— Que é isto, Fulano?

— Não é nada... Não é nada... — respondeu o outro, com mau humor.

— Ah, já sei! já sei! riu o conselheiro, sem se desconcertar.

E ferino:

— São sinais dos varais da liteira da gente que tens conduzido para o Senado!

Afonso celso — Discurso na Academia Brasileira de Letras.

Era Raimundo Correia estudante em S. Paulo quando mandou fazer, para uma festa na Faculdade, um terno novo. Faltava-lhe, porém, o chapéu, e os companheiros de "república" — Valentim, Afonso Celso, Silva Jardim e Assis Brasil — resolveram oferecer-lhe um chapéu novo.

No dia seguinte, apareceu Raimundo na Faculdade, com a roupa nova e o chapéu velho.

— E o chapéu novo? — indagaram os colegas.

— Está em casa.

E confessou, a voz comovida:

— Eu vinha saindo com o que vocês me deram quando olhei para o cabide. Lá estava o chapéu velho; mas tão triste, tão descorado, que me meteu pena. Parecia dizer-me: "É assim, não é ?" Para as aulas, para o trabalho, para a chuva, sou eu; para as festas, fico eu aqui, e vai o outro, unicamente porque e novo'! Fiquei sensibilizado, pendurei lá o outro, e vim com ele.

E beijando o velho feltro:

— Tão meu amigo, coitado!...

Ernesto Sena — "Notas de um Repórter", pág. 162.

Era o conselheiro Ferreira Viana ministro do Império, quando, em visita à Casa de Correção, teve a sua atenção solicitada por um rapaz de maneiras distintas, fisionomia simpática, mas triste, que lhe pedia licença para duas palavras.

— Então, qual o seu crime? indagou Ferreira Viana, com o seu ar bonachão.

— Senhor, eu abusei da honestidade de uma menor.

— A quantos anos de prisão foi condenado?

— A quatro; já aqui estou há dois, e faltam-me ainda dois. Se, porém, V. Excia. quiser proteger-me, obtendo o meu indulto, eu me comprometo a casar com a ofendida.

— Olhe, quer um bom conselho, um conselho de amigo? — observou-lhe Ferreira Viana, com interesse.

E batendo-lhe no ombro, paternal:

— Cumpra o resto da pena...

Anedota corrente, confirmada ao colecionador por Olavo Bilac e Coelho Neto.

Conversava-se, uma vez, em um grupo de homens de letras, sobre Euclides da Cunha, que acabava de publicar os Sertões, quando Joaquim Nabuco, que lhe censurava o estilo retorcido, opinou:

— É um grande escritor, concordo.

E num gesto de desagrado:

— É pena que escreva com cipó...

Ernesto Sena — "Notas de um Repórter", pág. 164.

Católico praticante, verdadeiro frade leigo, o conselheiro Ferreira Viana residia, mesmo quando ministro do Império, em unia cela do convento de Santo Antônio, onde os religiosos o tinham como companheiro. Certa vez, em palestra à mesa, frei João Costa, membro da confraria, começou a enumerar as pessoas que tendo residido naquela casa de Deus, tinham dali saído para ser ministros ou para outros cargos importantes.

— Frei João, frei João, fale baixo! — pediu Ferreira Viana, com ares misteriosos. E olhando em torno:

— Não conte isso lá fora, senão toda essa gente se vem meter aqui no convento!...

J.M. de Macedo — "Ano Biográfico", vol. I, pág. 312.

O dr. Antônio Ferreira França, que foi deputado geral pela Bahia em quatro legislaturas, entre 1823 e 1837, era não só um dos oradores mais espirituosos da Câmara como um dos médicos mais ilustres do seu tempo. Sentindo-se Pedro I doente, ordenou que chamassem o médico baiano, o qual compareceu prontamente. No correr da visita, o imperial enfermo sentiu sede, e o dr. França, que nada entendia da etiqueta da Corte, encheu um copo dágua, e ia dar-lhe, quando um dos camaristas o deteve, brusco, dizendo-lhe que não lhe cabia aquela honra, que só a ele competia dar água ao Imperador. O dr. Ferreira desculpou-se quanto pôde e, voltando ao Paço no dia seguinte, sucedeu que estando sozinho com o monarca, este manifestasse desejo de verter água. O "criado-mudo" estava ao alcance da mão, mas o dr. França resolveu vingar-se; correu à porta do quarto, abriu-a, e, as mãos em concha, gritou para o corredor:

— Quem é o do vaso?!... Venha, quem é o do vaso!...

Ernesto Sena — "Notas de um Repórter", pág. 185.

Após a sua entrada para a pasta da Fazenda, havia o conselheiro Francisco Belisário Soares de Sousa recorrido, já, três vezes, ao crédito do país no estrangeiro, quando, ao passar um dia pela rua do Ouvidor, ouviu que alguém o saudava, alto:

— Bom dia, sr. Conselheiro, meu amigo e colega!

O ministro voltou-se, e, vendo Paula Ney, de chapéu na mão, numa reverência, correspondeu, atrapalhado, ao cumprimento.

E Ney, logo, com o mesmo sorriso:

— Colega, sim... Porque... V. Excia. Também não vive de empréstimos?

Melo de Morais Filho — "Artistas do meu tempo", pág. 182.

De origem cigana, Laurindo Rabelo tinha de ser, e era, fatalista. Semanas antes da sua morte, era comum ouvi-lo dizer, com profunda convicção:

— Deixarei de existir no dia e mês em que morreu meu pai.

E assim sucedeu, efetivamente. No dia em que tinha de fechar os olhos, pediu que chamassem um padre, pois desejava receber a extrema unção. Este compareceu, e o poeta, sabendo-o no compartimento anexo, abraçou a esposa, pedindo-lhe:

— Lê para mim a oração dos agonizantes.

E após a leitura, afagando-a:

— É bom que eu morra primeiro, para te ensinar como se morre...

Ernesto Sena — "Notas de um repórter", pág. 186.

Paula Ney, o maior desperdiçador de talento que o Brasil já possuiu, não perdoava os seus desafetos e, ainda menos, as nulidades pretensiosas que prosperavam no seu tempo. Conservava-se, uma tarde, em um grupo na rua do Ouvidor, sobre o prestígio da imprensa, quando um presentes, que se dizia jornalista, aventurou, acaciano:

— A imprensa é um grande corpo...

— É... é... — atalhou Paula Ney, piscando por trás do "pince-nez". — A imprensa é um grande corpo. Mas você, nesse corpo...

E sem temer a reação:

— É o calo do dedo mínimo do pé esquerdo!...

Contada ao colecionador.

Eleito o conselheiro Rodrigues Alves, em 1918, para a presidência da República, mandou chamar ao seu leito de enfermo o dr. Artur Neiva, então diretor da Higiene de S. Paulo, perguntando-lhe se aceitava, no seu governo, a direção da Saúde Pública.

— E eu tenho que deixar a Higiene aqui em S. Paulo? — indagou o convidado, que é fanático pelo Estado natal.

— Naturalmente.

— Então, V. Excia. me perdoe mas eu não aceito. O meu cargo, aqui, é mais honroso do que qualquer outro.

E numa definição do Brasil, que fez sorrir de vaidade o velho presidente paulista:

— S. Paulo, sr. conselheiro, é uma locomotiva poderosa, arrastando vinte vagões vazios!

Ernesto Sena — "Notas de um Repórter", pág. 229.

Era Prudente de Morais presidente da República, e Morais e Barros, seu irmão, senador por São Paulo, quando, uma tarde, se encontraram na rua do Ouvidor, a um mesmo tempo, este último e os deputados Augusto de Freitas, da Bahia, e Prisco Cavalcante, de Minas. Como o paulista e o mineiro não se conhecessem, Augusto de Freitas fez as apresentações:

— O deputado Prisco Cavalcante, de Minas... O senador Morais e Barros, irmão do sr. Prudente de Morais...

— Perdão! — protestou Morais e Barros, com gravidade. — Eu sou seu irmão mais velho.

E circunspecto:

— Prudente é que é meu irmão...

Assis Cintra — "Mentiras Históricas", pág. 95.

Quando Deodoro da Fonseca, destacado para Mato Grosso pelo governo imperial, regressou ao Rio, estava no poder o gabinete Ouro-Preto, formado a 7 de junho de 89.

Ferido na sua dignidade de militar e de amigo do trono, o velho soldado não parecia surdo, dessa vez, ao apelo dos seus camaradas, que o queriam pôr à frente de um movimento republicano.

A trama transpirou, e foi levada ao conhecimento de Ouro-Preto, que sorriu.

— Movimento republicano? — estranhou.

E com desprezo:

— Os netos dos nossos netos, serão governados pelos netos de Sua Majestade.

J.M. de Macedo — "Ano Biográfico", vol. III, pág. 48.

Italiano, embora, de nascimento, Libero Badaró sente-se, ao chegar ao Brasil, atraído pela grande luta que então se travava pela nacionalização do Império nascente. Arrebatado por uma das torrentes de paixões, funda, com outros, em S. Paulo, o Observador Constitucional, que exerce, de pronto, enérgica influência sobre a opinião pública.

Na noite de 30 de novembro de 1830 sai Badaró da residência de um amigo quando, na esquina, é assaltado por dois indivíduos embuçados, os quais o alvejam com tiros de pistolas.

Ferido gravemente, é levado para casa. Cercam-no amigos, discípulos, companheiros. Querem operá-lo, mas ele opõe-se. Médico, sabe que o ferimento é de morte.

Aproxima-se a agonia. Badaró ergue-se, então, em um dos cotovelos, e exclama, como iluminado:

— Morre um liberal, mas não morre a liberdade!

Coelho Neto — "A Conquista", pág. 44.

Era no Rio antigo, primeiros dias da República, últimos dias da Monarquia. Entrava Paula Ney no teatro Santana, quando foi abordado por duas mundanas, antigas atrizes, que o arrastaram para uma das mesas vazias afim de que lhes pagasse alguma coisa.

O boêmio não se fez rogado. Sentou-se entre as duas raparigas, e, batendo, forte, com a bengala na mesa de estanho, chamou:

— "Garçon"!... "Garçon"!

E à aproximação do empregado:

— Mercúrio, para três!

  • Moreira de Azevedo — "Mosaico Brasileiro", — Ed. B. L. Garnier, Rio de Janeiro.
  • Frei Vicente do Salvador — "História do Brasil" — Weiszflog Irmãos — S. Paulo, 1918.
  • Tobias Monteiro — "Pesquisas e Depoimentos" — Livr. Francisco Alves — Rio de Janeiro, 1913.
  • Tobias Monteiro — Artigo no "O Jornal" — Rio de Janeiro, dezembro de 1925.
  • Joaquim Manuel de Macedo — "Ano Biográfico Brasileiro", Tipografia do Instituto Artístico — Rio de Janeiro, 1876.
  • Joaquim Manuel de Macedo — "Memórias da Rua do Ouvidor" Rio de Janeiro, ed. Garnier.
  • Visconde de Taunay — "Reminiscências" vol. I — Companhia de Melhoramentos de S. Paulo — S. Paulo, 1923.
  • Visconde de Taunay — "Homens e Coisas do Império" — Cia. de Melhoramentos de S. Paulo — S. Paulo, 1924.
  • Visconde de Taunay — "Trechos da minha vida" — Companhia de Melhoramentos de S. Paulo — S. Paulo, 1922.
  • Ernesto Sena — "Deodoro" — Rio de Janeiro, 1913.
  • Ernesto Seco — "Notas de um Repórter" — Ed. do "Jornal do Comércio" — Rio de Janeiro, 1895.
  • Melo Moreis Filho — "Artistas do meu tempo" — H. Garnier, Rio de Janeiro, 1904.
  • Ernesto Matoso — "Cousas do meu tempo" — Imprimeries Gounouilhon, Bordéus, 1916.
  • Araújo Pinho — "O Barão de Cotegipe do Rio da Prata" — Bahia, 1916.
  • Serzedelo Correia — "Páginas do Passado" — Rio de Janeiro, 1919.
  • Ulisses Brandão — "A Confederação do Equador" Pernambuco, 1924.
  • Artur de Cerqueira Mendes — "Figuras Antigas" — São Paulo, 1927.
  • Vieira Fazenda — "Antiqualhas e Memórias do Rio de Janeiro". — Ed. do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro — Rio de Janeiro, 1921.
  • Alfredo Pujol — "Machado de Assis" — Tipografia Brasil — S. Paulo, 1917.
  • Domingos Barbosa — "Silhuetas" — Imprensa Oficial — Maranhão, 1911.
  • Assis Cintra — "Mentira" Históricas" — Livraria Leite Ribeiro — Rio de Janeiro, 1922.
  • Joaquim Nabuco "Um estadista do Império: Nabuco de Araújo" — Ed. H. Garnier — Rio de Janeiro
  • Magalhães de Azeredo "D. Pedro II" — Rio de Janeiro, 1923. Humberto de Campos "Carvalhos e Roseiras" — Livraria Leite Ribeiro — Rio de Janeiro, 1923
  • Humberto de Campos — "Da Seara de Booz" — Livraria Leite Ribeiro — Rio de Janeiro, 1918
  • Antônio Ribas — "Perfil de Campos SaIes" — Tipografia Leuzinger — Rio de Janeiro, 1896
  • Múcio Teixeira — "Os Gaúchos" — Livraria Leite Ribeiro — Rio de Janeiro, 1920
  • Múcio Teixeira — "O Imperador visto de perto" — Livraria Leite Ribeiro — Rio de Janeiro, 1917
  • João Luso — "Elogios" — "Renascença Portuguesa" — Porto, 1917
  • Frei Gaspar da Madre de Deus — "Memórias para a história da Capitania de S. Vicente" — Weiszflog Irmãos — S. Paulo, 1920
  • Jean de Lery — "História de uma viagem à terra do Brasil" — Ed. modernizada Companhia Editora Nacional — S. Paulo, 1926
  • Barbosa de Godói — "História do Maranhão" — Ed. Ramos de Almeida — Maranhão, 1904
  • Raul Fernandes — Discurso publicado no "Jornal do Comércio", 1924
  • Aluísio de Castro — "Revista da Academia Brasileira de Letras" — Rio de Janeiro, 1918
  • Amadeu Amaral — "Revista da Academia Brasileira de Letras", — Rio de Janeiro, 1919
  • Salvador de Mendonça — Artigos no "O Imparcial" — Rio de Janeiro, 1913
  • Coelho Neto — "Revista da Academia Brasileira de Letras" — Rio de Janeiro, 1918
  • Osvaldo Cruz — "Revista da Academia Brasileira de Letras" — Rio de Janeiro, 1913
  • Augusto de Lima — "Revista da Academia Brasileira de Letras" — Rio de Janeiro, 1921 a 1923
  • Mário de Alencar -— "Revista da Academia Brasileira de Letras" — Rio de Janeiro, 1912
  • Faria Neves Sobrinho — Artigo na "A Manhã" — Rio de Janeiro, 1927
  • José Moriano Filho — Artigo no "O Jornal" — Rio de Janeiro, 1927
  • Afonso Arinos — "Revista da Academia Brasileira de Letras' Rio de Janeiro, 1912
  • Alberto Rangel — "Pedro I e a Marquesa de Santos" — Livraria Francisco Alves — Rio de Janeiro, 1916
  • Alberto Rangel — "ln Memorian de Euclides da Cunha" — Rio de Janeiro, 1919
  • Cândido Freire — Artigo na "Revista do Brasil", n° 6 — São Paulo, 1920
  • Afonso Celso — "Revista da Academia Brasileira de Letras" — Rio de Janeiro, 1915
  • Moreira Guimarães — Artigo no "O Jornal" — Rio de Janeiro, dezembro de 1925
  • Araripe Júnior — "Revista da Academia Brasileira de Letra" — Rio de Janeiro
  • Henrique Marinho — "O Teatro Brasileiro" — Edição Garnier — Rio de Janeiro
  • Ferreira da Rosa — Artigo no "O Jornal" — Rio de Janeiro, dezembro de 1925
  • Rodrigo Otávio — "Revista da Academia Brasileira de Letras" — n.0 27 — Rio de Janeiro
  • Gustavo Barroso — "Revista da Academia Brasileira de Letras" — Rio de Janeiro, 1923
  • Osório Duque-Estrada — "Revista da Academia Brasileira de Letras" — Rio de Janeiro, 1914
  • Barão do Rio Branco — Comentários à "História da Guerra do Paraguai", na "Revista Americana", 1912
  • Oliveira Lima — Artigo no "O Jornal" — Rio de Janeiro — 1925. Couto de Magalhães — "Viagem ao Araguaia" — Tipografia Espíndola, Siqueira & Cia. — 5. Paulo, 1902
  • Pires Brandão — Artigo no "Correio da Manhã" — Rio de Janeiro, dezembro de 1925
  • Paulo Barreto — "Revista da Academia Brasileira de Letras — Rio de Janeiro, 1912
  • Alberto Faria — Conferência no Museu Histórico, na "Revista da Academia Brasileira de Letras" — Rio de Janeiro, 1924
  • Antônio Austregésilo — "Revista da Academia Brasileira de Letras" — Rio de Janeiro, 1913
  • Constâncio Alves — "Revista da Academia Brasileira de Letras" — Rio de Janeiro, 1924
  • Barão de Te/é — "Revista da Semana", n.0 28 — Rio de Janeiro, 1925
  • Adelmar Tavares — "Revista da Academia Brasileira de Letras" — Rio de Janeiro, 1926. Anais do Senado
  • Anais da Câmara dos Deputados