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Anexo:Imprimir/História das Psicoterapias e da Psicanálise

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Índice

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A psicoterapia e sua história

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A gênese da psicanálise

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Princípios básicos de psicologia no terreno da psicanálise

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A teoria freudiana de libido e da sexualidade

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Personalidade, instintos e emoções

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Natureza, interpretações e elaboração dos sonhos

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O Ego contrariado e suas defesas

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Psicopatologia, diagnóstico e psicoterapia em psicanálise

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Psicoterapias fora da psicanálise

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A psiquiatria e seus métodos

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1) Admitimos que na atualidade existe ainda uma enorme confusão na terminologia própria e específica dentro do campo das doenças mentais e sua terapia. Devemos, portanto, fixar de antemão o significado exato de algumas das palavras mais usadas nos tratados específicos, e de como nós as entendemos.

Etimologicamente, as palavras psiquiatria e psicoterapia, derivadas dos termos gregos psiche = alma e iatreia e terapia que significam cura ou tratamento, vem ter o mesmo e idêntico significado. O tratamento ou cura das doenças da alma, em contraposição do tratamento e cura das doenças do corpo, de que trata a medicina geral e somática. Para os que não acreditam na existência da alma e preferem falar apenas em psiquismo, significariam o tratamento ou cura das doenças da mente ou psíquicas.

Historicamente falando, existe, na ordem prática, uma diferença essencial entre ambas, pelo menos no que respeita aos meios usados no tratamento dessas doenças, ou também no que respeita aos subtipos ou classes das doenças de que cada uma deve limitar-se a tratar.

Nós entendemos (e achamos que assim deveria ser entendido) por Psicoterapia: "A ciência ou arte de tratar e resolvermos problemas ou distúrbios psíquicos (mentais, emocionais e psicossomáticos), por meios ou procedimentos exclusivamente psíquicos". E por Psiquiatria entendemos: "A ciência ou arte de curar as doenças mentais, quando orgânicas, por meios ou procedimentos exclusivamente físicos". A Psicoterapia e a Psicopatologia devem ter como campo próprio e específico as doenças ou distúrbios "cujas causas patológicas sejam exclusivamente psíquicas ou emocionais", que são doenças de tipo funcional sem nenhuma perturbação orgânica. Por sua vez, a Psiquiatria deveria ter por campo específico o das doenças e distúrbios mentais (ou cerebrais) "cujas causas patológicas sejam mais de origem orgânica envolvendo, como resultado, certa disfunção mental ou comportamental".

Academicamente, a Psiquiatria científica dos últimos séculos precedeu à Psicoterapia moderna dos últimos decênios, nasceu dentro da Medicina acadêmica e oficial, foi considerada até agora como o único tipo válido de terapia mental e tem sido praticada pelo médico especialista em doenças mentais (cerebrais, eles dizem) como um ramo especializado da medicina organocista. Inversamente, a Psicote-rapia moderna, que também pretende considerar-se científica é de origem totalmente recente, nasceu e se conservou até agora à margem e fora do âmbito acadêmico-universitário, obstaculizada, ridicularizada e negada a sua validez, tanto pela Medicina como pela Psicologia oficiais, que a consideravam ainda como um remanescente das antigas práticas mágico-místico-religiosas. As mesmas, Medicina e Psicologia oficiais, que ainda lhe têm fechadas as portas universitárias e das quais, uns poucos expoentes a querem monopolizar exclusivamente.

Mas, independentemente da Psiquiatria médica e da Psicologia Clínica a Psicoterapia moderna, especialmente sob a forma mais concreta da Psicanálise, tem tomado corpo científico, durante estes últimos cinqüenta anos e hoje começa a ser estudada e disputada igualmente pelo especialista médico-psiquiatra e pelo especialista psicólogo-clínico, que exclusivamente querem incorporá-la a suas respectivas áreas ou matérias, no entanto, a maioria dos médicos e psicólogos continuam negando-lhe validez científica e eficiência terapêutica.

Todavia, considerada em toda a sua amplitude de: "Tratamento dos distúrbios psíquicos por meios exclusivamente psíquicos", a Psicoterapia não pode ser restrita nem ao conceito ou fórmula da Psiquiatria acadêmica, nem ao limitado campo da Psicologia clínica ou mera Psicologia de Aconselhamento, nem sequer ao campo muito específico da Psicanálise terapêutica. Pois, seu amplo conceito se estende muito além através da Hipnologia, da Religião, da Parapsicologia e outros muitos métodos eficientes e paralelos que, aos poucos, vão sendo incorporados ao vasto patrimônio da Ciência.

Essa distinção e luta de conceitos entre a Psicoterapia e a Psiquiatria aparecerá mais clara através da história secular de ambas.

2) No passado longínquo e multimilenar, se os espíritos maus ou demônios foram inicialmente tomados como os responsáveis e "verdadeiras causas" etiológicas de todas as doenças humanas, devemos admitir como inteiramente certo que o EXORCISMO foi também a primeira "terapia" aplicada pelo homem primitivo para curá-las. E sempre houve entre os homens de todos os tempos a classe infeliz dos doentes mentais, que, a uma só vez, eram temidos, admirados, ridicularizados, lamentados ou mesmo torturados, mas muito raramente "curados". A tentativa de curá-los, igual que aos demais doentes, iniciou-se, no passado pré-histórico, com os médicos-feiticeiros e médicos-sacerdotes e foi continuada, nas épocas históricas, por sacerdotes-médicos, médicos-cirurgiões, filósofos, cientistas-psiquiátricos e cientistas-psicoterápicos.

O homem primitivo sabia de fato que o ferimento produzido por uma arma ou uma pedrada era devido a algum de seus inimigos conhecidos e visíveis. De maneira semelhante devia pensar que outros ferimentos e doenças, sem causa aparente, como os ferimentos por causa de quedas acidentais, uma hemorragia nasal, uma inflamação maxilar, uma cegueira adquirida, etc., tinham que ser provocadas necessariamente por outros inimigos invisíveis. Quanto às doenças mais misteriosas e de causas menos evidentes, como certas febres e cólicas ou mesmo os incompreensíveis distúrbios mentais, forçosamente tinha que supô-los como oriundos de seus temidos inimigos invisíveis, os muitos espíritos malignos , que sempre o rodeavam. Para curar as primeiras o médico feiticeiro ou sacerdote empregavam a "magia e feitiçaria" e contra as segundas usavam as práticas mágico-religiosas do tipo exorcismos, os rituais mágicos e os "encantamentos", utilizando a oração, a súplica, o apelo, a reverência, o sacrifício, o apaziguamento e mesmo o suborno e a intimidação. Se entendermos todos estes tipos de tratamento como outras tantas tentativas de mudar psicologicamente o comportamento dos causadores das doenças, bem como suas malévolas conseqüências nas atitudes e comportamento dos doentes, compreenderemos facilmente o fato de que a PSICOTERAPIA tenha surgido, historicamente, como a mais antiga das especializações médicas. Em certo modo, a medicina primitiva pode considerar-se principalmente como psicoterapia primitiva, tendo em vista não encontrarmos, naqueles tempos, nenhuma separação entre sofrimento mental e físico, como também não havia nenhuma distinção entre medicina, magia e religião. Hoje já sabemos como identificar muitos dos antigos demônios e espíritos malignos com os modernos complexos psíquicos da Psicanálise. A terapia religiosa e mágica de outrora era, pois, uma verdadeira Psicoterapia.

3) De fato, nas sociedades primitivas, os homens que ostentavam certos poderes misteriosos como adivinhar e prever a chuva ou a vitória numa guerra, tinham também a tarefa de curar os doentes. Temidos ou admirados e reverenciados, os médicos-feiticeiros e médicos-sacerdotes tornavam-se pessoas mais influentes e, freqüentemente até chefes da tribo, do clã ou da pequena sociedade, e nas culturas mais adiantadas chegavam a constituir uma classe de elite, tão mais seleta, quanto de cultura mais elevada.

Uma das mais antigas civilizações da história escrita foi a da Babilônia contemporânea do Egito pré-dinástico de 4.000 anos a.C. Numa cultura bastante avançada como essa, os médicos babilônios foram os sacerdotes Assipu, que ensinavam como mestres nas cidades de Babilônia e Nínive e tinham a seu cargo a cura dos doentes. Mas tais médicos-sacerdotes tratavam somente das doenças misteriosas internas e especialmente das doenças mentais, que já naquele tempo eram atribuídas à possessão demoníaca e curadas por métodos mágico-religiosos. Muito entretidos nesses mistérios do mundo patológico "sobrenatural", não tinham tempo e até se sentiam rebaixados se precisavam tratar das anormalidades patológicas externas, como as causadas por ferimentos, etc. Por isso, a seu lado, surgiram os médicos-leigos chamados Asu ou A-zu, que estavam encarregados de tratar das doenças externas (somáticas), empregando meios físicos e naturais, ainda que freqüentemente precisassem reforçar também seus tratamentos por meio de encantamentos mágicos, que consideravam mais eficientes que as drogas e processos cirúrgicos.

Deste ponto de vista, conclui o historiador psiquiatra, Dr. Sigerist: "A medicina mesopotâmica era uma medicina, sobretudo psíquica ou psicossomática em todos os seus aspectos", uma vez que o "encantamento" resultava em um poderoso instrumento de ação psicológica ou psicoterápica, e era tomado como o principal elemento da cura. Tratando-se de aspectos doentios de tipo misterioso, no mundo primitivo que ainda caracterizava estas civilizações, Caldéia e Babilônica, e onde abundava a magia e a visão espantosa de inúmeros espíritos malignos sempre em roda dos homens, colocados de emboscada e sempre dispostos a perturbar a seus inimigos, a mais leve indisposição era uma ameaça de morte, que era necessário prevenir ou curar mediante as práticas mágicas. Mas a coisa adquiria um volume extraordinário quando se tratava de sintomas dramáticos, como as vertigens, convulsões, ataques epiléticos, coma, transe sonambúlico, escurecimento da visão, dor de cabeça, visões e alucinações, fantasmas, delírios, etc., quando a idéia de possessão diabólica, destrutiva e perturbadora, se fazia obsessiva da mente infantil daqueles povos. Tais perturbações eram sempre tomadas como sinal inconfundível de que a pessoa estava possuída pelo espírito mau. E ser possuído por tais espíritos era uma condição tão temível e séria como que era considerada a causadora de dores intoleráveis, doenças mentais e até da própria morte. Nestas circunstâncias, não seria de estranhar que o homem tentasse as mais drásticas medidas de cura, inclusive a cirurgia. E como é do conhecimento dos antropólogos, esse tipo de cirurgia era comum no mundo inteiro e estava ligado à magia, como uma forma de exorcismo. A sangria e a trepanação eram praticadas, naquelas épocas, segundo provas bem conclusivas, sob a crença de que elas abriam canais e portas para a libertação dos espíritos malignos e intrusos. Aliados estes processos físicos (psiquiátricos) aos rituais de encantamento e condicionamento sugestivo (psicoterápico), produziam, com bastante freqüência, os efeitos de cura desejados. São essas as duas primeiras manifestações dos dois processos multiseculares da cura mental: o psiquiátrico e o psicoterápico.

4) Embora entre os médicos-sacerdotes do Egito predominasse o misticismo e a medicina mágica do encantamento, sua ligação com as culturas africanas de maior contato com a natureza fez com que a medicina física se desenvolvesse muito mais do que nas outras culturas antigas. Entre outras fontes, o célebre papiro de Ebers representa a medicina psicoterápica, abundando em fórmulas de encantamento religioso e ritual mágico próprias das doenças internas, cuja verdadeira etiologia lhes era desconhecida. No mesmo papiro, se faz menção, também, às práticas hipnóticas nos santuários egípcios, como poderoso recurso psicoterápico de enorme influência naquela época, como o tem sido nas épocas posteriores da história.

Mas ao mesmo tempo, o não menos famoso papiro médico de Smith descreve por primeira vez o cérebro como sendo a "sede das funções mentais" detendo-se na descrição de longas fórmulas farmacológicas bem como dos processos cirúrgicos. Embora ainda envoltos em certo misticismo mágico, alguns processos de psiquiatria física já começavam a ser empregados. Assim, a doença mental do endemoniado era aliviada, segundo acreditavam, mediante a trepanação, que vinha abrir "uma porta no cimo da cabeça para dar saída ao espírito perturbador" e da mesma maneira acreditavam que os sintomas da histeria eram devidos à má posição do útero (hysteron) em algumas mulheres, distúrbios que tratavam de corrigir, "fumigando a vagina com o fim de atrair o útero errante para a sua posição certa e natural". Eis por primeira vez na história da Medicina, frente a frente os dois processos, secularmente rivais: a Psicoterapia mágico-místico-religiosa (mas psíquica) e a Psiquiatria física e racional, claramente documentados.

5) Para sermos mais breves deixaremos de lado as práticas psicoterápicas dos médicos-sacerdotes, mágicos e feiticeiros, dos povos persa, hindu e chinês, de menor influência e significado no desenvolver da cultura ocidental, e que culminaram na psicoterapia religiosa dos médicos-budistas, cujas bases psicológicas vamos achar na fórmula budista do desejo incontrolado, como causa patológica de todas as doenças físicas e morais, e do desejo anulado ou suprimido, como tratamento psicoterápico, por meio de processos psicológicos conscientes livremente aceitos, prenunciando 500 anos a.C., a mais pura fórmula da psicoterapia analítica freudiana e pós-freudiana do nosso século XX.

No ocidente, durante a época chamada clássica, concretizou-se cada vez mais a dupla corrente da psicoterapia psíquica e da psiquiatria física ou orgânica, desenvolvendo-se claramente , desde a Grécia e Roma antigas até à Europa ocidental da Idade Média e Moderna.

6) Na Grécia do ano mil a.C., segundo nos narra Homero , usualmente se acreditava, como nos demais lugares do mundo antigo, que as pessoas sofriam de insanidade mental por terem ofendido os deuses (espíritos), que as castigavam fazendo com que se comportassem de maneira estranha e ilógica, como quando o desmiolado Ulisses arava a areia da praia em vez de seus campos, e Ajax (Quixote antigo) matava os carneiros, que tomava por seus inimigos. Em conseqüência, a terapia aplicada tinha que ser também uma psicoterapia mágico-místico-religiosa, de aquietação e contentamento das deidades responsáveis, mediante súplica, doação, sacrifício e fórmulas mágicas, que tanto aplacavam os deuses enfurecidos como condicionavam psicologicamente os próprios doentes.

Expoente máximo deste tipo de psicoterapia foi Escolápio, provavelmente um antigo médico influente e famoso, venerado mais tarde como um deus igual ao que foi o egípcio Imhotep. Seu mais célebre templo da Grécia (e teve muitos em outros lugares) foi o de Epidauro, onde, entre outras práticas, se ministrava o tratamento da hipnoterapia, tal como a aprenderam dos egípcios, onde freqüentemente eram iniciados os primeiros médicos e filósofos gregos. Praticaram também a sonoterapia pelo método de "incubação" ou sono induzido. Enquanto dormia no templo, o paciente selecionado para este tipo de tratamento, era psiquicamente influenciado pelos médicos-sacerdotes, que lhe davam instruções sobre os sonhos que iria receber. Solicitado a manifestá-los, mais tarde, eram interpretados como sendo a vontade do deus, que terminava propiciando a cura.

Paralelamente, desde os mais primitivos tempos, os filósofos-sacerdotes místicos do culto de Dionísio-Bacon, levavam seus adeptos a uma verdadeira psicoterapia de relaxamento através das célebres festas "bacanais" e as orgias, que culminavam no "transe místico", chamado transe-órfico, com os conhecidos saudáveis resultados dos melhores processos modernos de "relax-terapia .

7) Mas no século VI a.C., o antigo "Século das Luzes", enquanto que na Pérsia Zoroastro reafirmava todos os princípios da religião mágica, divino-diabólica e, na índia, o príncipe Gautama, o iluminado Buda, fundava a primeira religião humanista, religião laica sem deus, do mais puro sentido psicoterápico, na Grécia clássica surgia um movimento de pura filosofia iluminista, de orientação racional e naturalista. Essa filosofia induzia o pensador grego ao estudo atento da natureza humana e extra-humana, sem preconceitos sobrenaturalistas mágico-religiosos, desenvolvendo uma psicologia sem demônios e uma ciência naturalista, sem as influências fenomenológicas divinas e diabólicas. Filosofia que tudo pretendia explicar do ponto de vista racional e natural.

Na área da medicina, com base nos filósofos (melhor diríamos psicólogos) Sócrates, Pitágoras, Platão e Aristóteles, desenvolveu-se uma psicoterapia psicológica prenunciadora das técnicas modernas de psicoterapias analíticas e não-analíticas, e com apoio nos médicos naturalistas Hipócrates e Galeno, criou corpo uma psiquiatria física, que foi a base da psiquiatria científica moderna.

Com efeito, Platão, discípulo divulgador da doutrina de Sócrates considerava "os estados corporais como verdadeiros reflexos psicológicos". Afirmava, ainda, que o princípio vital do corpo era a alma vegetativa que é comum ao homem, aos animais e aos vegetais. Responsável pela vida sensitiva e emocional é a alma irracional, cujas partes superiores (coragem, ambição e energia) estão colocadas no coração, e suas partes inferiores (desejo, apetites e nutrição) residem abaixo do diafragma. Mas a alma racional, a principal de todas e base da razão, é a que governa o corpo inteiro e a que diferencia o homem de todos os animais. Falando dos fenômenos humanos, tão claramente como jamais se tinha falado, a idéia básica da psicologia platoniana era a de considerar os fenômenos psicológicos como respostas do organismo inteiro, refletindo seu estado interior, no mais puro sentido do conceito "gestáltico" moderno e da psicofisiologia reflexológica de Pavlov". Nas partes mais baixas, dizia ele, tem origem os processos psicofisiológicos, que recebem sua direção das funções mais altas da razão, e o conflito entre os apetites inferiores, caóticos e desorganizados (o "id" freudiano) e as funções organizadoras da razão (o "ego"), prenunciava as teses fundamentais da Psicanálise de nossos dias. Mais ainda, antecipando-se a Freud, lançou Platão as bases da interpretação freudiana dos sonhos, concebidos por ele "como a expressão dos estados conflituosos dos apetites baixos ou desejos inconscientes, que no estado de vigília não é permitido expressar..." E entre os médicos, Empedócles afirmava que os elementos materiais do organismo e suas funções eram atraídos e separados, ou perturbados e danificados, pelas forças instintivas do "ódio e do amor", antecipando-se em mais de dois mil e quinhentos anos aos conceitos freudianos sobre os instintos de "vida e de morte".

8) Mas foi Hipócrates, o pai da Medicina, quem mais contribuiu para a criação de uma psiquiatria física-científica, nos moldes da medicina moderna.

Rindo-se dos que consideravam a epilepsia como "divina" e a chamavam de "doença sagrada", dizia que faziam isto para esconder sua ignorância sobre a natureza dela. Seu conceito era de que, nessa doença, quem estava doente era o próprio cérebro, que "é o órgão mais importante, como fonte de todos os nossos prazeres, alegrias, gracejos e risos, assim de todas as nossas tristezas, dores, pesares e lágrimas..." E seguindo seus princípios, os médicos hipocráticos, seus discípulos, pela primeira vez na história, estudaram à luz da razão os delírios tóxico-orgânicos, bem como o sintoma da depressão, que acreditavam ser causada pela acumulação indevida de bílis preta. Apontaram também as características da insanidade puerperal ou "psicose pós-parto" em termos modernos; descreveram vários tipos de fobias e batizaram com o nome de "histeria" o comportamento tipicamente feminino que, seguindo os egípcios, consideravam causado por um útero errante, desprendido de seus pendentes na cavidade pélvica, tomando-a, portanto, como exclusiva das mulheres. Finalmente, iniciaram eles também a primeira classificação das doenças mentais, incluindo nesse esquema a epilepsia, a mania, a melancolia e a paranóia. E fizeram as primeiras tentativas de descrever a personalidade e o caráter, bem como a classificação dos caracteres com base em suas teorias humorais, que ainda hoje prevalece na descrição das pessoas como nervosas, coléricas, fleumáticas e sangüíneas ou melancólicas.

9) Em Roma, os médicos e filósofos gregos imigrantes, durante o Império Romano, continuaram a desenvolver essa mesma linha da Psiquiatria e da Psicoterapia com base nas idéias gregas já expostas anteriormente. Fazendo um resumo delas o eminente escritor romano Cícero emite opiniões que se anteciparam brilhantemente a muitos conceitos da psicoterapia moderna. Assim, preludiando a atual medicina psicossomática, Cícero afirmou ousadamente que "as doenças corporais freqüentemente eram o resultado de fatores emocionais..." E negando o conceito hipocrático, substituiu a causa orgânica da "bílis preta" pela causa psicológica do "medo e da aflição" como fatores geradores da melancolia. Para Cícero "todas as desordens e perturbações da mente procedem exclusivamente de um descuido da própria razão, motivo pelo qual os animais irracionais não estão sujeitos a tais perturbações".

Em conseqüência, "a cura da aflição (angústia-ansiedade) e outras desordens é uma só por serem todas elas voluntárias e fundadas em opinião errada. A filosofia (a psicologia dizemos hoje) empenha-se em erradicar este erro como raiz de todos os nossos males. Deixemo-nos, portanto, ser instruídos por ela (auto-esclarecimento, auto-análise) e deixemo-nos ser curados, do contrário não poderemos ser corretos em nossas mentes".

1) A queda do Império Romano e o colapso de seu sistema de segurança produziu em todo o seu território um retrocesso geral à crença na magia, no misticismo e na demonologia novamente, da qual sete séculos antes o homem se libertara graças ao gênio grego. Premido pelo medo, como em tempos passados, o povo buscava seu consolo nas explicações sobrenaturais e o Cristianismo veio satisfazer muitas das necessidades psicológicas e emocionais das massas assustadas e desmoralizadas, do mesmo modo que o fizeram as religiões primitivas com os homens errantes e igualmente assustados perante os temíveis e inexplicáveis fenômenos da natureza desconhecida. Como único imperativo de sobrevivência, a psicoterapia religiosa tornou a ser a única tábua de salvação médica e as imagens de Jesus Curador e de seus santos milagrosos eram reverenciadas e invocadas para prevenir e curar doenças, em lugar de Esculápio e demais deidades protetoras, que aparentemente tinham abandonado a seus cultores pagãos ou se tinham mostrado impotentes para defendê-los. Sem esses protetores antigos e sem a ajuda dos preceitos da medicina humana ditada pelos letrados greco-romanos, o novo dogma cristão prevalecia completamente na terapia popular. Como no passado pagão, as igrejas dos cristãos tornaram-se os santuários dos sofredores ao pé da imagem do Cristo-sofredor e de seus santos mártires, como São Sebastião, o protetor contra todas as pestes, São Jó, protetor contra a lepra, Santo Antônio, defensor contra toda espécie de doenças, etc. etc.

Entretanto, a psiquiatria física e a psicoterapia psíquica tinham desaparecido completamente, deixando campo aberto à demonologia pré-científica. A doença mental tornou a ser considerada como possessão diabólica e o tratamento mental sinônimo de exorcismo, irmanando-se, num estranho casamento, o santoral cristão e a demonologia pré-histórica pagã, reintroduzida no ocidente pelo maniqueísmo dualista, que considerava a Ahriman, o espírito mau e das trevas como opositor de Ormuzd, o espírito bom e da luz. Esse demônio, Ahriman, foi logo considerado como o maldoso perturbador e possuidor do corpo e da mente das pessoas mentalmente doentes a quem deseja atormentar. Foi esta doutrina retrógrada a que, à rebeldia da Igreja, deu asas à fantasia das massas, multiplicando em conseqüência as antigas práticas da velha magia, ora denominada de feitiçaria e bruxaria, que nem a instrução religiosa, nem a drástica disciplina eclesiástica puderam controlar. Culminou, isso sim, em séculos posteriores, no temido culto a Satan, o satanismo, e numa violenta perseguição às feiticeiras, na qual, envolvidos por considerações teológicas e desconhecimento médico, morreram queimados na fogueira milhares de doentes mentais considerados como endemoniados.

2) Mas na noite obscura da Idade Média, algumas estrelas luminosas continuaram a brilhar isoladas e a iluminar o caminho a ser retomado pela nova ciência médica em eras posteriores. Como a fé e a moral guardam estreita relação com a psicologia e a saúde, e salvar as almas tem íntima afinidade com a cura dos corpos e, principalmente, das mentes perturbadas, à sombra dos mosteiros construíram-se, desde o início do século VI d.C., os primeiros hospitais, onde por um milênio a paciência beneditina de novos médicos-sacerdotes tentou salvar algo da medicina grega dentre os escombros da derrocada geral, iniciando os caminhos que iriam conduzir paulatinamente à medicina universitária moderna. Desde 480, São Benedito de Núrsia lançou no Mosteiro de Montecassino os alicerces da medicina monástica e o médico-filósofo Cassiodoro, convertido em monge beneditino, iniciava a instrução dos médicos-sacerdotes, encarecendo a necessidade e a utilidade de estudar Hipócrates e Galeno. é igual que no remoto passado, como a cura dos ferimentos e de ossos partidos exigia algo mais do que a fé nas influências sobrenaturais, o desenvolvimento da medicina leiga, empírica e prática, foi surgindo, junto com o novo tipo de médicos-cirurgiões leigos, principalmente quando o trabalho médico dos monges foi considerado incompatível com os deveres clericais e mesmo proibido por alguns concílios como o de Clermont e Latrão, no século XII.

Quando isto aconteceu já as escolas monásticas de medicina estavam preparadas para encomendar aos leigos a tarefa de formar médicos, sendo uma das primeiras a fazê-lo a Escola de Salermo, logo mais tarde, convertida em Universidade. Nela brilham médicos de orientação hipocrática como Constantinus Africanus um judeu convertido ao cristianismo e tornado monge beneditino, contemporâneo e provavelmente discípulo do médico árabe Avicena e responsável pela tradução de versões árabes dos ensinamentos de Hipócrates para o latim e por ele introduzidos em Salermo. Assim a medicina leiga reiniciava auspiciosamente o caminho apontado pela tradição hipocrática da medicina orgânica e racional, voltando a dar ênfase à patologia do sistema nervoso e, particularmente, do cérebro na explicação da doença mental. Tumores nos ventrículos cerebrais, por exemplo, eram considerados como agentes geradores das psicoses e eram tratados por meio de dieta, sangria e drogas, ar livre e hidroterapia. Isto acontecia durante o século XI e no século XII, em que ensinavam os médicos muçulmanos Avenozar e seus discípulos Maimónides e Averrois, cuja fé religiosa lhes permitia irmaná-la com pesquisa científica. Foi pelo fato de os árabes acreditarem que os insanos mentais eram de alguma maneira divinamente inspirados e não vítimas dos demônios, que o tratamento hospitalar dispensado aos insanos era, em geral, bondoso e compassivo, no que foram imitados pelo espírito cristão de caridade, o maior responsável pelo oferecimento de apoio e conforto dado aos doentes mentais. Com efeito, este tratamento, mesmo que desprovido de verdadeiros recursos técnicos, foi muito mais humano durante as épocas da alta Idade Média do que fora depois do século XIII, quando as crenças demoníacas se exacerbaram. E foi talvez por esse influxo árabe que na Espanha apresentou-se o tratamento hospitalar de modo mais humano, sendo os de Valência e Granada os primeiros hospitais dedicados exclusivamente aos doentes mentais em toda Europa.

3) Entretanto, durante todo este período, na ordem psicológica, poucas luzes se acenderam no céu obscuro. Como astro solitário de primeira categoria, As Confissões de Santo Agostinho representaram um autêntico trabalho de autopsicanalizado profundamente incisivo, que se adiantara dezesseis séculos ao gênio psicanalítico de Freud. De fato, a psicologia de Santo Agostinho, eminentemente introspectiva, afirmando que "o fundamento da alma é sua contínua autoconsciência e que o pensamento representa simplesmente a vida refletida em si própria", e falando em "sentimentos", conflitos e angústia de um indivíduo da maior sinceridade, pode ser considerada como a mais antiga precursora da Psicanálise. Com Platão e Aristóteles, e em certo modo superior a eles, o cartaginense Agostinho permanecerá um entre os maiores representantes da psicologia humana de todos os tempos.

4) A partir dos séculos XV e XVI, a lufada renovadora da Renascença veio a reavivar mais uma vez o espírito pesquisador dos médicos e filósofos gregos e romanos. Assistimos durante séculos à racional distinção entre a Ciência e a Fé em todas as manifestações sociais e culturais, impregnadas de um humanismo benfeitor, surgido do estudo insistente dos escritos dos autores clássicos. Isto marca uma nova época também no tocante as práticas e estudos da Psicoterapia ainda que, paradoxalmente, o dogma escolástico entrasse em ação durante este período de renovado esclarecimento e marcasse uma violenta regressão ao sobrenaturalismo, não devendo recorrer, no furor da autodefesa, à repressão das que supunha heresias pelo fogo e pela espada. A razão deste paradoxo está em que as descobertas científicas e racionais provocam freqüentemente as contraforças da irracionalidade. Assim, ao tempo em que o mito da terra ser o centro do universo foi destruído, a adivinhação astrológica tornou-se mais popular do que fora antes; quando o microscópio e o telescópio foram inventados, o horóscopo foi mais do que nunca utilizado; os maiores fervores do misticismo religioso associaram-se com as práticas ilógicas da superstição e do satanismo; e os maiores cientistas de todos os tempos abraçaram, freqüentemente, o misticismo esotérico e praticaram a alquimia e a magia. Oficialmente a astrologia era condenada pela Igreja, mas era sabido que alguns papas consultavam assiduamente os adivinhadores astrólogos.

5) Contra esse estado de coisas e contra o código dos queimadores de feiticeiras, o tristemente famoso Malleus Maleficarum, três vozes autorizadas se levantaram durante o século XVI; Paracelso, Weyer e Cardano, todos eles médicos e representantes da Psicoterapia nessa época.

Embora também fosse astrólogo e pendesse para o misticismo e para a alquimia, Paracelso não pensava que as doenças corporais fossem causadas pelas estrelas, nem que as doenças mentais fossem devidas aos demônios. Acreditava ele, pelo contrário, num interior "espírito natural", que se utilizava das substâncias alquímica básicas (a bioquímica de hoje), para formar o complexo humano. Supunha a personalidade humana como um todo composto de partes corporais e espirituais intimamente ligadas à alma. A doença mental era uma perturbação dentro da substância interna do próprio corpo e não podia ser considerada como o resultado de causas externas, e acreditava que toda doença mental ou física podia e devia ser curada por meio de medicamentos". Mais do que perigosas agentes de Satan, julgava as feiticeiras como indefesas mulheres doentes. Este conceito esclarecedor deve ser tomado como uma valiosa contribuição para uma eventual pesquisa mais definida da etiologia da doença e dos meios adequados de cura.

Weyer foi discípulo de Agripa e dele aprendeu a medicina e o respeito pelas mulheres perseguidas como feiticeiras. Foi o primeiro médico da Renascença que dedicou seu principal interesse às doenças mentais, lutando como Hipócrates para provar que tais doenças não eram sobrenaturais nem sagradas e que era de seu direito, como médico, tratar das pessoas por elas afligidas, mesmo que consideradas feiticeiras. Seus cuidadosos estudos de "casos" contém excelentes descrições psiquiátricas. Dizia estar firmemente convencido de que "as doenças que eram atribuídas à maléfica ação das feiticeiras, provinham mais bem de causas inteiramente naturais". Embora não lhe fosse possível explicar a natureza de todas as doenças mentais, Weyer tinha plena consciência de que "as feiticeiras não podiam prejudicar ninguém por mais perversa que fosse a sua vontade e mais feio seu exorcismo, e que era a sua inflamada imaginação pela crença nos demônios e a sua pecaminosa melancolia (complexo de culpa) o que as levava a imaginar e acreditar que eram capazes de causar toda espécie de mal".

Por sua vez, a filosofia do médico Cardano afirmava sucintamente que: "Um homem não é senão sua mente; se esta estiver em ordem, tudo será fácil, e se estiver em desordem, tudo estará perdido..." "Não é senão uma consciência culpada (sentimento de culpa) que pode tornar um homem doente; a firmeza de espírito muito ajuda, não só a suportar os males, mas também a produzir a própria saúde". "Para evitar ser miserável (doente) é necessário somente saber acreditar firmemente que não se é. Regra esta que pode ser apreendida e ensinada por todos os homens". E antecipando-se em dois séculos aos mesmeristas e hipnotizadores, Cardano fazia do poder de sugestão a parte principal de seus esforços terapêuticos. Seu lema básico era este: "O médico que mais cura é aquele em quem mais acreditam os doentes que pode curar..." Embora um demonologista declarado, Cardano foi também um renhido opositor da caça às feiticeiras.

6) Mas o maior psicoterapeuta sugestionador da Renascença não foi um médico, mas sim um militar quase analfabeto, que servia nas fileiras do exército de Cromwell. Esse curandeiro irlandês, Valentine Greatrakes, utilizava maravilhosamente a crença popular daquela época de que "as doenças podiam ser realmente curadas pelo toque de um líder divinamente inspirado" (o toque do rei). Esta crença grassava na Europa Ocidental desde que o rei Eduardo, o Confessor, começou a "tocar" os doentes para curá-los, acreditando desde então que todos os reis podiam curar por esse processo inúmeras doenças, inclusive a tuberculose, considerada por isso como "o mal do rei". Reproduzia-se no ocidente moderno a velha crença de que faziam uso os antigos faraós do Egito para curar seus vassalos, pelo método de "imposição das mãos

Agora o "curador" Greatrakes, considerado como "divinamente inspirado", sua fama de milagreiro levava a suas dependências inúmeros doentes, que ele curava pelo simples "toque milagroso". O historiador psiquiatra Bromberg considera Valentine como um dos mais significativos psicoterapeutas da Renascença, por ter praticado, sendo um simples leigo e ignorante da medicina, aquela forma de psicoterapia, que até então tinha sido privilégio de reis e de pessoas santas ou médicos.

7) No século seguinte, o médico inglês Sydenham descreveu com tanta precisão os sintomas da histeria que mesmo hoje pouco se pode acrescentar ao dito por ele. Considerou-a como a doença crônica mais comum, e embora a palavra histeria fazia referência ao útero, foi o primeiro a afirmar que "indivíduos do sexo masculino também sofrem dessa doença", que nesse caso preferia chamar de "hipocondria". Foi também o primeiro a observar que os sintomas histéricos podiam simular quase todas as formas de doenças orgânicas, adiantando-se aos conceitos psicossomáticos, quase universais, dos nossos dias. Menciona a hemiplegia histérica, que pode resultar de uma violenta comoção (emoção); convulsões histéricas semelhantes aos ataques epiléticos; dores de cabeça histéricas; tosse histérica e palpitações do coração psicogênica.

E nessa mesma linha psicossomática, antecipada em vários séculos, encontra-se outro médico inglês da mesma época, William Harvey . Em 1628 ele escrevia o seguinte: "Toda afecção da mente, que é acompanhada de dor ou de prazer, esperança ou medo, causa de uma excitação, cuja influência prejudica o coração ... E por esta razão, pesar, amor, inveja, ansiedade e todas as afecções da mente desta espécie são acompanhadas de emagrecimento e definhamento ou cacoquímica e coagulação, que produzem toda classe de doenças e consomem o corpo do homem".

Mas a maior contribuição teórica dada à compreensão psicológica dos processos fisiológicos da psicopatologia foi devida às idéias do judeu espanhol refugiado em Amsterdam, Espinoza. à drástica dicotomia cartesiana MENTE-CORPO opôs ele o seu claro paralelismo psicofisiológico, que modernamente tem levado ao atual conceito "gestáltico" da psicologia fisiológica unificada. O princípio básico de Espinoza é o de que a "mente e o corpo são dinamicamente inseparáveis porque são idênticos, pois, o organismo humano experimenta psicologicamente seus processos corporais, e somaticamente os seus processos psicológicos, como os afetos, pensamentos, sentimentos e desejos. Para ele, a psicologia e a fisiologia são dois aspectos da mesma coisa: o organismo vivo. Tais idéias se anteciparam e influenciaram os conceitos da psicanálise freudiana, pelo menos indiretamente, preparando psicologicamente o ambiente em que esta se desenvolveu, dois séculos mais tarde.

O eixo da psicodinâmica do homem é, segundo Espinoza, o princípio de causalidade psicológica, que envolve o determinismo psíquico, que Freud desenvolveu e acentuou com seu "inconsciente dinâmico" e seus processos impulsivos. Diz ele: "Não existe vontade absoluta e livre. Cada volição é determinada por uma causa. O princípio fundamental é a tendência inata do corpo a perpetuar seu ser". Desta forma, o anseio ou instinto de autoconservação é um dos conceitos fundamentais de Espinoza, que o considerou como um dos determinantes do comportamento, dois séculos antes que Freud.

8) A riqueza dos dados médicos e científicos estabelecidos durante os séculos XVII e XVIII foi tão grande que se tornaram necessárias sínteses e sistematizações, a ponto de que o século XVIII se tornou necessariamente o Século dos Sistemas. Mas quanto à Psicoterapia, os métodos de tratamento não foram muito afetados por todas essas classificações e, em geral, continuaram sendo baseados em uma combinação de especulações psicológicas e filosóficas como as que temos assinalado até aqui. Neste terreno, o que mais caracterizou estes séculos foram as três tendências seguintes:

a) Um acentuado retrocesso nas práticas do satanismo, a diminuição na perseguição às feiticeiras e um novo conceito a respeito das doenças mentais que passaram a ser encaradas como distúrbios somáticos ou psíquicos, mas humanos;

b) Em conseqüência, não sendo mais confundidos os doentes mentais com os "endemoniados" ou "possessos", começaram a ser muito melhor tratados, considerados como seres humanos, sendo modificados os regulamentos e práticas hospitalares, onde começaram a ser retiradas as grades e as correntes;

c) A procura de uma substância determinada, que pudesse ser apontada como responsável pelas doenças mentais e sua cura, coisa que opôs de novo, frente a frente, os métodos de tratamento psiquiátricos e psicoterapêuticos.

9) Herdeiro da força "espiritual" dos filósofos, do "espírito natural" de Paracelso e da "substância vital" de Stahl, como responsáveis dos processos psicofisiológicos, foi o médico alemão Hoffmann quem primeiramente atribuiu a causa das doenças a uma "substância material" orgânica e não especificada, que em excesso produziria espasmos e tonicidade e, quando deficiente, atonia e exaustão. Entretanto, o colega de Brown afirmava que o ser humano estava sendo bombardeado por "estímulos externos" que produziam nele um estado de superexcitação ou de "astenia", ou por falta de estimulação seria levado à fraqueza nervosa ou "astenia". Basearam estes sistemas na duvidosa teoria de que "contrária contrariis curantur" (o contrário cura o contrário), método terapêutico a que deram o nome de ALOPATIA. Dita terapia consistia em estimular pessoas deprimidas ou acalmar as excitadas; o que se fazia a base de "pastilhas", como intuito de acalmar ou estimular pessoas, que sofriam de tensão ou de esgotamento nervoso, exatamente a mesma coisa que se está fazendo ainda agora no campo da psiquiatria ou clínica geral.

Por um raciocínio contrário, o Dr. Hahenmann, com o lema de que "similia similibus curantur" (o igual cura o igual), começou a curar pessoas nervosas ou não-nervosas com doses quase insignificantes de medicamentos especiais chamados "homeopáticos". A única diferença existente entre o sistema de Hofmann e Brown, e o da HOMEOPATIA, diz um crítico de ambos sistemas, é a de que os primeiros enterraram muitas pessoas intoxicando-as com doses excessivas de seus remédios excitantes ou calmantes, e os segundos, com suas doses insignificantes e inofensivas, permitiam que elas sozinhas se curassem...!

10) Outro dos grandes patrocinadores da "força ou energia" física responsável pelas doenças e suas curas foi o médico austríaco Mésmer, herdeiro também da "força curadora" dos padres Grasner e Kirche e da "ação magnética curadora" do padre Hell, jesuíta conselheiro da corte de Maria Tereza. Mesmer descobriu esta força magnética curadora dentro de si mesmo e a batizou com o nome de "magnetismo animal" e deu início a uma extraordinária corrente de "curas" magnéticas aparentemente prodigiosas, principalmente entre pessoas sofredoras de "histeria" e doenças qualificadas hoje como "psicossomáticas" e uma grande corrente de discípulos, que divulgaram e praticaram esse tipo de psicoterapia, com o nome de mesmerismo. A diferença em relação a outras terapias é que este tipo de cura era instantâneo e não precisava de diagnóstico nem de tratamento senão da simples aplicação das mãos ou de algum objeto por elas "magnetizado", a semelhança da "bênção" dos santos e do "toque" de Greatrakes.

Um de seus discípulos, o marquês de Puységur, descobriu as semelhanças do estado produzido pelo magnetismo animal com o sonambulismo natural e o batizou de "sonambulismo artificial", notando entre seus pacientes os fenômenos paranormais da telepatia e clarividência, bem como da sugestão "pós-hipnótica". Puységur atribuía esses fenômenos e curas a um fluido "universal", que acreditava ser a eletricidade e, explorando estes conceitos, um seu discípulo, Poyen, levou estas práticas para a América do Norte, onde um relojoeiro Quimby, auxiliado pela professora Mary Baker, iniciaram uma cruzada que terminou no grande movimento "curador" da nova seita religiosa Christian Science, responsável por considerável número de "curas" efetuadas pela "fé" curadora ou sugestiva.

Na Inglaterra, outro discípulo de Mesmer, o médico Braid, descobriu por sua vez que não era necessária nenhuma "força magnética" para produzir os mesmos efeitos de "transe" e de "cura", mas somente a "fascinação" ou cansaço dos sentidos, o que conduziu a seguir aos métodos de hipnotizar e curar pela simples sugestão, como nos grandes movimentos da hipnose sugestiva de Charcot e Bernheim, mestres imediatos de Freud.

1) Dois médicos ingleses, Elliotson e Esdaile, tinham aplicado a psicoterapia do método mesmérico com fins anestésicos, para diminuir a dor durante as operações cirúrgicas, tendo conseguido este último mais de duzentas operações de alta cirurgia sem dores em internados dos hospitais da índia, onde tinha sido exilado por prática do mesmerismo. Outro cirurgião, patrício seu, James Braid, em bases de experiências pessoais, tinha qualificado de "transe" aquele estado especial produzido pela "ação magnética" do método mesmérico, afirmando ainda que esse estado era causado simplesmente "pelo excessivo cansaço dos sentidos (os olhos principalmente) depois de prolongado período de concentração e conseqüente esgotamento físico", antecipando-se a interpretação pavloviana de "bloqueio reflexológico". Relacionou o "transe" finalmente com o estado de sono e mudou seu nome para "hipnose", que passou a ser um termo tranqüilizadoramente científico, com a significação mais específica de "neurohipnose".

Segundo a orientação do espírito da medicina moderna de achar nas células e nos tecidos a origem de todas as doenças e sua cura, os fisiologistas, estimulados por Muller, começaram a medir com precisão os fenômenos neurofisiológicos ao mesmo tempo que o neurologista da Universidade de Berlim, Moritz Romberg, dava à neurologia a posição de especialidade médica separada, com a publicação de um tratado sobre esta matéria que se fez célebre. A seguir, outro tratado foi também escrito, na mesma época, sobre psiquiatria por Griesinger, seu discípulo e sucessor, onde se afirmava claramente que "todas as doenças mentais eram originariamente devidas à ação direta de algum elemento interno ou externo sobre as células cerebrais do que resultavam doentes", não fazendo nenhuma distinção entre psicose "orgânicas e funcionais", como tem sido feito nos últimos tempos. Sua opinião era, portanto, a de que o primeiro passo para o conhecimento dos sintomas da insanidade mental era o da localização do órgão doente, e este não podia ser outro que o cérebro, no que foi apoiado irrestritamente pelo psiquiatra inglês Maudsley, que considerava a doença mental como estritamente cerebral. E quase simultaneamente um brilhante discípulo de Griesinger, Hitzig, explorando a estimulação elétrica nos cérebros dos cães, juntamente com o Dr. Frietsch, lançaram as bases da neurofisiologia experimental.

2) De outra banda, nas últimas décadas da primeira metade do século XIX, a ciência médica dedicou-se ao estudo intensivo da anatomia patológica e às investigações bioquímicas. E dentre estas pesquisas, talvez a que mais impressionou os psiquiatras de mentalidade neurológica, foi a descoberta e identificação da sífilis e sua natureza etiológica a respeito a certas paralisias específicas provenientes do cérebro ou da espinha, como a "paresia" que, mais tarde, o médico vienense, Wagner-Jauregg conseguia curar por meio da "febre-malária". Na mesma época Wernicke e outros neurologistas descobriram o paralelismo entre os distúrbios emocionais e as condições psicóticas causadas por certas febres infecciosas e por agentes tóxicos como os entorpecentes e o álcool, ao tempo em que eram identificadas outras perturbações mentais resultantes da deteriorização senil do tecido cerebral, qualificada de "demência senil", incluindo lesões definidas daquele órgão. Assim sendo, o psiquiatra Morel chegara a afirmar que "as degenerações resultavam em desvios do tipo humano normal, que são transmissíveis pela hereditariedade e se deterioram progressivamente no sentido da extinção". Sendo ainda da opinião de que "agentes externos", como o álcool e os narcóticos, ou internos como o comportamento, podiam predispor um indivíduo para a degeneração, inclusive desde a adolescência, chamou essa condição de "demência precoce", conceito que mais tarde outros estenderam não só aos psicóticos mas também aos neuróticos, e mesmo aos criminosos.

Conseqüentemente, segundo pontificavam os neurologistas da época, a melhor terapia para esses doentes degenerados e prematuramente envelhecidos era o repouso no leito, boa alimentação, conforto e ausência de tensões ocupacionais, espécie de "curativos" como os que, no mesmo sentido, foram prescritos pelos sacerdotes dos templos de Esculápio, na antigüidade. Portanto, a cura de repouso e a eletroterapia de Erb, tornaram-se o método de moda da época no tratamento das perturbações mentais.

3) Por esta altura, ao tempo que os neurologistas estavam localizando as lesões para explicar os fenômenos clínicos e os tratadistas agrupavam os sintomas neurológicos em síndromes e finalmente em doenças; os neuropsiquiatras e neurofisiologistas começavam a aplicar princípios semelhantes ao comportamento. Parecia estar chegando a hora de proceder a uma sistematização dos sintomas e das doenças mentais da mesma forma que estavam sendo sistematizadas e classificadas as outras doenças e disciplinas.

Um dos primeiros a fazê-lo foi o psiquiatra alemão Kahlbaum seguido logo depois de Kraepelin. Partindo da paralisia geral e das noções de "demência senil", "demência precoce", paralisia sifilítica do cérebro ou espinhal e o "delirium-tremens", produzido pelo álcool e pelos narcóticos, Kahlbaun lhes acrescentara termos novos como os de: "complexo de sintoma", "ciclotonia" (ou condição alternada de depressão e de exaltação), "catatonia", (a condição do indivíduo psicótico, que mantém estado de mudez e postura "rígidas" peculiares) e "hebefrenia", um estado de extrema regressão infantil e maneirismos inapropriados e tolos.

Professor de psicologia clínica em Munique e chefe do Instituto de Pesquisas Psiquiátricas, Kraepelin converteu-se na autoridade máxima nas primeiras décadas deste século após a publicação de seu Lehrbuch ou manual, convertido na Bíblia da psiquiatria moderna e ponto culminante daquela época antipsicológica. Nela a nosologia psiquiátrica de Kraepelin incluía parte da terminologia de Kahlbaun, acrescentada de seu novo sistema de psiquiatria descritiva, extraído do exame meticuloso de milhares de casos, o qual ainda é empregado para classificar pacientes com base no comportamento manifesto. A esta lista acrescentou o conceito melhorado de "paranóia" (supermente — "nous"), dando-lhe a significação moderna de "psicose com estados de extrema desconfiança e delírio de perseguição com evidente exaltação intelectual". Precisou assim mesmo a distinção entre a "demência precoce" e a psicose maníaco-depressiva, acreditando que raramente um doente se recupera da primeira ao passo que pode recuperar-se totalmente da segunda. Interessou-se muito também por condições tóxicas como o alcoolismo, nas quais o fator casual químico era evidente, chegando a presumir, no fundo de toda doença mental, "uma perturbação básica do metabolismo corporal". Devido, porém, a sua inclinação organocista e a sua incapacidade de pensar em termos psicológicos, foi impedido de reconhecer que "repetidas experiências psicológicas e emocionais podem ter sobre o funcionamento mental um efeito ainda mais destruidor de seu metabolismo, embora mais sutil do que o do álcool".

Aliás, esta incompreensão de que o conhecimento e a terapia neurofisiológica e psicológica não precisam ser contraditórios, e de que nenhum dos dois pode substituir ou eliminar o outro no pleno conhecimento da personalidade e do comportamento humano, tem sido sempre uma constante perene e inconstrutiva disputa entre neurologistas e psicologistas que ainda presenciamos em nossos dias, entre os psicoterapeutas (ou psicanalistas), que continuam a insistir numa maneira exclusivamente fisiológica ou puramente psicológica de encarar a doença mental.

4) Um dos que mais se esforçaram por essa compreensão mútua foi o pesquisador russo Pavlov, discípulo do grande fisiologista Sechenov, que através de experiências magnificamente provativas, mostrou claramente como os processos reflexológicos incondicionados de ordem fisiológica produzia reflexos condicionados de ordem psíquica e vice-versa. Com base nos fatos experimentais pôde elaborar uma classificação de tipos de personalidade de fundo hipocrática e fundamentada nas maneiras como os indivíduos reagiam aos estímulos fisiológicos irritantes. Assim, pode ele comprovar que reagindo ao mesmo estímulo irritante, uns se tornavam melancólicos, enquanto que outros tornavam-se coléricos com fortes tendências agressivas ou inibitórias; que indivíduos "flemáticos" têm atividades reflexas relativamente "rígidas" enquanto que o tipo "fator rhesus" apresentava sistemas nervosos com reações particularmente instáveis.

Em realidade, a tendência geral de todos os filósofos e médicos psicologistas foi a de provar a seus colegas, os médicos psiquiatras organocistas, que além de um comportamento fisiológico, existe também um comportamento psíquico que obedece a padrões mais elevados e mais complexos que a simples fisiologia.

5) Na época de que nos ocupamos, um dos primeiros a seguir este caminho foi o médico alemão, especialista em anatomia cerebral, Christian Reil, que em 1803 publicou o primeiro tratado sistemático de psicoterapia (psicológica), propondo um método psicoterápico de maneira sistemática e imaginativa. Declaradamente convencido da íntima relação mente-corpo, declarava solenemente: "Sentimentos e idéias, bem como influências psíquicas, são recursos apropriados pelos quais as perturbações do cérebro podem ser corrigidas e sua vitalidade pode ser restaurada". Eis, em síntese, a tese básica de todo o sistema psicoterapêutico de Reil, pelo qual se propunha curar as doenças mentais por influências exclusivamente psicológicas. Seu desejo era que a psicoterapia se tornasse um dia um ramo especial da medicina, tão importante como qualquer outro.

Entre outros métodos de tratamento aconselhava Reil a terapia ocupacional, terapia musical, e terapia teatral. Por meio desta última tentava modificar padrões habituais de sentimento e de ação em seus pacientes, fazendo com que assistissem a uma peça de teatro, antecipando-se ao moderno psicodrama. Reconheceu também claramente o papel da excitação sexual nas perturbações mentais referindo-se a mulheres histéricas que ficaram perturbadas devido à sua incapacidade de ter filhos e que, como resultado da frustração de seu instinto reprodutor, adquiriram delírios de gravidez. Para este tipo de doenças mentais causadas por problemas sexuais Reil recomendava as relações sexuais. Aconselhava também expor o paciente silencioso a altos ruídos ou colocar o paciente excitado em ambiente escuro e silencioso, etc.

5) Na França, um excelente discípulo de Pinel, Jean Esquirol, publicou um tratado de psicoterapia que foi um texto básico durante mais de meio século, dando à doença mental o nome de "alienação mental" e aos médicos que tratavam dela o de "alienistas". Pela primeira vez apontou a diferença entre alucinações e delírios; as primeiras foram descritas como "impressões sensoriais de estímulos que não existem e que são produtos inteiramente imaginários; e delírios são falsas impressões baseadas na falsa interpretação de um estímulo real". Seu discípulo Moreau de Tours foi muito mais explícito no estudo dos sintomas mentais como manifestações de perturbações da personalidade inteira.

Antecipando-se a Freud, Moreau salientou pela primeira vez que os sonhos oferecem a verdadeira pista (estrada régia) para o conhecimento das funções mentais perturbadas. "Os sonhos, afirmava ele, estão feitos do mesmo material que as alucinações e assim oferecem um elo de ligação entre a pessoa sadia e o insano. O sonhar representa a psicopatologia transitória da pessoa normal. A pessoa insana sonha acordada e o delírio e o sonho, mais que análogos, são absolutamente idênticos". Interessante é também a sua comparação entre gênio (ou paranormalidade) e insanidade, cuja origem colocava na "superatividade" da mente. Se daí resultasse num funcionamento mais intensivo e lúcido, aparecia a qualidade de gênio; se resultasse uma maior confusão, aberração e perturbação, ocorria a insanidade.6) Teórico e prático ao mesmo tempo, de profundo senso religioso e médico psiquiatra, o alemão Heinrot foi um dos mais profundos psicologistas de sua época. "Corpo e psique são dois aspectos da mesma coisa, que aparece externamente no espaço como corpo e interiormente como psique". Tal é a tese principal de Heinrot, não sendo de admirar que fosse o primeiro a usar o termo psicossomático, aplicado às doenças corporais. Quanto à origem da doença mental centralizou-a no conflito entre os impulsos instintivos inaceitávies (o ID) e a consciência individual como reflexo da formação moral (superego). Expressava, assim, em terminologia religioso-moralista o conceito central da psicanálise moderna, o do "conflito interior". Daí que sustentasse ser o pecado a causa fundamental da perturbação mental. Mas pecado significava para ele egoísmo e luta interior entre as tendências do instinto malévolo (ID) e a LEI moral (superego) reconhecível em si pela própria consciência individual (sentimento de culpa segundo a expressão atual).

Antecipando-se a Freud nos conceitos psicanalíticos, Heinrot considerava os processos psicológicos como divididos em três níveis de funcionamento. O nível mais baixo representava as forças instintivas e sentimentos egoístas (impulsos do ID) cuja finalidade é o prazer. à segunda fase deu o nome de EGO que funciona sob a orientação do intelecto (consciência). O objetivo do ego, que é inteiramente egocêntrico, é a "segurança em relação ao mundo exterior" (princípio de realidade) e o "gozo" da vida" (princípio do prazer). Sua principal característica é a "autoconsciência" ou autoconhecimento dos processos internos. Ao terceiro e mais alto nível do funcionamento mental dava ele o nome de "consciência", algo alheio ao ego e que se opõe aos esforços egocêntricos do ego. Uma força mais alta, que sendo uma parte do ego produz um conflito dentro do ego, basicamente egocêntrico, e uma orientação "altruística" mais alta, que chamou de "supernós" (ou superconsciência — superego).

A doença mental decorre, portanto, do conflito do "ego" impelido pelos instintos perversos e controlado por essa consciência diretora. E a saúde mental deve consistir na plena aceitação e assimilação dos princípios dessa consciência dentro do ego. Conseqüentemente a psicoterapia de Heinrot foi mais o método reeducativo da consciência e princípios morais (reeducação da personalidade) como o aconselha a moderna psicanálise, com a qual se identificou intuitivamente mais que qualquer outro pré-psicanalista. Seu arsenal terapêutico incluía, praticamente, todos os métodos tradicionais de tratamento físico e psicológico. Recomendava eletricidade, calor, sangria, fisioterapia, dieta, regulamentação das funções digestivas, etc. No método psicológico, recomendava correção cognitiva para as perturbações da volição. Usava coação física e castigo, mas também recomendava relaxamento, diversões e viagens, ou também, ocupação continuada (laborterapia). Aumento ou eliminação da estimulação, incluindo até a privação do sono, segundo o caso, de excitados ou depressivos, etc.

8) "A chave para a compreensão da essência dos processos mentais conscientes reside na reação do INCONSCIENTE", lemos na introdução de uma obra de aparência moderna, mas escrita em 1846 por Gustav Carus, outro teórico da psicanálise pré-freudiana, a Psiche. O eixo central da psicologia deste médico obstetra, como o da de Freud, é o conceito do inconsciente, que Carus equiparava à força vital criadora de Stahl, em tudo semelhante ao Eros de Freud. O inconsciente de Carus é equivalente, praticamente, a todo o processo vital, tanto biológico como psíquico. Ele anima todos os processos fisiológicos, e todas as doenças orgânicas ou psíquicas se acham enraizadas na mente inconsciente. Mesmo as doenças orgânicas se derivam de idéias estranhas e "parasitárias", enquistadas na mente e sobrepostas ao sadio plano inconsciente de auto-realização do organismo (instinto de morte). O conflito entre o sadio plano organizacional original do inconsciente e essas idéias estranhas constitui a essência da doença. Enquanto este conflito não atinge a mente consciente, lidamos com as doenças orgânicas; quando esse conflito penetra na mente consciente, aparecem as perturbações mentais. O primeiro objetivo da ciência da psicologia deve ser, segundo Carus, determinar a maneira de a mente humana poder descer às profundezas do inconsciente e compreender sua obscura psicodinâmica e psicofisiológica.

9) Não ficaria completo o quadro dos psicoterapeutas pré-freudianos se não voltarmos a examinar a dupla personalidade de Griesinger, já estudada antes como psiquiatra e que precisamos estudar agora como psicoterapeuta. De fato, apesar de o seu princípio teórico de psiquiatra ser no sentido de que os mecanismos patofisiológicos cerebrais eram exclusivamente responsáveis pela doença mental", ele declarou explicitamente que os métodos terapêuticos, psíquico e somático, têm, na prática, o direito ao mesmo grau de atenção máxima quando "a experiência cotidiana demonstrou que quase nenhuma recuperação mental pode ser perfeita sem o uso de remédios psíquicos (trabalho, disciplina, etc.)". "Conversações, prelações, passeios, jogos, chás, etc., também servem para absorver e divertir o paciente".

Teoricamente o "psicologista" Griesinger tratou do conceito do "ego" e referiu-se aos efeitos perniciosos da "repreensão" na doença mental. "A recuperação de um EGO completamente viciado, corrompido e falsificado de todos os lados por idéias mórbidas e falsas... ou quando completamente reprimido no grupo de percepções interiores (ID e Superego), torna-se quase impossível a não ser, em raros casos, através de excitação de uma violenta emoção..." (Katarsis...)

Genialmente intuitivo, Griesinger notou também com precisão a estreita relação existente entre os sintomas da doença mental e os processos dos sonhos. Reconheceu assim mesmo que na doença mental o problema do indivíduo está intimamente relacionado com sua perda de auto-estima e seu "alheiamento de si próprio", e que "os sentimentos de arrependimento do paciente (complexo de culpa) colidem diretamente com seu desejo de satisfazer seus impulsos instintivos (ID)", etc...

10) Seu maior desejo e esperança, como o de todos os psicologistas, consistia em que a psicologia médica ou psicoterapia se tornasse, um dia, uma sólida disciplina médica, de modo que pudesse andar de mãos dadas com as outras especialidades, sem precisar mais esconder a cabeça como enteada da medicina.

O ambiente estava suficientemente preparado, enfim, como tudo parece indicar para que ao finalizar a primeira metade do século XIX o sistema psicanalítico de Freud nascesse, vingasse e desse o impulso final e decisivo à psicoterapia hoje concretizada e quase confundida com os métodos psicanalíticos. Pode ser que Freud não estivesse familiarizado e não fosse influenciado pelo pensamento brilhante destes homens que o precederam e precisasse encontrar intuitivamente a sua própria orientação psicobiológica. De fato, as brilhantes conquistas da medicina e da psiquiatria organocista eclipsaram por completo as idéias psicodinâmicas desses geniais psicologistas depois de meados do século XIX, a ponto das contribuições de Freud pareceram a seus contemporâneos inteiramente novas.

Como se depreende do estudo anterior:

1) Em tempos atrás, todas as doenças eram consideradas como produzidas pelos espíritos maus, inimigos do homem, ou como meros efeitos dos pecados humanos. Estes eram considerados como causas morais geradoras de efeitos físicos, que eram as doenças corporais, interpretação espiritualista baseada no primeiro capítulo da Bíblia, onde se atribui ao primeiro pecado a situação humana atual com todas as suas imperfeições e deficiências. Quando Jesus curou o cego de nascimento junto à piscina de Betsaida, os fariseus e escribas lhe perguntaram: "quem pecou, ele ou seus pais?", aludindo claramente à causa da sua cegueira. E esta é ainda a opinião de muitos espiritualistas, tanto das religiões ocidentais como, principalmente, os seguidores da filosofia oriental que crêem na reencarnação. O homem sofre doenças e provações físicas e morais para purgar seus pecados e progredir espiritualmente, etc.

Especialmente certas doenças ou distúrbios eram interpretados espiritualmente, como a epilepsia, tida no Egito antigo como "mal sagrado" ou possessão divina, e na Judéia e outras regiões como possessão diabólica. As antigas trepanações egípcias, assegura-se que eram feitas com o intuito de abrir uma saída aos espíritos malignos, apossados do doente e causadores daquele mal.

De igual modo eram considerados por muitos os distúrbios histéricos, os neuróticos e o próprio sonambulismo, cuja verdadeira natureza lhes era desconhecida.

2) Pelo contrário, em vez de atribuir esses distúrbios a forças "sobrenaturais", a Psiquiatria moderna, ramo da medicina materialista dos séculos XVIII e XIX, atribuía-os a "uma possível ação" de fatores químicos e físicos ou da lesão de algum órgão enfermo, de preferência neuronal. Em oposição ao conceito do "possesso" e "endemoniado" que foi usual até fins do século XVIII, a medicina do século XIX passou a considerar os distúrbios mentais mais avançados como notoriamente "loucos", substituindo os "exorcismos" e as práticas "mágicas" pela terapia medicamentosa, sendo confinados os pacientes destes distúrbios a um internamento sem fim, em locais mais parecidos com cárceres e masmorras do que com sanatórios e hospitais.

Os outros transtornos mentais menos graves, denominados genericamente com o nome de "histeria" (os chamados hoje de transtornos "neuróticos"), ou não se admitiam como doenças independentes ou eram tidos como distúrbios provocados por alterações orgânicas cerebrais. Em conseqüência, sua única terapia consistia em medicamentos, regimes dietéticos, hidroterapia, repouso, etc., que em realidade pouco ou nada lhes adiantava.

3) De fator "psicológico" nem se pensava nos setores médicos oficiais, sendo ridicularizado ou tido como coisa de "filósofos e de curandeiros", muito tendo a perder os médicos que o invocavam. Contudo, como temos visto, este conceito psíquico aos poucos foi surgindo e acabou impondo-se, a partir principalmente das práticas "hipnóticas", a seguir de Mesmer e o mesmerismo e tomando ares mais científicos após o hipnotismo de Braid e seus discípulos. De fato, magnetizando pessoas sadias, Mesmer e seus discípulos conseguiram produzir nelas um estado passageiro "em tudo semelhante ao das pessoas histéricas" em suas crises mais agudas; e magnetizando pessoas histéricas e revivendo seus traumas e estados patológicos "ficavam do mesmo inteiramente curados". Logo a seguir, sem necessidade de "magnetizar" e por métodos diferentes, o italiano José Bálsamo, marquês de Puyssegur e, em Paris, o Abade Faria, passaram a obter os mesmos resultados. E, mais tarde, um médico inglês chamado Braid, que também explorava este método de cura em pacientes epiléticos, histéricos e neuróticos, comparando os estados e os comportamentos dos "magnetizados" com os sonâmbulos, batizou este procedimento com o nome de sonambulismo artificial, ou mais simplesmente de "hipnotismo", nome que foi adotado nos meios científicos e médicos a partir de 1843. Empiricamente e sem muitas pretensões científicas, sua prática resultava num compêndio de "hipnoterapia" psicoterápica.

4) Com intervalos de máximo fascínio das multidões não— médicas e de desprestígio de mero charlatanismo de rua, a partir da segunda metade do século XIX, o hipnotismo, sem embargo, foi penetrando nos consultórios médicos em labor mais silencioso e científico. Em 1860, o médico francês Liébault passou a utilizar o sono hipnótico não só como terapia, mas também como meio de estudo e investigação científica, marcando uma etapa decisiva na história da Medicina e da Psicologia. Estabelecido em Nancy na França e associado com seu discípulo Bernheim estudaram ambos um grande número de histéricos e neuróticos (mais de dez mil) e, mediante o uso da hipnose, estruturaram as bases da nova Psicoterapia, marcando um novo caminho para o tratamento das neuroses.

Quase pela mesma época, em seu Serviço Hospitalar da Salpêtriere de Paris, Charcot fez também grande uso da hipnose em experiências científicas de maior significação médica e psicológica, tendo como discípulos grandes eminências médicas, entre eles, o grande Dr. Janet e o próprio Freud.

Movimentos esses, que auxiliados por Bechterew na Rússia e por Ferel na Alemanha, já tinham obrigado a Psiquiatria tradicional organicista e acadêmica a admitir, pela casa dos 1880 (antes de Freud portanto) as seguintes conclusões elaboradas fundamentalmente nas práticas hipnóticas:

1ª)Os fenômenos hipnóticos possuem uma inegável analogia com alguns distúrbios neuróticos.

2ª)Certas alterações orgânicas parecem ser o resultado de influências psíquicas não-conscientes.

3ª)Ao que parece, existem processos comportamentais e inconscientes.

5) A psiquiatria organocista de um lado e as práticas hipnóticas de outro, aliadas aos avanços da escola psicologista, constituem, portanto, os precedentes históricos mais próximos do movimento psicoterápico, aperfeiçoado por Freud e que viria adotar o nome de Psicanálise. Como deixamos exposto, tudo isto já acontecia e era ensinado por volta de 1880, quando Freud cursava os últimos anos de sua formação médica na Universidade de Viena. A partir daí e de outros fatos mais concretos haveria nascer a psicanálise, como veremos.

1) "Um judeu com complexos de inferioridade" para seus detratores; é "um homem como um deus" para seus mais fanáticos seguidores, é a dupla face com que hoje se projeta na história a imagem daquele médico vienense metido a psicólogo chamado Sigmund Freud.

Nasceu em Freiberg, pequena cidade da Morávia, na áustria, aos 6 de maio de 1856, tornando-se ao nascer, tio de um sobrinho, chamado John, que lhe era um ano mais velho e que, segundo mais tarde confessara, teve grande importância na formação de seu caráter. Primeiro filho de uma mãe judia muito jovem e de um pai bastante velho, um judeu comerciante de lã e, mais tarde, vendedor ambulante de tipo mascate, que casara duas vezes, primeiro aos 17 anos e depois aos 41. Aos quatro anos, Freud acompanhou seus pais a Viena, onde morou sempre até seus últimos anos de vida em que teve de sair fugindo da perseguição de Hitler, para refugiar-se em Londres na casa de seu discípulo Jones e onde faleceu em 23 de setembro de 1939.

No colégio, foi sempre o primeiro da classe, sentando-se sempre no primeiro banco nos oito anos do curso. Com 17 anos, ingressou na Universidade onde se formou em medicina, um pouco a desgosto da carreira escolhida por seu pai. No início, foi primeiramente um estudioso neuro-anatomista do laboratório de Fisiologia do Dr. Bruscke, ocupando-se especialmente das células ganglionares da medula espinhal e do desenvolvimento filogenético do sistema nervoso, o que provavelmente lhe iria despertar, mais tarde, o gosto pelas doenças mentais e lhe serviria de base para sua teoria dos níveis de consciência do ser humano. Desta forma, após uma série de trabalhos científicos sobre as moléstias do sistema nervoso, no sentido histológico e clínico, e sobre os efeitos da cocaína foi recebido como docente de neuropatologia na Universidade de Viena, em 1885, e no mesmo ano, obteve uma bolsa de estudos para aperfeiçoamento no estrangeiro.

2) Mas antes disto, em 1882, recém-formado em medicina, Freud teve a oportunidade de entrar em contato com o Dr. Breuer, 14 anos mais velho e um dos médicos mais respeitados da áustria. Tal contato veio despertar seu gosto pelo campo da psicoterapia determinando um ponto decisivo na vida de Freud, na gênese da psicanálise, e na evolução da psicologia e da própria medicina, pois os pontos de partida da doutrina freudiana acham-se intimamente ligados às descobertas deste médico vienense, de quem foi discípulo e colaborador assíduo durante quase 14 anos.

Foi nesse tempo que teve a oportunidade de acompanhar de perto o tratamento que Breuer fazia de sua célebre paciente "Ana O.", caso tido como o primeiro início da Psicanálise.

Ana O., ou Berta Pappenheim, era uma jovem de 21 anos e de bons dotes intelectuais. Durante longo tempo vira-se na necessidade de tratar de seu pai doente, terminando por ficar doente ela também. Começou a apresentar sintomas graves, como paralisia rígida da perna e do braço direito, com anestesia dos mesmos; perturbações visuais e desordens da linguagem; dificuldades para manter erguida a cabeça e pronunciadas "fobias"; estados de "ausência", etc. Ante a falta de causas orgânicas, Breuer, como era costume nesses casos, tinha diagnosticado o caso como histeria. E durante o longo tratamento que Breuer vinha fazendo das perturbações histérico-orgânicas desta doente, observou que, em freqüentes estados de "ausência", a paciente murmurava para si própria algumas palavras incoerentes, que durante o sono hipnótico ou nos estados hipnoidais, ele lhe repetia e lhe sugeria que explicasse o que queriam dizer tais palavras. Respondendo a doente a essas sugestões, fazia longas narrativas altamente emotivas, relacionadas com alguma cena em que a moça se achava à cabeceira da cama de seu pai. Breuer observara, também, com surpresa, que após estas confissões, a doente apresentava grande melhoria de sintomas, e até parecia totalmente curada, durante algum tempo. Parecia como que se libertava de algo, que a incomodava, uma espécie de purga psíquica... Por isso batizou este procedimento de "Katarsis", termo grego que significa purgar-se e a hipnose que o acompanhava de "hipnose catártica".

3) Freud qualificou estas descobertas de Breuer como geniais e considerou-as intimamente relacionadas com sua carreira de neuro-anatomista. Por isso ao ganhar a bolsa de estudos no estrangeiro, decidiu-se definitivamente por abraçar a especialidade da Psiquiatria, e determinou dirigir-se para Paris, onde o famoso médico psiquiatra, Charcot, estava em pleno apogeu com sua escola hipnótica da Salpêtriere, onde fez um estágio de um ano, como discípulo assíduo e muito eficiente daquele grande mestre da Psiquiatria e da Hipnose.

Se em Viena Freud vira como Breuer fazia desaparecer "os sintomas histéricos" reavivando na paciente "certas representações imaginativas" ali, em Paris, pôde observar como Charcot, mediante a sugestão de "adequadas representações imaginativas", conseguia provocar, em seus pacientes sadios, toda espécie de sintomas histéricos, e ali mesmo uma paralisia histérica.

Notara também como era freqüente e corriqueiro fazer desaparecer os sintomas histéricos através da hipnose e verificara como o eminente psiquiatra Charcot já tinha a conclusão, surpreendente naquela época, de que a natureza íntima da histeria era, não orgânica, mas sim psíquica, e que a histeria era o resultado de conflitos psíquicos internos desconhecidos do próprio doente. Mais ainda, ao enorme prestígio de Charcot se devia, não só que a histeria fosse declarada como doença real, mas também o conceito revolucionário de que a mesma se dava, não só nas mulheres, mas também nos varões (Tinha sido chamada de histeria, de hysteron útero, portanto, só das mulheres). Finalmente, foi ele quem primeiro tinha descoberto que os fenômenos histérico-neuróticos estavam regidos por leis verdadeiras, embora inconscientes e desconhecidas.

4) Realmente os conhecimentos que Charcot aportou à Psiquiatria e à incipiente Psicologia profunda ou do inconsciente foram inteiramente relevantes e de um valor extraordinário a ponto de colocá-lo à cabeça dos pioneiros deste movimento. Quando Freud iniciara sua carreira de medicina e de Psiquiatria em Viena, ainda se costumava considerar como causas das neuroses certas lesões ou "debilidades" do sistema nervoso. Daí o termo neurose de neuron nervo. Embora se constatasse muito antes que nas paralisias histéricas não se pode descobrir nenhuma causa orgânica, elas continuavam sendo imputáveis ao mesmo tipo de desordens do centro nervoso cerebral, que provocavam as paralisias orgânicas.

Agora Freud alertado pelas experiências de Breuer ficava totalmente entusiasmado diante das descobertas que via realizar-se na escola de Paris, de tudo o qual ele tirara as mais legítimas conclusões. E com uma bagagem bem cheia de excelentes conhecimentos neuro-psíquicos regressou a Viena em 1886, onde seguiu dedicado ao estudo dos casos relacionados com a histeria e os estados neuróticos, como associado de Breuer.

Ana O. revelara-se uma ótima paciente para a pesquisa e, no tempo que se seguiu a sua volta de Paris, verificaram que a maioria dos sintomas histéricos apresentados pareciam ocupar o lugar de uma série de idéias, imagens e impulsos, que havendo-os experimentado, julgara-os incorretos e repugnantes, motivo pelo qual acabara por reprimi-los e esquecê-los. Concluíram que as penosas lembranças dessas imagens e fatos "não tinham desaparecido totalmente, senão que seguiam como que escondidas, exercendo a sua nefasta influência, até finalmente conseguir exprimir-se através dos sintomas". Quando a enferma recordava essa lembrança de uma forma muito emotiva, durante a hipnose, conseguia um grande e real alívio, ou mesmo o desaparecimento total dos sintomas. Chegaram assim muito perto do descobrimento do recalque.

5) Em 1989, sempre sedento de novos conhecimentos, vemos-lhe partir de novo para a França. Seu alvo era agora a Escola de Nancy, dirigida por Liébault e seu discípulo associado Bernheim, cujos sucessos obtidos, também através de hipnose, tinham alcançado repercussão mundial.

Por um método estatístico até então inédito, através do estudo de mais de dez mil pessoas rigorosamente fichadas, Bernheim e Liebault tinham chegado à revolucionária conclusão de que todos nós "podemos" agir segundo motivos ocultos ou inconscientes, diferentes daqueles que temos em mente e nos quais podemos acreditar", e que como "esses verdadeiros motivos são ocultos e desconhecidos, podemos estar mentindo sem o saber". Isto vinha a confirmar os conhecimentos adquiridos por Freud de seus mestres Breuer e de Charcot e ao mesmo tempo ampliava o campo de suas pesquisas. O fato que mais chamou a sua atenção, nas experiências que viu realizar na Escola de Nancy, foi, sem dúvida, o da "exata execução de ordens ou sugestões pós-hipnóticas, realizadas conscientemente e por motivos inconscientes.

O ponto mais importante reconhecido nestas descobertas, estava no fato de que a idéia-tendência e, portanto, seu comportamento derivavam de uma fonte não-consciente, isto é, de uma ordem não recordada, e por isto mesmo, inconsciente. Desenhava-se aí de um modo embrionário a sua posterior teoria do inconsciente-dinâmico, pedra angular de toda a psicanálise.

De outra banda, naquele mesmo ano, pôde ler Freud um livro publicado pelo Dr. Jane, seu colega de estudos na Escola de Charcot, o Automatismo Psichológique, onde podia ver bem mais desenvolvida a teoria de uma dupla-consciência e da cissão da personalidade, que Charcot tinha elaborado e tornado a base explicativa da histeria. Nessa teoria relativa ao desdobramento da personalidade, inspirar-se-ia, mais tarde, a concepção freudiana das duas zonas da vida psíquica: a consciente e a inconsciente.

6) Resumindo: Segundo os ensinamentos de Charcot, Freud teve que admitir que a natureza da histeria era psíquica e que nela as reminiscências traumáticas inconscientes representavam o papel primordial dos sintomas; com Bernheim, Liébault e Janet teve que reconhecer a presença de processos psíquicos, que podiam permanecer ocultos à consciência; e, finalmente, com Breuer, chegara às bases de sua teoria de recalque e da censura. Especialmente nas experiências das sugestões pós-hipnóticas de Bernheim acharia a base de sua teoria do inconsciente-dinâmico, e particularmente numa delas, em que "pressionando com a mão a cabeça do paciente era possível a suspensão da amnésia hipnótica", teria origem a implantação da técnica psicanalítica das associações livres, de tanta importância em seu sistema e que lhe permitiria abandonar o uso da hipnose catártica.

Podia voltar agora para Viena, consciente de ter compreendido muito bem o alcance maravilhoso das descobertas de seus mestres franceses e o quanto tinham logrado penetrar nos profundos comportamentos inconscientes. Tinha nas suas mãos os materiais mais preciosos para a construção de suas famosas teorias psicanalíticas.

1) De volta a Viena, em 1890, Freud instalou-se definitivamente com clínica própria e deu início a suas próprias pesquisas, sem perder o contato com Breuer, seu iniciador e primeiro mestre, a quem fez partícipe dos conhecimentos que adquirira na França, mostrando-lhe os avanços que ali se realizavam quanto aos processos psíquicos da etiologia e natureza dos estados histérico-neuróticos.

Naqueles anos que se seguiram, Breuer tinha feito um resumo das conclusões a que chegara com suas experiências. Ei-las:

a)Os sintomas histéricos representam a expressão significativa de fatos traumáticos do passado aos quais permanecem estreitamente ligados. Constituem os resíduos mnêmicos de tais experiências traumáticas.

b)A emoção que acompanhou aqueles fatos traumáticos não pode manifestar-se livremente através de palavras e atos; isto é, o paciente vira-se obrigado a reprimir essa emoção.

c)Essas emoções "prisioneiras" ou reprimidas sofrem uma série de mudanças anormais: os sintomas histéricos; convertem-se em enervações ou inibições, que se traduzem nos sintomas patológicos, no fato da conversão histérica.

d)O alívio e a cura dos sintomas patológicos que acompanham a histeria pode realizar-se através da exteriorização ou manifestação libertadora daqueles fatos traumáticos; uma espécie de eclosão ou purga psíquica da carga emotiva perturbadora, que Breuer chamou de Katarsis.

e)Como tais acontecimentos traumáticos foram esquecidos ou desapareceram da vida consciente, era mister revivê-los novamente, trazendo-os ao consciente, o que somente através da hipnose parecia poder ser feito. Esta hipnose foi chamada de catártica.

f)Nenhum alívio dos sintomas é verificado, quando o fato traumático é manifestado sem nenhuma carga emotiva. Para consegui-lo é mister que seja lembrado ou revivido com a mesma emotividade com que foi vivido a primeira vez. Somente assim a eclosão ou descarga (catarse) da emoção perturbadora será eficiente e curadora.

2)Em 1893 Freud convenceu Breuer a fazer as experiências realizadas e as conclusões a que já tinham chegado, consideradas por eles como de caráter científico. Gentilmente Breuer concordou em fazer uma publicação conjunta entre ambos. Assim sendo, nesse mesmo ano apareceu a primeira publicação desse gênero, que eles designaram de provisória, sob o título de Mecanismos psíquicos dos fenômenos histéricos, ampliada logo em 1895 num trabalho mais sério e mais detalhado, também da autoria de ambos, sob o título de Estudos sobre a histeria. A síntese dessas publicações se resume nestas quatro proposições:

a)Qualquer histeria surge como o resultado de uma experiência perturbadora ou "trauma psíquico" emocionalmente insuportável.

b)Sendo essa experiência totalmente insuportável, não pode ser assimilada e aceita; em conseqüência disso foi repelida do consciente e confinada no inconsciente; tornou-se inconsciente.

c)Entrementes, o que foi repelido nem por isso deixou de existir. Continua ativo, agita-se porém, sem mencionar-se. E como não se pode mencionar abertamente, manifesta-se substituído, em forma de distúrbios fisiológicos ou sintomas patológicos. (Antes sofrer paralisia de braço e não poder beber do copo, do que ao beber lembrar-se do fato nojento já esquecido e morrer de emoção... (Caso de Ana O.).

d)Esses distúrbios ou sintomas podem desaparecer, uma vez que se consiga fazer conscientes aqueles fatos traumáticos inconscientes e exteriorizar a emoção reprimida.

4) Eis em essência a primitiva e básica doutrina sobre a histeria e as neuroses. Nessas poucas linhas estão traçados os elementos fundamentais de que poderia ter sido Psicanálise de Breuer. Qualquer histeria ou neurose é uma doença psíquica e traumática. Sua terapia consistiria em procurar o fato traumático esquecido e responsável e fazer que o paciente se lembre dele, descarregue a emoção reprimida, revivendo-o o mais emocionalmente possível, e deixe fluir livremente ao máximo a emoção nele contida, para assim alcançar a cura. Isto era feito naquele tempo através da hipnose catártica ou de um estado hipnoidal, seguidos de uma espécie de "explosão emocional" ou catarse.

Mas logo a seguir dessas publicações, no mesmo ano de 1896, aconteceram dois fatos que marcaram um rumo diferente para aquele método analítico incipiente. Estes dois fatos desgostaram enormemente a Breuer a ponto de provocar nele um afastamento total do campo analítico e da prática terápica com pacientes histéricos e neuróticos. O primeiro fato foi devido à paciente Ana O., e o segundo ao próprio Freud seu discípulo predileto.

Em seu estado neurótico e irresponsável a paciente Ana O., sob os efeitos do fenômeno que mais tarde seria identificado como "transferência", gabava-se até publicamente de ser amante e amada de seu médico Breuer, chegando a dizer ainda que se achava grávida dele... Isto colocou Breuer numa situação sumamente embaraçosa, tanto no aspecto social como no familiar. Não esqueçamos que estamos em pleno rigorismo moral do século XIX e na Viena da áustria ultracatólica.

De outro lado, Freud atreveu-se a publicar sozinho um outro trabalho em que se afastava frontalmente da linha traçada nas publicações conjuntas e cujas teses corroboravam, em certo modo, as afirmativas difamatórias de Ana O. A tese principal da publicação de Freud era esta:

"Em cada paciente, em cada sintoma de cada paciente, chega-se inevitavelmente ao terreno das experiências sexuais".

Isto marcava a ruptura final entre mestre e discípulo, e a de Breuer com os incipientes métodos da nova psicoterapia analítica.

5) Qual era o fator essencial (se existia) do por que um determinado fato, mais do que outro, originava o "trauma emocional perturbador?" Por que certos fatos resultavam tão desagradáveis e precisavam ser alijados da consciência?

Freud afirmava cada vez mais a sua opinião longamente acalentada de que a raiz do problema havia que procurá-la "sempre" no terreno sexual. No fenômeno da Transferência tinha notado com Breuer que as pacientes alimentavam para com seu terapeuta um tipo de sentimentos cuja natureza sexual parecia evidente. Disto já tinha falado longamente com Breuer sem estar plenamente de acordo.

De fato, Charcot, Chrobak e Breuer já tinham observado que a desordem manifestada na histeria estava habitualmente ligada a dificuldades sexuais presentes ou passadas, e sobre isto já tinham chamado a atenção de Freud. Seus pacientes eram unânimes em referir-se a cenas sexuais e atos praticados com adultos quando crianças, e inclusive com os próprios pais. Na infância, afirmavam os pacientes, tinham sido abordados sexualmente por adultos.

Mas Breuer e Charcot, muito mais práticos na hipnose que Freud, sabiam que estas declarações eram muito enganosas. Sabiam que os histéricos, especialmente quando hipnotizados, mentiam muito e pouco ou nada acreditavam neles. Aquela histérica, Ana O., não andava apaixonada por ele e afirmava estar grávida, sendo mentira? Não aconteceria o mesmo com a afirmativa dos outros pacientes? Que fé se poderia dar às afirmativas de uma histérica hipnotizada, nesse terreno perigoso?

Assim, enquanto que para Freud, o aspecto sexual achado na "transferência" constituía a prova inabalável de que as forças determinantes da histeria e neurose derivavam "sempre" de experiências sexuais do passado, para Breuer esse colorido sexual não passava de uma afeição mórbida do presente, da qual havia que desconfiar e fugir.

6) Afastado Breuer por própria vontade do campo da incipiente psicoterapia da histeria e das neuroses, Freud acreditou estar livre de maiores compromissos e passou a publicar francamente as suas opiniões pessoais sobre o assunto. Nelas começou a exprimir aquela idéia fixa (claramente neurótica segundo seus críticos) que lhe iria acompanhar durante toda a sua vida, que lhe causaria tantos dissabores e o rompimento com seus melhores discípulos e amigos. Sozinho agora no campo da psicoterapia em Viena, a incipiente Psicanálise iria seguir seus próprios rumos.

Mesmo utilizando os materiais arrecadados por outros, o novo prédio da Psicanálise iria apresentar o feitio próprio de seu arquiteto.

1) De 1882 a 1896 tinha sido um longo período de aprendizado e de assimilação das novas idéias nascidas de seus contatos com Breuer, Charcot e Bernheim, seus grandes mestres e suas descobertas marcavam, como veremos, os pontos de partida das linhas mestras de seu novo sistema psicoterapêutico. Agora, afastado Breuer do campo de tratamento dos histéricos, por razões pessoais, e tendo seguido rumos bem diversos seus outros mestres, Charcot e Bernheim, Freud ficou sozinho no campo da incipiente psicoterapia.

De fato, a perda da colaboração do Mestre Breuer coincidiu ainda com a morte do seu próprio pai. Duplamente órfão agora, Freud isola-se voluntariamente e inicia um segundo período em sua vida de psicoterapeuta dedicado exclusivamente a novas experiências pessoais e a elaboração das primeiras teorias de seu original sistema. Foi certamente nesses anos, que se seguiram à morte de seu pai e à ruptura com Breuer, de 1897 a 1907, período qualificado por ele de "esplêndido isolamento" e no começo do período seguinte, que marca até o fim da I Guerra Mundial, quando estruturou e produziu as peças fundamentais da Psicanálise, às quais, posteriormente, muito pouco de essencial acrescentaram tanto ele como seus discípulos ortodoxos.

2) A partir de 1897, Freud fez cada vez mais sistemática a sua própria psicanálise, que ocasionalmente vinha praticando e que, aliás, nunca terminara. Foi nessa sua auto-análise, que pode estudar seus próprios complexos, constituindo fonte abundante de novas intuições e idéias teóricas. Com notável sinceridade e com coragem e honestidade invejável, qualidades estas que freqüentemente faltaram a outros pesquisadores, estudou em si próprio e nos seus pacientes os elementos básicos do comportamento humano. Apercebeu-se assim dos aspectos neuróticos de sua própria personalidade e da natureza afetiva dos laços que o prendiam a seu pai e a sua mãe. Pode dizer-se que o primeiro caso de Complexo de édipo estudado por Freud foi o seu próprio.Ao mesmo tempo fixara-se cada vez mais na importância da interpretação dos sonhos e da sexualidade infantil. Isto foi o primeiro passo de uma análise de seus próprios sonhos e o ponto de partida do livro que sempre considerou sua obra fundamental: A Interpretação dos Sonhos, publicado em 1899. Seguiram-se-lhe outras três obras fundamentais: A Psicopatologia da Vida Cotidiana, Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade, e Fragmentos de uma Análise de Histeria (o caso de Dora), de onde assenta suas idéias e teorias principais, que principiaram a fazê-lo famoso.

3) No aspecto terapêutico o pensamento de Freud também evoluíra rapidamente. Tão cedo percebeu que o caráter penoso dos fatos dolorosos, pavorosos e vergonhosos era precisamente a razão pela qual eles haviam sido retirados da consciência, isto o levou a pensar no mecanismo do "recalque" que se tornou para Freud "a pedra angular da compreensão das neuroses". O trabalho terapêutico não mais devia consistir na "ab-reação" da afetividade empenhada em vias falsas, mas na descoberta dos recalques e em sua solução por atos de julgamento de aceitação ou de condenação do que fora recalcado. Neste novo método, o "esclarecimento" substituía o ato de "catarse", e o método passou a ser denominado por Freud de "psicanálise".

Deu ainda um novo passo nessa mesma direção. Abandonando o uso da "hipnose catártica", substitui-a pela "livre associação", que em breve iria converter-se na regra técnica fundamental para o método psicanalítico. Aproveitara para isso as manifestações espontâneas e inconscientes dos pacientes, a interpretação dos "atos falhos", bem como o simbolismo dos sonhos.

Foi assim que com a publicação das obras anteriormente citadas, em 1899, 1901, 1905, etc., o método básico da livre associação, e suas teorias fundamentais sobre as tendências dinâmicas do inconsciente, e a da sexualidade infantil, estavam "quase" acabadas.

4) Por estas alturas, Freud começava já a criar fama, principalmente no estrangeiro. Iniciara-se assim um terceiro período na vida de Freud, que vai de 1907 até o fim da 1ª Guerra Européia e que foi caracterizado como de atividade externa e de luta pela implantação de seu sistema. A partir de 1905, um grupo de discípulos tinha-se reunido em torno dele em Viena; entre eles Adler, Steckel, Jones e Ferenzi, e em 1907 formara-se o grupo suíço de Zurique em torno de Breuer, com Jung, Rillin, Abraham e Meier. Em 1908 conseguiram realizar um encontro entre esses dois grupos, deliberando realizar regularmente tais reuniões e a publicação de uma revista — Anuaire des recherches psychopathológiques et psychanalítiques. E após um giro pela América do Norte, levado a cabo por Freud e Jung, a sua volta em 1910, reunira-se em Viena o I Congresso de Psicanálise, determinado a fundação de uma Associação Psicanalítica Internacional (API ou IPA em inglês), dividida em seções locais ou nacionais, sendo eleito Jung seu primeiro Presidente Geral, que era também do grupo de Suíça, e Adler do Grupo de Viena, Abraham do de Berlim, e Ferenzi do de Budapest. Mas o Congresso de Weimar do ano seguinte, em 1911, marcou cedo a data das primeiras dissenções e dos primeiros desentendimentos. Discordando da exagerada importância e da universalidade que Freud vinha dando ao comportamento sexual na explicação etiológica das neuroses, Adler e Jung foram considerados como dissidentes, renunciaram ou foram expulsos da Sociedade Psicanalista e formaram dois movimentos dissidentes por eles dirigidos, um em Zurique e outro em Viena. O segundo baseando as explicações dos mecanismos de inconsciente sobre os complexos de inferioridade e da ânsia do poder, deu a seu movimento o nome de "Psicologia individual", e o primeiro, insistindo no conceito de introversão e extroversão e no inconsciente coletivo, adotou para seu sistema o nome de "Psicologia analítica ou complexa". Naturalmente isto foi só o começo; logo a seguir, outros muitos discípulos se separariam das orientações do Mestre e formariam suas próprias escolas de pesquisa e de terapia, explorando, sob diversas formas, os princípios psicanalíticos.

5) Entretanto, Freud se manteve fiel a sua idéia "fixa" cada vez mais extremista, sobre os procedimentos inconscientes explicados através dos mecanismos sexuais. Entre outras obras, publicou, em 1913, Totem e Tabu, que veio fazer mais profunda a vala que o distanciava da compreensão de seus principais discípulos e colaboradores. A teoria da Libido ia tomando conta, cada vez mais, do seu sistema.

Entre 1914 e 1919, houve um período de silêncio ou de "latência", o da I Guerra Mundial, que retrasou consideravelmente o progresso psicanalítico. Durante ele, Freud pode meditar e analisar os novos fatores que as neuroses de guerra traziam para o campo analítico. Estudando o instinto destrutivo e de agressividade de caráter "não-sexual", foi aí que concebeu a idéia da duplicidade dos instintos, os construtivos ou de Eros (ou libidinosos) e os destrutivos ou de Thanatos (não-sexuais). Publicou também neste tempo o que poderíamos considerar como sua obra de síntese: A Introdução à Psicanálise.

6) De 1920 a 1930 houve um novo período a marcar uma nova orientação da doutrina freudiana da personalidade. Até 1920, eram o ID e a libido os que absorviam por completo o interesse dos estudos de Freud. Neste período, ele passa a desenvolver a teoria geral da estrutura da personalidade tripartida: ID, EGO e Super-Ego. é então que ele se lembra de colocar em primeiro plano o EGO consciente. Mas como assinala J. Nuttin, "a linha da nova teoria freudiana não permite o desenvolvimento de uma psicologia global do EGO nos seus próprios dinamismos construtivos", uma vez que Freud estuda apenas os mecanismos inconscientes de defesa em face da libido, no sentido negativo e patológico.

Depois disto, a obra freudiana desvia-se da psicologia propriamente dita e envereda pelo terreno da especulação, já iniciado em sua obra, Totem e Tabú e no da Metapsicologia. Desta forma, o último decênio a partir de 1930 pode considerar-se no sentido do progresso técnico da Psicanálise, como improdutivo, mas muito fértil em especulações e extrapolações psicanalíticas.

Seus trabalhos desta época como: Princípio do Prazer, Psicologia Coletiva, O Futuro de uma Ilusão, Inquietação e Civilização, e Moisés e o Monoteísmo, são outros tantos exemplos do gênero de preocupações que Freud abrigava em sua idade madura dos últimos anos. Ao lado de observações legítimas, de hipóteses úteis e geniais e de intuições indiscutíveis, achamo-nos, freqüentemente, diante de teorias prematuras, de idéias extravagantes e extrapolações lamentáveis. Tudo o que é humano, mau ou bom, vem misturado, em confusão ilimitada, como resultado das forças inconscientes. Nada sobrou para o nobre consciente, característica específica do Homo Sapiens.

7) Quando o psicanalista Freud morreu em setembro de 1939, fugido da fúria perseguitória do neurótico Hitler e de seu anti-semitismo, deixou ele seu movimento psicanalítico espalhado por todo o mundo ocidental, totalmente dividido em múltiplas facções e em diversas escolas.

Freud tinha-se revelado um espírito analítico e teórico mais do que sintético e prático. Faltou-lhe uma obra final que sintetizasse e desse coesão e unidade a toda a sua produção, espalhada numa imensidade de escritos, com múltiplas adições, correções, emendas, substituições e até contradições, que dão origem às mais contrárias interpretações. é assim que, considerando seus escritos como os livros inspirados da Bíblia psicanalítica, os psicanalistas do mundo inteiro aumentam ainda essa confusão, apoiando neles as mais variadas opiniões.

Ao lado de um primeiro grupo de discípulos ortodoxos, quase idólatras do freudismo, outros grupos dissidentes existem que, afastando-se da linha geral freudiana, são tildados de heresia, apesar de ter acrescentado ótimas contribuições positivas, fazendo progredir a Psicanálise, tanto no sentido terapêutico como no analítico. Há ainda outros que a orientam para o campo de novas extrapolações mais ou menos deploráveis.

Tal como hoje se pratica e ensina a Psicanálise no mundo inteiro, não se pode falar de uma Psicanálise tipicamente freudiana, mas de um movimento psicanalítico poliforme e diversificado. Quinze escolas ou mais, diferentes ou contrárias, se digladiam, criticam e menosprezam, chamando de hereges a seus contrários e apregoando seus próprios métodos e teorias diversas, tanto no terreno teórico como no terapêutico. A confusão no mundo psicanalítico, é tão grande que, apesar dos indiscutíveis méritos científicos de Freud e de suas inestimáveis aportações ao progresso da ciência psicológica, o mundo dos leigos, necessariamente, tem que ficar perplexo por não dizer totalmente descrente.

1) Desde o nascimento, e ainda antes, a criança deve percorrer um predeterminado curso de desenvolvimento e crescimento. De início o faz dotada que é de tendências e funções automáticas, ou reflexos não-aprendidos, que lhe são úteis para a manutenção das condições permanentes do organismo necessárias à vida. Elas não exigem esforço consciente e pertencem todas ao equipamento hereditário, obedecendo a motivos internos homeostáticos ou biológicos. Tais a circulação do sangue, os processos digestivos e excretórios, a respiração, a mamação, etc.

Mas a satisfação posterior dessas necessidades e outras muitas que as seguem deverá ser aprendida, através dos reflexos condicionados ou apreendidos. O reto desenvolvimento físico, em primeiro lugar, exige todo um aprendizado, que se faz necessário. Após o desmame, as atividades alimentares se modificam e a criança precisa adaptar-se à nova alimentação; precisa aprender a locomover-se, a controlar as funções excretórias, assim como o exercício da linguagem, etc. Ela deve aprender, também, a coordenar os movimentos que lhe permitam pegar as coisas, a mastigar os alimentos, a focalizar os olhos, a levantar-se, andar, falar, deve aprender a aceitar a realidade externa, a reconhecer os impulsos internos e externos e a ter uma visão global do mundo exterior. Daí que o crescimento exige um aprendizado constante, pois são constantes as modificações que exigem um comportamento flexível e de rápidas reações adequadas a cada momento. Isto é realizado através da tentativa-erro-repetição que vai desenvolvendo os reflexos condicionados ou aprendidos.

2) A vida da criança será, portanto, uma luta contínua, entre a tendência do organismo para conservar os velhos padrões adquiridos e comprovados úteis, numa espécie de automatismo, e o desafio imposto pelas novas circunstâncias, que a obrigarão a adotar novos padrões cada vez mais adequados à nova realidade. Tal adaptação deverá obedecer aos princípios básicos de aprendizagem.

l) Princípio do prazer e da dor — Desde o nascimento a criança reage a impulsos internos e estímulos externos, experimentando várias sensações, que podem ser de dois tipos: umas agradáveis, que chamaremos positivas (+) e outras desagradáveis, que designamos como negativas (-). As do primeiro grupo são geradoras de prazer e as do segundo de desprazer, desconforto ou de dor. A criança, mesmo que inconsciente, procura as primeiras e tende a fugir das segundas. Inclusive, ela é capaz de guardar e arquivar (memorizar) as lembranças dessas sensações, boas e más, que pela repetição, vão produzir os correspondentes reflexos condicionados, que se irão fixando em constelações ou grupos, que dão origem aos complexos do mesmo tipo. Os do primeiro tipo serão positivos ou de superioridade e os do segundo negativos ou de inferioridade.

A esta motivação do comportamento, quase que exclusivamente biológica e instintiva, no início, constituída apenas pelos impulsos isolados, que buscam satisfação imediata, é ao que Freud chamou de "princípio do prazer e da dor". Buscando satisfazer cada impulso, isoladamente, sem considerar as necessidades do organismo total, a criança pode querer comer e brincar ao mesmo tempo. Se irritada, revelará sua irritação chorando, gritando, dando pontapés, num comportamento irracional e indiscriminadamente hostil. Mais tarde, porém, ver-se-á obrigada a controlar tais explosões, pois aprende, mesmo que inconscientemente, que dessa forma prejudica o carinho e o apoio dos pais.

2) Princípio da realidade — Como uma transição ou extensão do princípio anterior, Freud faz referência a este princípio em seus últimos escritos. Trata-se, como ele mesmo disse, de um princípio de prazer e de dor aperfeiçoado, aprendendo a satisfazer necessidades de modo agradável e evitando, com êxito, as tensões dolorosas criadas pelas frustrações e pelos estímulos externos desagradáveis, como a punição, machucaduras, etc.

Freud analisou os mecanismos em que se baseia este princípio, distinguindo dois tipos de desejos. Uns de fuga e rejeição, pois envolvem lembranças de sensações desagradáveis como dor, fome, medo, etc., que surgem de necessidades insatisfeitas e provocam tensões que, se não são inibidas, terão que ser liberadas em atividades musculares de choro, grito, agressividade, etc. Os outros são estímulos por oportunidades de satisfações agradáveis ou lembranças de satisfações do mesmo tipo. Estas despertam novas esperanças de satisfações positivas, visando a realização de alguma coisa e não de fuga, como os anteriores.

De qualquer maneira, a capacidade de reagir segundo o princípio da realidade depende da capacidade integradora do EGO, para satisfazer as necessidades possíveis ou de solucionar o conflito entre necessidades incompatíveis. Isto depende, por sua vez, do controle dos impulsos que exigem satisfação imediata. Se a tensão se elevar demasiado, o controle resultará ineficiente.

3) Princípio de economia ou de inércia — A tendência a poupar energia, que o trabalho constante de adaptação ao ambiente e às novas circunstâncias exige, é chamada pelos psicólogos de princípio de "economia" ou princípio de "inércia". Consiste na adoção de padrões de comportamento mais adequados, que pela repetição se tornam automáticos e se praticam com o mínimo esforço e, portanto, com a maior economia. é repetido precisamente porque segue a direção do menor esforço e que exige menor dispêndio de energia.

Aludindo a este processo Freud lhe deu o nome de "compulsão de repetição", cuja vantagem para o desenvolvimento do organismo é evidente. A energia poupada pelo comportamento automático por ele ocasionado pode ser utilizada para enfrentar novas situações e tarefas, que exigem novo esforço, na sempre cansativa experimentação inicial de cada aprendizado.

Dessas três repressões, só a primeira é inconsciente e recalcada, resultando em causa possível da neurose. A segunda é consciente e pode ser revoltada, podendo dar origem também à neurose a longo prazo. A terceira repressão nunca pode ser prejudicial, mas benéfica, nela se baseando toda a educação. De onde se deduz, que não é a repressão em si, mas a forma ou tipo de repressão que causa a neurose como afirma a Escola Culturalista.

4) Princípio de estabilidade — A vida consiste num ciclo contínuo de produção e consumo de energias. Estas devem ser substituídas regularmente à medida que vão sendo consumidas. Como conseqüência do princípio anterior surge a necessidade de certo equilíbrio entre a produção e consumo para que o excesso ou carência excessivas não venha a perturbar o organismo em seu desenvolvimento.

Na fisiologia existe um princípio regulador formulado por Canon, que leva o nome de "homeostase". Com esse nome se designa a tendência fisiológica que mostram os organismos vivos à preservação das condições internas, como a temperatura, fluídos e líquidos orgânicos em determinado nível constante, chamado também de metabolismo. Percebe-se também que junto a vontade e ao psiquismo exista uma tendência reguladora básica, inata e automática, cuja função principal seja a de manter as tendências psicológicas num nível constante de tolerância. Freud, tomando emprestado de Fechner esse princípio deu-lhe o nome de "princípio de estabilidade".

Os princípios de estabilidade e a homeostase são, pois, idênticos, sendo um deles formulado em termos psicológicos e o outro em termos fisiológicos. Em certo modo o "princípio de estabilidade" representa a melhor expressão do chamado "instinto de conservação" ou "instinto de vida", sendo porém uma formulação mais concreta e mais precisa da mesma coisa, ou seja, a função pela qual o organismo luta para preservar as condições internas ótimas, nas quais o processo vital se faça possível.

Na teoria freudiana da personalidade o EGO representa esse princípio regulador e sua tarefa principal é a de pô-lo em prática. O EGO consciente é o chefe do governo do organismo, dotado das funções de integração e de execução, a fim de protegê-lo contra os estímulos internos e externos excessivos, esforçando-se para reduzí-los a um nível constante.

5) Princípio de excesso e de redução de energia — A fim de manter esse equilíbrio regulador no seu devido estado, mister é a existência de um outro princípio, o "da redução da energia excedente". As atividades lúdicas da criança, por exemplo, não são destinadas a poupar energias, mas a gastá-las espontaneamente, à margem dos princípios da inércia e da estabilidade, que antes temos estudado. Não representam repetições automáticas nem reajustes utilitários, mas estimulam o organismo a novas empresas e contínuas experiências cansativas. A energia consumida dessa forma pródiga e agradável é a energia excedente, não usada na sobrevivência da vida física ou na estabilidade homeostática psíquica. Sua descarga é uma manifestação específica do princípio homeostático, pois o excesso de energia, se não utilizado, perturbaria o equilíbrio da mesma maneira que a sua carência, e portanto deve ser descarregada.

Na criança, cujas necessidades são satisfeitas em sua maior parte pelos adultos, apesar de seu rápido e dispendioso crescimento, a produção de energia é muito maior que o seu consumo, de modo que ainda sobra muita energia "excedente" que não sendo nem armazenada nem gasta para manter a existência, seu resíduo precisa ser libertado em atividades lúdicas e outras.

O mesmo ocorre na puberdade, onde as atividades se multiplicam, acrescentando as laborais e criativas às propriamente lúdicas e do crescimento. Mas no adulto cessa totalmente o crescimento e diminui seu interesse pelas atividades lúdicas, e uma maior quantidade de energia pode ficar "excedente", que ele vai gastar num aumento das atividades laborais e criativas de um lado, e num novo tipo de descarga, de outro. Este novo tipo está representado pelas atividades sexuais, necessárias à propagação biológica da espécie. Assim, o princípio de economia da energia e o da energia excedente interligam seus coeficientes, a fim de manter a vida em seu ritmo crescente e para permitir a sua propagação.

1) Apoiado na direção destes princípios básicos e sob o impulso da energia vital e forças psíquicas, o ser humano desenvolve, gradativamente, estas cinco atividades fundamentais, ramificadas em outras muitas secundárias:

Alimentícia, Lúdica, Locomotiva, Laboral, Sexual.

A necessidade vital de alimentação, tanto para a auto-conservação como para o crescimento, cria o reflexo fisiológico (incondicionado primeiro e condicionado depois) da FOME, que se constitui em motivo ou impulso interno para agarrar coisas. Em primeiro lugar o peito, fazendo-o de início com a boca e depois com a mão. Aprende assim a pegar coisas, sentindo o prazer da necessidade satisfeita. O reflexo condicionado derivado cria, pela repetição, o hábito ou a tendência de levar as coisas para a boca e, depois, pega-as para identificá-las e para brincar com elas.

2) Evoluindo a criança, desde que todas as suas necessidades alimentícias lhe são satisfeitas pelos adultos, sem mais esforços que pedir (chorando) e sugar o peito, vai agora dirigindo toda sua atividade e atenção para o brinquedo. Neste período a criança aprende a brincar e brinca com tudo. Já sabe pegar coisas com as mãos e com elas brinca sem cessar. é a época ou fase da atividade lúdica, ginástica útil e necessária que, além da atividade alimentícia absorve por completo todo o seu esforço de criança.

3) Ao mesmo tempo treina para sentar-se, para levantar-se e para andar, fazendo-o como simples brinquedo, levada sempre pela satisfação obtida nos próprios exercícios de descarga da energia excedente, não utilizada no crescimento fisiológico. Inicia assim outra das atividades fundamentais: a atividade locomotiva, tão necessária na vida humana. Primeiro como parte da ginástica lúdica, e depois como parte da atividade laboral.

4) Quando o alimento não lhe é fornecido pelos outros, o homem deve buscá-lo por si mesmo. Isto às vezes torna-se fácil e agradável, como no caso da caça e da pesca, como um alargamento da atividade lúdica. Outras vezes torna-se difícil, aparecendo, então, a atividade laboral, penosa e amplamente diversificada, que, normalmente, lhe acompanhará toda a vida.

Desde cedo, a criança aprende a trabalhar, para ganhar de imediato (em famílias pobres) ou para preparar-se para ganhar futuramente (caso de famílias ricas). Misturando o brinquedo com o trabalho, o prazer com o dever, a criança vai aos poucos substituindo a atividade lúdica pela atividade laboral.

Aquela, porém, continuará bem significativa durante toda a juventude e, sob diversos aspectos (jogos de cartas, distrações artísticas, viagens, recreativas, cinemas, etc.) seguir-lhe-á ao longo da vida adulta.

5) O impulso vital da atividade hormonal, operando significativas mudanças fisiológicas, impele o adolescente ao exercício da atividade sexual. Ela é despertada pelas glândulas genéticas, o que marca o início da puberdade. Bem considerada, a sexualidade não é uma força ou energia libidinosa, nem sequer um "instinto" procriativo, mas sim uma simples atividade que obedece a uma série de motivos biológicos, eletroquímicos e também, a motivos outros de caráter psíquico. O prazer natural ligado ao exercício dessa como das demais atividades, o hábito ou condicionamento adquirido, e o amor a outras pessoas, podem ser alguns desses motivos. A necessidade vital de auto-conservação de si e da espécie, e sobretudo, a necessidade vital de autoproteção futura no estado de velhice, são também outros dos motivos fundamentais da atividade sexual, no ato específico da procriação.

6) Ao lado destas atividades fundamentais outras formas de atividades surgem no homem. O mesmo sentimento de autoproteção e de segurança e de medo, impele-o para a procura de segurança e conforto na construção de abrigos, habitações e de vestidos. As demais atividades incitam-nos à curiosidade e busca das formas mais fáceis de exercê-las. Desta nasce ainda o espírito e atividade de pesquisa e do estudo a caminho das atividades científicas, docente e artística. Por outro lado a mesma necessidade de procurar e assegurar o alimento, vestido e conforto, não só para o presente como também para o futuro, leva os indivíduos às atividades industriais, comerciais, de concorrência, de luta, de conquista, de auto-afirmação ou de fuga, etc. A ambição do poder e a política de mandar e dirigir estão dentro destas atividades também.

De todas estas atividades somente uma é clara e especificamente sexual, a atividade procriadora, a qual, mesmo que básica e fundamental, biologicamente falando, dispõe de uma área mais limitada que as suas congêneres, pois exige do organismo, um tempo de um esforço muito menor. De onde se deduz que toda a intensidade dos problemas sexuais, que no homem, à diferença dos animais, são muitos e muito grandes, recai quase totalmente na área psicológica. Os problemas sexuais, normais ou anormais-patológicos, do homem são antes de mais nada PSICOSEXUAIS.

Veja a tabela do gráfico a seguir.

1) Literalmente o homem levantou-se do chão. De quadrúpede tornou-se bípede. Após muitas tentativas tornou-se ereto. Também a criança levanta-se do chão, reproduzindo a linha zoológica que originou seus antepassados. De uma coisa, quase inanimada, pelo crescimento e aprendizado, torna-se um homem racional, sapiens, equilibrado, física e psiquicamente sadio. Mas essa linha de desenvolvimento que podemos traçar como vertical, quando normal, pode sofrer desvios e tornar-se anormal ou oblíqua.

2) Por própria constituição somática hereditária, mesmo desde antes do nascimento, ou por causa dele, algumas crianças ficam incapacitadas de "erguer-se" ou de crescer normalmente. Caracterizados por diversos graus, levam o nome genérico de deficientes, hoje amenizado com o termo de excepcionais (negativos).

3) Por características constitucionais somáticas, também, orgânicas e hormonais, de um lado, ou por influências ambientais de um aprendizado errado, de outro, o crescimento de um grande número de pessoas, psíquica e emocionalmente resulta anormal ou desviado da verticalidade. Numa grande escala de especificação constituem a classe, relativamente enorme, dos doentes mentais e emotivos. Seu erguimento da animalidade para a racionabilidade, foi grandemente prejudicado e impossibilitado.

4) Alguns outros crescem normalmente e adquirem a categoria de homens equilibrados, tanto mental como emocionalmente falando. E alguns outros conseguem seu desenvolvimento, em grau excepcionalmente positivo, recebendo o nome de dotados ou superdotados (o que nem sempre quer dizer que sejam emocionalmente equilibrados).

5) Deixando para os Psiquiatras o estudo das anormalidades constitucionais dos doentes do primeiro grupo, e para o psicólogo a análise das características das pessoas do terceiro grupo, diante dos doentes do segundo grupo, o psicanalista se pergunta: quais as causas do comportamento anormal e do desenvolvimento deficitário dessas pessoas, que mental ou emocionalmente sofreram esses desvios?

1) O problema da LIBERDADE humana foi debatido, discutido e polemizado em todas as épocas, sob todos os ângulos e com opostas soluções. A Genética e a Citologia, por um lado, e a Psicologia e Parapsicologia, por outro, estão nos fornecendo explicações mais científicas sobre tão momentoso problema. De um lado somos terrivelmente CONDICIONADOS, na área INCONSCIENTE e biológica e nessa porcentagem carecemos de liberdade. Na área racional, porém, resta-nos um pequeno campo de escolha, e na mesma medida, uma pontinha de liberdade.

2) CONDICIONAMENTO BIOLÓGICO — Sem contar as inúmeras circunstâncias em que não é permitida a ESCOLHA, como lugar, nacionalidade, data de nascimento, país, parentesco, condição social, nome, etc., todos nós nascemos geneticamente condicionados. A genética de um lado, e a reflexologia de outro, estão começando a nos explicar os porquês dos reflexos incondicionados, que formam o que podemos chamar de "memória herdada" ou código de vida. Ao que parece, nos próprios gênes nos é transmitido o fundamento de todo o nosso comportamento ulterior, não só biológico, como temperamental, caracteriológico, moral, e, inclusive dos nossos comportamentos intelectual e racional.

UMA SEGUNDA NATUREZA foi formada em nós por verdadeiro condicionamento, através de milênios ou milhões de anos. Poderosas forças adicionais, verdadeiras tendências ou necessidades, hábitos não aprendidos inatos e congênitos, designados como INSTINTOS, foram formados no correr dos tempos por verdadeiro condicionamento, acrescentando ao comportamento químico-biológico, um outro comportamento artificial (formado-condicionado) psíquico-fisiológico. A tendência a sugar o peito, a rir, chorar, erguer-se, andar, o grau de temperatura normal, a atitude para amar ou para agredir, são formações filogenéticas, que escapam a todo condicionamento atual, mesmo que provenham de um condicionamento ancestral e milenar.

O SEXO: por exemplo, sujeito inicialmente ao princípio do prazer e do desprazer, de uma necessidade biológica do homo-animalis, transformou-se por condicionamento e hábito, em necessidade psicológica do homo-sapiens, determinada pelo princípio do prazer pelo prazer. O ato criou o hábito, e o exagero criou a necessidade, viciando a natureza primitiva, como o cigarro e o álcool vicia agora criando novas necessidades artificiais.

3) CONDICIONAMENTO AMBIENTAL-EDUCATIVO — Para a maioria dos pais (as exceções são mínimas) a criança é considerada como um OBJETO. Ela representa o objeto do amor dos pais, do prazer dos pais e do interesse dos pais. Normalmente, em seus primeiros anos, a criança é criada e educada (ou condicionada) pelos gostos dos pais, pelos hábitos dos pais, pelo exemplo dos pais, que marcam e condicionam a criança, deixando nela estereotipado aquilo que a PSICANáLISE chama de IMAGO paterna.

A criança cria-se e educa-se também em contato com os irmãozinhos e os amiguinhos, ou com os irmãos maiores, tios, avós, etc., que também a consideram como um objeto e a condicionam com seus comportamentos e ensinamentos. A luta pela vida, o direito do mais forte, a necessidade de auto-afirmação e de sobrevivência, que exercidas em sua vida de brinquedos e dirigidas sempre pelos princípios de maior prazer ou desprazer e pelo da realidade, deixam nela igualmente grandes marcas de novos condicionamentos.

4) CONDICIONAMENTO CULTURALA ESCOLA: Nenhuma escolha sobre a escola, nem do professor ou da professora, nenhuma escolha das matérias a aprender. Os pais escolhem, (quando podem) no máximo o lugar, e mais nada, o resto é tudo imposto pelas circunstâncias. Tudo planejado. E a seguir, começamos a ser educados-ensinados (condicionados) pela sociedade e para a sociedade. Outra vez, a luta pela vida, a necessidade de auto-afirmação e de vitória, a IMAGO dos professores e professoras, o exemplo dos colegas norteiam e condicionam a formação dos princípios e motivos do comportamento.

5) CONDICIONAMENTO SOCIAL, POLíTICO E RELIGIOSO — Nem quando maiores deixamos de ser condicionados. O ambiente familiar, social, político e religioso continua a marcar e a dirigir os nossos passos e os nossos comportamentos. A convivência familiar impõe-nos, diariamente, inúmeras normas de vida, que indubitavelmente não queremos e, intimamente rejeitamos, mas que nos vemos obrigados a praticar. No social, as boas maneiras e a moda nos ditam as normas, o cinema, as amizades, as festas, etc., controlam-nos muito mais do que nós pensamos. No religioso é a mesma coisa. Queiramos ou não queiramos, outros nos guiam, nos conduzem, nos ensinam, nos marcam os caminhos, nos condicionam. E na política, então não digamos. Basta saber que jornal lê, para saber como pensa.

6) De onde resulta que, perante um condicionamento genético-biológico (memória biológica ou herdada) surge em nós um determinismo inconsciente biológico (Freud — ID).

Perante um condicionamento educacional e cultural (familiar — religioso — escolar) surge, também, um determinismo cultural, igualmente inconsciente: (Jung, From e a Escola Americana — SUPER-EGO).

E perante um condicionamento político-social surgirá assim mesmo um determinismo social, inconsciente: (Sullivan, Horney, Reich, e todos os socialistas, principalmente — SUPER-EGO).

Nosso condicionamento e determinismo psíquicos resulta de uma soma de todos os anteriores.

7) Ao final terminamos sendo uns CONDICIONADOS. Mesmo em nossa superfície consciente, às vezes, nos revoltamos com tantas imposições, nas camadas profundas do inconsciente, aceitando essas normas de comportamento, que nos impõe o ambiente externo (SUPER-EGO), convertendo-nos, a maioria em seres autômatos e não livres. E os que estão revoltados também no seu íntimo inconsciente, acabarão frustrados, angustiados e finalmente neuróticos. Pode ser que nosso EGO consciente tenha a pretensão de ser bastante livre. Na verdade ele está sendo pressionado pelo ID de um lado e pelo SUPER-EGO, de outro. E, neste sentido, nossa liberdade fica normalmente a 5% ou 10%, no máximo.

1) Explicando a etiologia ou causa das neuroses, Freud a colocou, como sabemos, nas tendências ou atividades sexuais infantis de cuja lembrança recalcada, pelo fato de ser vergonhosa, são originadas. E da confusão dos escritos freudianos podemos resumir o seguinte:

Todo ser humano traz em si desde o nascimento uma força motriz ou "impulso criador", cujo fim é assegurar a expansão e a perpetuação do ser, no espaço e no tempo. Essa força inicial, instintiva e impulsiva, logo se sexualiza e se converte em energia sexual, Freud lhe deu o nome de LIBIDO, termo usado primeiramente por Cícero para significar "uma tendência apetitiva para qualquer bem futuro". Freud a considerava sob quatro aspectos diversos:

a)Como uma energia, construtiva ou destrutiva, quantitativa e físico-psíquica, inicialmente indiferenciada e generalizada, capaz, mais tarde, de sexualizar-se em determinados casos e fixar-se em determinados órgãos.

b)Como uma tendência ou necessidade de satisfação afetiva ou amor geral e indiferenciado, que aos poucos vai se convertendo em sexual ou libidinoso.

c)Como a própria atividade sexual, propiciadora da satisfação dessa tendência-necessidade.

d)E como o prazer específico ou nota qualitativa de agradabilidade que acompanha as atividades sexuais e que poderá motivá-las, mas não causá-las.

Mais tarde utilizou o termo EROS como expressão dos instintos libidinosos e sexuais. Daí que erotizar se considerasse sinônimo de sexualidade. Segundo ele qualquer parte ou órgão do corpo pode ser erotizada ou sexualizada, como acontece com a boca, o anus, etc., a ponto de substituir o verdadeiro órgão.

Considerou ainda a libido como subjetiva ou interna, quando reside no próprio indivíduo e como externa ou objetiva, quando se refere a pessoas ou coisas exteriores; objetal quando se refere a coisas ou objetos, e pessoal, quando a pessoas.

Neste sentido a libido foi estendida por Freud e seus discípulos a tudo o que existe e tem relação com o ser humano, já seja bom ou mau, construtivo ou destrutivo, num pansexualismo de origem inconsciente, nada sobrando para o nobre consciente, característica precípua que distingue o ser humano e racional dos animais irracionais.

2) Freud considerou o desenvolvimento normal da libido —sexualidade em três períodos e em seis etapas ou fases diferentes, em cujo percurso poderiam surgir vários defeitos ou desvios considerados como anormalidades, devidas geralmente à má educação familiar e social, principalmente, em ambientes excessivamente repressivos.

O primeiro período com três fases diversas abrange toda a primeira infância desde o nascimento até os cinco anos aproximadamente. Caracteriza-se pelo início do crescimento e aprendizado, e nele observou Freud várias experiências ou atividades libidinosas ou sexuais, impropriamente ditas ou não genitais.

a) A primeira fase ou "fase oral", vai desde o nascimento até perto dos dois anos, se caracteriza por certa passividade receptiva, e nela se desenvolvem as atividades nutricional, educativa e lúdica. Durante esta fase a libido-prazer se manifesta principalmente através da boca, onde se situa todo o prazer da criança, especialmente pelo ato da mamação e do uso da chupeta.

Por supor, a repetição dos atos deve criar o reflexo condicionado de Pavlov e com ele uma tendência, necessidade ou hábito de se satisfazer prazeirosamente, o que vai muito além da simples satisfação alimentícia. De fato, se de início a criança se satisfaz mamando, logo a seguir se satisfaz igualmente apenas pela sucção da "chupeta" ou dos próprios dedos. Isto, e a forma especial do movimento de sucção, de avanço e retrocesso, levou Freud a considerar esta atividade e prazer como libidinosos e muitos psicanalistas com ele a consideraram como onanismo dos lactentes. Mas os psicanalistas de hoje, principalmente os culturalistas, tendem a dar muito mais ênfase ao prazer e à atividade lúdica que nada têm de libidinosos.

b) A segunda fase é chamada de "fase anal", tem lugar entre os dois e três anos e se caracteriza por certa atividade pronunciada, na luta pela experimentação e auto-afirmação. Durante esta fase, surgem abundantes momentos e formas de irritabilidade, devida aos próprios fracassos em seu aprendizado, às contrariedades e repressões dos maiores, e a luta encetada entre a criança e a mãe por causa da higiene. Devido a isso aparece na criança certa espécie de "pirraça" destrutiva com caracteres vingativos a que Freud e os psicanalistas chamam de sadismo.

Desviando sua atenção do brinquedo cada vez mais acentuado na criança dessa idade e do crescente prazer que lhe proporciona a atividade lúdica, Freud descobriu um certo tipo de libido-prazer, focalizado no ânus e ligado à atividade excretória, ou melhor à persistência infantil na retenção e manipulação das "fezes", supondo mais que provando, a existência de um certo erotismo anal muito intenso e um semelhante erotismo uretral pela retenção da urina.

c) A terceira fase ou "fase fálica" abrange o período dos três aos cinco ou seis anos aproximadamente. Caracteriza-se por uma atividade excessiva e por uma igual curiosidade por tudo o que rodeia a criança, onde acima de tudo prevalece a atividade lúdica. Nessa atividade concentra agora seu máximo interesse e dela usufrui o máximo prazer, que muito pouco ou nada tem de libidinoso.

Com a máxima naturalidade, a criança leva nesta época todo o seu interesse e toda a sua curiosidade para as zonas genitais de si e das pessoas que a rodeiam, querendo saber tudo a seu respeito. Sente também um grande prazer em ficar e em ver-se nua, assim como aos outros e em manusear seus órgãos genitais. Começa a preocupar-se pelas diferenças anatômicas entre os meninos e meninas e pela forma de seu nascimento. é a hora das infindáveis e persistentes perguntas que, se não devidamente satisfeitas, causarão as mais díspares fanta-sias infantis. é a hora em que comumente se geram os complexos de castração e de culpa, o de inferioridade, o de édipo, etc., e os medos reais e imaginários começam a tomar conta da criança, ocasionando ansiedade, angústia e insegurança, que nada mais fazem que aumentar os medos num círculo vicioso sem fim, fonte das futuras neuroses.

Segundo Freud, a libido-prazer se estende a todas as zonas do corpo, fixando-se especialmente na face, no peito e nas zonas glucais, boca, ânus, etc., saturando os órgãos genitais e provocando sensações tácteis prazeirosas num remedo antecipado da futura masturbação. A criança gosta, pois, de exibir e manipular seus órgãos genitais, o que faz inocentemente e sem malícia. Mas duas coisas podem ocorrer nessa época que barram e impedem esse desenvolvimento normal da libido: uma iniciação brutal e prematura por parte dos adultos, que lhe ensinam ou lhe permitem ver coisas altamente chocantes ou traumáticas, ou uma repressão excessivamente drástica de seus brinquedos sexuais, ambas capazes de fixar nas mentes infantis as imagens desses fatos, futuramente perturbadoras e fonte de neuroses.

é a hora também em que pode desenvolver-se um amor e dependência excessiva do filho para com a mãe e da filha para com o pai, dando origem ao complexo de édipo, como veremos.

3) A quarta fase libidinosa surge na criança no período da segunda infância entre os seis e dez anos aproximadamente. Freud lhe deu o nome de fase ou período de latência.

é um período de grande atividade lúdica e ginástica, espontânea ou educativa, que dá à criança grande desenvolvimento físico, ao mesmo tempo que sua grande curiosidade lhe propicia o aprendizado. é a época em que se inicia o processo escolar ou, em alguns casos, começa a atividade laboral, coisas que consomem grande parte da energia excedente, não gasta no próprio crescimento.

Daí que a força da libido (prazer sexual) pareça diminuir e aparentemente entra num estado de latência. Seu interesse pelos órgãos diminui ou se disfarça perante a ação educativa e repressiva dos adultos. Sua afetividade é dirigida agora para os colegas de brinquedo, geralmente do mesmo sexo, e seu interesse se concentra nas atividades lúdicas e escolares.

Em casos excepcionais, pode não registrar-se este período de latência, tendo como resultado uma perturbação sexual. O convívio com colegas do mesmo sexo e os maus exemplos podem desenvolver as bases de um futuro homossexualismo, bem como a prática de uma masturbação exagerada, sendo objeto freqüentemente de sedução e corrupção antecipada por parte dos adultos.

4) A quinta fase libidinosa marca o começo da puberdade que se inicia com as mudanças hormonais e o ressurgimento da sexualidade, agora já mais específica e genital, posta ao serviço da procriação. Os impulsos instintivos são revividos e o instinto sexual deixa de ser auto-erótico e narcisista, procurando seu objeto próprio, no mundo exterior e de sexo oposto para alvo de seu amor. O rapaz que amadurece sadiamente se liberta das influências edipianas, abandona suas projeções eróticas para com a mãe e se identifica com o pai, igualmente a mocinha, deixa o pai, e se identifica com a mãe.

Se tudo ocorre normalmente, o adolescente supera esta fase transitória e entra na sexta fase final, que é a do amadurecimento, e virilidade adulta.

1) Em todas as fases do desenvolvimento da libido, pode acontecer que tal processo não se efetue normalmente o que dará origem a uma série de desvios sexuais ou anormalidades, chamadas também de perversões.

A fixação: Pela repetição dos atos, o reflexo condicionado e o hábito adquirido poderão causar um processo normal de fixação. No caso da libido, pode ocorrer o fenômeno da fixação do prazer libidinoso em algum dos focos ou zonas próprios das fases anteriores, a boca, o ânus, zonas genitais, etc., determinando nos caracteres das personalidades, marcadas qualidades de comportamento oral, anal, fálico, etc. Nesta base, Freud desenvolveu um tipo de caracterologia: pessoas de caráter oral, as que sentem o máximo prazer na boca; os fumadores, os bebedores e os grandes gastrônomos, e sexualmente os cunilingues. De caráter anal, os avarentos, sovinas, ultra-conservadores, etc. bem como os vingativos, médicos e os homossexuais invertidos ou passivos; de caráter fálico, os narcisistas, os egoístas, egocentristas, etc., e os homossexuais ativos.

O mecanismo da fixação é uma das descobertas freudianas mais brilhantes e preciosas. A fixação seria produzida por experiências infantis, quer de frustrações ultra-penosas, quer de satisfação intensa em determinadas zonas corporais. Em situações especialmente difíceis e tensas a satisfação ou frustração proporcionaria um colorido todo especial e a criança nunca mais poderia abandonar esse tipo de atividade infantil, que lhe ocasionou tamanha satisfação ou frustração. Chupar os dedos, morder as unhas, fumar ou beber exageradamente, em momentos de aborrecimentos ou tensão nervosa, poderia interpretar-se como manifestações de fixação à fase de prazer oral, que sentiam ao serem amamentadas e pelo excessivo uso da chupeta, quando crianças, ao qual voltam quando se sentem inseguras. O prazer excessivo na acumulação de riquezas, seria um reflexo de fixação do prazer na retenção das fezes, na fase anal, bem como certos tipos de constipação ou prazer intenso no ato da evacuação. Do mesmo modo, algumas formas de masturbação e de narcisismo poderiam ser consideradas como efeitos de fixação da zona fálica.

A regressão: Igualmente brilhante foi a descoberta do mecanismo de regressão feita por Freud. Tem-se notado, na análise dos neuróticos, que em muitos casos adotam modos de comportamentos e atitudes correspondentes às que usaram em tempos remotos de fases passadas. Parece comprovar-se que, ao encontrar obstáculos difíceis de transpor, durante o desenvolvimento de sua personalidade, escolha a solução de regredir ou retornar a determinadas formas passadas de prazeres libidinosas, que representaram um significado especial de satisfação em tempos de fases antigas. Todos sabemos que, quando uma pessoa, que já fora sadia e correta, começa a ficar neurótica, seu estado comportamental torna-se infantil e imaturo tanto mais quanto mais intensa for a sua neurose. Parece regredir, do estado de madureza para o antigo estado de criança. Aí começa a adotar padrões de comportamento que já tivera noutras épocas. Por exemplo, uma moça cuja necessidade de amor seja frustrada no casamento, procura regredir, em certos casos, a determinados estados de sua infância que lhe foram ocasiões de grandes satisfações desta mesma necessidade de afeto, revivendo o mesmo tipo do comportamento daquelas épocas.

2) A explicação dos desvios sexuais parece uma base correta nesses tipos de fixação e de repressão.

O narcisismo primário, que nas fases anal e fálica, leva a criança a adotar comportamentos egoístas, monopessoais, egocentristas e de auto-erotismo, nada mais é do que a volta à libido do EGO, própria da fase oral, que já devia ter ultrapassado, transferindo sua libido interior para a libido objetal ou dos objetos exteriores, pais, irmãos, amigos, etc. é no entanto na época da fase fálica em que a criança se mostra mais egoísta que nunca, tudo querendo para si, brigando por tudo e contra todos, defendendo o que julga ser seu e tirando dos outros o que não é seu. E se prolongar através do período de latência, fixações e regressões posteriores, darão origem a caracteres extremamente egoístas e narcisistas, que tudo querem para si com prejuízo dos demais. O fumador, o beberrão, o comilão e o jogador, são indivíduos que gastam lindamente todo o dinheiro de seu ordenado, sem preocupar-se com as necessidades que passa sua família, adotando um tipo de comportamento chamado de narcisisno secundário, reflexo da fase oral, respectiva e ultra-egoísta.

3) O mesmo tipo de fixação e repressão vamos encontrar nos comportamentos sádicos e masoquistas de muitos adultos, que não fazem mais do que voltar ao tipo de comportamento já estabelecido quando criança, durante a fase anal, época de comportamentos dominadores próximos à crueldade, que podem ver-se nas crianças dessa idade. De fato e nessa fase sádico-anal, coincidindo com a saída dos dentes e o robustecimento dos esfíncteres, que os desejos infantis adquirem tal vigor, algumas vezes, que de não ser satisfeitos, provocam nas crianças reações extremamente agressivas e destrutivas, mostrando como que grande prazer na destruição e no sofrimento da coisa ou pessoa amada. E igual a criança, o adulto que se sente impedido de alcançar um objetivo apetecido, diante do desprazer ocasionado por essa frustração, é levado a uma reação de irritabilidade e conseqüentemente de agressividade destrutiva. Qualquer tipo de frustração pode levá-lo à mesma reação sádico-masoquista ou as mesmas frustrações registradas quando criança.

Fatos infantis de intensa satisfação prazerosa ou de intensa frustração costumam provocar imagens e lembranças carregadas de afetividade, como em tempos posteriores, surgindo de novo na memória pelo mecanismo da associação, e produzindo nova afetividade semelhante à primeira e levarão o adulto, por regressão, ao mesmo tipo de comportamento anteriormente fixado.

4) Homossexualidade: Houve um tempo em que se acreditava que o homem homossexual (passivo) o era porque num corpo de homem habitava uma alma de mulher; e vice-versa, a mulher homossexual (ativa) tinha em seu corpo de mulher uma alma de homem! Hoje se fala do terceiro sexo, ou melhor, de sexos indiferenciados. De qualquer modo, as tendências afetivas desses indivíduos tornam-se invertidas.

Em muitos casos é possível que existam causas somáticas ou orgânicas que ocasionem essa inversão de tendências anormais. Elementos hormonais ou uma constituição somática inversa poderão originar tendências também inversas.

Comumente, sem embargo, parece constatar-se que as causas verdadeiras, próximas ou remotas do homossexualismo, nos homens ou nas mulheres, residem mais em razões educacionais, culturais e sociais.

Estatisticamente falando, parece que a porcentagem de homossexuais é muito menor no campo que na cidade. Isto nos leva a pensar que a causa freqüentemente não é somática, mas psíquica e educacional.

Psicologicamente, o homossexualismo teria várias causas. Os meninos muito apegados aos pais e as meninas muito ligadas às mães podem desenvolver um comportamento regressivo de afeição por parceiros do mesmo sexo. Máxime quando os meninos constantemente escutam o pai falando mal das mulheres e as meninas escutam sempre a mãe falando mal dos homens. Meninos que de crianças se criam exclusivamente com meninos e vivem em colégios e externatos exclusivamente de meninos, por falta de convívio, podem desinteressar-se pelas meninas e desenvolver atitudes de timidez e inibição diante das mulheres posteriormente. Nestes casos é fácil desenvolver relações unilaterais com o mesmo sexo quando criança e por fixação e regressão fazê-lo igualmente quando adultos. O mesmo ocorre em tratando-se de meninas.

O desinteresse havido pelo sexo oposto, nascido da falta de convívio, e as fantasias infantis e dos adolescentes a seu respeito, podem explicar muitos dos casos de homossexualismo, nesses casos é fácil criar amizades profundas entre indivíduos do mesmo sexo, capazes de resultar esse tipo de sexualidade.

Freqüentemente o medo da responsabilidade de ter filhos, da carga de um lar e de sustentar uma mulher, o ganho fácil de dinheiro e posição social, bem como os maus exemplos e a iniciação alheia, podem ser outras tantas causas de ordem educacional, cultural ou social e econômica que possam dar margem ao início da homossexualidade.

1) Entendemos por COMPLEXO um conjunto de reflexos, positivos ou negativos, que determinam uma tal classe de comportamento. (Idéias, imagens, pensamentos, sentimentos). Assim, um conjunto de reflexos positivos leva normalmente ao complexo de superioridade e um conjunto de reflexos negativos leva ao de inferioridade. Todavia, o uso da palavra complexo, tem, em Psicanálise, um sentido pejorativo e tratando-se de conjuntos de reflexos positivos, somente se consideram complexos quando anormalmente exagerados.

2) Complexo de culpa: Se origina do sentimento de culpa, que "nasce da reação psicológica contra impulsos violentos e até homicidas, agressivos ou pecaminosos". Segundo o grau de irritabilidade dos estímulos, surgem os reflexos ou reações, que provocam esses impulsos violentos de agressividade. Passada a irritação, sente-se a irracionabilidade desses impulsos e segue-se esse sentimento de ilógica, de estupidez e de culpabilidade. Quando o sentimento de culpa se torna quase permanente, obsessivo e irracional, estamos diante do verdadeiro Complexo de Culpa no sentido patológico ou psicanalítico.

De criança, por exemplo, amamos os pais, mas freqüentemente ficamos tremendamente irritados contra suas exigências, suas proibições e atitudes ao ponto de nos revoltarmos contra eles, odiá-los, ou mesmo agredi-los. Como também os amamos ao mesmo tempo, nos sentimos culpados de nossas atitudes.

3) Complexo de Castração: O menino em geral se orgulha de possuir um pênis, que a menina não tem. Esta, por sua vez, pode sentir-se inferiorizada por não tê-lo. Isto naturalmente, dependendo das conversas que escutar dos maiores a seu respeito. Por vezes os maiores podem usar de brincadeira com os meninos, dizendo-lhes que vão cortar o pênis, e as crianças podem tomá-lo a sério; as meninas podem também pensar que a elas já lhes foi cortado. Esse medo tornar-se-á, possivelmente, obsessivo e mais ou menos irracional, em alguns casos, o que constitui o chamado Complexo de Castração. Em Totem e Tabu, Freud explica como se originaria um complexo de castração inicial e primitivo, nos primórdios da humanidade.

4) Complexo de édipo, no homem, e de Electra na mulher: Durante a primeira infância desenvolve-se nas crianças normalmente um íntimo desejo de imitação e de se comportar como seus pais e, no caso do menino, especialmente como seu pai. O pai "idealizado" é, assim, "interiorizado" no Ego da criança como o "Ego ideal", ou Super-Ego. Freud os considerou como dois aspectos de uma mesma coisa. O Ego ideal corresponde à parte positiva das perfeições paternas que a criança se propõe imitar, como dizendo: "Tu deves fazer isto que teu pai faz". O Super-Ego corresponde a faceta do pai que impede, ameaça e pune, concluindo "Tu não farás isto, que teu pai não quer e não faz".

Nos primeiros anos, a criança recebe quase tudo da mãe, ama a mãe e se identifica com ela, quase que ignorando o pai. Mas em certa época, os filhos se dão conta do pai e voltam as vistas para ele. Em casos de uma boa educação normal (no caso do devido comportamento dos pais), o filho, sem deixar de amar e admirar a mãe, terminará identificando-se com o pai, pelo processo antes citado, e a filha, amando e admirando o pai, terminará imitando a mãe e identificando-se com ela.

Freqüentemente, porém, os comportamentos educacionais dos pais podem fazer com que o filho desenvolva anormalmente acentuadas idéias negativas do pai e positivas da mãe e vice-versa, a filha: negativas da mãe e positivas do pai. Por razões pessoais ou sociais, algumas mães obstentam uma predileção especial pelo filhinho varão e maior severidade, senão antipatia, para com as filhas: enquanto que os pais costumam manifestar maior carinho para a filhinha e maior indiferença para com os filhos. Os pais se sentem mais à vontade quando castigam os filhos e se tornam mais condescentes e benignos quando devem castigar a filha. Igualmente as mães desculpam e perdoam com maior facilidade o filho amado e tratam com maior severidade as filhas. Assim, idéias e imagens negativas ou positivas da mãe boa e do pai ruim podem desenvolver-se e fixar-se de maneira extraordinariamente anormal nos filhos, igual que outra equivalente, pode desenvolver-se nas filhas a respeito do pai e da mãe ruim. Isto faz com que o filho forme uma Imago totalmente negativa do bom pai e muito positiva da mãe, como a filha pode formá-la positiva do pai e negativa da mãe. Em conseqüência o filho terminará rejeitando o pai e identificando-se com a mãe, ao passo que a filha rejeitará a mãe, identificando-se com o pai. Nisto consiste o verdadeiro Complexo de édipo no menino e na menina, que nos adultos, homens e mulheres, acarretará comportamentos extremamente perniciosos, não só nos declaradamente neuróticos, como nos que se conservaram com certa normalidade.

Eis algumas das muitas imagens ambivalentes que se podem fixar na mente da criança, determinando a IMAGO total que acabarão formando do pai ou da mãe.

é claro que um núcleo específico dessas imagens positivas ou negativas tenderá a prevalecer e a fixar-se no inconsciente dinâmico da criança, constituindo o verdadeiro complexo edipiano, futuramente tanto mais perturbador, quanto maior o número de imagens negativas; e se uma eventual relação pai-filha ou mãe-filho de caráter especificamente sexual, e incestuoso, (muito mais comum que a relação filho-mãe ou filha-pai), tiver lugar, tenderá também a fixar-se resultando tanto mais traumática e perturbadora, quanto maior tenha sido a quantidade de emoção que a tenha acompanhado.

Resumindo: o verdadeiro complexo de édipo consiste, no menino: na rejeição do pai e na identificação com a mãe; e na menina: na rejeição da mãe e na identificação com o pai. E isto, se alguma vez tem uma origem de afetividade morbosa de aspecto sexual, na maioria dos casos, se origina da afetividade defeituosa nascida da falsa educação e do mau comportamento dos pais

1) Por volta de 1923, após quarenta anos de estudo do psiquismo humano, quando pareceria ter amadurecido seu sistema psicanalítico, Freud veio elaborar uma teoria geral da personalidade do homem. Para sua melhor compreensão dividiu-a em três "estâncias" ou compartimentos: o ID, o EGO e o SUPER-EGO, sendo representadas por três círculos concêntricos. No centro estaria localizado o ID, no exterior o SUPER-EGO e no intermediário o EGO.

2) Diz Freud: "Damos ao mais antigo desses compartimentos, estâncias ou classes de processos mentais o nome de ID. Sob a influência da realidade do mundo exterior, uma fração do ID primordial começa a ser conscientizada até formar uma estrutura especial, que vai servir de intermediário entre o ID interior e o mundo exterior. A essa fração do nosso psiquismo damos o nome de EGO. No longo período da infância e adolescência, no qual depende dos pais, dos mestres e dos contatos sociais, vi formar-se, ao lado do EGO uma outra estância particular, que se impõe a seu EGO, prolongando a influência paterna e constituindo-se num terceiro poder, do qual o EGO é obrigado a reconhecer-se devedor. Chamamos a esta terceira estância de SUPER-EGO".

4) ID é o neutro do pronome impessoal latino, expressão que Freud copiou de Nietzsche, e como qualidade impessoal e individualizante, está constituída por uma espécie de reservatório de impulsos caóticos e irracionais, construtivos e destrutivos, não harmonizados entre si ou com a realidade exterior. O ID representa, de uma parte, o núcleo biológico hereditário de reflexos incondicionados e, de outra parte, o formado pelos reflexos incondicionados e, de outra parte, o formado pelos reflexos condicionados, que dão origem aos impulsos, tendências, hábitos, apetências e desejos inconscientes que conhecemos sob o nome de instintos. Envolve os impulsos primitivos da natureza humana, dentre os quais Freud destaca as qualidades raciais herdadas e os instintos construtivo e destrutivo de vida e de morte, Eros e Tânatos, junto com as experiências reprimidas ou recalcadas, por serem demasiado penosas para permanecer na vida consciente.

Ele é dominado pelo princípio do prazer e desprazer, e a satisfação imediata e incondicional de seus impulsos, sem qualquer consideração de oportunidade de tempo ou lugar, conveniência ou desconveniência pessoal ou social. O ID é ativo e dinâmico e sua atividade colocará, muitas vezes, o EGO em perigo de desequilíbrio, diante das barreiras do mundo exterior ou do princípio da realidade. Obrigado a reprimir ou recalcar esses impulsos inconvenientes e irracionais, para o neurótico representa, principalmente, o mundo de seus impulsos recalcados, mesmo que contenha também outros que nunca foram recalcados. O ID, portanto, está integrado pelo mundo do inconsciente, com ou sem recalque.

Para Freud o bebê recém-nascido é essencialmente ID, isto é, massa de impulsos caóticos, sem nenhuma consciência organizadora ou diretora. O bebê pode ser considerado, mais como uma "coisa" que como uma pessoa. é algo impessoal, um indivíduo "coisinha", aquilo... Ainda não possui psiquismo, nem personalidade. Terá que formá-los.

5) Certo que nas crianças muito novas existe a predominância do ID, mas aos poucos aprende a testar a realidade. Começa a saber que existem barreiras que impedem a consecução de seus desejos. Por vezes seus desejos e caprichos provocam castigos ou de alguma forma são impossibilitados. A penosa experiência de cada dia lhes ensinará que o mundo é ingrato e não cede facilmente à satisfação de seus desejos. Isso faz com que, gradualmente, se modifique uma porção desse ID, dele emergindo, lentamente, uma pequena área de consciência e de racionabilidade. Essa modificação dentro do ID, pela qual o mundo exterior se torna consciente, foi denominado por Freud de EGO.

O EGO surge, pois, do marasmo caótico das forças ou impulsos e tensões hereditárias, inconscientes e involuntárias, como princípio integrador e unitário. Primeiro como EGO semi-inconsciente e, logo lentamente, personificando mais e mais todas as operações até chegar à posse da plena consciência. Tomando seu ponto de partida na percepção consciente, a tarefa do EGO é ir submetendo à sua influência setores cada vez mais vastos e camadas sempre mais profundas do ID.

Desde o ponto de vista psicológico a função do EGO é a de elevar os processos do ID ao nível mais alto da racionabilidade e da conveniência, da moralidade e da sociabilidade. Assim como o ID obedece exclusivamente ao princípio do "prazer-desprazer", o EGO é dominado pelo princípio da "realidade" e pela inquietação da segurança ou temor de insegurança. Sua missão é a própria conservação do ID, coisa que este parece negligenciar... Sua tarefa, na opinião de Freud, é o de dirigir e coordenar as exigências do ID, bus-cando satisfazê-las num nível de realidade, mais ou menos aceitável.

As relações entre o ID e o EGO, Freud as comparou à relação entre um cavaleiro e sua montaria. Geralmente o cavaleiro domina e dirige a sua montaria por onde ele quer. Isto acontece quando o cavaleiro é forte e experimentado. Do contrário, a montaria domina o cavaleiro e vai por onde ela quer... No primeiro caso, trata-se de um EGO fortalecido, bem treinado, bem formado, de pessoa normal e sadia, com um ID submisso, disciplinado e obediente; no segundo caso, teremos um ID prepotente, insubmisso, indisciplinado e desobediente, diante de um EGO enfraquecido, imaturo ou dissociado, subdesenvolvido, indeciso e medroso diante da insegurança, quando obrigado a tomar uma decisão consciente e racional, ao ponto de deixar-se arrastar pela imposição do ID.

6) O nascimento do EGO vem da primeira infância, quando os laços emocionais da criança com seus pais são muito intensos, nessa época, o EGO da criança ainda é muito fraco para enfrentar a terrível e monstruosa realidade e para ocupar-se, sozinho, das imperiosas exigências do ID. Como o cavaleiro inexperiente precisa de alguém que lhe ajude a dominar a montaria, assim a criança precisa da ajuda dos pais. As ordens, orientações e proibições dos pais, aplicadas do exterior à criança, são gravadas em sua mente como poderosos focos psíquicos de inibição e de censura, que favorecem ou contrariam os impulsos cegos, maus ou bons, dos instintos. Essas ordens ou proibições formam padrões de comportamento que se introjectam no inconsciente da criança, dando origem ao EGO IDEAL, que ordena e aprova o que deve ser imitado, e ao SUPER-EGO, que proíbe e castiga o que não deve ser feito.

Se o EGO representa a racionabilidade e consciência individual, nascida da experiência individual, o SUPER-EGO representará a racionabilidade e consciência baseada na experiência coletiva. O SUPER-EGO é, pois, uma modificação do EGO fraco ainda para enfrentar os problemas e exigências do ID e da realidade exterior. Enquanto a consciência individual do EGO constitui a ética individual dizendo a mim o que convém e é bom para mim, indivíduo, a consciência coletiva representa a ética coletiva e sócio-política, ensinando-nos o que convém e é bom para a sociedade. Desta forma, o SUPER-EGO nos leva a aceitar os padrões e modos exógenos de comportamento, que passando pelo EGO, numa fase não crítica da infância ou adolescência, infiltram-se e ficam formando parte do ID e continuam a exercer sua influência compulsiva na vida adulta. Incorporando o código sócio-moral da comunidade através dos ensinamentos patrióticos, éticos e religiosos, que são ministrados ao indivíduo, na Igreja, na Escola e na família, o SUPER-EGO, seja desde o consciente ou desde seu inconsciente, torna-se uma instância psíquica das mais poderosas no processo dinâmico do comportamento humano. E tal como concebido por Freud, o SUPER-EGO exerce uma censura tanto mais resistente e mais drástica, quanto mais for inconsciente, e em mais alto grau for investido das energias recalcadas.

Aos olhos de Freud, o EGO vinha a ser como uma pobre criatura submissa a uma tríplice servidão e vivendo sob a ameaça de um tríplice perigo; o mundo externo da terrível realidade, impetuosidade dos instintos do ID e a severidade da censura SUPER-EGO. Formado o exprimido entre essas três forças poderosas, não é estranho que o EGO, em muitíssimas pessoas, desenvolva-se de um modo imaturo, infantilizado, enfraquecido, inseguro e amedrontado, como é o caso da enorme massa dos gregários, e pior ainda, da não menos numerosa dos neuróticos.

7) Em suma, no conceito freudiano, a psicodinâmica estrutural da personalidade depende, principalmente, do poder coordenador de adaptação e ajustamento do EGO sob a ação supervisora da razão consciente e da censura crítica do SUPER-EGO, tentando modelar os impulsos instintivos e cegos, fundamentalmente "maus" e anti-sociais, ajustando-os a padrões de conduta sócio-morais, culturais e religiosos, impostos através da família, da escola e dos contatos sociais.

Exemplificaremos isto com um novo esquema, que completará o esquema freudiano, com alguns novos elementos que ele parece ter esquecido.

é claro que um esquema que pretenda abranger a personalidade integral do homem não pode esquecer aspectos tão diferentes e essenciais como o biológico, o psiquismo e o espiritual ou transcendental. O aspecto pessoal e coletivo, tanto na área inconsciente, consciente e transconsciente, também deve ser posto em relevo, bem como a ação exógena do SUPER-EGO nessas três áreas.

Assim sendo, a estância freudiana do ID deve ser integrada num plano biológico e no outro psíquico, com um inconsciente pessoal e outro coletivo, representando a ação do SUPER-EGO, filtrado nele através do EGO.

Por sua vez, o EGO deve ser integrado pela área do plano psíquico e do plano transcendental filosófico, espiritual e cultural ou artístico, tendo em conta os aspectos do consciente pessoal e coletivo e do transconsciente, também pessoal e coletivo.

O SUPER-EGO abrange também os três planos e os três estados de consciência: o inconsciente, consciente e transconsciente, pois sua ação, representando a experiência coletiva como diretora da experiência pessoal, chega a todas as áreas do comportamento humano.

1) À diferença de vários outros psicólogos de sua época, Freud não quis aventurar-se a dar-nos uma classificação detalhada dos instintos. Preferiu remontar-se às fontes instintivas, para ali descobrir os instintos primitivos susceptíveis de serem subdivididos posteriormente em maior número.

Começou concebendo dois grupos primitivos de inclinações instintivas as chamadas de conservação do ego-indivíduo (como as da fome, sede, sono, autoproteção, defesa e subseqüentes atividades de procura do alimento, fuga, ataque, etc.) e as inclinações sexuais, chamadas de conservação da espécie ou de procriação. Estabeleceu, porém, entre essas duas espécies de instintos um vínculo de união, atribuindo também aos primeiros um determinado colorido de prazer sexual ou libidinoso.

Desta forma e durante muitos anos concluiu que toda a vida humana dominada por este par de instinto o de auto-conservação do indivíduo e o sexual ou de procriação da espécie. Mas, preocupado pela etiologia da neurose, deixou de prestar atenção aos instintos do primeiro grupo, por considerá-los pouco perigosos como provocadores patológicos, uma vez que suas exigências não podiam ser negadas, reprimidas ou recalcadas durante muito tempo, sem causar grave risco físico para a própria vida. Foi por isto que concentrou toda sua atenção no instinto procriativo ou sexual, desenvolvendo sua minuciosa teoria da "libido".

2) Foi durante a I Guerra Mundial que teve ocasião de estudar as chamadas "neuroses de guerra", vendo-se obrigado a voltar sua atenção para a agressão recalcada como fator determinante da gênese da neurose. Considerou, assim, como necessária a existência de um novo instinto: o agressivo, não só como de autodefesa, mas sim, da agressão pelo prazer da agressão. A este tipo de instinto deu o nome de "instinto de morte" ou "Tânatos" considerando-o como uma tendência destrutiva de toda vida orgânica, para regressar ao estado inorgânico de onde viera.

A seguir terminou desdobrando o instinto de auto-conservação em duas parcelas: numa ajuntou todos os aspectos positivos deste instinto como a nutrição, defesa, afirmação, conquista, posse, etc. e junto com o instinto sexual formou um novo instinto mais genérico, dando-lhe o nome de instinto de vida ou "Eros" na segunda parcela, reuniu todos os elementos negativos de agressividade e destrutibilidade do ser humano e, com eles, formou o conceito do novo instinto que chamou de instinto de morte ou "Tânatos". Eros substituía agora os antigos conceitos de libido e sexualidade, ampliando-os mais ainda para todas as tendências positivas e construtivas do ser humano, e Tânatos englobava os conceitos de sadismo e masoquismo, juntamente com todas as tendências negativas e destrutivas.

3) Mas esta natureza bipolar das tendências humanas, agora redescobertas por Freud, nada tinha de novidade, pois vários séculos antes, Santo Tomás de Aquino, com base em Platão e Aristóteles, já considerava o psiquismo humano bipolarmente dividido em duas linhas de ação: a das "paixões concupiscíveis", entre as quais prevalecia como a mais forte de todas o instinto sexual e a das "paixões irascíveis", entre as quais se destacava como a principal de todas a ira ou agressividade. E representando a Psicologia ortodoxa ou acadêmica, afirmava Watson, também, que toda nossa vida afetiva e emocional tinha por causa primária estas três emoções básicas: o medo, a cólera-ira e o amor ou em outras palavras, a inibição, a agressividade e a dedicação. O medo (reação auto-conservadora) e a cólera (irritação agressiva), como formas de auto-afirmação, prendem-se ao imperativo do poder, que tem como fundamento o instinto-necessidade de preservar e expandir a vida. E o amor a si, outra forma de auto-conservação e o amor aos outros que se vincula em termos biológicos, ao instinto-necessidade da procriação, que nutre e garante a sobrevivência da espécie, que nada mais é que o prolongamento e conservação do próprio indivíduo através do tempo e do espaço.

4) Mas qual é mesmo a natureza de todos esses instintos? Os filósofos gregos e, com eles, a filosofia escolástica tradicional, supunham-nos, como faculdades anímicas da alma sensitiva, do mesmo modo que a vontade e o intelecto eram considerados como faculdades da alma racional; ora esta teoria caiu em desuso após o aparecimento da Psicologia experimental.

Freud, impressionado pelo aspecto libidinoso de suas teorias, colocou a energia-libido na base de todos os instintos. Todavia como energia universal a energia-libido ainda não foi detectada pela ciência experimental e como energia sexual nada mais é do que uma produção normal das glândulas gonodais, que impulsionam os instintos; mas ela não passa de um produto do instinto sexual procriativo.

Após as pesquisas do sábio russo, Pavlov, parece-nos que a coisa veio a simplificar-se da seguinte maneira. Em sentido fisiológico, os chamados instintos primários nada mais são do que "certas séries de reflexos somáticos ou biológicos, inatos e incondicionados, filogeneticamente estereotipados em forma de automatismo e que, em geral, apresentam um fim utilitário para o indivíduo ou para a espécie". De certa forma não existe solução de continuidade entre as funções reconhecidamente fisiológicas e as chamadas instintivas. Se a micção e a defecação nada mais são que reflexos incondicionados regidos pela necessidade de eliminação de coisas inúteis ou nocivas, a fome, a sede, respiração, etc., também devem ser considerados como outros tantos reflexos automáticos comandados pela necessidade de assimilação, que responde à lei da carência, bases biológicas do "instinto" de nutrição ou de auto-conservação. Somente por mero artifício, poderíamos considerar a sucção do peito materno como de natureza instintiva e o ato de deglutição e a onda peristáltica que se lhes segue através do tubo digestivo, como de natureza simplesmente reflexológica. Tais reflexos incondicionados provém da memória "herdada-genética ou Código de Vida", como os reflexos condicionados, os hábitos, provém da memória adquirida.

Na área psíquica existem também diversas necessidades e apetências que obedecem a reflexos semelhantes, em parte incondicionados e em parte condicionados. Tais a necessidade de segurança, e a necessidade de afetividade e amor, que Adler e Freud preferiram designar com o nome de instinto de auto-afirmação ou de poder e instinto sexual ou libido.

Em outra ordem de coisas, tanto na área fisiológica como na psíquica, a repetição dos atos (e também dos reflexos) vem acrescentar mais uma qualidade ao conceito reflexológico dos instintos: a de tendência e de hábitos, como verdadeiras forças adicionais, psíquico-fisiológicas, que também atuam no comportamento. Daí que os termos de necessidade e apetência que originam os reflexos incondicionados, e os de tendência e hábito que são resultantes dos reflexos condicionados, sejam quase sempre formas sinônimas do conceito usual atribuído à palavra instinto e vice-versa, dando-se aos primários e aos segundos o de secundários. Uns e outros estão ligados estruturalmente à área do inconsciente subcortical, inato e inconsciente, o ID de Freud, os arquétipos de Jung, bem como ao inconsciente cortical, adquirido, que corresponde aos reflexos condicionados de Pavlov, ao polígono de Grasset e leva incluídos os "recalques" da escola psicanalítica, com a "censura crítica" do Super-ego, etc.

Portanto, quer psíquica como fisiologicamente, o nome de "instintos" é sinônimo de ou envolve em si os conceitos de reflexos incondicionados, necessidades e apetências, e os de reflexos condicionados, hábitos e tendências, mas desprovidos de toda significação de forças anímicas ou psíquicas, que lhes emprestaram os cultores da Psicologia filosófica ou racional.

1) Emoções e instintos:

Diante de um perigo, nossas funções autodefensivas, (os reflexos incondicionados, primeiro, e os condicionados, depois), chamadas instinto de auto-conservação, reagem antes mesmo que o psiquismo consciente se aperceba. O coração se acelera, a pressão sangüínea sobe instantaneamente, o baço se contrai, o sangue aflui das vísceras para os músculos e vice-versa, a taxa de açúcar aumenta, as pupilas se dilatam e todo o organismo se prepara para a luta ou para a fuga. De onde os sentimentos de cólera e de medo (instinto agressivo-defensivo) nada mais são que a Expressão subjetiva dessas modificações adaptativas que tem sua base mais profunda nas glândulas endócrinas. Na verdade, os chamados atos instintivos processam-se dentro dos estados fisiológicos, carregados de uma dose variável de afetividade que corresponde às alterações, mais ou menos súbitas, do meio físico e social e repercutem no organismo, sob a forma de emoção. Desta forma a EMOçãO, enquanto vivência afetiva, viria a ser como que a "face psíquica" do instinto fisiológico inconsciente. Isto não exclui a teoria intelectualista, que vê, na "representação", idéia-imagem, o ponto de partida das reações emocionais. De fato, a idéia-imagem imediata ou a imagem-lembrança, age como estímulo secundário (o estímulo primário é o que produz a imagem-percepção), e como motor que, através da hipófise, põe em movimento todo o mecanismo endócrino-emocional, dependendo a sua intensidade do grau de afetividade com que venha envolvida essa imagem. A afetividade representa, portanto, a faísca elétrica provocadora da tormenta que é a EMOçãO.

2) A Etiologia das Neuroses:

Como já sabemos, Freud, à revelia de todos os seus discípulos e colegas de pesquisas, ligou a raiz etiológica de todas as neuroses ao problema sexual. De início, afirmou que "uma lembrança recalcada de um ato sexual, havido na infância", era a responsável pela futura neurose. Mais tarde, pensou que "um desejo imaginativo e fantasioso" de um ato sexual a ser realizado, física ou moralmente impossibilitado, poderia ser também a causa de futuras neuroses. Finalmente, chegou à conclusão de que a verdadeira causa da neurose deveria ser encontrada "na libido reprimida" ou não descarregada. Daí a sua famosa teoria libidinosa ou pansexualista.

Ora, falando da libido, Freud parece emprestar-lhe os caracteres de uma verdadeira energia física. Fala dela inclusive em termos quantitativos: "Um quantum de energia, um quantum
de excitação, um quantum de prazer, etc." "Algo que existe
nas funções psíquicas, que tem todas as propriedades de uma quantidade, susceptível de aumento, de diminuição, de deslocação e de descarga ..."

Neste caso, parece imaginar o corpo humano como uma "pilha" elétrica, capaz de carregar-se de energia, por diversas excitações, precisando ser descarregada de vez em quando, a fim de evitar-se a neurose...

Mas a maior debilidade desta teoria reside no fato de que as meticulosas e bem sucedidas pesquisas na área da energética humana nunca encontraram outra classe de energia que as vinculadas à energia biomagnética ou bioelétrica e as secreções das glândulas endócrinas, na área fisiológica, e à força da afetividade-emoção, na área psico-emotiva. Ora uma energia física, especificamente sexual ou libidinosa, somente a vamos encontrar nas secreções das glândulas gonodais, masculinas e femininas, e isto, só após o início da puberdade, e nunca anteriormente.

3) Teoria da afetividade recalcada:

Como a imensa maioria dos psicólogos e das escolas psicanalistas não-ortodoxas, somos contrários a essa interpretação freudiana dos fatos.

Achamos errônea e desnecessária a teoria da energia-libido reprimida ou recalcada, em sistema de "represamento" ou "acumulada em pilha", aumentando sempre a tensão e criando a necessidade de ser descarregada, ou provocando a neurose em caso contrário. Nós preferimos a teoria psíquico-emotiva da afetividade contrariada, em sistema de "DíNAMO", pondo em movimento todo o sistema emotivo-glandular (teoria reflexológica), tantas vezes quantas ela mesma é dinamizada e reativada sob a ação de uma imagem-idéia-lembrança, que lhe serve de impulso (teoria representativa ou ideológica), e que, em caso de insatisfação ou de frustração permanente ou prolongada, poderá criar a situação neurótica subseqüente.

Eis o esquema da GêNESE DE UM ATO que pode explicar onde atua o recalque que pode desencadear a neurose:

Um estímulo, interno ou externo (uma dor interna ou choque externo, uma visão atual ou uma lembrança do passado), produz uma reação fisiológica, que é transmitida por uma corrente bioelétrica ou reação nervosa ao centro cerebral correspondente, resultando daí uma sensação-percepção; uma outra reação, agora psíquica tem por resultado a elaboração de uma imagem-idéia-pensamento (ou sua lembrança), operação mental acompanhada de um sentimento .

Subseqüentemente este SENTIMENTO provoca uma outra reação psíquica, isto é, provoca um desejo, mais ou menos intenso de agir ou de não agir, carregado de um " quantum" de afetividade positiva ou negativa, que estimula a hipófise e produz uma ou várias emoções determinantes de uma necessidade de agir ou não agir, positiva ou negativamente, para a devida descarga de ENERGIA emotiva produzida. Se a esta altura não houver barreiras repressivas ou inibitórias, que impeçam o desejo provocado, essa energia emotiva produzida será levada por uma corrente eletronervosa ou hormônio-nervosa, que determinará o impulso motor-fisiológico causa imediata do ATO, e este fará descarregar a tensão energética ocasionada. Um "quantum" de energia, como dizia Freud; mas de energia afetiva, que é emotiva e hormonal (provavelmente adrenalínica) e não libidinosa.

4) Se porém, surgirem barreiras inibitórias ou repressivas que impeçam a execução do DESEJO, duas situações diferentes poderão surgir:

a) Que a repressão seja recebida coincidentemente e seja aceita construtivamente pelo indivíduo, em cujo caso, o impulso motor de agir será substituído pelo de não-agir e a energia emocional será dissolvida automaticamente, sem causar nenhum traumatismo frustrativo e angustiante, que possa causar a situação neurótica.

b) Que as barreiras repressivas e inibitórias não sejam recebidas conscientemente ou não sejam aceitas construtivamente e sejam convertidas em recalques inconscientes: neste caso a energia emocional não terá saída nem descarga, a tensão será aumentada com a repressão, produzirá maior carga de afetividade negativa, e agravará mais indelevelmente a imagem-idéia-pensamento ou lembrança, que produziram o desejo insatisfeito, cujo sentimento ficará sempre gravado no inconsciente e sempre dinâmico e capaz de produzir os mesmos efeitos, sempre que dinamizado novamente por uma lembrança associativa, carregada da mesma afetividade.

é justamente neste caso que as repetidas frustrações do desejo insatisfeito (desejo sexual fantasioso, talvez, que queria Freud), de acordo com a sua intensidade, provocarão, como é óbvio, um estado de tensão permanente, de angústia e de ansiedade progressiva capaz de ocasionar, finalmente, a NEUROSE.

Nossa tese, portanto, é a seguinte:

"Toda neurose é provocada por uma carência intolerável de afetividade positiva (de amor, prazer e seus derivados); ou pela presença de uma quantidade intolerável de afetividade negativa (medo, ira e seus semelhantes), que sejam capazes de provocar as situações frustrativas, ansiedade e angústia, determinantes do estado neurótico."

Desta forma, a prática ou o desejo de executar um ato sexual (como qualquer outro ato), por frustrativo que seja, somente poderá ser causa de NEUROSE, quando acompanhados de uma grande dose de afetividade negativa, e nunca ao contrário, se acompanhada de afetividade positiva, ou se a repressão for conscientemente ACEITA.

5) Para maior compreensão do exposto, juntamos um esquema de como se geram e desenvolvem as diversas modalidades da afetividade negativa e como podem criar as diversas situações, possíveis causadoras das neuroses, não referindo-nos às da afetividade positiva (amor, etc.) porque estas nunca são causas determinantes das doenças psíquicas-mentais.

Um determinado estímulo, interno ou externo, provoca uma determinada excitação à qual se segue uma sensação de desprazer, desconforto ou de dor, que cria no indivíduo uma determinada irritabilidade, e desta, duas situações diferentes podem surgir, segundo a constituição somática e psíquica, de índole e de caráter do indivíduo; um sentimento de mágoa ou um sentimento de raiva. No primeiro caso, poderá desencadear um ou vários dos estados de inibição ou de introversão, se o indivíduo é introvertido, com toda a corte de emoções e sentimentos característicos. E no segundo caso, poderá produzir, no indivíduo extrovertido, algum dos diferentes efeitos da agressividade, e todas as emoções e sentimentos que a caracterizam, não esquecendo que os estados, os sentimentos e as emoções acima enumeradas são reversíveis. Quando os efeitos da agressividade resultarem frustrados, poderão converter-se em estados de inibição deprimente e neurotizante, e os estados inibitórios, quando excessivamente angustiantes, poderão estourar em nocivos efeitos de terrível agressividade.

1) Do sonho já se disse que "é a coisa mais maravilhosa que pode acontecer ao homem". E já se tem afirmado, também, que "uma maior porcentagem das maravilhas realizadas pelos homens se devem aos estados hipnoidais (sonhos, inspiração artística, êxtase, transe, etc.), muito mais do que aos estados de raciocínio". Daí a importância de estudarmos e conhecermos a natureza de nossos sonhos.

De fato, todos nós sonhamos cada dia, e 90% de nós sabemos que sonhamos, pois, pouco ou muito, temos alguma lembrança de nossos sonhos, e alguns têm lembrança de uma atividade muito intensa durante o sono. Mesmo as pessoas que dizem nada lembrar-se de seus sonhos devem acreditar que também sonham todas as noites. Todavia, se todos sonhamos, quase todos, mesmo o que nós lembramos dos sonhos, pouco ou nada entendemos dos nossos sonhos, e ficamos tão tranqüilos que em nada nos surpreendemos, como se nada de estranho estivesse acontecendo dentro de nós quando dormimos.

2) Qual é a natureza dos sonhos? Como a criança que nasce de um mundo intrauterino para o mundo da realidade exterior, quando dormimos, acordamos do sono para o mundo da realidade externa. O sono e a vigília são os dois pólos opostos da existência humana. Quando acordamos, entramos no domínio da realidade, quando dormimos, submergimos num mundo que se parece com a morte, e com razão, podemos ser comparados, quando dormimos, com um "cadáver".

Fisiologicamente o sono é um estado de relativa quietude fisiológica e psíquica, durante o qual é-nos possível recuperarmos as energias gastas durante as atividades vigílicas.

Psicologicamente o sono consiste na suspensão de nossa função ou faculdade de reagir à realidade externa por meio da percepção e da ação. Pois o dever do homem desperto é o da sobrevivência. Sua lógica é a da realidade e está sujeita às leis de espaço-massa e tempo. Quando dormimos, porém, não precisamos preocupar-nos em dominar o mundo da realidade.

Todavia, o sono não é um estado de total quietude, nem fisiológica nem psicológica. Essas atividades continuam num plano diferente. E a atividade psicológica que ocorre durante o sono recebe o nome de sonho. Assim, quando dormimos o mundo da realidade externa e objetiva desaparece, e nós penetramos em um mundo que podemos chamar o mundo da realidade interna e subjetiva. Não é o mundo do raciocínio e do pensamento lógico, mas sim, o mundo da imaginação, e da fantasia. Ao contrário quando acordamos, o mundo do sonho desaparece e nós penetramos no mundo da realidade exterior, o mundo da razão e da lógica.

Absorvidos por nossa vida consciente, denominamos o campo de nossa observação diurna de "realidade" e nos orgulhamos de nosso "realismo" e de nossa habilidade em manipular essa mesma "realidade". Mas quando dormimos, "despertamos", às vezes, para um outro "campo", ou para uma outra forma de existência e de atividade: sonhamos. Convencionalmente, a este campo lhe damos o nome de "ficção", pois temos a impressão de ser um campo completamente alheio a nós mesmos. Todavia, qualquer que seja o papel que nos toque representar em nossos próprios sonhos, nós somos o autor deles ao mesmo tempo que co-atores e espectadores: o sonho é nosso e nós somos os inventores de semelhantes "estórias".

Neste sentido, a atividade mental psíquica-perceptiva e psíquico-emotiva do sonho, durante o sono, reduz-se a "uma linguagem ou a um diálogo de nós mesmos"; um conjunto de coisas que tentamos dizer a nós mesmos durante as horas em que não estamos ocupados com a realidade do mundo exterior (durante o sono, cochilo, distração, alheiamento, transe, etc.). E a linguagem usada nesse diálogo do sonho é a linguagem simbólica. Ela é chamada, também, a linguagem do Inconsciente.

3) A principal característica dos sonhos é, portanto, a de não obedecerem às leis convencionais da lógica do raciocínio consciente, que governam nossos pensamentos e atividades de quando estamos acordados.

Nós mesmos podemos ser comparados a um cadáver ou, também, podemos ser assemelhados aos anjos, a espíritos e fantasmas, não-sujeitos às leis da realidade. Vemos vivas as pessoas mortas e vice-versa; vemos como presente coisas e acontecimentos que ocorreram muitos anos antes; vemos coexistirem simultaneamente dois fatos que ocorreram separados; podemos deslocar-nos instantaneamente a grandes distâncias, estar em dois lugares distantes ao mesmo tempo, e entrar e sair de um lugar, estando todas as portas fechadas. Podemos reunir duas pessoas diferentes numa só, ou separar uma em várias, ou transformar um em outro ao nosso prazer. Em nossos sonhos somos criadores de um mundo mágico e ideal em que o tempo e o espaço, que tanto limitam as nossas atividades vigílicas, não tem poder nenhum. Lembramo-nos de coisas que nunca nos ocor-reram estando acordados, parecendo estarmos a remover um vasto depósito de experiências e lembranças que em vigília não imaginaríamos.

De nossos sonhos pouco ou nada nos lembramos quando acordados, a menos que seja muito intensos e os registremos no plano de nossa "consciência onírica", que apenas tem o poder de perceber e observar a "realidade subjetiva" de nossa atividade íntima, mas não pode intervir nela. é como se os espíritos do outro mundo nos estivessem visitando, desaparecendo amistosamente ao clarear o dia.

Contudo, nossos sonhos são reais para nós, como o são nossos atos da vida vigília. Poderíamos perguntar a nós mesmos, qual é o verdadeiramente real: se o que acontece no sonho ou na vigília. Um poeta chinês, “que sonhou ser uma borboleta, acordado parece-me ser um homem. No fim não sei se sou um homem que sonhou ser uma borboleta ou uma borboleta que sonhou ser um homem”.

4) à atividade onírica costuma dar-se o nome de "atividade inconsciente". Todavia, real e irreal, consciente e inconsciente, são termos muito relativos. O inconsciente é somente tal com relação ao estado normal da atividade consciente. De fato, quando o consciente dorme, o inconsciente está vigilante, e exerce uma atividade real, e quando o inconsciente dorme e o consciente está desperto, este é que vive a realidade".

Contudo, o inconsciente não representa somente o reino místico da experiência psíquica da concepção de Freud. O inconsciente deve ser considerado mais bem como um dinamismo psíquico, que pode ultrapassar em muito a eficiência e poder criador e crítico do Consciente vigílico, como apontam Geley e outros muitos metapsiquistas e parapsicólogos, e como é reconhecido por alguns psicanalistas, como Erich Fromm.

5) Convém distinguir ainda os três tipos de sonhos seguintes:

a) O sonho fisiológico — que é a rememoração simbólica de nossas atividades cotidianas do estado de vigília. Uma má digestão pode produzir um pesadelo; um pequeno barulho pode causar um sonho dramatizando uma tormenta, etc. A fome pode produzir um sonho de um lauto repasto.

b) O sonho psicanalítico — que nos proporciona, através de símbolos, uma mensagem da realidade subjetiva, de estados emocionais de nosso passado ou presente.

c) O sonho parapsicológico — que nos traz a mensagem simbólica de uma realidade objetiva, possivelmente de um fato a realizar-se (precognição ou pré-sentimento) como a queda de um avião em que nós vamos viajar, ou algum de nossos seres queridos.

6) Devemos precisar, também, que os nossos sonhos têm uma extraordinária semelhança com as mais antigas criações da fantasia humana, os mitos e as lendas tradicionais, que formam parte de nossas religiões e de nossa cultura. Respeitados e tidos como verdadeiros, no primeiro caso; ignorados ou tidos como infantilidade dos estados humanos pré-lógicos, no segundo caso; eles são produtos análogos ao que nós produzimos quando dormimos. Nos mitos também ocorrem as mesmas cenas dramáticas, impossíveis, fantásticas e simbólicas, etc. O herói morre e ressuscita, é queimado e renasce das cinzas, abandona pátria, lar e família por um idealismo para fugir logo de sua missão, ser engolido por um peixe e ser causa de uma tempestade que quase afunda uma embarcação, etc.

Mitos e sonhos têm uma mesma linguagem comum que é universal para todos os povos, todas as épocas e todas as terras, que é a linguagem simbólica. Os sonhos de uma pessoa, vivendo agora em São Paulo, no México ou em Paris, são os mesmos que foram registrados por pessoas que viveram em Roma, Atenas ou Jerusalém há mais de dois mil anos. E os mitos dos Babilônios, dos indianos, dos hebreus, dos egípcios e dos gregos foram registrados também na mesma linguagem que a dos astecas, maias e dos incas.

7) A linguagem simbólica é uma língua em que as experiências íntimas, os nossos sentimentos, paixões e sentimentos são expressos por meio de símbolos ou imagens como se tratasse de experiências do mundo exterior, mas é uma linguagem sem a menor lógica, se nos atemos às convenções do mundo da "realidade externa". Uma linguagem onde as categorias predominantes não são as do espaço e tempo, mas sim as da intensidade e da associação. Para compreendê-la é bom distinguir os três tipos de símbolos seguintes:

a) O símbolo convencional — A palavra mesa e a palavra bandeira são símbolos puramente convencionais, onde, entre eles e os objetos simbolizados não existe nenhuma conexão. Seu significado é totalmente convencional e arbitrário, e só pode ser compartilhado por um grupo de pessoas, que tenham aceitado essa convenção.

b) O símbolo acidental — Simboliza a experiência individual ligada a um objeto. Se eu caio de uma escada ou de uma árvore e sofro uma machucadura, unida a muito medo; a escada e a árvore ficarão sendo, "para mim", símbolo de machucadura, de sofrimento e de medo. A conexão entre esses símbolos e os sentimentos representados é puramente acidental e pessoal e só serve para "mim" que lhes assinei tal significado.

c) O símbolo universal — é aquele que tem uma conexão intrínseca com o objeto representado e, portanto, tem um valor de significação universal, podendo ser compartilhado por todos. O Fogo, para nós, é um símbolo de energia suave ou avassaladora, de leveza, de movimento, de graça e de regozijo; a água é símbolo universal de mudança e permanência, de movimento constante e relativa estabilidade, de energia e continuidade, etc.

Nos sonhos e nos mitos são usados preferencialmente os símbolos acidentais e os universais. Principalmente os símbolos universais constituem nossa linguagem simbólica universal, elaborada pela raça humana durante os séculos. Essa linguagem simbólica universal, tal como empregada, nos mitos e nos sonhos, é encontrada em todas as culturas, primitivas, e desenvolvidas. Por isso, os mitos e os sonhos têm essa característica de universalidade.

Um vale apertado entre altas montanhas, por exemplo, sempre significará segurança contra inúmeros perigos, e também pode significar uma prisão, que isola e limita os movimentos. Pode ser um bom símbolo do útero e da vida intrauterina, onde há segurança e não há perigos, mas também, não há movimento nem liberdade.

9) De qualquer forma, a linguagem dos sonhos e dos mitos é a linguagem simbólica. A arte de interpretar os sonhos e os mitos é a arte de entender os símbolos. Como qualquer outra arte, requer conhecimento, talento, prática e paciência.

1) Freud disse acertadamente que a interpretação dos sonhos é a "estrada real" (Via Regia) para o conhecimento do Inconsciente e seus comportamentos. Isto tem especial importância para o estudo dos comportamentos "instintivos" e "inconscientes" dos neuróticos e para o diagnóstico das causas e raízes de suas neuroses. Quem sabe interpretar os sonhos está mais habilitado para conhecer as diversas atividades do dinamismo inconsciente .

Como se procede e qual é a chave a utilizar para a interpretação de um sonho? é ele a voz do nosso irracional ou do nosso superior-racional? Ou é algo exterior a nós?

2) A interpretação dos sonhos preocupou sempre a todos os homens pensadores, que trataram de conhecer seu significado. Fenômeno tão maravilhoso e de aparência sobrenatural, e por outro lado tão comum entre os homens, deu origem, já desde o início, a duas tendências entre os intérpretes: a dos que os atribuem a entidades externas ao sonhador e a dos que pensavam ser atividades humanas dos próprios sonhadores.

Desde os primeiros tempos, os místicos e religiosos atribuíram os sonhos a:

a) Mensagens vindas de Deus ou das entidades superiores (Sonhos de José, do Faraó, do Rei Baltazar, etc.), realismo sobrenatural.

b) As personagens dos sonhos são "espíritos dos mortos", que aparecem para transmitir mensagens especiais. Necromancia e Realismo espiritual.

c) Os sonhos são experiências reais da alma do sonhador, quando separadas de seu corpo durante o sono. Teoria antiga e primitivista, que ainda vigora hoje em círculos espíritas e de filosofias orientalistas. A alma ou duplo espiritual do homem (o Rá dos egípcios), separado do corpo durante o sono, perambula por vários lugares e tem suas próprias experiências que permanecem em sua memória em forma de sonhos (Realismo espirítico).

Os índios "achantes", por exemplo, consideram adultério real e castigam como adultério ao indivíduo que "sonha ter relações com a mulher de outrem..."

d) Os sonhos obedecem a símbolos religiosos prefixados. Para conhecer os sonhos é preciso conhecer o significado desses símbolos.

Um índio navajo sonhou que "ao partir um ovo, dele saiu uma águia nova, mas adulta. Estando dentro de uma casa com portas e janelas fechadas não podia sair, revoltando-se, agredindo e causando destruição em toda a casa". Conhecendo que a águia pertence ao grupo dos três espíritos alados: vento, relâmpago e pássaros, conclui-se que o espírito águia, ofendido por alguma razão, a quem está avisando que vá infringir algum castigo. A causa deveria ser que o índio, talvez, devia ter pisado no ninho causando danos aos filhotes (Realismo simbólico objetivo).

3) Interpretações psicológicas pré-freudianas

a) Uma fonte indiana do século I a.C., já atribuía aos sonhos, uns como enviados por Deus para expressar suas mensagens e os demais: 1º a influência do próprio temperamento (nervoso flutuante, sangüíneo-belicoso, ou fleugmático; 2º à influência do caráter e hábitos; 3º aos desejos de prognosticar.

b) Homero os considerava como manifestações das próprias faculdades humanas: as racionais (em cujo caso os sonhos seriam coisas verdadeiras) ou as irracionais (sendo neste caso os sonhos meras ilusões fantasiosas).

Para Sócrates os sonhos representam a voz da consciência.

Para Platão, como para Freud, os sonhos são a expressão da natureza irracional, exclusivamente, só o sendo em menor grau, nos sábios mais maduros.

Para Aristóteles, os sonhos, ou são quimeras sem significado, ou são verdadeiros. Quando verdadeiros, se são proféticos, o são por mera coincidência: os demais podem ser considerados como resultados de nossas atividades, sejam biológicas ou racionais.

Em Roma, Cícero negou toda validade aos sonhos, considerando-os como quimeras.

Lucrécio, aproximando-se e precedendo a teoria de Freud, afirmava que os sonhos "tratam de coisas em que estamos interessados durante o dia ou de necessidades físicas satisfeitas no sonho". Ou então, "os sonhos são como a realização de nossos desejos ocultos".

Antemidoro distingue cinco tipos de sonhos, considerando-os como :

Uma fantasia ou vã imaginação — onde se manifestam os nossos "desejos irracionais" (teoria freudiana).

Um sonho verdadeiro, que é a expressão simbólica do discernimento racional superior, descobrindo o verdadeiro, sob uma figura oculta (Sonho do Faraó das sete vacas e as sete espigas).

Uma visão — o sonho precognitivo em que se vê dormindo o que se verá logo quando acordado, tempos depois. (Um vê em sonho o mesmo dentista que mais tarde lhe sacará o dente de verdade).

Oráculo — que é uma visão de Deus ou seus enviados, que lhe comunicam uma mensagem (Sonho de S. José e dos Reis Magos).

Aparição — que é uma visão noturna, própria de criança e velhos fracos.

4) Na Idade Média e posteriormente até Freud, filósofos e religiosos católicos, judeus e ocultistas, voltam freqüentemente sobre o mesmo tema, apontado geralmente as quatro fontes interpretativas dos sonhos vistos anteriormente.

a) Os sonhos seriam causas ou resultados das reações somáticas.

b) Os sonhos seriam os resultados de anseios e paixões da natureza irracional.

c) Os sonhos seriam produtos das faculdades superiores racionais.

d) Os sonhos seriam avisos recebidos de Deus ou de entidades superiores externas ao homem.

Em resumo: Todas as teorias interpretativas dos sonhos pré-freudianas viram nos sonhos:

1º) A manifestação ou revelação de entidades superiores extra-humanas (como Deus, Anjos, demônios, espíritos desencarnados, etc.).

2º) Manifestação da alma, perambulando fora do corpo, durante o sono.

3º) Manifestação de nossa natureza racional superior, atuando mais livremente durante o sono e isenta das preocupações da vigília.

4º) Manifestação de nossa natureza irracional.

5º) Manifestações originadas em reações somático-fisiológi-cas.

1) Nos esquemas anteriores estudamos a natureza dos sonhos e sua linguagem simbólica. Vimos também as diferentes interpretações que deles fizeram alguns estudiosos no passado. Ultimamente, Freud e os psicanalistas deram excepcional importância ao estudo e interpretação dos sonhos, seja para a análise dos comportamentos inconscientes, seja para o conhecimento das causas psíquicas das neuroses.

Já dissemos que Freud afirmara que "a interpretação dos sonhos era a estrada real para o conhecimento do Inconsciente". Chegara a esta conclusão após um exame minucioso de seus próprios sonhos e dos seus pacientes. Foi após ter abandonado a hipnose catártica e seu uso analítico e terapêutico que Freud e seus discípulos junto à técnica da "livre associação de idéias" começaram a servir-se, principalmente, da prática do exame dos sonhos. Tinham descoberto que "os sintomas da enfermidade tinham um verdadeiro sentido causal", que muito servia para a análise das causas das neuroses. A seguir, escutando os relatos dos paciente e examinando-lhes os sonhos, concluíram que também os sonhos eram sintomas da doença e que, como tais, tinham seu sentido e era de grande valor para o mesmo fim.

2) Fosse por mera coincidência ou por ter-se referido sabiamente às anteriores interpretações oníricas, Freud reafirmou várias das opiniões já apontadas por diversos filósofos e intérpretes de sonhos no passado. Em primeiro lugar, contrariando a opinião de Rousseau, para quem o homem nasce fundamentalmente bom e as interferências sociais o tornam mau, Freud reafirmou a mesma opinião de Platão, sustentada mais tarde por São Paulo, Santo Agostinho, Tomás de Aquino e toda a filosofia religiosa ocidental, de que o homem nasce fundamentalmente mau e escravo de seus instintos impulsivos, anti-sociais e anti-morais refletindo, mais uma vez e de maneira diferente, o velho mito do pecado original, destruidor da natureza humana, feita inteiramente boa pelo Criador. Nesta base, para Freud e muitos de seus discípulos mais ortodoxos, os sonhos seriam a expressão da natureza irracional (biológica e psíquica), segundo afirmou Platão, refletindo impulsos irracionais, sexuais e agressivos, socialmente tornados antimorais e recalcados.

De outro lado, afirmou também, como o filósofo moralista romano Lucrécio, que os sonhos representam, normalmente, a realização "simbólica" dos desejos instintivos e irracionais (biológicos e psíquicos) não-satisfeitos. Quem está com fome ou sede, por exemplo, pode sonhar que está bebendo ou comendo e, com este simples expediente, pode ficar satisfeito e continuar dormindo ao invés de despertar para satisfazer essas necessidades biológicas. Tais os ditados populares: "Quem tem fome com pão sonha" e "Galinha faminta sonha com milho".

3) Daí o terceiro postulado freudiano a respeito dos sonhos: "sua finalidade precípua é a de afastar tudo o que possa perturbar o sono, cuja função é o descanso".

Assim, para excluir os estímulos óticos perturbadores do sono, fechamos os olhos, e não podendo fechar os ouvidos, procuramos um lugar tranqüilo e silencioso. Todavia não podemos proteger-nos eficazmente contra os estímulos internos, como o de uma bexiga excessivamente cheia, um estômago vazio, a pressão hormonal, a tensão produzida por desejos insatisfeitos, as frustrações, preocupações, sentimentos de culpa, etc. Tudo isto continua a afetar o nosso psiquismo e pode perturbar o nosso sono. Nossos sonhos, segundo a teoria freudiana, viriam a reduzir esses estímulos de modo a que o sono pudesse ser prolongado, o que nem sempre conseguem. "Um médico sonhador, sentindo o dever de estar de manhã cedo em seu consultório, pode sonhar que já se encontra lá, com outro médico, consultando como paciente pois, o paciente não precisa deixar o leito", e dessa forma pode continuar dormindo. O sonho nesse caso vem a proteger o sono, confirmando sua tese geral de que, todo sonho realizando simbolicamente o desejo, protege o sono.

4) Todavia, nem tudo é assim tão simples. Certo que nas crianças, cujos desejos ainda não foram fortemente reprimidos ou recalcados, vê-se claramente, através do sonho, qual fora o desejo que o produzira. Pois, "a criancinha sonha sempre com a realização dos desejos que a atividade do dia precedente lhe fez nascer e ficaram insatisfeitos". Assim a criança a quem o Papai Noel não contemplou com um automóvel de pedal grandemente desejado, pode sonhar na noite seguinte com um automóvel de verdade, passeando por toda a cidade.

Mas a maioria dos desejos dos adultos, que são contrários a seus próprios padrões religiosos e sócio-morais, e que portanto foram recalcados "no passado", surge agora novamente, no sono. Mas sua realização, simples e clara, durante o sonho, poderia provocar um conflito demasiado severo, originando poderosos sentimentos de medo e de culpa, e enfraqueceria o sonhador, ao ponto de, talvez, acordá-lo. O sonho nesse caso perderia sua principal finalidade de proteger o sono. Para evitar isto, a realização desses desejos "reprimidos", nos sonhos, deve ser disfarçada, a fim de permitir a continuação do sono, satisfazendo o desejo insatisfeito, sem criar conflito com os padrões morais do sonhador. é o caso, por exemplo, de nós sentirmos um desejo veemente de ferir a uma pessoa por causa de algum desfeito, à qual devemos, por outro lado, imensos benefícios e grande carinho. Neste caso, nem o desejo, nem sua satisfação podem ser manifestados durante o sonho. Não podemos sonhar simplesmente que estamos espancando e matando a essa pessoa amada e reverenciada, pelo fato de ter-nos causado raiva. Para isso, tal desejo e sua realização devem ser disfarçados, imaginando, por exemplo, que estamos espancando ou matando a outra pessoa..."

5) Parte importante da técnica analítica dos sonhos consiste, portanto, em saber distinguir o verdadeiro conteúdo latente, que existe por baixo do conteúdo manifesto, que é a estória narrada pelo sonhador. Neste, reside a forma de manifestar ou contemporizar o problema, de modo a ser capaz de iludir a censura crítica do EGO. Naquele, se acha o impulso irracional ou desejo vergonhoso, recalcado e não passível de se manifestar, verdadeira causa latente de todo o processo do sonho; e neste o conteúdo manifestado sob esse simbólico disfraz, que são a estória e imagem do sonho.

é claro que quando se trata de desejos não tão vergonhosos, não reprimidos e não recalcados, o disfraz ou simbolismo do sonho não precisa ser tão exagerado, e a estória manifesta e o conteúdo latente se encontram muito mais próximos de uma só realidade. Mas nos casos em que existia muito recalque, censura e repreensão, por tratar-se de desejos que se apresentam como muito vergonhosos, o disfraz simbólico do sonho deverá ser muito maior, e a dificuldade de conhecer a verdade latente, que ele oculta, deverá ser muito maior. é o caso dos estados neuróticos e psicóticos.

Daí que a verdadeira técnica analítica de interpretação dos sonhos consiste no adequado conhecimento da linguagem dos sonhos, que é a linguagem simbólica de que falamos anteriormente. Os símbolos oníricos são o conjunto de imagens e representações, que ocupam, na linguagem onírica, o lugar das palavras na linguagem falada, e as letras e gestos na linguagem escrita e na mímica. Tais símbolos oníricos são, mais bem, disfarces antes do que termos de comparação, como acontece nos exemplos e nas parábolas. São também de significado, mais bem individual do que universal ou convencional, não sendo muito susceptíveis de serem reduzidos a regras gerais de significado. Conhecer essa linguagem é a arte mais importante e a parte difícil do procedimento psicanalítico.

6) Freud e os psicanalistas, seus sucessores, têm-nos apresentado uma lista enorme e variada de simbologia onírica, tirada segundo eles, do estudo dos sonhos de um grande número de indivíduos (a maioria doentes neuróticos), bem como do estudo da mitologia, do folclore, da arte, das línguas e da literatura. Certos símbolos parecem ocorrer com tanta freqüência que na teoria psicanalítica passaram a ser considerados como universais. Jung lhes deu o nome de "arquétipos". A lista maior foi fornecida por Freud e, logo, enormemente ampliada por alguns de seus discípulos. Cheia de subjetivismo interpretativo, sem nenhuma discussão crítica e sem nenhuma comprovação científica, ela continua ainda hoje fazendo parte da Psicanálise.

A forma humana, por exemplo, é simbolizada, segundo eles, por uma casa, se as paredes forem lisas é um homem, se houver sacadas e balcões é mulher.

Os pais surgem como reis e rainhas ou como homens célebres; os sonhadores como príncipes ou princesas; os irmãos e irmãs como pequenos animais, por vezes, insetos e parasitas, que vieram perturbar a hegemonia do sonhador.

A procriação seria simbolizada de diversas formas: pela semeadura, o trato da terra ou pela manufatura; o nascimento e a relação mãe-filho, pela água, pelo ato de cair ou sair dela, ou salvar e ser salvo dela.

O ato sexual, o desejo mais vergonhoso, sigiloso e recalcado, viria envolto numa série de analogias, como a penetração de objetos ocos, viajar no mesmo transporte com outra pessoa, etc.

Os órgãos sexuais estariam simbolizados por objetos que a eles se assemelham sob qualquer aspecto. Todos os objetos alongados, que tem a propriedade de penetrar, abrir, rachar, ferir, etc., seriam representações do órgão genital masculino, o pênis; e toda espécie de recipientes e objetos ocos e espaçosos, representariam as partes genitais femininas. Assim, um quarto fechado ou aberto pode significar uma mulher virgem ou deflorada, e a chave que abre, o órgão masculino que deflora.

Entre as peças do vestuário, um chapéu ou um agasalho, simboliza o órgão genital feminino e a gravata é um símbolo peniano.

Calvície, decapitação, extração ou queda de um dente significariam castração, e brincar com crianças, acariciá-las e dar-lhes golpes, etc., simboliza oniricamente o ato de masturbação, etc.

7) Partindo destas e de outras interpretações semelhantes (a lista é enorme) a escola psicanalítica freudiana pensa ter descoberto a chave mágica da interpretação universal de todos os sonhos e, através deles, de uma grande parte dos processos dinâmicos do Inconsciente. Realmente nesse suposto, nada poderia sonhar-se que não pudesse ser englobado na teoria pansexualista de Freud e seus discípulos mais fanáticos e ortodoxos, e na enorme lista de símbolos por eles apresentada.

Todavia, vê-se facilmente quanto de subjetivismo existe na análise das análises oníricas desses intérpretes, ao ponto de a gente duvidar quem sonha mais: se o psicanalista ou seu paciente...

Lembre-se no mais, que os símbolos oníricos, como todos os símbolos, podem ser: convencionais, acidentais ou universais, como deixamos dito em esquemas anteriores. Ora, nenhuma convenção do passado ou do presente tem dado a esses símbolos o significado atribuído pelos psicanalistas, que o sonhador começa previamente; nenhuma conexão intrínseca de significado universal pretendido se liga a esses símbolos; quanto ao significado acidental, sabemos que ele é muito individual e ligado às experiências íntimas de cada sonhador. E se o significado do símbolo é estritamente individual, não podem existir regras de aplicação aos demais.

8) De fato, muitos psicanalistas não ortodoxos, têm-se desviado de tão rígido esquema interpretativo. Jung, por exemplo, estabeleceu a tese de que os sonhos são a expressão de nossa natureza racional superior, só dando crédito aos símbolos universais ou arquétipos, que ele estudou na mitologia e no folclore da cultura universal, revividos nos sonhadores através do Inconsciente coletivo. Uma sabedoria superior e universal seria assim expressa de forma simbólica através dos sonhos, segundo a interpretação jungiana, talvez, não menos parcial que a dos freudianos.

Com melhor senso, acaso, Erich Fromm tem tratado de unir a teoria de Freud à teoria de Jung, vendo nos sonhos a manifestação da natureza irracional, biológica e psíquica, tanto quanto da natureza racional e superior, isto é, do homem total. A simbologia onírica teria em sua opinião, um sentido, mais que convencional ou universal, de forma mais acidental e personalística do sonhador. Não haveria uma simbologia onírica universal que servisse de padrão ou tabela métrica comparativa, através da qual se pudessem interpretar os sonhos. O significado destes dependeria mais bem do estado atual e da situação dos dias precedentes do sonhador, antes que dos fatos muito antigos, mesmo que a atitude geral dependesse deles.

9) De qualquer forma, o esforço psicanalítico de compreensão dos sonhos, iniciado por Freud e continuado por seus discípulos, deve ter contribuído significativamente para o melhor conhecimento dos processos ocultos do inconsciente dinâmico, na complexa motivação do comportamento humano. Supondo mesmo que muito do trabalho acumulado nessas interpretações fosse errado, o esforço psicanalítico teria demonstrado a importância excepcional do conhecimento exato do significado dos sonhos, expressão máxima do psiquismo inconsciente. Aberta a porta e sentada esta pedra fundamental ficaria a cargo dos novos esforços a explicação total do enigma.

10) O processo mental pelo qual o material inconsciente, recalcado ou não, tem acesso a consciência onírica, é conhecido pelos psicanalistas como a elaboração do sonho. Seja como a satisfação de um impulso ou a liquidação de um conflito, o desaparecimento de uma dúvida ou a realização de um projeto; a elaboração de um sonho tem por fim especial a apresentação dos desejos, recalcados ou não, sob um disfarce aceitável para a consciência do sonhador. Isto é levado a cabo mediante os três processos seguintes: a condensação, o deslocamento e a dramatização.

Em virtude da condensação, uma mesma imagem ou símbolo manifesto pode representar diversos conteúdos latentes. Uma só pessoa (única imagem) pode representar o aspecto de A, vestir-se como B, fazer algo que lembre a C, e apesar de tudo, saberemos que se trata de D, pondo em relevo ao mesmo tempo, um caráter ou atributo comum às três pessoas. Não somente vários impulsos reprimidos podem ser representados por um só elemento do sonho manifesto, como um só impulso reprimido pode ser expressado por diversos elementos manifestos, no que Freud chamou de "entrelaçamento".

No deslocamento, sob a influência da censura, o sonho sofre o principal processo de deformação. é o reino do ilogismo onírico, pois a lógica do pensamento consciente não funciona nos sonhos. Em virtude disto um pai temido pode ser substituído por um gigante ou por um animal feroz; duas pessoas podem estar num lugar só ao mesmo tempo, ou uma pessoa estar em dois lugares diversos, também simultaneamente.

Por meio da dramatização ou encenação, os sentimentos e os pensamentos recebem, no sonho, formas de imagens visuais de objetos materiais. Com truques comparáveis aos da arte cômica e cinematográfica, o sonho adquire um aspecto teatral de comédia ou de drama, para ele convergindo, em pouco tempo, o presente, o passado e o futuro.

11) A Psicanálise começou sendo, desde o início, um método de exploração do Inconsciente. Além do uso do interrogatório sob "pressão", além das provas das “associações livres” e das interpretações dos sonhos, Freud ressaltou a importância do significado das "piadas" e dos "atos falhos", no que foi grandemente aplaudido e imitado por seus discípulos.

A essência da teoria psicanalítica sobre as "piadas" e dos "atos falhos", no que foi grandemente aplaudido e imitado por seus discípulos.

A essência da teoria psicanalítica sobre as "piadas" é que, seu prazer é provocado pela "livre expressão de sentimentos recalcados", sob uma forma aparentemente inocente e inofensiva, quando de outro modo seriam inaceitáveis. Uma forma engraçada de libertar as tendências e impulsos recalcados. Se trata quase sempre de um impulso agressivo contra um superior, um concorrente, uma autoridade ou contra um objeto sexual, de outra forma, inatingíveis, e a cujas expensas vimos. Por exemplo, um boca-larga aborrecido por gabar-se contínua e exageradamente de seus êxitos comerciais, perguntou certo dia orgulhosamente, numa reunião de vendedores amigos: "quanto vocês pensam que ganhei no mês passado?" "Um pouco menos da metade" respondeu quietinho um colega que lhe estava próximo. E a agressividade coletiva, contra o colega impertinente, estourou numa gargalhada unânime, provocada por aquelas poucas palavras.

O mesmo acontece na literatura e na arte, onde o conteúdo hostil é expressado livremente, como na piada, graças à forma artística, que o disfarça.

12) Em sua obra “Psicopatologia da Vida Cotidiana”, Freud mostrou que os atos cotidianos de esquecimento, "falhas" e transposição de palavras, não são inteiramente "acidentais" e revelam muito mais do que os atos normais. Um "ato falho" tem um valor revelador de algo inconsciente que o paciente teima em ocultar. Resulta sempre de uma "falha" de seu poder de controle e de simulação.

Quando uma pessoa de boa memória esquece algo inconscientemente, um encontro marcado, por exemplo, ou coisa parecida, é porque, em realidade, está oferecendo uma relutância inconsciente a realizá-lo.

Todos nós sabemos quão facilmente perdemos os objetos que nos foram doados por pessoas pouco afetas; como é fácil enganar-nos com o itinerário, ou mesmo perder a condução quando estamos indo a um lugar aborrecido, ou mesmo esquecer-nos de assistir a reuniões que sentimos serem desagradáveis. Muito mais psicólogos e com intuição mais fina, notam as mulheres as "pequenas falhas" involuntárias, principalmente, de suas amantes, pressentindo seu verdadeiro significado.

1) Coagido o EGO entre as forças imperiosas do ID, que exigem a satisfação de seus impulsos instintivos, e a inflexível censura do SUPER EGO que freqüentemente a proíbe, por vezes, vê-se na contingência de sucumbir a uma ou a outra. Nestes casos o EGO precisa usar de certos mecanismos ou artifícios para aquietar o ID ou para dissimular ou desculpar seu modo de proceder diante das críticas do SUPER-EGO

Observado primeiramente por Breuer, este procedimento defensivo do EGO, e atestado a seguir, por Freud, foi designado por ambos com o nome de "mecanismo de defesa". Por volta de 1900 Freud lhe deu o nome de "recalque". Mais tarde porém, Freud tornou a usar a primeira designação como denominação geral e utilizou a segunda para designar uma das espécies das "defesas do EGO".

2) O RECALQUE E A REPRESSÃO

O recalque nasce de um conflito entre duas tendências opostas; as exigências do ID e a censura do SUPER-EGO. Pelo recalque, o EGO do indivíduo rejeita inconscientemente para fora do campo da consciência uma representação (idéia-imagem) ou uma emoção (afeto-sentimento) atuais ou em forma de lembranças nascidas das exigências do ID, mas consideradas intoleráveis pelo SUPER-EGO, por serem anti-sociais e antimorais. Mas, banidas da consciência, nem por isso desaparecem. Elas permanecem na memória do inconsciente dinâmico, teimando constantemente por reaparecer na consciência, o que obriga o EGO a uma luta constante de repressão e recalque de tais lembranças e atitudes impulsivas do ID. Seu único objetivo é o de fugir ao desprazer, causado pelo conflito, para o qual o recalque cria uma formação substitutiva, como o esquecimento de nomes, os “atos falhos”, os sonhos, etc., se fracassar antes. Se fracassar neste objetivo, o resultado será geralmente a neurose.

O recalque converteu-se de imediato para os psicanalistas na pedra "angular" da compreensão das neuroses. Muitos chegaram a confundir entre simples repressão e recalque, e em sua interpretação pansexualista, toda repressão-recalque do impulso sexual era julgada como causa provocadora da neurose. Todavia, quando Freud afirmou que a repressão sexual produzia geralmente os sintomas neuróticos, ele disse apenas uma meia verdade, que levada e trazida com fins interessados, tem levado à confusão muitos educadores da juventude e muitos propagandistas do sexo.

De fato, os psicólogos e os médicos sabem muito bem que existem três classes de repressão da sexualidade, como de qualquer outra classe de impulsos instintivos:

a) a repressão sem compreensão;

b) a repressão com compreensão, mas sem aceitação, e

c) a repressão com compreensão e aceitação.

Dessas três repressões, só a primeira , tida geralmente durante a infância ou a juventude, sendo inconsciente e recalcada, pode resultar em causa possível da neurose. A segunda é consciente e sendo revoltada pode dar origem, também, à neurose a longo prazo, se, em tempo, não for compreendida e aceita. A terceira repressão nunca pode ser prejudicial, mas benéfica, nela se baseando toda a educação. De onde se deduz que não é a repressão em si, mas a forma ou tipo de repressão que causa a neurose, como afirma a Escola Culturalista.

3) A REGRESSÃO

Quando o EGO consciente e racional perde seu controle sobre a situação e não pode impor um comportamento racional e lógico de pessoa madura, regride frequentemente a comportamentos fixados ou padronizados em épocas infantis anteriores.

O bêbado, por exemplo, quando perde temporariamente a racionabilidade pela intoxicação, visivelmente volta a comportar-se como uma criança.

Em caso de pânico coletivo, o comportamento da massa torna-se também infantil sem controle lógico e racional.

Aqui os comportamentos regressivos infantis são manifestos porque o EGO consciente tem perdido o controle diante do conflito e não mais pode dominar a situação criada pela luta interior.

4) A CONVERSãO ORGÂNICA

Por ela os conflitos psíquicos inaceitáveis convertem-se em conflitos orgânicos, patológicos-inconscientes; são as numerosas perturbações psicossomáticas dos histéricos, como as contrações musculares, falsas paralisias, perturbações sensoriais, tiques, gagueiras, morder unhas, etc.

Ana O. converteu em paralisia do braço o medo de vê-lo convertido numa serpente, como tinha sonhado; e o nojo de ver beber o cachorro da água do copo, na impossibilidade dela própria levar o copo à boca para beber. "Preferível morrer de sede, não bebendo, que morrer de nojo bebendo."

5) A AUTOPUNIÇÃO OU MASOQUISMO

O conceito secular de que o sofrimento pode expiar a culpa é um dos sentimentos básicos da vida individual, social e religiosa. Nosso código penal e as práticas religiosas do ascetismo, flagelação e penitências, baseiam-se nele. O pecador libera-se da culpa pela penitência e o criminoso fica liberado e pode voltar à sociedade, depois de ter expiado sua culpa, cumprindo plenamente sua pena. Assim, um dos mecanismos da defesa do EGO mais comum é baseado neste silogismo emocional de raízes psicológicas profundas: que o sofrimento expia a culpa. Através do sofrimento, as pretensões do SUPER-EGO são satisfeitas e sua vigilância contra as tendências recalcadas se relaxa, uma vez que as debilidades culposas do EGO ficam punidas.

Existe uma seqüência de acontecimentos derivados desse raciocínio: mau comportamento — ansiedade — necessidade de punição — expiação — perdão e esquecimento. Para minorar a ansiedade nascida do sentimento de culpa, surge o desejo de ser punido para não ser rejeitado e continuar sendo amado. A própria pessoa culposa pode chegar a punir a si mesma ou exigir que outros a castiguem. Este desejo de purificação, junto com um outro sentimento oculto de ser admirado e ser amado por seus grandes sofrimentos (ser a mais sofredora), é o que leva muitos indivíduos ao masoquismo.

Os indivíduos deste tipo castigam a si próprios, internamente através de seus sintomas patológicos (doenças somáticas), como vimos na conversão, ou por penitências e castigos externos (flagelação).

6) NEGAÇÃO — FUGA — ISOLAMENTO

Com freqüência usamos o mecanismo da negação do mundo exterior e dos conflitos interiores resultantes, quando nosso EGO se sente incapaz de superá-los. Passamos a "ignorá-los" para não ter que aceitá-los. "Estão verdes, dizia a raposa das uvas, que não podia alcançar".

Perante a impossibilidade de enfrentar certos fracassos ou situações extremamente difíceis de serem superadas, um EGO enfraquecido prefere fugir para situações que supõe mais aceitáveis. Na impossibilidade de agüentar um pai extremamente rigoroso, na impossibilidade de casar, ou no caso de um namoro fracassado, a pessoa pode usar o expediente de ir procurar fortuna no exterior, ingressar no exército, ou num convento. São outros tantos exemplos de fuga.

O isolamento é outra variante de fuga. Nos casos de angústia invencível, o indivíduo, freqüentemente, desiste e isola-se do drama. Quem não pode prevalecer sobre outra pessoa ou se sente fracassar em seu relacionamento com ela, "isola-se dela" e corta as relações com ela... às vezes isto se generaliza extraordinariamente e o indivíduo torna-se totalmente isolado, introvertido e neurótico ou a dois passos da neurose, ou pode chegar à própria esquizofrenia. De certo modo, muitos introvertidos não o são por condicionamento filogenético, mas por condicionamento psíquico-educacional, por causa desta classe de "fuga" ou isolamento. Ou são geralmente ambivalentes: muito faladores e às vezes, sentem grande prazer em estar sozinhos.

7) A PROJEÇÃO

Mecanismo de defesa do EGO dos mais comuns e radicais, a PROJEçãO consiste em transferir, para as pessoas e objetos de nossas relações, os nossos conflitos internos inaceitáveis. Ao contrário da conversão pela qual os transferimos para nós mesmos convertidos em sintomas ou doenças, na projeção os transferimos para o exterior, para as outras pessoas ou coisas.

Não só os impulsos hostis agressivos e sexuais, mas tudo o que é recalcado pode ser projetado para os demais. "Não sou eu que o amo... mas ele que me procura...; não sou eu covarde, indiscreto, desonesto, ladrão, imbecil, etc., mas ele sim ...; não sou eu que o odeio, mas ele sim que me odeia..." "Não desejo atacá-lo, é ele quem deseja atacar-me."

Em casos extremos, esta atitude atribui aos outros qualidades totalmente inventadas, como nos delírios de persecução dos paranóicos; outras atribui aos outros as qualidades que ele mesmo tem; em casos mais leves basta exagerar as qualidades dos outros, para disfarçar as próprias.

A esposa, por exemplo, esquece seu próprio ódio, ou seu ciúme e acusa o marido destes defeitos; o marido, por sua vez, pode disfarçar seu desejo inconsciente de enganar a esposa, acusando-a de traição.

8) SUBSTITUIçãO OU DESLOCAMENTO

Trata-se de uma variante da projeção. Por este mecanismo o objeto de uma atitude inaceitável é substituído ou trocado por outro que se torna mais fácil e aparentemente mais lógico. O marido que recebe uma repressão no seu serviço, pode achar justificável um pequeno incidente para investir contra a esposa, os filhos ou o cachorro, descarregando a raiva que não pode descarregar no seu chefe, a quem tem medo ou a quem deve muitos benefícios.

O impulso sexual dirigido para a esposa ou namorada, etc. se insatisfeito pode ser deslocado para a empregada, prostituta, etc. Quantas esposas tornam-se culpadas de que o marido quarentão as substitua por alguma aventureira desqualificada.

Os impulsos agressivos podem ser aliviados se substituídos por algum exercício violento, como chutar bola, boxe, cortar madeira, respiração profunda, assistir a luta livre, etc. , exercícios muito benéficos, que podem impedir o recalque, como necessário, dando boa saída à energia emocional, que os acompanha.

9) RACIONALIZAçãO

Ocorre este mecanismo de defesa muito amiúde, quando o EGO consciente se esforça por explicar a todo o mundo os motivos "racionais" dos nossos constantes comportamentos irracionais.

O filantropo, por exemplo, dirá patrocinar financeiramente, "por caridade", certa instituição benéfica (motivo aparente bem laudável) para disfarçar sua vaidade, ou o desejo inconsciente de restituir o roubado (motivo real inconsciente).

Fez-se claro este mecanismo nas sugestões pós-hipnóticas quando o hipnotizado cumpre a ordem sugerida inconscientemente, e trata de justificar o porquê o fez sem o saber.

Sendo um dos mais comuns mecanismos de defesa, os psicanalistas encontra-no, freqüentemente, nas atitudes de desculpa de seus pacientes, como "lógicas" justificativas.

10) IDEALIZAÇÃO E SUPERCOMPENSAçãO

Idealizando o objeto amado (enamorado, enamorada), todas as qualidades boas lhe são atribuídas, existentes ou não, ao ponto de o espírito crítico não ser mais capaz de exercer seu discernimento racional a seu respeito. O neurótico formou seu "ideal" errado e a qualquer preço o quer conservar.

Pela supercompensação, outra espécie de deslocamento, uma atitude recalcada pode ser substituída pela sua oposta. Assim, uma crueldade violenta inconscientemente recalcada pode ser compensada por uma compaixão e ternura exageradas dos sofrimentos alheios (pessoas supercaritativas e freiras virgens que se esforçam em cuidar de crianças órfãs, que elas não puderam ter) à hostilidade reprimida, pode ser compensada, por uma submissão e humildade extremas; os sentimentos de timidez, de insegurança ou de inferioridade, compensam-se, muitas vezes, pelas exigências jactanciosas do valentão medroso. O valente policial armado pode resultar o mais medroso ser humano, quando desarmado. O sentimento vaidoso da mulher pode ser supercompensado, quando possa aparecer como "a primeira" ou "a mais", nem que seja a mais feia, a mais gorda, etc.

11) A SUBLIMAÇÃO

Com o nome de sublimação, designam-se, em Psicanálise, certas formas de substituição de tendências impulsivas, que na sua forma crua resultariam inaceitáveis, mas que, uma vez modificadas ou sublimadas, tornam-se socialmente muito valiosas.

Os esportes agressivos (touradas, luta livre), são sublimações de impulsos competitivos, destrutivos e até homicidas. Combinando a sociabilidade e hospitalidade, o jogo pode ser considerado como uma sublimação da tendência instintiva para o roubo.

Fumar, beber, mascar chiclete, são expressões modificadas ou sublimadas substitutivas do hábito de chupar o dedo ou do uso da chupeta, exagerado durante a infância.

A sexualidade, pela sublimação pode converter-se em continência controlada ou castidade, muito benéfica, socialmente falando, pelo vantajoso desembaraço, que permite exercer mais facilmente as atividades sociais, artísticas, literárias e científicas.

O cirurgião, o açougueiro e o oficial do exército utilizam seus impulsos agressivos, de tal forma modificados ou sublimados, que resultam em realizações muito importantes, desde o ponto de vista social, etc.

1) Desde o início do emprego da livre associação como método analítico, Freud e com ele todos os psicanalistas notaram, nos pacientes, uma tendência geral a ocultar certos fatos essenciais, pertencentes aos fatos traumáticos que causaram a doença. Para designar todas as características próprias deste comportamento, Freud escolheu o nome de RESISTêNCIA.

Notaram, de imediato, dois tipos de resistência, uma consciente e outra inconsciente. Consistia o primeiro na retenção e omissão voluntária e consciente da informação necessária à complementação da história. A causa poderia ser: 1) um medo de ser censurado e rejeitado pelo analista; 2) certa desconfiança a respeito deste, por ser-lhe ainda pouco conhecido e 3 ) um natural desejo de causar nele uma boa impressão de decência e honestidade.

Este tipo de resistência não pareceu muito nociva nem insuperável, pois, sendo consciente, o paciente podia ser convencido a superá-la.

A resistência inconsciente era mais significativa e de mais difícil solução. Parecia que as mesmas forças que tinham criado o recalque continuavam agora a exercer como que um breque para impedir o seu retorno à consciência. A resistência inconsciente, pensava Freud, era "uma força conservadora que se esforçava em manter o "status quo" criado pelo recalque". Parecia ser uma força auxiliar do recalque e outra das mais eficientes defesas do EGO. O doente parecia que se achava bem, naquela situação, e não mais queria sair dela.

Em suma: o analista deve precaver-se para o fato de que "todo paciente" oferecer-lhe-á o máximo de RESISTêNCIA inicial, para o devido esclarecimento da situação traumática de seu comportamento anormal, fazendo assim muito mais difícil e penoso o processo psicanalítico e, por conseqüência, o psicoterapêutico.

2) Vencida a resistência, começava a surgir outro tipo de empecilho no tratamento psicanalítico: a transferência. Estabelecidas as relações interpessoais entre o paciente e o analista, parecia que o doente tomava a este como se fosse o próprio objeto causador de seus conflitos e lhe fazia alvo daquela afetividade positiva ou negativa que os gerara. Confundindo-o, por exemplo, com seu pai, para ele canalizava todo o seu amor libidinoso e doentio, ou bem, toda a sua agressividade, origem de seus conflitos e complexos edipianos.

A Freud pareceu inicialmente a transferência como uma espécie de resistência, destinada a proteger o recalque. Parecia como que um novo tipo de projeção ou de deslocamento, capaz de esconder, camuflar ou dissimular a verdadeira realidade do problema. A transferência, entretanto, acabou sendo reconhecida como um fator importante, para o conhecimento das causas e sua cura; isto é, como um elemento psicanalítico e psicoterapêutico.

Todas as pacientes femininas mostravam invariavelmente, o desejo evidente de obter o amor do analista e todos os pacientes masculinos tendiam a manifestar uma atitude hostil, resistindo à sua autoridade e desejando competir com ele. Coerente com sua teoria sexual da neurose e o complexo de édipo, como seu centro principal, Freud pensou que estas atitudes estavam relacionadas com alguma situação erótica que as causara. Seria, pois, a revivência daqueles fatos, na situação edipiana atual, tomando o analista como o próprio pai. Neste sentido, a transferência, mais que como uma nova resistência, devia ser considerada como um ótimo meio de esclarecimento do passado...; pois, como notaram, outros psicanalistas posteriores, o paciente estava transferindo para o analista não só os seus sentimentos eróticos do período edipiano, mas toda espécie de atitudes, além das sexuais, e também todos os seus conflitos de qualquer gênero. Daí o nome de "neurose de transferência", dado justamente aquelas que são susceptíveis de cura psicanalítica.

A transferência significava agora como que uma nova forma de "catarse", ou uma nova eclosão emocional em que o paciente podia transvazar e refletir no analista todos os seus traumas causadores de suas doenças, seguindo-se o devido esclarecimento e a conseqüente cura. A transferência foi tomada, e representa, na realidade, o ponto crucial e o princípio curador do método psicanalítico.

3) Modernamente, o conceito de transferência adquiriu, na psicoterapia geral, uma amplitude significativa muito maior da que, originalmente, apresentava na psicanálise primitiva. Em termos gerais, a palavra transferência é utilizada para designar: "O conjunto de reações que se pode estabelecer entre o médico (analista) e seu paciente", ou melhor ainda: "a relação subjetiva ou totalidade de reações que se processam entre o "eu" e o "você" dessas duas pessoas".

A transferência, relação intersubjetiva, implica o conceito dual do "nós"; ela inclui a noção de reciprocidade. De um lado, a transferência e, de outro lado, a "contra-transferência", ou noção de ambivalência, com sua seqüela de reações positivas e negativas. Tal tipo de interações transferenciais agem não só na psicanálise clássica, mas também em todos os tipos de psicoterapia analítica ou não-analítica. Daí que, se o psicoterapeuta não controlar bem as suas reações "contra-transferenciais" correrá o risco de falsear e prejudicar completamente a evolução do tratamento psicoterapêutico.

a) Não existem métodos medicinais e, em especial, psicoterapêuticos em que esta relação não se estabeleça. Apesar da não-intervenção e uma total neutralidade do analista (tão exigidas deste nos métodos psicanalistas puros e ortodoxos) "certa reação interpessoal" se estabelece entre paciente e analista, necessariamente. Todavia, essa relação intersubjetiva, estabelecida na ligação do doente com o analista, a transferência não deve ser uma relação de caráter mágico, nem uma simples relação amorosa e sexual. O analista não deve representar o papel do "mágico" todo-poderoso sabe-tudo, nem o de um "guia iluminado" ou "grande sacerdote".

4) Como deixamos dito, no sentido freudiano, a transferência e contra-transferência representariam apenas "a tarefa projetiva da libido entre ambos" ou, mais freqüentemente, do paciente para seu analista. Todavia, como estamos vendo, tudo isto é muito restrito. Atualmente seu conceito tende a englobar "todo o conjunto das reações médico — doente", tornando-se este um anel na corrente de identificação, não só entre as identificações infantis primitivas, como também nas identificações superiores a maturidade e do equilíbrio. Coisa que ocorre, não só na psicanálise clássica, mas também em toda classe de psicoterapia.

5) Eis as diferentes atitudes que o médico — analista pode ou costuma adotar diante de seus pacientes:

a) Atitude de "neutralidade" rígida ou quase mística;

b) Atitude de "frieza" impávida e distante;

c) Atitude de "agressividade" ou de irritação contra o paciente por seus comportamentos irracionais;

d) Atitude de "gratuidade", procurando a benevolência e simpatia do paciente e tudo fazendo para "estar bem com ele";

e) Atitude HUMANA E COMPREENSIVA, de imensa autenticidade vivencial.

Como é natural, somente este último tipo de atitude do psicoterapeuta será o que poderá curar eficientemente. Do contrário, a sua inevitável "contra-transferência" ser-lhe-á inteiramente perniciosa.

1) Desde que a Psiquiatria acadêmica antiga conseguiu abolir o velho conceito moralista "das doenças-pecados", passou a considerar todos os fenômenos, doentios ou não, manifestados através da histeria da epilepsia, do sonambulismo, da "possessão diabólica", do transe "extático" ou "mediúnico", e todos os distúrbios da personalidade, em geral, como se fossem variadas perturbações funcionais da MENTE.

Em seu conceito materialista, tais perturbações, como era lógico supor, ainda que não encerrassem distúrbios anatômicos-fisiológicos, deviam ser consideradas, certamente, como distúrbios funcionais da substância nervosa do cérebro-mente, ou do sistema neuronal geral. Daí que tais "doenças mentais" recebessem a denominação genérica de "neurose", nome oriundo da palavra grega "neuron", que significa nervo. E os portadores de tais doenças eram tidos, portanto, como neuróticos, neuropatas ou sofredores dos nervos.

O conceito de "neurose" parece ter partido do médico alemão Dr. Brown, que afirmava que "o ser humano se achava sendo bombardeado, constantemente, por estímulos externos, que produziam em si um estado de superexcitação ou ESTENIA, ou então, por falta de estimulação, seria levado a um estado de fraqueza nervosa ou astenia. Tanto num caso como no outro, a conseqüente tensão nervosa provocaria, como resultado lógico, o esgotamento nervoso ou FRAQUEZA NERVOSA. E "neurose" foi o nome ideal adotado, daí em diante, para designar todas as doenças mentais ou de comportamento anormal, para as quais não se conseguia achar nenhuma outra causa orgânica específica e determinada. Em seu conceito materialista e antipsicológico (significado próximo, para eles, ao de anti-espiritualista), os médicos organocistas supunham logicamente que a causa de tais doenças continuaria a ser orgânica necessariamente. E no caso de não achá-la em nenhuma "lesão cerebral", atribuíam-na à simples fraqueza nervosa. Os doentes sofriam dos nervos; isto é, de todo o sistema nervoso indeterminadamente, e não do cerebral em espécie.

Todavia, a "neurose", em seu conceito, não era uma "ite" (neurite ou inflamação, ou moléstia de algum tecido neuronal, mas sim uma "ose" (neurose ou distúrbio funcional da substância nervosa).

2) Mas Freud, e com ele todos os representantes da escola psicologista, sempre se esforçaram em provar que esta conceituação era inteiramente estreita e inadmissível. Extremando-se, passaram ao campo contrário e tentaram sempre demonstrar que "as perturbações neuróticas" ou "neuroses" tinham SEMPRE causas e raízes exclusivamente psicológicas. E em vez de ter adotado para exprimir este conceito o nome de "psicose" (em substituição do termo "neurose"), continuaram a qualificar de "neurose" toda essa gama de doenças, que eles afirmavam ser "psíquicas" e não orgânicas.

Como resultado, aí está toda essa enorme confusão que, ainda hoje, se nota no uso atual dessa nomenclatura, em todos os tratados de Psiquiatria, de Psicoterapia e Psicanálise, não sendo fácil entender, se a distinção entre "neurose" e "psicose" é apenas de grau (de menor ou maior intensidade), ou se a sua natureza causal é qualitativamente diferente.

Contrariamente às suas respectivas posições e conceitos, parece que os psicanalistas e psicologistas gostam mais de usar a palavra "neurose", referindo-se aos comportamentos e perturbações mentais mais benignos, que supõem estritamente psíquicos e emocionais, assegurando que conseguem curá-los por meios únicamente psicológicos e sem o uso de remédios. Inversamente, também em oposição a seus próprios conceitos, os psiquiatras preferem usar o termo "psicose" para designar as perturbações mentais mais extremas, que os psicanalistas abandonam em suas mãos, e que, por supô-las de natureza puramente orgânica, as tratam com remédios e métodos inteiramente físicos.

Todavia, admitindo-se hoje por todos psiquiatras e psicanalistas, que existem realmente duas classes de doenças mentais: as organogênicas, cuja causa do distúrbio é obviamente orgânica ou física (neuronal, hormonal, etc.) e as psicogênicas, no caso de serem originadas por causas estritamente psíquicas (disfunções mentais ou emocionais); sendo no primeiro caso a disfunção mental um efeito ou mero resultado do distúrbio físico, e no segundo caso, tendo a disfunção mental uma causa psíquico-emocional, ela é que vem a ser, muitas vezes, a causadora dos distúrbios físicos; nós achamos que está já na hora de utilizar uma NOMENCLATURA mais condizente com os conceitos atuais. Proporíamos que, independente do grau e atendendo unicamente à natureza própria de cada tipo de doença mental, se reserve o nome de NEURO-PSICOSES para as doenças mentais ou psíquicas organogênicas, o de PSICO-NEUROSES para as psicogênicas com derivativos orgânicos, e, finalmente, o nome de PSICOSES simplesmente, para as perturbações psico-emocionais (mentais ou não) puramente psíquicas e sem nenhum derivativo orgânico.

3) Usualmente e a grosso modo, nós podemos distinguir três tipos de doenças mentais, manifestadas como disfunções da mente ou da personalidade e que tanto podem pertencer à linha orgânica como à linha psíquica. Assim, pode-se falar de: psicoses, neuroses e histerias, como perturbações mentais, de caráter ou da personalidade, sejam de origem orgânica ou psíquica.

No uso atual, esses termos tomam um sentido mais quantitativo que qualitativo. O termo psicose por exemplo, compre-ende genericamente os grandes processos mórbidos de desintegração da personalidade. Corresponde, em certo modo, ao conceito popular de loucura e alienação. Os doentes psicóticos, mesmo de origem psíquica, são encaminhados ao médico psiquiatra, para serem tratados por métodos físicos, pois seu estado de total alheiamento não permite o uso dos métodos psicanalistas ou psicoterápicos. (Psiquiatria do grego — psiché alma, mente, e iatreia cura ou tratamento, ramo da medicina clínica que trata preferentemente das perturbações orgânicas mentais ou cerebrais e das psíquicas em último grau).

As outras perturbações (neuroses, histerias, etc) de grau menor que não sejam especificamente orgânicas, são tratadas preferentemente pelo psicanalista ou psicoterapeuta. No caso de uma psicose aguda, por exemplo, como a esquizofrenia e a paranóia é muito difícil saber quanto tem de defeito orgânico ou de distúrbio emocional. Sabe-se, apenas, que o tratamento, nestes casos, torna-se possível e eficiente somente quando é feito por meios psiquiátricos e quase impossível mediante a psicoterapia analítica, ou de outra espécie verbal. Nesses casos utiliza-se o método psiquiátrico, até levar o doente a um estado em que seja possível ser abordado pelo psicoterapeuta.

4) Um trauma físico, hereditário, congênito ou adquirido pode abalar os elementos constitutivos da mente e conseqüentemente criar uma disfunção dessa faculdade. Igualmente, um trauma psíquico-emocional pode alterar o metabolismo hormonal e criar uma similar disfunção da faculdade mental. Estamos aqui diante de um primeiro grupo de doenças ou distúrbios mentais de caráter funcional em que a disfunção mental é um efeito ou resultado de uma causa que pode ser de dupla origem: física ou psíquica.

Por sua vez, a disfunção mental, uma vez produzida, junto com a alteração do metabolismo na produção hormonal, pode ser causa de novas moléstias ou distúrbios, como as que constituem a ampla gama de patologia psicossomática, e os muitos tipos de comportamentos anormais, que formam o grupo das "neuroses" de caráter ou das "personalidades" neuróticas ou psicopatas.

Apoiado neste princípio é que o Dr. Guntrip resume as doenças mentais a estes quatro grupos:

a) Doenças psicossomáticas, em que coexistem certos distúrbios tanto psíquicos quanto físicos, embora os primeiros sejam a causa dos segundos, como certas paralisias, colites, eczemas, úlceras, etc., devidas a uma causa psíquica-emocional.

b) Doenças mentais constitutivas, em que a disfunção mental é devida a uma causa física, um tumor, uma sífilis, uma intoxicação alcoólica, uma infecção hidrofóbica, etc., ou devida a um trauma psíquico-emocional gerador de um excesso de adrenocromo ou de serotina, por exemplo, ou de uma carga excessiva de bioeletricidade; como o delirium-tremens dos alcoólatras, a loucura produzida pela raiva, os delírios alucinatórios e certos tipos de epilepsias, que acusam forte disritmia bioelétrica.

c) Desordens neurofuncionais ou psiconeuroses, onde existe apenas uma disfunção de órgãos totalmente saudáveis, não aparecendo nenhuma lesão ou causa física atuante.

d) Desordens funcionais da personalidade, do comportamento, mental ou "neuroses" de caráter, tais como os desvios sexuais, as toxicomanias, as fobias, as manias, as obsessões, os comportamentos criminosos, e as explosões temperamentais do histérico, do neurótico e do paranóico, etc.

5) O psicoterapeuta geral precisa do conhecimento exato da gênese e dos processos de todos os quatro tipos de doenças mentais, para a formulação de um bom diagnóstico, e os meios de quadros de cura. O psiquiatra concentra-se principalmente nas doenças mentais do segundo grupo, e após a sua constatação, trata de curá-las com remédios físicos.

Já o psicanalista limita-se ao estudo e cura das doenças mentais do terceiro e quarto grupos. Suas armas são exclusivamente o discernimento analítico e psicoterapia psicanalítica. O psicoterapeuta, por sua vez, conhecido o estado psíquico da pessoa, pode usar alguns dentre os diversos métodos psicoterápicos.

Em grau ascendente, as doenças psíquicas mais comuns da área da psicopatologia podem ser agrupadas da maneira seguinte:

6) As fobias ou medos irracionais ou patológicos nada mais são que estados de angústia que surge diante de determinados objetos ou situações específicas, como revivências de outros medos passados da época infantil: animais, espaços amplos ou fechados, alturas, multidões, etc.

Manias — são determinadas maneiras de agir de aspecto compulsório e obsedante provenientes de hábitos e idéias fixas, fora do normal e racional: mania de lavar as mãos constantemente, mania de limpeza exagerada, etc.

Obsessões — são certas atitudes insistentes, provenientes de idéias ou imagens fixas, associadas a grandes cargas de afetividade, que jazem no inconsciente, recalcadas, que se impõem continuadamente. A obsessão de ser perseguido, por exemplo.

As toxicomanias — são certas tendências, hábitos ou necessidades de tomar tóxicos, entorpecentes, drogas ou álcool, criadas por necessidades físicas ou psíquicas, artificialmente provocadas.

Desvios sexuais — são certas práticas que procuram a satisfação sexual de modo habitual e fora do uso comum de acasalamento bissexual, como a ninfomania, o homossexualismo masculino, o lesbianismo, o travestismo, etc., quando adquirem aspecto permanente, tendencioso e doentio.

Tendências criminosas — são certas inclinações para práticas ilegais e criminosas como a piromania, cleptomania, etc.

Histeria de fixação — em que o histérico trata de chamar a atenção dos seus semelhantes (mesmo inconscientemente) sobre "vivências desagradáveis" que produziram profunda impressão no "EU infantil"; isto mediante a clássica sintomatologia dos "ataques histéricos", acompanhados de gestos, gritos, e posturas mais ou menos espetaculares.

Histeria de conversão — em que a atenção é chamada mediante distúrbios orgânicos ou funcionais mais ou menos graves e permanentes, como os tiques, paralisia, mutismo, gagueira, eczemas, espasmos, meiar a cama, etc.

Histeria ansiosa — em que o paciente, não logrando transferir seu problema para sintoma externo, fica simplesmente inibido e ansioso.

Neurose de conversão — é uma resultante da angústia quando os medos que a provocam se transformam em sintomas somáticos. Representa uma descarga de energia semelhante a que acontece com a histeria de conversão, como no caso de certas insônias, neuralgias, convulsões, espasmos, tremores, vertigens, etc.

Diz-se também "neurose de compulsão", quando envolve uma idéia fixa, obsessão ou mania, formando uma tendência impulsiva para determinada ação, etc.

Neuroses traumáticas — Diz-se daqueles sintomas neuróticos que se estabelecem a partir de situações externas, que envolvem graves traumatismos emocionais, como a morte de seres queridos, insucessos financeiros, desastres, catástrofes, etc., entre as quais são notáveis as chamadas "neuroses de guerra".

A neurastenia — nome dado por alguns psiquiatras a certas neuroses de tipo conversivo, como tonteiras, insônias, irritabilidade constante, hipocondria, astenia ou cansaço, impotência, etc.

O sufixo OIDE — classifica certos tipos neuróticos fronteiriços entre os estados da neurose e da psicose. Em grau de intensidade, são estados intermediários, mesmo que a natureza seja considerada a mesma.

Paranóide — de tipo extrovertido e tendências agressivas, sofre de neurose obsessiva de "compulsão", provocada por idéias fixas, que lhe levam a agir sempre contra tudo e todos. Geralmente hipermotivo e incontrolável, torna-se um perseguidor ou torturador, ou um simples criminoso.

Tendo fases de quase normalidade, passa por situações verdadeiramente neuróticas para chegar a momentos de verdadeira paranóia.

Esquizóide — tipo introvertido e depressivo, é o homem da eterna dúvida e da contínua discordância, não com os demais, mas sim consigo mesmo. Todos temos dúvidas e temores, mas o esquizóide as têm em número infinito e por motivos imaginários, predominando nele as ações compulsivas não-agressivas. é uma personalidade dividida em perpétua desarmonia.

Eis alguns tipos:

a) O hipocondríaco, possuidor de verdadeira mania de doenças que não existem, em estado de permanente melancolia, misantropia e isolamento.

b) O astênico é um apático e amorfo, eternamente desinteressado de tudo, não conseguindo ser motivado por nada.

c) O anético que é um tipo inteiramente amoral e por vezes perverso, levado a praticar toda classe de atividades excusas, que não envolvem briga ou agressividade, pois é muito medroso.

Ciclóide ou maníaco-depressivo — é um tipo intermediário entre o paranóide e o esquizóide, alterando-se em certos períodos chamados ciclos. Extremamente otimista, cai de repente em estado de aflita depressão, passando da agressividade interna à maior timidez.

A psicose — quando o paranóide e o esquizóide chegam a passar a linha divisória entre a neurose e a psicose, perdem o contato com a realidade objetiva e ficam às voltas com a sua realidade subjetiva. Neste caso, a desintegração da personalidade chega a seu auge e a ligação afetiva entre a percepção e a inteligência não mais existe. é a loucura declarada.

Como nos casos intermediários ou benignos vistos anteriormente, pode ser do tipo agressivo ou inibido; isto é, de forma paranóide ou esquizóide.

O paranóico — podem distinguir-se dois tipos de paranóicos: o pacífico e o agressivo.

a) O paranóico pacífico: se caracteriza pelas idéias de grandeza. Julga-se um grande homem, um grande personagem, um profeta ou mesmo Deus, um messias, um profeta, um gênio ou a reencarnação de alguma personagem histórica imaginária; pode acreditar-se um Nero, um Napoleão, etc.

b) O paranóico agressivo: sente-se perseguido por todo o mundo e sempre, em permanente defensiva, defende-se agredindo. Sente-se perseguido por vivos e defuntos, por terrenos ou marcianos, por bichos ou fantasmas, por seres reais ou imaginários. Sofre freqüentes alucinações, vê mesmo seus perseguidores por toda parte, ouve suas vozes, sente o sabor dos venenos que lhe ministram as forças ocultas. Extremamente irritável e irritado, torna-se agressivo com todo o mundo, a ponto de ter que ser recluído e sujeitado a métodos violentos como a "camisa de força", o que o faz mais agressivo ainda.

O esquizofrênico — representa uma evolução extrema do esquizóide em todos os seus subtipos. Seu caráter de inibido e introvertido o leva ao isolamento total da realidade objetiva e se reclui na sua realidade subjetiva, onde seu mundo de fantasias, delírios e alucinações, coincide em parte com o mundo mágico e fantástico da sua infância.

Como no paranóico, no esquizofrênico podemos distinguir, também, alguns subtipos mais ou menos diferentes:

a) O autismo ou esquizofrenia simples — caracteriza-se por uma espécie de apagamento cada vez maior da iniciativa e das relações afetivas até a apatia quase total e ruptura dos interesses sociais, e total isolamento.

b) Esquizofrenia catatônica — apresenta sintomas como mutismo e negativismo quase totais, imobilidade prolongada nas mesmas posições e atitudes.

c) Esquizofrenia hebefrênica — está acompanhada de um certo descontrole, apresentando atitudes, idéias e palavras inteiramente disparatadas, tolas e imotivadas, desconexas e como que assumidas ao acaso. Representa uma extrema regressão aos estados infantis.

d) Esquizofrenia paranóide — nome dado por alguns autores, quando o esquizofrênico apresenta idéias delirantes de grandeza e perseguição semelhantes às do paranóico. Noutros casos, queixar-se-á, como o hipocondríaco, de sensações e idéias extravagantes a respeito de seus órgãos corporais: serpentes no estômago, corpos estranhos em seu organismo, fios elétricos ligados ao cérebro, etc.

às vezes mostrará uma ambivalência estranha para com os seus semelhantes: carinho, brutalidade, respeito, ou desaforo, etc.

O psicótico ciclóide — como nos graus neuróticos mais benignos, existe também o psicótico ciclóide, manifestando a dupla tendência maníaco-depressiva, em que se alternam os períodos ou ciclos de psicose paranóica e psicose esquizofrênica. Crises maníacas de humor exaltado, alegria ou cólera exageradas, excitação psíquica e motora; e crises melancólicas de humor deprimido, tristeza, inibição psíquica e motora, auto-recriminação, e tendências ao suicídio, suscedendo-se em determinados períodos.

A resultante em todos os casos parece ser a "ausência" do poder de julgamento do juízo, que fica de tal modo alterado, que as elaborações mentais dos neuróticos e psicóticos tornam-se falsas ou absurdas. Daí seu comportamento disparatado.

Como dissemos tantas vezes, a causa dessa ausência do poder de julgamento pode ser um distúrbio mental orgânico ou uma mera causa psíquico-emocional, sendo todas as doenças descritas meros degraus ou fases de desenvolvimento do mesmo defeito, orgânico ou psíquico.

1) Vimos, no primeiro esquema da obra, como as doenças mentais, igual que as orgânicas, foram confundidas pelos primitivos e explicadas em sentido místico-religioso como intervenções dos espíritos malignos e como simples efeitos ou resultados dos pecados morais.

A Psiquiatria moderna dos últimos tempos considerou-as como conseqüências de distúrbios orgânicos neuronais e estabeleceu o capítulo da neuropatologia. Os doentes mentais passaram a ser considerados como neuropatas ou sofredores dos nervos e suas moléstias como neuroses ou perturbações funcionais de um sistema nervoso enfraquecido, ou de alguma maneira lesado, ou deficiente em seus elementos essenciais.

A histeria, um dos sintomas mais concretos considerados pela Psiquiatria, dentro do esquema da neuropatologia, ou era um dos muitos resultados das neuroses, ou não passava de uma manifestação fantasiosa e simulada, provavelmente originada nos câmbios anormais das funções ovarianas e uterais das mulheres. Por isso, desde Hipócrates até Charcot, a histeria, de histeron — útero, foi considerada sempre como uma moléstia exclusiva das mulheres.

2) Mas quando através do "transe" hipnótico os comportamentos sonambúlicos e histéricos começaram a ser melhor estudados e melhor compreendidos, em forma de pesquisa experimental, quase de laboratório, chegou-se a entrever a possibilidade de que a causa determinante de tais moléstias fosse mais psíquico-emocional do que nervosa.

Recolhendo os resultados de seus predecessores e apoiado em suas próprias experiências, Charcot fez a surpreendente declaração de que: "a histeria não só não era exclusiva das mulheres e podia encontrar-se também nos homens, como que ela era mais bem psicológica do que nervosa".

Na mesma época, estudando também os comportamentos dos doentes histéricos e neuróticos, descobriram as bases do inconsciente dinâmico, que abriam enormes portas à compreensão das verdadeiras causas psíquicas desses comportamentos doentios.

Apoiado nesses resultados e nas experiências mais concretas do mestre Breuer, Freud — juntamente com ele — estabeleceu o princí-pio geral de que "a histeria (ou neurose) tinha como causa a lembrança recalcada de um fato, emocional ou psiquicamente traumatizante".

Mais tarde a interpretação pessoal de suas próprias experiências com doentes neuróticos levou Freud a concretizar a qualidade dessa lembrança recalcada como sendo uma lembrança de um ato sexual profundamente vergonhoso, razão pela qual tinha sido energicamente recalcada para o profundo inconsciente, fazendo-a muito mais traumatizante e perturbadora.

3) Posteriores estudos experimentais em seus pacientes obrigaram a Freud a reformar sua primeira definição etiológica. Ele comprovara que, em muitos casos, seus doentes mentiam ao referir-se a atos sexuais anteriormente praticados. Compreendeu, assim, que a lembrança sexual recalcada freqüentemente não era a de um ato sexual realmente praticado, mas a de um desejo fantasioso, inconsciente e doentio, de praticá-lo...! A criança ou adolescente não fora realmente abordada sexualmente por parte de um de seus progenitores, mas ela teria desejado inconscientemente que assim acontecesse...! e a lembrança desse desejo insatisfeito, mas ainda assim profundamente vergonhoso, uma vez recalcada, vinha a ser causa traumatizante de um distúrbio histérico-neurótico.

Continuando a estudar a razão de ser desses desejos fantasiosos das crianças referentes a atos sexuais com seus próprios pais, coisa aparentemente inadmissível, veio a estruturar a sua famosa teoria da LIBIDO, uma energia vital construtiva, tornada sexual, que, se biológica ou psiquicamente reprimida, frustrada, inibida, contrariada ou desviada, deveria ser a causa traumatizante e perturbadora responsável pelo desencadeamento da doença.

Mas, ao colocar a causa das neuroses do repressamento de uma energia quantitativa e física (segundo suas palavras), com efeitos psíquicos (coisa não muito compreensível), parecia a Freud regredir do terreno psíquico para o somático novamente colocando a etiologia das neuroses na disfunção orgânico-hormonal em vez de buscá-la na perturbação psíquico-emocional, mais condizente com o novo campo e as novas conquistas realizadas pela Psicanálise.

4) Esta regressão incoerente, e a universalidade dada à libido como causa única da nova psicopatologia, que Freud quis imprimir à sua teoria da LIBIDO-SEXUALIDADE, começou a criar uma certa incompatibilidade entre Freud e seus discípulos e entre a nascente Psicanálise e o mundo da Moral, da Medicina e da Psicologia.

Fato, lembrança, desejo ou quantidade de energia libidinosa recalcada, sempre no fundo de toda neurose, como causa etiológica radical, iríamos encontrar o "recalque", gerador de ansiedade e da neurose.

Foi por isso, que no I Congresso de Psicanálise de Viena, em 1910, seus melhores discípulos, Adler e Jung, discordaram da teoria etiológica de Freud, expuseram publicamente suas opiniões e repreendidos pelo mestre se afastaram da corrente psicanalítica freudiana, para formar suas próprias escolas, de acordo com suas particulares opiniões.

Adler colocou a estrutura da personalidade madura na auto-afirmação, mediante a superação dos sentimentos de inferioridade, na luta constante de cada dia pela conquista da maioridade biológica e psíquica ao mesmo tempo. "O neurótico, escrevia ele em 1912, não sofre do passado; ele cria o passado". Em seu sentir a etiologia das doenças psíquicas radica na "frustração" repetida na luta permanente de superação do sentimento, ou complexo de inferioridade". Na medida em que vencer nesta luta, terá construído a sua personalidade madura e sadia; na medida em que fracassar, terá ficado neurótico.

Jung estabeleceu por sua parte, a teoria da "LIBIDO= =PRIMORDIAL", considerando-a apenas como uma energia indiferenciada, que só se tornava sexual no começo da puberdade, sendo somente a partir dessa idade que podia constituir problema patológico. Para ele, não era "no passado que se deveria situar o conflito, mas sim no presente doloroso; isto é o que o torna doente". Assim sendo, ele sustentou uma etiologia psíquica poliforme e devida a diversos fatores igualmente frustrativos e causadores da doença, especialmente os de caráter educacional, por parte de pais neuróticos.

Para Rank, outro dissidente, "todas as dificuldades neuróticas arrancariam do trauma do nascimento, por si mesmo traumatizante, pois ele considerava o nascimento como um choque emocional dos mais profundos". Na forma mais ou menos traumática do nascimento teria origem "a ansiedade primordial", como uma espécie de reservatório de ansiedade colocado dentro da pessoa. Porções dessa ansiedade primordial seriam libertadas em todas as situações conflituosas posteriores, capazes de gerar problemas neuróticos.

5) Com Sullivam, psicólogo social treinado na escola freudiana clássica, o fator da ansiedade básica ou primordial, ponto de partida do comportamento neurótico segundo Freud, e estudado pela primeira vez em termos de ação cultural sendo um dos primeiros iniciadores da escola culturalista americana. Para ele a aprovação pelo adulto ou adultos significantes (pais e mestres) na vida da pessoa, constitui a atmosfera essencial para o desenvolvimento cabal e sadio da jovem personalidade. Conseqüentemente a desaprovação ou repressão envolve uma sensação de insegurança, geradora de ansiedade e causa etiológica da neurose. São, pois, os fatores culturais e educacionais os que produzem situações de ansiedade especialmente significativas e neurotizantes.

Na mesma linha, Fromm salientou que a desaprovação de um pai destruidor pode inutilizar as melhores potencialidades construtivas do indivíduo, sendo sacrificadas aos desejos e interesses dos educadores. Em tais circunstâncias, qualquer tentativa de manifestar potencialidades positivas pode chocar-se com a ação repressiva do educador, gerar ansiedade e produzir a neurose.

6) Foi Sorokin quem primeiramente chamou a atenção para uma série de problemas, complicações e contradições, próprias dos grandes agrupamentos sociais e sua ação destruidora e neurotizante. Mas foi Karem Horney a primeira psicoterapeuta que soube colocar na motivação social a etiologia fundamental das perturbações neuróticas modernas, saturadas de "stress", de ansiedade, de medo e de insegurança. Proclamadas por Horney as teses da escola culturalista são as seguintes:

a) Ninguém é neurótico senão pela pressão da sociedade;

b) A neurose é a reação individual ao conjunto de exigências complexas e contraditórias da sociedade;

c) A neurose é o efeito patológico dos fatores neurotizantes que existem na sociedade;

d) O fator causador da neurose não é uma instância que reside dentro do doente, como apontaram Freud e os primeiros psicanalistas, mas fora dele. Quem lhe causa a doença é a sociedade.

Assim sendo e conforme as teses desta escola, em vez de falarmos de neuroses, melhor faríamos em falarmos em socioses, ou comunicoses...! Será por isso que dificilmente os silvícolas e nunca os animais ficam nervosos...?

7) Uma outra escola inglesa, que poderia ser representada pelos Drs. Fraz Dicks, Fraibainr e Guntrip, tem tratado de harmonizar mais recentemente os fatores internos do indivíduo e os condicionamentos educacionais e sociais como sendo as causas coadjuvantes dos comportamentos neuróticos.

Para o Dr. Fairbainr, "as causas das neuroses devem situar-se no legado do medo, na fraqueza infantil e na necessidade de dependência dos pais, falsamente confundida com o famoso complexo edipiano de Freud". E o Dr. Dicks, seguindo a linha acrescenta: "Todo paciente acusa um medo infantil muito maior do que poderia suportar quando bebê, e os efeitos de sua estrutura psíquica representam as desesperadas tentativas para aliviar esse sentimento intolerável, pelos meios a sua disposição".

Finalmente, o Dr. Guntrip, mais expressivo, escreveu o seguinte: "Deixando de lado este ou aquele sintoma, a causa fundamental da neurose achar-se-á num estado basicamente dominado pelo medo infantil, intimamente debilitado, emocionalmente abalado e paralisado no desenvolvimento do paciente como um EU total". "A investigação moderna, acrescenta, vai deslocando o problema da etiologia das doenças mentais para além dos problemas do sexo, agressão, culpa, conflito moral, complexo e depressão, alcançando as mais remotas e mais profundas experiências da fraqueza, dependência e medo primordiais da infância, motivadas numa idade bastante precoce".

8) Nossa opinião assemelha-se bastante ao afirmado pelos representantes desta última escola. Generalizando mais um pouco os seus dizeres, achamos oportuno concluir que:

"Toda neurose tem origem numa falta intolerável de afetividade positiva (amor e seus derivados) ou na presença de uma quantidade intolerável de afetividade negativa", que enfraquece e impede o desenvolvimento da personalidade amadurecida (neurose), sendo capaz, por vezes, de levá-la a uma cisão total, que seria a psicose".

Essa falta ou presença da afetividade positiva ou negativa, no caso, dependerá dos fatores educacionais e sociais que o indivíduo achar na família, e na sociedade, onde se vê obrigado a viver; e sobretudo, a eclosão de sua neurose em maior ou menor grau dependerá fundamentalmente DO PODER DE ADAPTAçãO E RESISTêNCIA, que o caráter e personalidade do indivíduo possam oferecer.

Acreditamos que esta nossa posição abrange e coaduna tudo o dito pelos demais psicanalistas numa teoria etiológica poliforme e poligenética, pois, com certeza, tudo o que foi apontado por eles, termina gerando esse tipo de falta de afetividade positiva necessária ao indivíduo, e o excesso de afetividade negativa, que quando chega a um grau intolerável para um determinado indivíduo, provoca nele mais negativismo, mais medo, mais ansiedade e insegurança, mais enfraquecimento e inibição, mais neurose e até psicose, segundo os casos.

1) Ainda que inicialmente um médico neuropatologista, Freud se converteu mais tarde em psicologista. Seu lugar, portanto, deve situar-se entre os médicos psicoterapeutas e não entre os psiquiatras.

Freud iniciou sua especialidade de psicoterapeuta como ouvinte, ajudante ou associado de Breuer, aperfeiçoou-a com Charcot e Bernheim e adotou um método próprio especial. A psicoterapia de Charcot e Bernheim não passava da tradicional prática da hipnose, que tanto podia ser só informativa, quanto sugestivamente curativa. A psicoterapia de Breuer era também hipnótica, mas continha um elemento particularmente novo: a famosa KATARSIS.

Breuer e Freud tinham descoberto primitivamente que a histeria e a neurose pareciam ter sido provocadas pela ação traumatizante de um fato vergonhoso que por sê-lo tinha relegado ao esquecimento e até sua própria lembrança fora recalcada e eliminada da memória consciente, porém, para permanecer dinâmica na memória inconsciente. A emoção produzida por aquele fato vergonhoso ou por sua lembrança, posteriormente, aparecia como a verdadeira causa responsável da doença atual e seus sintomas. Conseqüentemente, a única terapia viável e eficiente que podiam utilizar para ela era a de dar saída àquela força emotiva reprimida causadora da doença. Essa evasão da energia ou força perniciosa, assemelhava-se a uma limpeza interna ou psiquíca ao modo de uma purga. Por isso lhe foi dado o nome mesmo de purga, mas em grego, naturalmente, para fazer mais bonito, isto é: "katarsis".

Verificaram ainda que, durante a hipnose ou num estado pré-hipnoidal, os paciente podiam evocar a lembrança recalcada daquele fato esquecido ou reprimido e traumatizante, fazê-la presente à consciência onírica no "transe", primeiramente, e passá-la, depois, para a consciência vigílica, quando acordados; e verificarem, também, que a lembrança, agora evocada, aparecia carregada do mesmo grau de afetividade ou emotividade com que, presumivelmente, fora arquivada, esquecida ou recalcada. Essa evocação emocionante resultava numa verdadeira eclosão ou saída da força perniciosa e neurotizante. A esta eclosão Breuer deu o nome de "ab-reação", ao procedimento purgativo de katarsis e a hipnose de catártica. Conseguido isto, o paciente ficava curado, ou pelo menos, aliviado de seus sintomas histéricos.

2) Freud imaginou, posteriormente, que o tal fato vergonhoso recalcado era sempre (?) um fato sexual realizado, ou um desejo fantasioso de realizá-lo. Mais tarde concluiu que a força traumatizante e neurotizante não era mais a emoção, mas sim uma energia que ele chamou de "libido". Quanto ao procedimento terapêutico, também abandonou a hipnose catárica, da qual só conservou o divã e a posição esticada do paciente, e com ela a eclosão ou "ab-reação" e seu efeito purgativo ou "katarsis". Substituiu ele a parte informativa da hipnose pelos processos da livre evocação, a "livre associação", e o exame dos sonhos, dos "atos falhos", das piadas e de todas as manifestações do "inconsciente". Esta parte informativa, mesmo que extremamente demorada, levava o paciente a um "auto-conhecimento" consciente dos acontecimentos e processos inconscientes que causaram as suas doenças e seus sintomas. A parte purgativa era realizada pelo processo da "transferência", que ele mesmo descobrira nos pacientes, e a parte de reforma do caráter ou da personalidade se efetuava pelo auto-esclarecimento adquirido através de todo o processo psicanalítico.

3) De fato, a livre evocação, a livre associação e seus recursos auxiliares, substituem a evocação da lembrança necessária conseguida por Breuer, durante a hipnose, e a "transferência", com vantagem ou não, é o equivalente psicanalítico da "katarsis" hipnótica. Sob o ponto de vista terapêutico, que é o que mais interessa no caso, o clímax essencial de todo o processo psicanalítico é, sem nenhuma dúvida, a "transferência" e seus resultados benéficos ou, por ventura, nocivos. A ela vai dirigido todo o processo informativo, como um meio, ainda que indispensável. Uma análise sem transferência não é concebível, nem pode ter êxito. Freud deu a ela importância primordial, pois, todo o seu esforço de psicanalista a ela fora encaminhado. “Onde falta a tendência à transferência efetiva diz ele ou onde ela se tornou impossível ou negativa, como na demência precoce e na paranóia, a possibilidade de influenciar psiquicamente o doente não existe absolutamente”.

Reduzido ao estritamente essencial, o método da psicoterapia analítica freudiana se resume ao fato de colocar ou levar o neurótico a uma situação tal que o comportamento concreto e especifico chamado "transferência" se realize. Conseguido isto, como no caso da "katarsis" de quem é substitutivo, a cura estará realizada, ou pelo menos a finalidade da análise terá sido cumprida.

4) A psicoterapia freudiana consta, portanto, destas três etapas:

a) Quebrar as resistências ou ensinar o paciente a superá-las, para dar vazão à necessária informação dos fatos ou situações provocadoras das atitudes ou tendências que formam o âmago da histeria, da neurose ou da personalidade deformada.

b) Provocar, facilitar ou simplesmente dar a oportunidade para que o paciente verifique a transferência. Esta consiste em projetar ou transferir para outrem os problemas conflituosos de amor (libido) ou ódio (agressividade), que ficaram inibidos, reprimidos ou recalcados, durante a infância (ou época do conflito) e não puderam ser expressados e levados à pessoa (pai, mãe, etc.) a quem eram destinados. Esse outrem é agora (geralmente) o próprio psicoterapeuta, para quem serão canalizados aqueles mesmos sentimentos de amor ou ódio, de submissão ou agressividade, que não puderam ser exprimidos naquela época do conflito.

c) Proceder à reeducação do caráter ou da tendência perniciosa que o deformou na realidade "a reconstrução consciente do Ego consciente do paciente", deformado inconscientemente, pelas tendências inconscientes derivadas dos fatos ou situações conflituosas, feitas evidentes através da parte informativa (ou tomada de consciência), durante a análise. Essa resistência à informação e ao processo terapêutico, em geral, que todos os pacientes oferecem, formam parte do seu desejo inconsciente de continuarem na situação em que se encontram. é a resistência à própria cura, que tanto dificulta e prolonga o tratamento psicanalítico.

5) Tal como idéia dada por Freud, a psicanálise é uma técnica especial com fins terapêuticos específicos. Seus meios são psíquicos ou psicológicos exclusivamente, com acentuado caráter informativo. No decorrer dos tempos, o mesmo Freud deu ênfase excessiva à análise informativa, perdendo quase de vista a finalidade terapêutica. Eis três técnicas diferentes, reunidas no método freudiano da Psicanálise.

a) Uma técnica de análise dos motivos do comportamento, principalmente dos inconscientes;

b) Uma técnica de diagnóstico das causas e raízes das doenças psíquico-mentais e do caráter, e das doenças emocionais e psicossomáticas, quando se supõe que suas causas sejam psíquicas e não-orgânicas;

c) Uma técnica de cura dessas doenças, por meios psíquicos especiais, uma vez que suas causas foram descobertas como sendo psíquicas. Esta parte é a mais prática e deveria ser considerada a mais importante.

6) Todavia, a eficiência e vantagens e desvantagens terapêuticas da psicanálise têm sido muito discutidas. Alguns a consideram como a única ou mais eficaz das psicoterapias para uma longa lista de casos. Muitos outros a acham muito demorada, muito cara e muito pouco eficiente. Alguns preferem o procedimento da hipnose catártica (de onde Freud se desviou) por achá-la mais breve, mais barata e mais eficiente, embora menos completa. Escutado o depoimento de seus críticos contestadores, que os vêm aos milhares; escutando o testamento de inúmeros psicanalisados capazes de autobalanceamento; e, sobretudo, escutada a confissão franca de muitos psicanalistas não fanatizados e não comprometidos; alguns críticos, ditos imparciais, têm chegado à seguinte conclusão:

1) Como psicologia analítica a Psicanálise é 80% eficiente;

2) Com o diagnóstico revela-se com 40% de eficiência somente;

3) Como técnica terapêutica, sua eficiência não passa de 10%.

Pois, dos muitos doentes que procuram o psicanalista, 80% interrompem seu tratamento antes de serem curados; e dos restantes, nem 10% o são totalmente. Para conseguirem resultados práticos apreciáveis e compensadores todos os psicanalistas, de qualquer corrente que sejam, se vêem obrigados a utilizar-se de outros recursos complementares não-psicanalíticos, sejam psiquiátricos ou psicológicos.

Essa precariedade do método freudiano, íntegro e exclusivo, foi, desde o início, uma das discordâncias de seus discípulos, muitos dos quais preferiram a prática de outros métodos, e por isso é que surgira essa “pleyad” de escolas e correntes em que se acha, hoje, fragmentado o movimento psicanalítico.

7) Filósofo nato e pesquisador Empedernido, mais do que terapista, Freud se interessou mais em ampliar o conhecimento básico do homem do que em curá-lo. Daí o seu método de análise prolongada e sem fim, que não acabava mais e nem lhe interessava que acabasse enquanto houvesse algo que pesquisar. é interessante observar a este respeito, que tenha dado a esse método o nome de psicanálise e não o de psicoterapia...!

Seus discípulos mais ortodoxos seguiram, em geral, o mesmo princípio. Procuraram novas fontes de pesquisas bem mais do que a eficiência do tratamento dos doentes. Estes representavam apenas um excelente campo de pesquisa e, até certo ponto, rendoso, em vez de oneroso. Se a cura se seguia, parecia acontecer como acidente; o interesse principal parecia ser o profundo conhecimento dos tortuosos motivos do comportamento anormal do paciente. E esta tradição de pesquisa na maioria das Sociedades Psicanalíticas, talvez tenha sido uma das razões pelas quais o tratamento psíquico não tenha mudado muito desde sua origem. Pelo menos não tanto como corresponderia à enorme importância dada aos princípios teóricos.

8) O primeiro dissidente das teses fundamentais de Freud e do grupo restrito de seus primeiros discípulos, a Sociedade Psicanalítica de Viena e Internacional, foi o médico vienense, Alfred Adler, entusiasta da higiene nos meios sociais do trabalho e, logo, psicólogo e psicanalista, um dos seus mais significativos colaboradores e amigo íntimo, como colega e como judeu. Adler contestou, em primeiro lugar, a tese mais querida do Mestre, a de que a etiologia das neuroses residia na "sexualidade libidinosa dos comportamentos infantis", que ele considerava apenas como símbolo da instintiva vontade de vencer e de auto-afirmação da personalidade incipiente. Essa etiologia ele colocou "num conflito existente entre o mais profundo sentimento humano, o sentimento (complexo) de inferioridade e o mais fundamental dos instintos, o de querer ser ou de auto-afirmação (do "eu criador"), o EROS construtivo, na linguagem freudiana.

Mudada esta orientação da análise teórica, tratou de mudar também a análise prática ou terapêutica. Não estando muito interessado em descobrir os motivos sexuais e libidinosos infantis, considerados por ele como pouco influentes na doença, sua orientação "finalista" levou-o a pensar mais no futuro do que no passado. Por isso não estava tão interessado em conhecer e mostrar ao doente o seu comportamento inconsciente da infância, mas sim em resolver a situação atual ajudando o paciente a fugir de seu sentimento de inferioridade e alcançar a desejada superioridade.

Assim sendo, pretendendo mais curar do que analisar e pesquisar, propôs reduzir ao máximo o período de tratamento, com menos sessões e mais curtas. Três ou quatro meses ao máximo achava suficientes, para que seu tratamento da psicologia individual, como ele chamava a seu método, pudesse apresentar os resultados, em contraposição aos cinco, seis ou mais anos exigidos pelo método freudiano original.

Ponto básico da psicoterapia adleriana era o de "diminuir o sentimento de inferioridade do paciente". Para isso era mister que ele não se sentisse em desigualdade diante do analista, o que não poderia acontecer, estando ele deitado no divã, como doente, e o analista sentado atrás dele, como médico. Adler preferiu o método de sentar-se de frente em duas cadeiras e entabular uma conversação livre e franca, em vez de ficar esperando passivamente a evocação do passado através da livre associação, segundo o mandamento freudiano. Mais ainda: achava que a hostilidade e receio normais do paciente de estar sendo espiado, atacado ou criticado, deviam ser atenuados pela dedicação, interesse, cordialidade e atividade do analista, em contraposição à "passiva neutralidade" do prescrito por Freud.

Embora não aplicável a todos os casos de neuroses e psicoses, este método de psicoterapia adleriana tem parecido bastante interessante a muitos psicanalistas e conta com muitos adeptos entre os assistentes sociais, conselheiros matrimoniais, educadores de crianças e praticantes da psicoterapia de grupo e da psicologia de apoio e de aconselhamento.

9) O segundo dissidente a afastar-se do grupo freudiano e da psicanálise de Freud foi Jung, o mais prestigiado e promissor dentre seus discípulos. Foi também um dos seus primeiros adeptos, pois, juntamente com seu mestre Breuer, já desde 1903 estudava e praticava as doutrinas freudianas em sua clínica do hospital psiquiatra de Zurich, na Suíça. Em 1911, foi eleito primeiro presidente da recém-constituída Sociedade Internacional de Psicanálise, com sede em Viena, cargo em que foi reeleito em 1913. Mas em 1914 pediu demissão de seus cargos de diretor do Jornal Informativo de Psicanálise e de Presidente daquela associação.

Jung tinha criticado e continuou pondo reparos a algumas das teses principais de Freud, como à teoria da libido, à etiologia sexual das neuroses, à interpretação restrita dos sonhos a um passado recente e a um inconsciente limitado à parte pejorativa do psiquismo, e finalmente, à própria teoria do inconsciente freudiano e a estrutura da personalidade segundo Freud. Isto era o suficiente para marcar a irredutibilidade de suas posições; mas ainda acrescentou mais: suas conseqüentes variações nas técnicas práticas da psicoterapia.

Renunciou cedo, ou nunca usou a prática da posição deitada no divã e "passiva neutralidade" do psicanalista. Tendo aprendido de Breuer a técnica da "associação de idéias" mediante certas listas de palavras escolhidas para marcar as reações dos pacientes, que Francis Galton iniciara anteriormente, Jung lhe dedicou toda a sua atenção: publicou um livro sobre ela, foi um grande especialista nessa técnica e provavelmente foi através de ambos que Freud a aprendeu. Estudioso também dos sonhos desde antes de conhecer a Freud, e ótimo intérprete deles. Jung aplicou essas excelentes técnicas em seu método de psicanálise. Bem entendido que os sonhos não só significam para ele os desejos inconscientes do passado e a parte pejorativa do inconsciente, como quer Freud, mas também a projeção do futuro e a parte superior da natureza racional.

Em terapia propôs e praticou o método de "imaginação ativa" e do diálogo dinâmico e construtivo. O paciente, segundo esse método, deve ser estimulado a praticar alguma atividade espontaneamente, (desenhar alguma imagem, por exemplo), sendo ajudado pelo analista a anotar as mudanças e facilitar a distensão. O analista deve explorar, positivamente, as potencialidades do paciente, tentar ajudá-lo a conseguir sua "auto-realização" e avaliar seus "padrões" neuróticos, bem como considerar as situações de tensão atuais, que se procura corrigir, ao modo da "terapia ativa" adleriana.

A psicoterapia jungiana parece que se pode reduzir a dois pontos: a análise chamada "causal" e a chamada "funcional". Pela primeira se procura descobrir as origens dos sintomas e das perturbações, que são comuns (sexualidade, ânsia do poder, etc.) ou particulares (choque traumatizante, conflito de infância, e etc.). Muito necessária esta análise não é aos olhos de Jung a mais importante (ao contrário de Freud). Pela análise funcional o psicanalista deve resolver a situação presente e preparar a saúde futura.

10) Mesmo sem chegar a formar escolas independentes como as anteriores, a partir de 1925, mais dois dos melhores amigos e colaboradores de Freud abandonaram a ortodoxia de seus ensinamentos: Rank e Ferenczi.

Teoricamente, Rank assinalou como causa etiológica originária da neurose o trauma inicial do nascimento e a ansiedade primordial dele derivada, negando a validez da tese freudiana da libido. Terapeuticamente falando, toda a essência do tratamento deve consistir em "desfazer finalmente o medo de separação da mãe e dos substitutivos maternos", pois a personalidade normal e anormal depende da correção desse traumatismo inicial.

O papel do terapista consiste, segundo ele, em ajudar o neurótico através da transferência a atingir sua individualização criativa, e ajudá-lo a aceitar sua própria vontade e personalidade sem sentir-se culpado por opôr-se à vontade dos outros. A este fim, compartilhou com Ferenczi sua teoria do “tratamento abreviado”, com data fixada de término, a fim de evitar a "fixação do paciente ao terapista". Seu objetivo final passou a ser substituir, por meio de técnicas, os processos intelectuais do esclarecimento do método ortodoxo, por fatores afetivos, acentuando "as experiências emocionais, mais do que as reconstruções intelectuais do passado".

Depois de vinte anos de psicanálise ortodoxa, Ferenczi começou a interessar-se mais pela cura dos pacientes que pela pesquisa teórica. Passando a considerar a psicanálise mais como experiência emocional do que intelectiva, pôs toda ênfase terapêutica na modificação dos padrões neuróticos através da intensificação das experiências emocionais durante o tratamento ao estilo de Breuer e Adler, desinteressando-se pelo conhecimento dos antecedentes históricos dos sintomas dos pacientes. Sua primeira técnica inovadora, nesse sentido, foi a introdução da "terapia ativa", na qual o terapista devia assumir o papel ativo na proibição ou encorajamento de certas atividades do paciente contra a tese ortodoxa freudiana que preconizava o papel "passivo e neutralista" para o analista.

Outra das suas técnicas inovadoras foi a de não considerar muito necessária para a modificação dos padrões neuróticos do paciente a tendência a despertar as lembranças esquecidas, como mandava Freud. A seguir introduziu seu princípio de "relaxamento" ou "neocatarse", com o que objetivava aumentar o significado emocional do tratamento e a liberação da energia reprimida, criando a "distensão", segundo a técnica que chamou de "indulgência", paralela com a de "participação ativa", com a qual outras vezes tratava de criar "tensão", estimulando algumas atividades. Preconizou assim a técnica do "método flexível" de adaptação aos problemas especiais e características peculiares das personalidades dos pacientes.

Finalmente, introduziu também a inovadora técnica de limitar o tempo de tratamento, fixando, inclusive, de antemão, a data do seu término, a fim de evitar a "fixação do paciente ao analista, que considerava nociva e neurotizante, razão pela qual muitos doentes não se curam, nem progridem no tratamento psicanalítico ortodoxo.

11) De íntimo colaborador, amigo e discípulo de Freud, o médico psiquiatra e diretor da Faculdade de Medicina de Viena, N. Steckel, tornou-se também um dos dissidentes. Sua insistência inovadora foi no sentido da "análise rápida e ativa" como a dos inovadores precedentes. Acreditava que um prolongamento indevido das sessões de análise tendiam a provocar, no paciente, uma preocupação exagerada de si mesmo. Steckel acreditava poder conseguir resultados satisfatórios, num máximo de 12 a 16 semanas. E não admitia, outrossim, o silêncio do analisado durante o tempo da "resistência", suportado passivamente pelo analista. Ainda, como "finalista", se preocupava muito mais dos problemas imediatos e das atitudes futuras dos doentes, do que de seus problemas passados e das raízes de seus traumas, em cuja descoberta achava desnecessário gastar muito tempo.

12) Finalmente, nas últimas décadas, surgiram diferentes escolas na Europa e na América com tendências renovadoras, que se afastam cada vez mais da ortodoxa freudiana. Entre elas a escola culturalista, representada por Franz, Sullivam, Horney, etc., cujo "determinismo" cultural e social vem substituir o determinismo biológico da libido freudiana.

Em Chicago, o antigo psicanalista freudiano do Instituto Psicanalista de Budapeste, Franz Alexander, preocupa-se mais pelo desenvolvimento do "ego" consciente do que pelo "id" inconsciente, como o fazia Freud. Assim sendo, a análise dos conflitos infantis é reduzida, não sendo sempre necessário que os pacientes adquiram consciência dos conteúdos recalcados. Nesse sentido dá pouca atenção à sexualidade infantil. Como as perturbações mentais, nesta perspectiva, aparecem como defeitos de organização ou evolução do "ego", que assume uma atitude de "dependência", o analista deve encorajar o paciente por todos os meios, para que aprenda a ter confiança em si mesmo, a afastar-se e a adquirir a "auto-realização". Nesse sentido, Alexander tende a suprimir as regras clássicas da análise freudiana, procurando "fórmulas curtas e flexíveis". Seu método parece inspirar-se na idéia da "máxima eficácia", não duvidando utilizar qualquer técnica auxiliar, inclusive a "anarco-análise". A "transferência", segundo ele, deve ser atenuada e transformada numa experiência realista e amigável, desejando evitar criar uma atmosfera de mistério e de irrealidade que acabaria numa "neurose de transferência". Alexander pode ser considerado como um freudiano "progressista".

Para Sullivam, todo homem é orientado por dois objetivos: satisfazer seus instintos e garantir a sua segurança. O primeiro objetivo é determinado pelo condicionamento biológico (o "id") e o segundo pelo condicionamento do meio social ("super-ego"). A organização e evolução do "ego" é, para Sullivam, um complicado processo de socialização. é o mecanismo pelo qual o indivíduo idealiza uma pessoa que lhe serve de "eu ideal" e chamada por ele de "paratoxic distortion". Na análise, Sullivam procura explicar o verdadeiro valor da "tal pessoa" que tenha podido influenciar, para o bem ou para o mal, o comportamento do paciente. O tratamento deve levar o paciente a reportar-se constantemente às relações com as pessoas que o cercam e descrever seus fracassos e suas vitórias nesse terreno. Assim sendo, Sullivam é um dos mais entusiastas corifeos da "psicoterapia de grupo", na qual o paciente, comparando o que uns e outros dizem, aprende a corrigir suas próprias impressões e julgamentos. De outra banda Sullivam pouco ou nada se utiliza da narração dos sonhos, e acha que a participação do terapista deve ser mais "uma participação ativa" do que mera "neutralidade" passiva.

Filósofo e sociólogo, Eric Fromm acredita como Sullivam que o homem é sobretudo o produto das influências sociais e culturais de seu meio ambiente. Dotado de liberdade, o homem anormal, não sabendo utilizá-la com conhecimento de causa, expressa-se por modos irracionais como o “sadismo masoquismo”, o “vingativismo”, o "conformismo" automático, etc. Para ele, o objetivo de uma verdadeira terapia seria não só adaptá-lo ao meio ambiente social ou cultural, mas o de dar-lhe o verdadeiro senso de sua própria vitalidade e liberdade. O paciente deverá ser libertado de todas as "autoridades irracionais" e o próprio analista deverá aparecer-lhe no fim do tratamento como um amigo, sem mais autoridade que a de seu saber e competência.

Psicanalista freudiana ortodoxa durante muito tempo no Instituto de Berlim, onde se formara, K. Horney, reconhecendo o valor indiscutível de Freud, terminou discordando de algumas de suas principais teorias como sua interpretação do Complexo de édipo, dos instintos de morte, seu determinismo instintivo quase biológico, de sua concepção da sexualidade e, sobretudo, de sua teoria da "compulsão de repetição". Culturalista antes de tudo, põe a angústia como centro do problema neurótico, a qual se origina da impossibilidade de superar o meio ambiente, que o neurótico combate por vários meios: pela racionalização, pela negação, pelo uso de narcóticos, pelo excesso de atividades sociais, pelo deboche sexual, uso do fumo e do álcool, etc. O ideal neurótico, favorecido ou contrariado por este ou aquele meio, produzirá ou a neurose de afeto, a neurose de poder, de conquistas, de prestígio, de riqueza, etc., ou a neurose de submissão, ou finalmente a neurose de independência e de revolta. Ela distingue três tipos ou caracteres: o tipo obediente, que aceita o mundo como ele é e procura adaptar-se a ele; o tipo independente, que foge do mundo colocando barreiras afetivas entre si e ele; e o tipo agressivo, que vendo inimigos por todas as partes, se revolta contra todos.

A terapia de Horney consistirá portanto, em diminuir ou fazer desaparecer os modos neuróticos e dar novamente à personalidade do indivíduo seu autêntico valor humano e social. O principal interesse do analista deve ser não somente a própria situação analítica com sua transferência, mas a vida ordinária do paciente e a solução de seus problemas "Eu divirjo de Freud, diz ela, em que ele após ter reconhecido as tendências neuróticas procura antes de mais nada sua gênese, enquanto eu procuro, primeiramente, suas funções e suas conseqüências atuais". A sexualidade, que para Freud era a mais importante das tendências instintivas, para Horney resulta em um de tantos problemas, e em muitos casos, não dos mais importantes.

CONCLUSÃO: Temo-nos limitado, de propósito, ao estudo de variantes psicanalíticas apontadas, precisamente, pelos discípulos mais íntimos de Freud que o conheceram, receberam dele diretamente a sua doutrina e por muito tempo colaboraram com ele. Mesmo assim, sentiram a necessidade de divergir dele em questões teóricas e práticas, que ele considerara da maior importância. Nada dissemos da opinião de seus críticos opositores, cujas divergências, logicamente, são muito maiores. E diante de tanta variedade de opiniões, aventamos uma pergunta: falsa a psicanálise freudiana ou falsas as opiniões de seus discípulos dissidentes? No terreno prático da psicoterapia, optamos por acreditá-las todas elas verdadeiras e igualmente válidas. Visando a formação dos alunos analistas, recomendamos-lhes um SADIO ECLETICISMO, que saibam escolher, entre todas as teorias a que considerarem mais prática e adequada ao temperamento do analista, à situação atual e aos diversos aspectos do caráter do paciente, pois muito dependerá da fé que este depositar, tanto no método como no analista. Olhemos para o que acontece em outras formas de psicoterapia não-analista, lembremos que a fé é o todo; se o terapista acreditar mesmo no método que aplica, seja qual for, o resultado será positivo: e se o doente acreditar em seu médico e no remédio que lhe ministra, a cura será certa, não importando que classe de remédio lhe seja ministrado.

1) Tanto se tem falado nos últimos tempos a respeito da psicanálise e dos métodos psicanalíticos que existe uma falsa impressão, no público e até no meio de alguns mais especialistas, tendente a identificar a Psicanálise com a Psicoterapia, como se ambas fossem uma só e a mesma coisa. Outra corrente de opinião, principalmente entre os médicos, tende a confundir a Psicoterapia com a Psiquiatria. Mas já sabemos que nenhuma dessas interpretações é certa.

Já vimos como muitos séculos antes que se descobrisse a psicanálise e de que existisse Freud e os freudianos psicanalistas já eram praticados uma série de métodos psicoterápicos, e muito antes que se conhecessem os princípios neurológicos da psiquiatria. Os métodos psicoterápicos da Filosofia grega (mística e psicológica), os da Yoguia ou Yoga oriental e da Magia persa-babilônica (melhorativa ou pejorativamente interpretada) bem como a hipnoterapia egípcia, que constitue outros tantos exemplos. A fé sugestiva, religiosa ou profana, fez prodígios psicoterápicos em todos os tempos como todo mundo sabe, repetidos modernamente sob diversas formas hipnóticas, espíritas, etc. Os silvícolas primitivos, nossos índios brasileiros, e as tribos dos povos subdesenvolvidos, africanos e asiáticos, nada sabem de medicina, de psicologia e de termos psicanalíticos e, a seu modo, se defendem com diversos métodos da psicoterapia primitiva. Nos meios civilizados do ocidente, diversos métodos de terapia psicológica não-analítica são aplicados com êxito por terapistas médicos ou não-médicos, que desconhecem e não desejam conhecer os métodos psicanalíticos.

2) Uma lista de métodos de psicoterapia, mesmo que longa e não completa, daremos a seguir, para conhecimento e escolha dos alunos. O princípio funcional de todas elas parece ser o seguinte:

Um certo estímulo externo ou interno produz uma corrente de energia eletro-química-nervosa, que se transmite ao cérebro, médio ou superior. Essa corrente nervosa ou eletroquímica, na sua passagem ou na sua chegada ao cérebro, converte-se numa corrente de energia psíquica, que a seguir se transforma em conteúdos psíquicos, como imagens, idéias, pensamentos, sentimentos e desejos. Como isto acontece, é claro que ninguém sabe, por enquanto.

Mas sua reversibilidade também é inteiramente certa, mesmo que sua essência nos permaneça igualmente desconhecida. A imagem-idéia-pensamento-sentimento-desejo transforma-se, de algum modo, em energia e corrente psíquica, que gera primeiramente a EMOçãO, geradora, por sua vez, de outra corrente nervosa, eletroquímica ou hormonal, que transformada em energia motora vai ser descarregada, gasta ou consumida através de um gesto, de um movimento, xingo, pulo, palavrão, punição, riso, gargalhada, etc. Temos absoluta certeza desse processo, mesmo que seus passos e natureza íntima dessa conversibilidade nos sejam desconhecidos. Estímulo, corrente eletro-química-nervosa ou hormonal, força ou energia psíquica, imagem-idéia-pensamento-sentimento, desejo ou apetite, carga psíquica ou afetiva-emoção-corrente hormonal e eletroquímica ou nervosa, energia motora-impulso-ato exterior, esses são seus passos certos. Como um gera ou se converte no outro, isso é o que não sabemos.

3) O estímulo pode ser externo ou interno, pode ser atual ou anterior, feito presente como lembrança; pode ser voluntário ou involuntário, consciente ou inconsciente; convertido em necessidade, tendências ou hábito, pode atuar de um modo quase permanente, como idéia fixa, mania, fobia ou obsessão; qualquer passo intermediário pode servir de estímulo do passo seguinte (imagem-lembrança do sentimento e estes do desejo, etc.).

As diferentes forças, correntes ou energias (físicas e psíquicas) podem agir em graus diferentes de excesso ou de defeito respondendo ao mesmo estímulo diversamente, em se tratando de diversos indivíduos ou no mesmo indivíduo, em situações diversas. As diferentes cargas energéticas podem variar, por constituição somática e por circunstâncias de temperamento, caráter, etc., de indivíduo para indivíduo, ou no mesmo indivíduo, de acordo com sua idade, ou condição somática ou psíquica do momento. Existem indivíduos mais e menos nervosos ou totalmente abúlicos; um mesmo indivíduo pode achar-se em diversos estados: de super-excitação nervosa ou de completa depressão e inércia. Seu comportamento diante de um mesmo estímulo, dependerá muito de todas essas situações. Nem as suas glândulas, tiróide e supra-renais, principalmente, estarão funcionando sempre da mesma maneira, provocando estados psíquicos diversos, ou sendo influenciadas diversamente por estados psíquicos diferentes.

4) Cada uma dessas forças ou energias pode ser desviada, aumentada, diminuída, impedida ou repressada em cada um de seus estágios, principalmente a energia emotiva antes de ser convertida em energia motora e ser descarregada em algum ato externo. Isto provocará estados de tensão (ou "stress"), que levarão, logicamente, a estados de insegurança, ansiedade, angústia e neuroses. Se pudesse ser medida ou pesada essa energia psíquica ou eletroquímica, veríamos que toneladas dela ficam diariamente acumuladas ou recalcadas em nosso interior em expressão exterior. Principalmente em nossa vida moderna de excessiva excitação sexual e de frustração psíquica contínuas, devido ao autocontrole e recalque exigidos pela vida social civilizada, uma grande quantidade de energia e força deixa, a cada momento, de ser gasta, consumida ou convertida em seus correspondentes atos para que fora gerada. Energia que, subsidiariamente, costuma ser descarregada e gasta pelo comilão em seus exagerados repastos e pelo beberrão em suas excessivas libações; no sexual, em seus excessos sexuais ou em sua sexualidade fantasiada; no agressivo, em suas explosões de ira e agressividade verbal ou efetiva; nos histéricos, em suas perturbações psicossomáticas; e nos neuróticos e psicóticos, em suas ações e fantasias disparatadas.

5) A terapêutica empregada, que queira ser eficiente, sob a forma que for, deverá consistir na conveniente evasão, libertação, limpeza ou exteriorização dessa energia acumulada, recalcada ou interiorizada, que em seu dinamismo inconsciente interior ou em seus sintomas externos, tanto prejudica o organismo e deteriora a personalidade.

A Psicanálise, sob a forma que for, desde que mantenha sua estrutura rija e seus complicados processos de esclarecimento analítico e de descarga transferencial, nem é a melhor nem a única forma de fazer-se psicoterapia. O menos que se pode dizer dela é que, mesmo nos casos que se torna eficiente, já o doente se cansou de sofrer e de ser doente...! Além do mais, pode-se acrescentar que, em sua forma ortodoxa ou quase ortodoxa, nem é possível que ela atinja a grande massa de doentes mentais, nem as possibilidades econômicas da grande massa permitir-lhe-ão que a possa atingir.

Tempo e dinheiro, na formação do número necessário de psicoterapeutas, são fatores muito importantes; tempo e dinheiro, no tratamento da maioria dos doentes, o são da mesma maneira; tempo e dinheiro significam muito, inclusive, quando o tratamento deve ser pago pelas próprias entidades estatais, Juizado de Menores, Recolhimento Juizário, etc.). De onde se faz necessário que se encontrem maneiras de formar o mais depressa possível o grande número necessário de psicoterapeutas, suficientemente hábeis, para socorrer essa grande massa de pacientes necessitados de tratamento e maneiras também para que o tratamento seja tão rápido e eficiente que possa fazer-se acessível ao poder aquisitivo do povo.

é por isso que já nos últimos tempos se estão adotando muitas formas diversas de se fazer psicoterapia. A partir da psiquiatria, quando a intervenção do médico psiquiatra se faça indispensável, todos os métodos deverão ser tentados e aproveitados, que possam oferecer alguma probabilidade de cura, algum conforto para o sofrimento do paciente, e alguma diminuição de seus sofrimentos. Daremos a seguir uma lista ou esquema dos diferentes tipos de psicoterapias, postos em prática em tempos remotos e nos atuais, e cuja eficiência a tradição e o uso têm comprovado.

Psicoterapias derivadas da Psicanálise: como a Psicoterapia de Grupo, a Psicoterapia Psicodramática e os métodos da psicanálise abreviada.

Psicoterapias combinadas com a Psicanálise: como a Hipnoanálise, Narcoanálise, Narcosíntese e Narcohipnose.

Psicoterapias não-analíticas:

a) Higiene Mental ou Psicoterapia preventiva: entre outras a Psicologia de apoio, a Psicologia de aconselhamento, todo o método educacional de orientação sanitária e todo método religioso que ajude a manter o "equilíbrio" e evitar o "stress".

b) A Relaxterapia ou Psicoterapia de autocontrole e de relaxamento: que levam o paciente "supertenso" a uma benéfica "distensão" e relaxamento, como a Sonoterapia e o eletrosono.

c) A Psicoterapia de descarga ou Ecloterapia: capaz de distrair a imaginação do doente ou de lhe ajudar a descarregar energias e agressividade, ao tempo que lhe dão segurança: como a Ludoterapia, Esporterapia, Judoterapia, Ergoterapia ou Laborterapia, Arteterapia e Subduterapia, etc., e a que resulta de estados emocionais havidos através dos rituais e crenças religiosas e práticas semelhantes.

d) A Psicoterapia sugestiva: como a Psicoterapia Religiosa, a Hipnoterapia, etc., que ajudam o doente, convencendo-o a ver-se já curado.

e) A própria Fisioterapia de efeitos psíquicos: como a cirurgia psíquica ou lobotomia, a Quimioterapia (Insulina, Metrazol, Tiroxina, e os psicotrópicos em geral); a Radioterapia, Eletroterapia e Eletrochoque, a Hormonoterapia, Vitaminaterapia, Acupuntura, etc.

1) Ao lado da Psicanálise freudiana pura ou ortodoxa, outras psicoterapias analíticas têm surgido, que têm ampliado o campo da psicoterapia e facilitado a aplicação dos princípios freudianos, de modo mais fácil e mais acessível a um número maior de doentes.

Já nos dias de Freud surgiram, como vimos, a Escola Adleriana, com sua Psicologia Analítica, e a Escola Jungiana, com sua Psicologia Complex, que tem dado excelente resultados em diferentes setores sociais. Posteriormente, surgiu a Escola Culturalista Americana, que também ampliou enormemente o campo da psicanálise, dotando-a de formas mais flexíveis e com maiores facilidades de atingir um número maior de doentes. E coisa parecida têm tentado fazer outros muitos psicanalistas em suas respectivas esferas.

Reconhecem, em princípio, os próprios psicanalistas que a psicanálise pura, tal como idealizada por Freud e como praticada pela Escola Ortodoxa, torna-se um método de luxo e restrito a uma pequena elite de pessoas abastadas, muito longe da massa comum e cada vez mais numerosa dos doentes mentais, psicoemocionais e psicossomáticos. Atingir o número sempre crescente dos pacientes desta nossa sociedade, que está ficando neurótica toda inteirinha, não é possível com o método clássico a exigir uma hora diária, 5 dias por semana, durante 4, 5 ou mais anos seguidos. Nem a massa do povo conta com o tempo e o dinheiro necessários para suportar esse tratamento prolongado, e nem seria possível arranjar tantos psicanalistas hábeis para atender a tão elevado número de doentes neuróticos ou neurotizados. Daí a preocupação e a tendência de muitos dos psicanalistas atuais a procurar novos métodos e formas psicanalíticas, que possam atingir a massa, sem essas limitações de tempo e dinheiro, embora esses métodos possam parecer menos eficientes aos psicanalistas ortodoxos.

2) A psicanálise Breve ou Condensada: em Chicago, nos Estados Unidos, o psicanalista Franz Alexander iniciou, nos últimos anos, esse método de tratamento, embora reconheça não servir bem para aquelas pessoas, que sofrem de neuroses crônicas e profundas com enraizados defeitos de caráter e de personalidade. Têm dado, porém, segundo a experiência confirma, excelentes resultados para os casos mais benignos e nas crises agudas e mais recentes.

Em poucas entrevistas, afirma ele, pode-se dar a uma pessoa suficiente informação para a necessária compreensão de seus problemas, propiciando curas rápidas ou notáveis melhorias, em não mais de oito ou dez entrevistas ou sessões de tratamento. Deve-se partir do princípio de que um quarto da população, pelo menos, precisa dessa classe de tratamento. Onde antes se tratava de centenas, com o método clássico, desta forma pode-se tratar de milhares. E se não se pode reformar toda a personalidade, em seus alicerces inconscientes, pelo menos, pode-se remodelar a sua superestrutura consciente.

3) A Psicoterapia de Grupo ou de Massa: por esta classe de tratamento a Psicanálise abandona o aspecto individual e adota o aspecto grupal. Parte do princípio de que o tipo de neurose seja fundamentalmente o mesmo em um grande número de pessoas (neurose de guerra, por exemplo), embora possam variar os sintomas e as causas originárias. Nessas sessões abertas de psicoterapia grupal, o chamado, "episódio" ou causa precipitante, aparece rapidamente e com relativa facilidade, em muitas das neuroses não-crônicas e não-profundas. E quando um episódio insuspeito do passado fica esclarecido como sendo a causa dos sintomas presentes, o doente fica ciente de não haver razão para eles no presente, a neurose resultante desaparece totalmente, ou melhora tão sensivelmente, que fica aberta a porta para uma rápida recuperação.

Assim sendo, utilizando alguns princípios da Psicanálise e juntando-os a uma grande dose de senso comum, após ter analisado o perfil individual de cada paciente (infância, juventude, vida de trabalho, sua situação de solteiro ou de casado, etc.), os doentes são classificados em grupos de 10 a 20 pessoas, no máximo, e são obrigados a freqüentar sessões semanais, onde recebem preleções e abertamente se analisam e criticam os problemas de cada um, com o benefício mútuo de todos os componentes do grupo, vendo a inutilidade e irracionabilidade do proceder próprio à luz da irracionabilidade do preceder dos outros, em seus respectivos casos.

Nos casos de neuroses crônicas e profundas, muitos psicanalistas atuais utilizam este método de psicoterapia grupal juntamente com a psicanálise individual, tratando, assim, de diminuir e abreviar o tempo de tratamento global. Tal prática parece que está trazendo apreciáveis resultados, beneficiando, sensivelmente, os interessados.

4) A Psicoterapia Psicodramática: este outro tipo de psicoterapia analítica derivada, oriundo da Europa e conhecido vulgarmente pelo nome de "psicodrama", tem sido amplamente desenvolvido pelo Dr. Moreno da Escola Psicanalítica Argentina. Trata-se de um auditório composto dos próprios pacientes, onde um outro paciente (alternadamente) representa o papel de ator, exemplificando o próprio problema, que indiretamente é vivido e criticado pelos demais espectadores. Outras vezes, os atores são artistas, não dentre os doentes, especialmente preparados para representar os respectivos papéis referentes aos problemas dos pacientes. Com tais procedimentos, o psicodrama vem a ser uma espécie de psicoterapia de grupo intensamente dinamizada, que em terceira pessoa propicia aos pacientes o estudo e solução de seus próprios problemas.

Baseada nos princípios psicanalíticos, a Psicoterapia Dramática leva à compreensão das situações neurotizantes, dando ensejo ao conhecimento dos respectivos problemas, que são assim vividos e "transferenciados", tendo como resultado o esclarecimento de suas causas, a remoção dos sintomas e a cura da condição neurótica. Segundo os patrocinadores deste sistema psicoterápico, os resultados se apresentam altamente compensadores, de modo que seu uso está se estendendo rapidamente, alcançando um número cada vez maior de doentes que dele se beneficiam.

5) Ludoterapia e Arteterapia: A Ludoterapia para crianças e a Arteterapia para pessoas adultas, constituem outros dois subtipos da psicoterapia analítica. Brincando ou trabalhando com algo de seu interesse, os pacientes expressam através de seus brinquedos ou de suas obras artísticas, de um modo inconsciente, aqueles problemas que, agitando o seu psiquismo interior, são a causa de suas condições neuróticas. Como na grafologia e nos psicotestes são manifestados inconscientemente os respectivos problemas, assim neste caso, manifestam-se, também, abertamente durante os brinquedos e através das realizações artísticas, sejam pictóricas, gráficas ou plásticas.

E o princípio é sempre o mesmo da psicanálise: conhecer os problemas, suas causas respectivas e seus sintomas, tratando, assim, de resolvê-los pelo auto-conhecimento, ao qual deverá seguir-se a cura. Todavia, estes procedimentos representam bem mais novos e valiosos métodos de análise dos comportamentos inconscientes, como auxiliares ou substitutivos da análise dos sonhos, atos falhos, livre associação, etc., do que verdadeiros métodos terápicos, a não ser que os tomemos como formas diversas de psicoterapia ocupacional, que analisaremos adiante. Diretamente quem mais lucra com eles é o próprio psicoterapeuta, dispondo assim de mais elementos para o conhecimento da situação do doente, que poderá utilizar para levá-lo à respectiva cura.

1) A Hipnoterapia psicoterápica e a Hipnoanálise: Mais antiga que todas as outras psicoterapias e métodos psiquiátricos, exceto a psicoterapia religiosa, o Hipnotismo junto com a sugestão eram quase as únicas formas de psicoterapia antes do aparecimento da psicanálise. Sabemos como Freud utilizou a hipnose catártica, como ponto de partida para a elaboração de seu sistema, terminando finalmente por combatê-lo acirradamente, tanto ele como os seus discípulos. Hoje, porém, está se processando uma tendência à uma espécie de síntese ou combinação de ambos.

Inegavelmente o Hipnotismo representa uma grande força de múltiplas aplicações, especialmente na terapia psíquica e psicossomática, constando em seu haver um grande número de curas, das mais variadas, inclusive de úlceras, tumores e até de câncer. A própria profissão médica, depois de tê-lo rejeitado e combatido drasticamente, durante mais de duzentos anos, bem a seu contragosto, o está admitindo ultimamente dentro dos recintos sagrados da matéria médica, em clínicas públicas e em cursos e cátedras universitárias. E o que é pior, está querendo guardá-lo agora a sete chaves como propriedade exclusiva sua.

2) A faixa de aplicação da hipnoterapia é enormemente ampla, mas em tratando-se de certos tipos de desordens nervosas, o Hipnotismo, em suas diversas formas de aplicação, é hoje reconhecido como o tratamento mais aconselhável. O nosso inconsciente é o mais vasto e importante reservatório do nosso EU, onde se armazenam lembranças demasiado dolorosas para serem toleradas pelo consciente. Mas quando estamos doentes dos nervos é necessário abri-lo para desenterrar seus complexos e aceitar que são as causas de nossas enfermidades, e assim modificar os nossos comportamentos e personalidades. E a chave mágica para abrir e perscrutar esse vasto fundo do inconsciente é a hipnose, quer produzida pela sugestão, por drogas ou por outros procedimentos diversos. Exceto o longo e laborioso processo da Psicanálise, não existe outro melhor e mais prático.

Principalmente é o inconsciente do hipnotizado que obedece sem questionar e cumpre cegamente as ordens do operador, não só durante o transe hipnótico mas também depois dele, o que não acontece assim com o paciente e as ordens do psicanalista. Freqüentemente, à mera sugestão do hipnotizador, são removidas diversas inaptidões físicas de longa data e se fazem desaparecer todos os sintomas da enorme lista das doenças psicossomáticas, bem como suas próprias causas, quando o operador é suficientemente hábil para isso. A uma palavra sua, qualquer parte do corpo do hipnotizado se tornará insensível ou hipersensível, a ponto de sentir ou não sentir a menor dor se for picado, queimado ou mesmo cortado, durante uma operação de pequena ou de alta cirurgia, desde que nas mãos de um experiente hipnotizador. A temperatura, as pulsações cardíacas, o tônus total ou parcial de seus membros e as secreções glandulares aumentarão ou diminuirão ou ficarão alteradas sob o seu comando. Durante o transe hipnótico, um paciente habilmente sugestionado poderá fazer coisas que lhe pareciam incríveis de se fazer em situação normal, tais como suportar ou levantar enormes pesos ou desenvolver forças, que ficarão além de sua capacidade normal. Poderá falar um idioma desconhecido, talvez aprendido durante a infância, mas agora totalmente esquecido, de modo a não ter dele a menor lembrança, quando acordado. Respondendo a sugestões do hipnotizador, pode enxergar, como se estivessem presentes, pessoas e cenas ausentes ou inexistentes e parecer-lhe-ão invisíveis as pessoas e coisas visíveis e presentes. Acordado, lembrará ou esquecerá tudo o que o hipnotizador queira que lembre ou esqueça. Numa palavra, o inconsciente do hipnotizador torna-se incrivelmente crédulo, receptivo, dócil e obediente a toda e qualquer ordem do hipnotizador. é, portanto, altamente INFLUENCIáVEL e susceptível de ser modificado e REFORMADO, tanto em seus defeitos físicos como psíquicos, bem como respeitado as boas qualidades e hábitos que deseje que sejam adquiridos.

Nestas circunstâncias, não cabe dúvida de que o Hipnotismo é e pode tornar-se um instrumento médico e psicoterápico de valor excepcional desde que utilizado por um hábil operador, e à luz da Hipnologia científica moderna. Infelizmente, quando falamos em hipnose e hipnotismo, automaticamente nos vêem à mente a imagem tradicional e tão batida do hipnotismo de "palco". Mas, certamente, atrás dessa fachada impopular é que se escondem valores autênticos e inestimáveis, não só na área da medicina e da psicoterapia, como em outros diversos setores.

3) Atualmente um bom número de psiquiatras e muitos psicoterapeutas estão preparados para usar o Hipnotismo como método auxiliar, quando se fizer necessário ou recomendável, e muitos médicos de outras especialidades reconhecem seu valor excepcional, principalmente na área das doenças psicossomáticas, que reconhecem serem a maioria.

Diz a este respeito o Dr. Morris do Hospital Bellevue dos Estados Unidos: "Consideramos o Hipnotismo mais útil para casos de amnésia e conversões histéricas, quando os pacientes converteram seu medo ou ansiedade em sintomas fisiológicos, como a paralisia ou cegueira psíquicas. Também, nas neuroses agudas e mais recentes é um recurso excelente para habilitar o paciente a contar seus conflitos emocionais e livrar-se deles".

E um psicanalista tão eminente como o Dr. Sandor acrescenta o seguinte testemunho, que se tornaria inacreditável para a psicanálise das décadas precedentes: "A hipnose torna-se mais eficiente para as neuroses agudas e as de origem mais recente, onde usualmente se reconhecem as causas imediatas dos sintomas, mas se estes são baseados numa personalidade neurótica, então a cura não se tornaria permanente e outros sintomas aparecerão mais tarde, devendo recorrer à Psicanálise para desenterrar os complexos que estão por baixo".

Diz-se, em efeito, que a hipnoterapia é fácil e rápida, mas muito superficial; porém, o método psicanalítico, embora longo, dispendioso e difícil, resulta mais profundo e eficiente na reforma de uma personalidade. O hipnotizador não cura uma condição neurótica, dizem os psicanalistas, mas simplesmente faz desaparecer os sintomas e, assim que um é eliminado, logo um outro aparece. O neurótico crônico, seguidamente, ficará abrigando e produzindo novos sintomas durante todo o tempo que perdure a condição de que se originam. Curadas as úlceras estomacais, ele se refugiará na insônia e curada esta ele contrairá uma doença da pele, e assim por diante. Por isso, concluem, o Hipnotismo só serve para casos agudos e recentes e não para os crônicos e profundos.

Tolice replicam os hipnólogos psicoterapeutas. Essa é uma opinião, apenas dos psicanalistas, e ainda uma argumentação sinuosa e inverídica. Admitamos, em primeiro lugar, que um hipnotizador inábil, pouco experiente da psicoterapia, mau psicólogo e nada conhecedor da psicanálise, não passe de superficial, conseguindo chegar, apenas, aos sintomas e não às causas. Isso mesmo acontecerá a um psicanalista inábil, que, apesar da sua psicanálise, não conseguirá nem sequer eliminar os sintomas. Mas um hipnotizador experiente e hábil, bom psicoterapeuta e que ainda por cima conheça os princípios da psicanálise, poderá facilmente, através da hipnose, utilizando a regressão da idade, chegar muito mais facilmente e mais profundamente ao âmago dos problemas crônicos e complexos infantis, do que qualquer psicanalista armado unicamente de seus recursos psicanalíticos. E dominando tão perfeitamente o inconsciente do paciente, poderá, a seguir, convencê-lo a reformar e remodelar como quiser sua personalidade e seu comportamento.

Mas o paciente hipnotizador ficará condicionado, freqüentemente, ao hipnotizador, acrescentam, ainda, os psicanalistas. é estranho retrucam os hipnólogos, que vocês psicanalistas não compreendais que o psicanalisado, após cinco ou seis anos de psicanálise, deverá ficar muito mais condicionado e dependente de seu psicanalista.

4) Para evitar essa disputa longa e improdutiva, eis uma fórmula altamente eficiente: a da combinação da hipnose rápida e fácil com a psicanálise profunda e eficiente, e que se tem tornado utilíssima aos que já souberam utilizá-la. Essa fórmula se chama HIPNOANáLISE e constitui uma das mais modernas e mais eficientes formas ou métodos de Psicoterapia.

De fato, essa combinação, de um lado encurta o tempo de um dos métodos, e de outro lado aprofunda os efeitos do outro. é preciso entender, acima de tudo, que muitas vezes, o paciente do psicanalista chega a entender, de fato e perfeitamente, todos os seus problemas, mas só INTELECTUALMENTE, e não tendo o verdadeiro sentimento disso, torna-se rebelde, medroso ou impotente de enfrentá-los. E isto porque, no neurótico, seu pensar e seu sentir, entender e agir, precisam estar fundidos.

Mas tudo é fácil de se conseguir, através da hipnose. De um lado, ela habilita ao psicoterapeuta experimentado a descobrir rápida e facilmente porque a separação ocorreu, e de outro lado, um breve e sábio aconselhamento (que o doente aceita e obedece cegamente a partir do sono hipnótico), lhe possibilita reuni-los novamente na consciência do paciente com os mais benéficos resultados, até nos casos mais pertinazes, que são capazes de resistir a própria psicanálise, agindo isoladamente.

5) Narcoanálise, Narcosíntese e Narcohipnose: abordemos, a seguir, um outro casamento feliz, uma outra combinação sábia e muito eficiente: a da psicanálise, as drogas e a hipnose.

Nas últimas décadas, está-se usando um certo tipo de droga, que coloca o paciente numa situação muito semelhante à do transe hipnótico. é o caso do amital e do pentotal, que injetados num indivíduo lhe produzem o transe ou sono químico.

Aparentemente adormecido e de olhos fechados, mas capaz de ouvir, de responder e de fazer perguntas, se o desejar, quem tomou uma injeção intravenosa de sódio-amital, se acha na melhor das situações para iniciar a sua psicanálise, rápida e eficiente, como acontece com a hipnotizado em seu transe hipnótico. Debaixo de sua influência, rompem-se até as inibições mais pertinazes, e toda classe de recordações enterradas no inconsciente podem ser afloradas para o consciente. Tem, portanto, a estranha propriedade de abrir uma por uma todas as portas do subconsciente, as quais ninguém, nem o próprio paciente, as poderia forçar jamais. E no caso da neurose ou doença psíquica, uma vez descoberta a ferida psíquica e sua verdadeira causa, e revivido o episódio traumatizante, com todo seu conteúdo emocional daquela ocasião, o doente experimenta tamanha sensação de alívio, que desde já se sente capaz de encarar aquela realidade, que tanto o amedrontava antes e à qual tinha procurado escapar. Até um fato conscientemente guardado no íntimo de um espião ou de um criminoso, altamente traquejados e decididos firmemente a não revelá-lo, ficará aberto, entretanto, sob a influência do amital, sendo-lhe de todo ponto impossível sentir ou dissimular, negando-se a manifestar seus segredos contra a própria vontade. Por isso foi dado a essa droga o nome de Soro da Verdade, e a esse tratamento, quando aplicado à psicoterapia, os médicos o designam como "catarse verbal", ou "tratamento de conversa", como lhe apelidam os pacientes.

Narcoanálise é o nome mais técnico desse tratamento ou "entrevista do sódio-amital", que se tornou possível com o avanço da química depois da I Guerra Mundial e que foi o responsável principal do grande número de curas das chamadas "neuroses de guerra", ocorridas nas últimas guerras. No entanto, outros psiquiatras preferiram usar uma nova variante, que veio tomar o nome de Narcosíntese, utilizando uma injeção de sódio-pentotal, outra das drogas também descoberta após aquela guerra, à qual se atribuem, igualmente, um grande número de curas de estados neuróticos.

6) A diferença entre esses dois tratamentos ou técnicas não reside no processo, mas sim em seus efeitos. Segundo o Dr. Grinker, grande utilizador e entusiasta do pentotal, o uso desta droga produz efeitos melhores e mais permanentes do que o amital. Com o pentotal , diz ele: "consegue-se uma suave transição do inconsciente para o consciente, os dolorosos acontecimentos e fortes emoções são rememorados e aceitos, e os sintomas desaparecem imediatamente o que não acontece com o sódio amital, com o qual, a situação emocional, embora exposta e superada, não é sintetizada. As lembranças enterradas e recuperadas são logo esquecidas ao acordar, e daí não haver perda dos sintomas. Há uma diferença de dinamismo entre estes dois sistemas, comparáveis e existentes entre a Psicoterapia de Grupo e o Psicodrama. No processo do amital, o diálogo é mais estático e, no do pentotal, resulta muito mais dramático e movimentado".

Neste tratamento, após o paciente ter tomado a injeção intravenosa, enquanto deitado na penumbra de um quarto, conta para trás de cem até que a contagem se torne confusa ou se acabe. Aí o terapista suscita uma conversa, aparentemente acidental, mas de algum modo relacionada com alguma das situações possivelmente traumatizantes, nas quais o doente tenha tomado parte. Como no psicodrama, alguns dos espectadores presentes entram, também, na conversa. Freqüentemente a reação do paciente torna-se assustadora, rápida, dinâmica ou violenta. Tomando o papel principal, revive inteiramente as cenas, gesticula, se põe em movimento, anda e se dirige aos presentes, como se fossem as personagens reais da cena, revivendo todos os lances, com a mesma emoção e violência com que ocorreram realmente. Ao acordar, ainda emocionado e sufocado, o terapista que terá representado habilmente vários papéis, segundo o caso, lhe ajuda a relembrar conscientemente os acontecimentos narrados e a aceitá-los, até poder enfrentar abertamente as dolorosas emoções das situações passadas. Usualmente, daí em diante, o EGO do paciente fica suficientemente fortalecido e aprende a dominar aquela classe de emoções enterradas e neurotizantes, seguindo-se a eliminação dos sintomas e a cura da doença. Com o amital, entrentanto, as coisas acontecem muito mais calmamente. Os fatos esquecidos ou zelosamente guardados não vêm à tona violentamente e como aos borbotões, mas precisam ser "puxados" como uma sacarrolha.

Para maior eficiência e controle, ambos os sistemas são usados atualmente por vários psicoterapeutas em combinação com a hipnose e a psicanálise. Perto da hora de acordar, toma parte no diálogo um hipnólogo e suavemente lhe conduz, do sono químico ao sono hipnótico, e a seguir passa a aplicar-lhe todos os processos da hipnoanálise, melhorando consideravelmente os resultados. Tal procedimento tem recebido o nome de narcohipnose.

7) Também combinados com a hipnose e a psicanálise, outros dois processos psicoterápicos semelhantes aos já citados, estão sendo usados com resultados sempre melhorados ali onde os pacientes se mostram mais resistentes ou rebeldes, ou pouco sensíveis a esses métodos simples e isoladamente praticados. Trata-se do subchoque elétrico e insulínico, que se utilizam juntamente com a hipnose e a psicanálise.

Assim, quando uma dose ínfima de insulina é injetada ou uma pequena corrente elétrica de alta freqüência é aplicada ao neurótico ou psicótico, uma reação suave é produzida nele, que nem de leve se assemelha com o assustador choque convulsivo insulínico ou elétrico. No segundo caso, a corrente passa durante meio segundo e se interrompe outro meio segundo, chegando a quinze choques exatamente em quinze segundos, tratamento aplicado diariamente enquanto se considerar aconselhável.

Através destes dois processos aplicados aos estados neuróticos, depressões, fobias e ansiedades, que costumam resistir à psicanálise, freqüentemente cedem a essa dosagem mínima de insulina e de corrente elétrica, principalmente quando auxiliados pela hipnoterapia. Em ambos os casos, quando produzida uma espécie de sonolência característica de tipo hipnoidal, o hipnólogo entra em ação, como nos casos do amital e do pentotal, ou do mesmo eletrosono, obtendo da hipnoanálise, que se lhe segue, os mais benéficos resultados.

1) PSICOTERAPIA, no sentido mais amplo da palavra, é todo e qualquer tratamento que vise influenciar e melhorar qualquer tipo perturbado de comportamento mental ou psíquico-emocional e os seus derivados psicossomáticos. Todo e qualquer tratamento que, primariamente, faça efeito terápico através do espírito-mente. Assim sendo, até um tratamento fisiológico, as drogas, o bisturi, os exercícios físicos, os banhos, a eletricidade, tanto quanto a própria psicanálise e o hipnotismo, podem considerar-se como outras tantas formas de psicoterapia.

Filodoto, famoso médico da antigüidade, teve uma paciente que se queixava amargamente de ter alojada no seu estômago uma serpente, nenhuma classe de prova podendo convencê-la do contrário.

Nesse caso, Filodoto diz a ela: "Bem, já que é assim, dar-te-ei um excelente vomitório, e quanto tudo o mais venha para fora, essa cobra não ficará lá sozinha. Sairá também".

E dito e feito. Tomado o vomitório, tudo saiu do estômago da doente, aparecendo inclusive no recipiente uma cobra vivinha e movendo-se que o médico colocara lá, naturalmente. Curara assim a sua doente aquele médico inteligente, com esse tipo de psicoterapia sugestiva, mesmo que tivesse que fazer uso de uma droga.

Hipócrates e Paracelso usaram, também, à semelhança de outros muitos, esses tipos de psicoterapia. E na Idade Média, o grande Mondeville aconselhava a seus colegas: "Médicos, curai os vossos doentes por qualquer método, pela música das violas e do saltério de dez cordas, ou por cartas preparadas descrevendo até a morte de seus inimigos ou contando ao doente ter sido eleito para um bispado, se for clérigo". Isto também era psicoterapia, e muitos outros métodos, como vimos nos primeiros capítulos deste trabalho.

Embora tenhamos definido a psicoterapia, em sentido estrito como um método de resolver os distúrbios psíquicos por métodos exclusivamente psíquicos, em sentido amplo, tudo quanto age primariamente através do espírito pode ser considerado como psicoterapia, não só a psicanálise, o hipnotismo, a crença religiosa, a reeducação, as drogas, o bisturi e a própria psiquiatria. Os mesmos "placebos", são, todos eles, excelentes remédios psicoterápicos, como o são os amuletos, os instrumentos religiosos, as rezas, os trabalhos da macumba e receitas dos curandeiros, etc., que formam, em comum, o enorme acervo da psicoterapia sugestiva.

2) A Higiene mental ou Psicoterapia preventiva: prevenindo e evitando a doença, estamos curando-a por antecipado. Como a medicina anti-infecciosa cura as doenças físicas, vacinando e educando o público a respeito de suas causas e sintomas, as medidas de preocupação para evitá-las, etc. Assim também, nós podemos educar o povo com relação às causas das neuroses e demais distúrbios psíquicos e psicossomáticos. Livros, conferências, jornais, associações de pais e professores, escolas, universidades, exército, hospitais, clínicas psicoterápicas, prisões, tribunais, sociedades de higiene mental, etc., esclarecimentos pela rádio e televisão, teatro e todos os métodos de propaganda, difundindo os princípios fundamentais da sanidade mental a fim de que todos saibam como evitar as situações da vida, bem como as atitudes e modos de encarar os problemas pessoais em face das demais pessoas. Pela instrução das crianças, dos pais e da juventude principalmente, a doença mental pode ser prevenida, tanto quanto o pode ser a doença física. Embora não tenham sido os psicanalistas os que lançaram esta campanha, os princípios da psicanálise estão em jogo, produzindo os seus efeitos saudáveis.

3) As doenças psicossomáticas e sua cura psicoterápica: foi um erro mantido durante vários séculos, e isto em nome da ciência, e de considerar o homem como um feixe ou soma de órgãos diversos, reunidos como nos mostra a anatomia, pois o homem é muito mais do que a soma de suas partes. Como a soma de hidrogênio e de oxigênio nos dá o resultado surpreendente de água-vapor, água-líquido e água-sólido, segundo as diversas temperaturas, assim um mesmo organismo humano vivo nos dará diversos resultados, segundo a temperatura emocional em que se encontrar. O homem, combinação de matéria e espírito (psiquismo-mente-alma), deve ser rotulado como algo infinitamente superior à soma de ambos.

Outro erro também multisecular e não menor que o primeiro, tem sido o de considerar esses elementos como simples, estanques, separados ou entidades diversas, funcionando ou podendo funcionar independentes uma da outra. As provas experimentais, entretanto, nos demonstram todo o contrário. O corpo é abrangido por todos os processos mentais ou psíquicos e o espírito é atingido por todos os processos corporais. E quando os dois se separam, nem o médico, nem o psiquiatra e nem o psicoterapeuta já não podem fazer nada, pela simples razão que o paciente já está morto.

Não existe isso que se chama doença mental ou corporal. Há apenas a doença e o doente, manifestando certos sintomas, ou predominantemente mentais ou predominantemente físicos. Na tuberculose são principalmente físicos e na neurose de angústia são principalmente mentais. Onde quer que a neurose ou demência precoce se origine, seja no nível fisiológico, ou no psicológico, não resta a menor dúvida que enormes conflitos interiores contribuíram para o colapso. A influência das situações difíceis da vida, sejam familiares, sociais ou ambientais, com suas pressões emocionais, inegavelmente parecem desempenhar um grande papel em todo tipo de moléstias. Há os espíritos frágeis, que cedem debaixo de uma pressão inabitual, e há os espíritos fortes, que conseguem resistir e não cedem; os espíritos frágeis são os que vão acabar nos hospitais ou no necrotério.

Devemos trabalhar, então, segundo o princípio de que o corpo e o espírito formam uma unidade indivisível. E de algum modo, isto está sendo demonstrado diariamente. Não podemos considerar o espírito como uma entidade diferente da entidade corpo, senão como um conjunto global que age unitariamente. A mesma endocrinologia, que no início parecia provar que as doenças mentais e emocionais provinham dos desarranjos glandulares, confessa hoje que tais desarranjos são ocasionados, freqüentemente, por fatores psíquicos e emocionais.

4) O Dr. Banting, o descobridor da insulina, fez interessantes experiências de laboratório, pregando sustos propositadamente em animais cobaias. E verificou que, quando os sustos eram instantâneos e muito grandes, se repetidos continuadamente por bastante tempo, terminavam por causar nas cobaias a angina pectoris, e conseqüentemente morriam. Isto porque a ação do susto chegava ao coração. A seguir utilizou cobaias as quais tinha cortado as fibras nervosas emocionais (nervo do vago-simpático no plexo solar — castração emotiva), ficando incapazes de sentir o medo, não ficavam assustadas e não podiam contrair a angina pectoris, não conseguindo matá-las por susto...

O rubor, as palpitações, impressão de sufocação, são outras tantas manifestações de como os conflitos emocionais afetam a pressão sangüínea e abalam o coração. De igual maneira o sistema respiratório pode ser influenciado pelas emoções. Um enamorado diante do outro (um emocionado na maioria dos casos) pode ficar até sem fôlego repentinamente e impedido de falar. Assim mesmo, o asmático entra rapidamente em crise, sempre que levemente emocionado.

Pode constatar-se facilmente como uma pessoa com bocio exoftálmico (distúrbio da tiróide) mostra olhos esbugalhados, pupilas dilatadas, fisionomia tensa e mãos trêmulas; a mesma figura de um ator representando um estado de medo, pavor, pânico, etc. Ditas pessoas padecem permanentemente de ansiedade, de medo e de nervosismo horríveis. Muitos soldados das guerras, nos grandes períodos de estacionamento em trincheiras e lugares de perigo continuado, mantendo-se inativos e esperando o pior a cada momento, terminaram destruindo completamente a tiróide por excesso de atividade devido ao medo, que desencadeou a superatividade de hormônios que a arruinaram. As duas coisas andam de mãos dadas: a superprodução da tiróide produz ansiedade, medo, inquietude, nervosismo, insegurança, neurose; e esta lista de emoções coloca a tiróide em superatividade, num círculo vicioso e destruidor.

E tudo isto já foi demonstrado até experimentalmente. Com pessoas artificialmente emocionadas (excitadas as emoções propositadamente) e registrando em aparelhos as suas reações de temperatura, respiração, secreções estomacais, etc., verificou-se que:

1) As emoções aflitivas de ansiedade, ressentimento, temor, sensação de culpa, preocupação, depressão, medo, insegurança, angústia, etc., libertavam uma quantidade anormal de ácido clorídrico livre, que nas pessoas nervosas causava indigestão nervosa.

2) As emoções explosivas de irritabilidade, ira, raiva, cólera, etc., libertavam também quantidades excessivas de ácido clorídrico corrosivo, contando com 50% de probabilidades de contrair úlceras no estômago e no duodeno.

Demonstrou-se ainda nestas experiências que o grau de intensidade da emoção marca o grau da quantidade de ácido clorídrico libertado, sendo que as emoções explosivas, normalmente, libertam o dobro do ácido do das aflitivas.

5) De onde se vê que um problema (incômodo), iniciado no nível psíquico-emocional, pode transformar-se rapidamente numa doença física, e vice-versa, uma doença física produzirá uma emoção aflitiva ou explosiva (um problema psíquico), que por sua vez seguirá aumentando a doença física, num círculo vicioso e continuado.

Diante disto, podem parecer-nos acadêmicas e totalmente fúteis perguntas como as seguintes: o órgão determina a função, ou a função determina o órgão? A esquizofrenia é causada por um distúrbio físico, que determina o estado doente de uma mente, ou é a mente do doente que determina e causa a doença do órgão doente? Pois tão cedo como num nível se origina um incômodo, este atinge imediatamente o outro. é portanto, perder um tempo precioso ficar a discutir se devemos ministrar bicarbonato de sódio a um doente que sofre de hiperacidez no estômago, ou se devemos ensinar-lhe a controlar as suas emoções. é claro que devemos fazer as duas coisas. Temos que tratar todos esses distúrbios fisiológicos-emocionais, tanto na frente fisiológica como na psicológica.

Eis o conceito da Medicina Psicossomática, o aspecto mais moderno da medicina dos nossos dias. Com base em provas, como as experiências relatadas e outras, tem-se como doenças originadas por causas psíquico-emocionais uma enorme lista de distúrbios ou sintomas físicos dos mais variados, desde a úlcera péptica, certas paralisias, cegueiras, colites, eczemas, enxaquecas, etc., até tumores malignos, como o câncer. E para toda essa lista de doenças prescrevem-se, hoje em dia, os métodos psicoterápicos, como formas de agir na mente e obrigá-la a um melhor e mais sabido comportamento, capaz de eliminar esses sintomas, e se possível, melhor ainda, acabar com as próprias causas. Tais métodos psicoterápicos podem ir desde as formas mais rijas ou mais benignas da psicanálise, até os métodos mais rápidos, mais fáceis e mais eficientes, muitas vezes, da hipnoterapia, etc.

6) A Psicoterapia ocupacional, Ergoterapia, Laborterapia, Terapêutica da Atividade ou da Pessoa, Psicoterapia Educacional ou da Reeducação, etc., eis outros tantos nomes aplicados a uma espécie de psicoterapia de "meio termo'" ou de "senso comum", padronizada por eminentes médicos psiquiatras e psicoterapeutas dos últimos tempos, cujo exemplo poderia ser o Dr. Adolf Meyer, diretor durante mais de trinta anos da Clínica Psiquiátrica do Hospital Hopkins de Baltimore (USA).

De princípio, diz ele, "Não podemos considerar o homem senão como uma unidade, um Corpo-Espírito, e jamais como um corpo casualmente complicado por um espírito, ou um espírito, que parece estar sendo embaraçado por um corpo. Não podemos dividir a natureza. Nossos corpos têm almas e nossas almas têm corpos. Nenhuma via de acesso, portanto, deve ser fechada ao psicoterapeuta para que possa chegar ao doente, ou melhor ainda: nenhum psicoterapeuta deve estar condicionado a penetrar no doente por uma única porta, ou um único método. Cada ciência relacionada com ele pode contribuir com algo: a química, a anatomia, a fisiologia, a patologia, a psicologia, a sociologia, a hipnologia, etc. A psicanálise pode ser de um valor inestimável, desde que seja uma psicanálise de “bom senso” e tosquiada de seus elementos mais fantásticos. O inconsciente freudiano existe, mas certamente não precisamos preocupar-nos demasiado com ele. No tratamento do alienado podemos permanecer, perfeitamente, na região mais próxima e acessível à consciência e sua vida mais notória. O objeto total que mais nos deve interessar dele é a sua personalidade. Toda doença psíquica deve ser considerada como "um desajustamento global de toda uma personalidade", antes de considerá-la como um mero episódio ou como uma simples doença mental no sentido puramente fisiológico ou psicológico. O que nos resta a fazer é ajudar este pobre ser humano a reconstruir uma personalidade que se desfez ou que nunca conseguiu formar na sua vida".

Eis a base de sua terapêutica, que ele qualifica de "Psicobiologia". Devemos organizar um mapa ou quadro, o mais concreto e objetivo possível, que inclua toda a vida do doente, com o que é normal, menos normal e positivamente anormal e pernicioso.

Primeiro: sua vida antes de adoecer, seu caráter, seus problemas, e suas reações emocionais, seus fatores físicos e orgânicos, tais como doenças e hábitos da infância.

Segundo: todos os seus fatores emocionais, como repressões, recalques, instintos sexuais e frustrações.

Terceiro: suas relações com os outros, seus hábitos de trabalho, de dormir, de comer, etc., principais acontecimentos de sua vida, a mutação de seus hábitos e atitudes para com a sociedade.

A seguir, sobre o quadro de suas tendências e interesses, organizar um quadro de trabalho e de atividade capaz de lhe absorver, construtivamente, toda sua atividade mental (tecelagem, escultura, pintura, carpintaria, jardinagem, etc.). Assim fazendo, será obrigado a levar uma vida razoavelmente normal, despertando nele aqueles instintos e emoções adormecidos, que lhe devolverão a vida que perdeu.

Tudo isto nos parece muito mais normal do que uma convulsão (insulina-metrazol, choque elétrico); muito mais normal do que a psicanálise, sempre dando ênfase ao anormal. Trabalhar é uma coisa natural e normal para o homem, que não precisa muita explicação e compreensão de processos tão difíceis, como os tratamentos psicanalíticos ou tão desagradáveis como os psiquiátricos. é muito melhor levar as mentes anormais a aceitarem uma maneira normal da vida, do que focalizar constantemente sua atenção em alguma perversão, ou defeito, ou anormalidade, coisa que não lhes pode fazer muito bem. é melhor pôr a ênfase na saúde do que na doença. Procurando levar os pacientes a fazer algo que possam fazer, dar-lhes-emos descanso das coisas que os perturbam e não lhes fazem bem. Deste modo, poderemos reeducar esses espíritos doentios para o que lhes seja sadio. Tudo isto e sempre sob os cuidados e a orientação de um psicoterapeuta, que tratará de completar esse programa com todos os recursos da psicoterapia.

7) A Psicoterapia da Responsabilidade: é proposta por outro dos corifeus destas terapias do "meio termo"', aplicadas aos doentes mentais e psico-emocionais, o Dr. Abraham Nuerson, que chegou a esta conclusão depois de ter sido, durante muitos anos, defensor excepcional da escola fisiológica e dos métodos psiquiátricos, e o maior crítico "das salgalhadas da psicanálise e da inutilidade da psicoterapia". Mas, tendo atacado primeiramente a psicoterapia analítica como um "puro desperdício da atividade médica", teve que confessar, finalmente, a quase inutilidade dos tratamentos fisiológico-psiquiátricos.

Considerando a vida do neurótico e psicótico como uma "fuga da realidade exterior objetiva" e uma "retirada para a realidade subjetiva do mundo interior vêem-se estes doentes como submergidos num "vácuo insípido (dolce far niente), levando uma existência sem nenhuma motivação, sem obrigações e sem responsabilidades... ". Eles são mantidos nas instituições hospitalares, ou nos consultórios, ou no seio da família, sem nunca ser elogiados ou censurados; nunca recompensados e nunca punidos; nunca se lhes pede que tentem fazer alguma coisa, quer sejam bem sucedidos ou quer fracassem; sempre a esperar do dia em que "eles sozinhos mudem tudo isso..."

Deste ponto de partida, o Dr. Myerson formulou seu próprio método terapêutico, que qualificou de Psicoterapia da Responsabilidade ou do "Empurrão total". Para começar, escolheu trinta e três doentes de longa data, velhos moradores das enfermarias dos fundos em vários hospitais, considerados incuráveis, e passou a cercá-los de todos os lados e a estimulá-los, a fim de obrigá-los e iniciar a estrada que os conduziria de volta à normalidade. Estimulá-los, digo, totalmente: fisiológica e psicologicamente.

Primeiro o corpo. Aplicou-lhes a hidroterapia, sob todas as formas, desde o esguicho da mangueira, até os banhos prolongados; aplicou-lhes a fisioterapia, sob todos os modos: massagens, fricções, sol, eletricidade, eletrosono, etc. Deu-lhes esportes variados, grandes passeios, exercícios físicos e trabalhos diversos, até violentos algumas vezes. Purificou-lhes os corpos com dietas e purgantes, fortalecendo-os, a seguir, com ricas dietas em vitaminas. E isto foi uma parte do "empurrão total": o empurrão fisiológico.

Logo veio o empurrão psicológico. Todos foram levados a assumir certas "obrigações sociais" mínimas e fundamentais, novamente. Tirados de seus quartos onde antes ficavam à vontade, sem fazer nada, foram obrigados a comer, viver, e dormir em comum, sob regras estritas de "estética, de higiene, de companheirismo e de sociabilidade", como simples colegiais. Foram obrigados a trabalhar, a divertir-se e a associar-se com os outros, devendo vestir-se bem, de forma a serem agradáveis a si e aos outros. Começou também um regime sistemático de elogios e censuras, recompensas e penalidades, sempre na presença dos demais doentes. Bombons, sorvetes, cigarros, etc., dados por bom ou retirados por mau comportamento.

O Dr. Myerson reconheceu que este seu método da responsabilidade ou do "empurrão total" não é um método totalmente original nem constitui um método de "cura" propriamente dito, mas sim um método de "melhora", como a maioria dos outros, aliás. E constitui outro tratamento de "meio termo" que significa um acordo entre os métodos psiquiátricos e psicológicos, para o tratamento das doenças mentais e psico-emocionais, oferecendo ótimos resultados, por vezes até nos casos mais sem esperança.

8) A psicoterapia do Equilíbrio. O terceiro método da psicoterapia do '"meio termo" é o do Dr. Overhosler, primeiramente um legítimo representante da linha psicanalista e inimigo acérrimo dos choques elétricos e insulínicos ou dos demais tratamentos fisiológicos radicais, como o metrazol, congelamento, estrogênio, etc., mas finalmente um dissidente da psicoterapia analítica.

Reconhece, sim, que a Psicanálise é inestimável como psicologia analítica para a compreensão da mente anormal e os comportamentos patológicos, mas considera-a como de nenhum valor como tratamento psicoterápico, principalmente para o caso das psicoses. "Acredito no inconsciente — diz ele — e na possibilidade de influenciar o espírito doente pela psicanálise, muito mais que pelos recursos fisiológicos radicais, como os choques. Mas, não estando diante de um corpo ou de um espírito, mas sim diante de um organismo vivo e composto de corpo e espírito, que reagem de diversas maneiras; e não podendo menosprezar os fatores mentais das doenças físicas nem os efeitos destas sobre os nossos pensamentos e sentimentos, resta-nos utilizar todas as classes de terapias que nos possam ajudar a curar ou melhorar a personalidade desorganizada ou desequilibrada".

Na realidade, é um erro chamar de doenças mentais a todos os distúrbios psíquicos e perturbações temperamentais, como usualmente se faz, mesmo que em quase todos eles ocorra uma diminuição das faculdades pensantes. Não são somente os iletrados os que sofrem colapsos mentais ou comportamentais. São homens e mulheres de todas as classes sociais, incluindo muitas pessoas de cultura elevada e figuras importantes do mundo intelectual: juízes, banqueiros, industriais, artistas, professores, padres, etc. Porcentualmente, vê-se que o número de pessoas cultas com problemas psíquico-mentais é superior ao de pessoas iletradas. E estas pessoas cultas, quando adoecem mentalmente, nem sempre perdem algo de sua cultura ou de sua inteligência, que muitas vezes fica mais aguda que antes.

9) O que se observa, certamente, é que toda pessoa mentalmente doente, quer nas fases iniciais de um colapso nervoso, quer nas fases finais de uma psicose, deixa de levar uma "vida equilibrada"', e muitas pessoas normais começam a caminhar paulatinamente ao encontro da doença, porque elas também começam a levar uma vida desequilibrada ou desregrada. "Desequilibrado" é mesmo uma das expressões para designar uma pessoa, mental ou psiquicamente doente. Desequilibrado intelectualmente? Algumas vezes só. Emocionalmente quase sempre, a não ser quando a doença é claramente de origem cerebral. Normalmente percebe-se que não é a razão que foi destruída, mas a emoção que tomou o seu lugar. Não deveríamos referir-nos a este estado de espírito pelo nome de "demência" ou de doença mental, mas sim pelo de desequilíbrio emocional, ou simplesmente de DESEQUILíBRIO, como termo básico a ser adotado, em vez do já gasto e inexpressivo de neurose ou de psicose.

Desequilíbrio mental, quando a mente ou cérebro é diretamente atingido, ou por moléstia orgânica, ou funcionalmente, por perturbações psíquicas e emocionais;

Desequilíbrio psicológico, em muitos comportamentos esquisitos do caráter ou da personalidade;

Desequilíbrio emocional, a maioria das vezes, quando as emoções infelizes e destrutivas de medo, ansiedade, indecisão, tensão, aborrecimento, ciúmes, sentimentos de culpa, hipersensibilidade, sentimento de inferioridade, insegurança, etc., obtiver a hegemonia da razão, desplaçando mais ou menos totalmente as emoções felizes, construtivas e sadias de amor, felicidade, coragem, autoconfiança, otimismo, ambição, etc.

A não ser no primeiro caso, a técnica terapêutica então a ser escolhida deveria ser a do reequilíbrio da personalidade desequilibrada; isto é, a procura do "equilíbrio" por todos os métodos e modos, e em todos os níveis:

Equilíbrio energético, físico e psíquico;

Equilíbrio mental, somático e funcional, removendo as causas somáticas ou emocionais;

Equilíbrio psíquico; e

Equilíbrio emocional, principalmente.

E o melhor método terapêutico a ser escolhido deverá ser aquele que ofereça melhores garantias de restabelecer o desejado equilíbrio e no nível desejado.

O desequilíbrio emocional, o principal de todos, talvez, com todas as suas seqüelas psíquicas, mentais e fisiológicas, não existiria dentro de uma vida de atividades equilibradas e não frustrativas. Muita gente leva uma vida unilateral; só negócios, só exercícios físicos em excesso, só prazeres sexuais, ou só diversões. O homem é um animal plurilateral, e quando só um lado de sua natureza é satisfeito, todos os demais ficam frustrados, resultando ele mesmo mutilado e vazio.

10) Por exemplo: há quatro coisas ou atividades na vida sem as quais um homem ou uma mulher não se sente satisfeito e completo: trabalho, distrações ou divertimentos, vida social e exercícios físicos. Uma vida equilibrada, portanto, que pretenda evitar chegar ao desequilíbrio deve levar em conta essas quatro coisas. E da mesma maneira uma terapia que queira restabelecer o equilíbrio numa vida emocional ou psiquicamente, deve ser uma terapia reeducacional, que de algum modo ofereça a satisfação proporcionada por essas quatro coisas, ou por aquela, por cuja falta se tenha desequilibrado.

Um trabalho, atividade ou ocupação, acessível e útil, não só a si, mas também aos outros, capaz de preencher o vazio exigido por sua natural dedicação;

Uma atividade social, que lhe satisfaça a afetividade, companhia e mesmo a vaidade de que necessita;

Exercícios físicos ou esportes, que dêem vazão ao excesso de energias, por ventura não gastas em outras atividades, e também à natural agressividade, gerada pelos constantes conflitos da vida cotidiana;

Um passatempo ou diversão, que substitua a natural satisfação, outrora proporcionada pelos brinquedos a que ficou condicionada na infância;

E, naturalmente, uma vida sexual e afetiva, regradas, que não pode faltar, normalmente, na vida das pessoas sadias.

Só assim o sadio não ficará doente, e o doente poderá restabelecer sua saúde. A psicoterapia educacional ou reeducacional, aliada à psicoterapia ocupacional e demais recursos e tratamentos fisiológicos e psicológicos, serão capazes de conservar nossa humanidade livre do flagelo das doenças psíquico-emocionais e mesmo das mentais.

1) Para finalizar esta nossa longa exposição, não poderíamos deixar de referirmos, nem que seja de leve e em forma mais sintética, a outros tipos de psicoterapias, desenvolvidas também fora dos limites da psiquiatria e da psicanálise.

Formas de Psicoterapia Oriental. Desde muitos séculos e milênios, os orientais vêm praticando seus métodos de psicoterapia. Os princípios básicos do Budismo, renovados modernamente pelo Zenbudismo, representam formas novas das mais eficientes das psicoterapias.

Pesquisador nato, gastou Buda a metade de sua vida estudando e procurando resolver os problemas da dor e do sofrimento, o que significa, em termos ocidentais, os problemas das doenças e da saúde. E quando pensou ter resolvido o enigma, gastou o resto de sua vida na pregação das soluções práticas que tinha achado.

De fato, a essência do Budismo se reduz à explicação e resolução prática desse problema fundamental. A origem de toda dor e de todo sofrimento se acha no DESEJO. O desejo desregrado, descontrolado, desequilibrado, naturalmente. E se essa é a gênese de toda dor e de todas as doenças, a terapia necessária e conveniente deverá ser, conseqüentemente, a do controle, educação e, se possível, da SUPRESSãO DO DESEJO. Isto, é claro, não significa simplesmente a REPRESSãO e o RECALQUE tão temidos por Freud e seus discípulos, os psicanalistas. Controle, educação e supressão dos desejos maldosos e nocivos, significa uma terapia preventiva de higiene mental, educativa e formativa, antes que a doença venha a aparecer; e uma terapia elucidativa e compreensiva, de esclarecimento e de ACEITAçãO consciente, após o aparecimento da doença, que dessa forma deverá ser eliminada, como ensinaria Freud, vinte e cinco séculos mais tarde.

Eis uma fórmula psicoterápica digna de figurar entre os cânones da psicanálise freudiana e que em nada desmerece diante dos mais eficientes sistemas das psicoterapias ocidentais.

2) "Irmãos: Suprimi, controlai, ao menos, os vossos desejos, se quereis ser felizes e sadios". Assim falou Buda, o ILUMINADO; esse é o legado cultural repleto de humanismo, transmitido, de geração em geração, pelo budismo e por todas as religiões, orientais e ocidentais, dele derivadas, e sintetizado novamente no Sermão da Montanha do místico nazareno, Jesus Cristo; suas “Benaventuranzas” são as melhores fórmulas de felicidade e saúde psíquica, base da saúde física, que formam a síntese do Cristianismo.

Desse princípio, sábio e benéfico, têm-se derivado uma série de fórmulas ou filosofias de vida, contendo excelentes regulamentos normativos da mais eficiente psicoterapia. Nessas fórmulas se baseiam todas as formas das Psicoterapias Religiosas, cujas crenças de conforto e de segurança, purgação e libertação, sob os mais variados aspectos, tanto contribuíram e contribuem, para prevenir ou minorar os sofrimentos desta humanidade aflita e infelicitada.

Um fato fácil de comprovar, mediante uma pesquisa estatística: no oriente místico e religioso, que mais viva mantém a filosofia budista, existe um NúMERO MUITO MENOR de neuróticos e doentes psíquicos do que no ocidente. Da mesma forma, poder-se-á comprovar que entre as pessoas religiosas do ocidente, enquanto que aceitam, sentem e vivem a sua forma religiosa, a SAúDE PSíQUICA é muito maior que entre as pessoas não religiosas. Os problemas psíquicos começam, normalmente, nas pessoas religiosas, quando começam as dúvidas, porque a dúvida é um foco de insegurança, que gera a ansiedade, a angústia, o medo, etc., que leva à neurose.

3) A Yogaterapia. Originariamente muito anterior ao Budismo e atualmente incorporando muitos dos seus princípios, a Yogaterapia ou simplesmente Yoga, em seu aspecto teórico, representa toda uma Filosofia de Vida, e em seu aspecto prático, todo um tratado de terapia física e psíquica. A Yoga, em vários de seus aspectos, é hoje bastante divulgada, estudada e praticada no ocidente, e nas principais cidades do Brasil, existem vários Centros ou Institutos onde se ensina e se pratica.

De um lado, as prática yogaterápicas visam o desenvolvimento físico do organismo, como base para o bem-estar psíquico, dentro daquele sábio princípio, que os gregos, herdeiros e imitadores dos orientais, nos transmitiram em tempos passados: MENS SANA IN CORPORE SANO. Em grande parte, uma série de exercícios de ginástica física, Hatha Yoga, com sua respiração ritmada e controlada e suas clássicas posturas, tendentes, antes de tudo, ao desenvolvimento harmonioso do homem integral.

De outro lado, a Raja Yoga envolve outra série de exercícios de desenvolvimento e controle psíquicos, que visam mais diretamente a HARMONIOSA PERFEIçãO do psiquismo superior, cuja conseqüência imediata se traduz no bem-estar físico e psíquico do organismo integral. Ambas essas práticas constituem um tipo de psicoterapia em todo semelhante às formas ocidentais de psicoterapia preventiva e educacional.

4) Mas um terceiro tipo de Yoga, a Yoga Monástica, em seu estudo teórico e em seu exercício prático de muitos milênios, chegou a desenvolver técnicas de alto psiquismo, que se traduzem numa outra espécie de psicoterapia, ainda totalmente ou quase totalmente desconhecida no ocidente, cujas práticas se ligam à medicina secreta dos mosteiros orientais. A Parapsicologia moderna tem estudado e dado validez a esses princípios básicos, que envolvem um controle quase total e perfeito do psiquismo superior, e se traduzem numa prática psicoterápica altamente eficiente no tratamento e na CURA dos inúmeros transtornos, perturbações e distúrbios psíquicos, que tanto afligem a sociedade ocidental, inclusive os de mais alto grau, como a esquizofrenia, o alcoolismo, as fobias, as insônias e as toxicomanias mais avançadas.

PARAPSICOTERAPIA-YOGA é o nome que nós damos a esse tipo de psicoterapia, que representa uma feliz combinação entre as práticas estudadas pela Parapsicologia e as desenvolvidas através da Yoga Monástica.

E não sendo possível um resumo mais amplo que mostre o conjunto dessas técnicas e seus altamente auspiciosos resultados, deixaremos para um outro tratado a exposição detalhada e específica do seu conteúdo.

5) Treinamento Autógeno e Subudterapia. Derivadas dos estudos yogas orientais, existem também no ocidente essas duas práticas psicoterápicas, o Treinamento Autógeno e a Subudterapia. O primeiro é um estudo mais prático e teórico do yoguismo oriental feito pelo médico alemão, Dr. Schultz, bastante divulgado inclusive em São Paulo, que se enquadra entre as práticas psicoterápicas de aquietação, acalmação, relaxamento e autocontrole, tendentes a combater os estados de "stress" e seus perniciosos efeitos, tão comuns em nosso meio ambiente, que tem conseguido ótimos resultados, quando nas mãos de um hábil terapista.

Contrariamente a Subudterapia, também conhecida e já praticada no Brasil, constitui um método psicoterápico que deve alinhar-se entre as psicoterapias de descarga, incluindo uma violenta "catarse". Como o anterior, pratica-se individualmente ou em grupos, sob a direção de um terapista, e tende a deixar o indivíduo em condições de permitir a evasão das forças de tensão ou "stress"', provocadas pela ação do ambiente exterior ou pelos complexos internos.

6) Sonoterapia e Relaxterapia. Duas práticas psicoterápicas que se complementam ou agem em duas linhas paralelas, tendentes, também, ao controle ou descarga controlada e suave do "'stress". A sonoterapia é praticada sob diversas aplicações, ou com o auxílio de aparelhos elétricos com drogas ou pela hipnose. A relaxterapia age, geralmente, via sugestiva, ou de outras formas, e sua finalidade é a indicada de propiciar a saída ou dissolução do "'stress".

7) A reflexologia. Derivada e apoiada na doutrina reflexológica do russo Pavlov, é uma técnica psicoterápica de grande aceitação nos consultórios médicos da atualidade, que pretende ultrapassar em eficiência as próprias práticas das psicoterapias psicanalíticas e outras. Seu princípio é o de que o reflexo cria o complexo, a tendência e o hábito. E se são perniciosos, pelo mesmo procedimento, com novos reflexos mais benéficos, novos complexos, novas tendências e novos hábitos, contrários e benéficos poderão ser criados.

8) Tudo isto e muito mais, que poderíamos acrescentar, cai sob o conceito de PSICOTERAPIA em seu significado amplo, que vai muito além, como se vê, e não pode encerrar-se nos estreitos limites das técnicas psiquiátricas e psicanalíticas, único campo de psicoterapia, como pretendem, de um lado e de outro, os seus respectivos corifeus e fanáticos defensores, ao ponto de negar validade e direitos de '"cura'" aos demais sistemas que não sejam o seu.

A este respeito seja-nos ilícito acabar com as sábias e eloqüentes palavras do Dr. americano Lawrence Kubie:

"A psicoterapia abrange e deve estender-se a qualquer esforço para influenciar os pensamentos, sentimentos e conduta humana, pelo ensinamento, conselho ou exemplo, com graça e humor, pela exortação e apelo à razão, por distração, recompensa ou castigo, com fé, caridade ou serviço social, pela ação educativa ou contagiante do espírito benéfico de outras pessoas, seja através da música, da arte, do rádio, da televisão, do teatro, ou da literatura, etc."

"Além dos expedientes específicos da psiquiatria e da psicoterapia analítica, podemos acrescentar os expedientes mais simples da psicoterapia analítica, que podem ser agrupados nas três classes principais seguintes:

a) Técnicas de apoio prático, como o conselho, orientação, ajuda e assistência prática no manejo e solução dos problemas nascidos das situações individuais e das dificuldades ambientais, através do Serviço Social, Cultural, Educacional e Religioso, etc.

b) Técnicas de apoio emocional, como a exortação, admoestação, simpatia, encorajamento, divertimento, arte, recreação, camaradagem e coisas semelhantes.

c) Técnicas de reeducação e reorientação tendentes a alterar as atitudes negativistas e destrutivas de culpa, medo, ódio, angústia e depressão do paciente, educando-o para tolerar suas próprias necessidades conscientes e inconscientes, seus desejos instintivos, ciúmes e ódios familiares, em um esforço comum de todos e para todos, em busca da saúde e da felicidade comum."

9) Eis aí um quadro encorajador, onde o conceito de psicoterapia e psicoterapeuta se abre com perspectivas longas e construtivas, que possibilitarão a multiplicação de técnicas novas e eficientes e o aumento considerável ou suficiente do número de indivíduos dedicados à psicoterapia, que profissionalmente ou em profissões paralelas propiciarão o número de atendentes necessários para enfrentar o número cada vez maior de doentes portadores de distúrbios mentais ou emocionais, em benefício da sanidade comum de nossa sociedade.

1) Histórico. A história da psiquiatria se inicia quase tão cedo como a história da psicoterapia. Os habitantes das cavernas, quando obrigados a tratar de algum dos seus doentes "esquisitos", portadores de doenças incompreensíveis, que, em sua ignorância atribuíam à ação perturbadora dos espíritos, freqüentemente recorriam aos dois métodos: ao que hoje podemos intitular de psicológico (psicoterapia religiosa-sugestiva) e ao que poderíamos chamar de psiquiátrico. Os homens da medicina, obrigados a tratar daqueles doentes "'desequilibrados'", armados de toscos instrumentos de pedra, rebentavam o crânio dos pacientes e praticavam a "trepanação". Abriam uma janela no cimo do crânio com o intuito de que "os maus espíritos perturbadores saíssem" e, a seguir, a fechavam e ficavam a esperar que o doente recuperasse o juízo. Quando isto não acontecia ou mesmo para ajudar a que acontecesse, recorriam ao "exorcismo", ou deixavam aos parentes ou aos magos e "sacerdotes" que o fizessem, tentando expulsar o diabo que atormentava o doente, por meio de rezas e magias.

Provas arqueológicas e vestígios destes procedimentos os encontramos em muitas das culturas primitivas desde os alvores da pré-história, tendo, na cultura egípcia, provas documentadas dos mesmos. Mas o princípio básico desta “psico-cirurgia” primitiva era sempre o mesmo: a causa do distúrbio era sempre externa. O espírito mau, vindo de fora ou agindo de fora, era o causador da doença. A cura tinha que consistir, necessariamente, em neutralizar sua ação. E uma coisa boa para isso era o método da "expulsão".

Que saibamos, foi Hipócrates o primeiro que SOUBE ou se atreveu a afirmar que: "'A origem da doença mental, sua causa intrínseca, se achava no próprio cérebro do doente". E se ali estava a causa, ali devia ser aplicada a cura.

2) O caminho difícil. Todavia, isto não era mais que o princípio. O condicionamento religioso-espiritualista estava demasiado arraigado, não só no espírito do povo, como no dos próprios médicos-curadores para admitir esse princípio tão revolucionário. Desde os alvores da experiência médica, os médicos-sacerdotes e mesmo os leigos não-médicos tinham realizado curas assombrosas baseados naqueles princípios e utilizando métodos que parecem não-ortodoxos à medicina de hoje. Reis, santos, sacerdotes, camponeses meio analfabetos e magos-feiticeiros, haviam curado a seus semelhantes doentes com a mera "imposição das mãos", o "toque dos reis", amuletos, orações, exorcismos, santuários, etc. Todavia, a medida que a medicina leiga (não-religiosa) a que pretendia ser científica progredia, de todos esses processos, considerados não ortodoxos, não-científicos e não-médicos, ela lavava as mãos. Se não podia suprimi-los, tratava de ignorá-los. Com a mesma teimosia que os espiritualistas defendiam seus princípios, que hoje consideramos psicológicos, os médicos defendiam também os seus princípios da medicina física ou orgânica.

De fato, o cérebro terminou revelando os seus segredos de um milhão de anos, não aos filósofos, nem aos teólogos, nem aos metafísicos, nem mesmo aos psicólogos, em primeiro lugar, mas sim aos médicos cirurgiões e neurologistas, em pesquisas inteiramente válidas e consideradas científicas, como as iniciadas pelo grande neurólogo e cirurgião Paul Broca e seu imediato seguidor o Dr. Vincent e outros; aos psiquiatras que aplicaram essas pesquisas aos métodos de tratamento e cura das doenças mentais, e revelara-os, sobretudo, aos psicanalistas, através de seus estudos do comportamento inconsciente anormal e patológico.

Mas quase um século antes de Broca ter descoberto um caminho fisiológico seguro para chegar ao espírito, Mesmer tinha já aberto o caminho psicológico para o mesmo espírito. Esse caminho foi a HIPNOSE sob a forma do magnetismo. E à medida que esses dois caminhos se alargavam, vemos como iam emergindo do nada as duas ciências, mesmo que antagônicas, paralelas e dirigidas ao mesmo objetivo: a Psicoterapia e a Psiquiatria.

3) O antagonismo gera a Ciência. A prova científica do psicologismo se iniciou com o "'magnetismo"' de Mesmer, e achou o seu remate na psicanálise de Freud. Todavia, do magnetismo à Hipnose, do mesmerismo ao hipnotismo e do hipnotismo à psicanálise, é um caminho que a muitos poderá parecer não tão longo. Mas se não foi tão longo (pouco mais de um século), pelo menos foi extremamente difícil. Repudiado inicialmente o mesmerismo, e levantando por causa dele mil barreiras ao hipnotismo, a ciência médica jogou-os aos charlatões, que os exploraram durante quase dois séculos. Só a teimosia de alguns espíritos lúcidos e fanáticos conseguiu manter acesa a luz da verdade a seu respeito continuando os elos da cadeia que o levaria de novo àquela ciência que o tinha repudiado. Nessa disputa, foi a psicanálise que conferiu ao psicologismo a prova científica de que necessitava.

De certo, desde que a medicina começou a considerar-se como uma ciência, a psiquiatria, julgando-se ligada à medicina, não podia renunciar a sê-lo. A ciência, afirmam os médicos, ocupa-se com coisas materiais existentes no espaço e presentes para os sentidos no tempo. Sente-se obrigada, portanto, a rejeitar e entabular relações com os fenômenos não-espaciais, não-temporais e não-materiais. Isso é lá com a psicologia, com a qual a medicina do passado e com ela a psiquiatria nada queriam saber, desde o começo da sua história.

Eis porque Mesmer, apesar de tudo, foi levado a procurar uma explicação fisiológica para o seu "magnetismo animal", que considerava uma força física e fisiológica; porque Braid explicou o seu hipnotismo como conseqüência do esgotamento de certos centros nervosos, eis porque Pavlov o quis explicar com base nos reflexos-respostas a determinados estímulos; eis porque Charcot assentou a teoria da patologia fisiológica da histeria e da hipnose; eis porque Freud tanto se aferrou a sua teoria quantitativa da energia-libido como base de explicação científica de suas especulações psicológicas a respeito do inconsciente dinâmico, responsável número UM das neuroses.

Esses homens eram médicos e eram homens de ciência. A psicologia não era, ainda, considerada como ciência. Cheirava a metafísica, a filosofia, a espiritualismo, a magia, numa palavra. Jamais poderia ser aceita por nenhum homem de medicina, que se prezasse e quisesse manter-se na linha da ciência. A luta entre esses dois métodos de tratamento dos distúrbios mentais ou do espírito, o psicológico e o fisiológico, entre a escola fisiológica-psiquiátrica e a escola psicológica-psicoterapêutica, começou irredutível e assim permaneceu até os nossos dias.

4) O desafio e sua resposta. Mas esse hipnotismo, primeiro, e essa psicanálise, depois... Até agora, os médicos, colocados diante dos métodos de cura psicológicos ou sugestivo-religiosos, lavavam as mãos e tratavam de explicá-los como fruto da ignorância e da magia. Mas quanto ao hipnotismo e à psicanálise, os médicos verificaram que não era possível lavar as mãos por mais que as esfregassem... A medicina estava sendo reptada a explicar aquelas curas inexplicáveis, segundo os princípios médicos. A resposta tinha que ser achada, e esta resposta, se queria ser científica, tinha que ser baseada na pesquisa da doença mental em sua própria sede, que não podia ser outra que o cérebro mesmo, segundo a antiga teoria hipocrática. E a resposta científica veio a ser dada pela cirurgia cerebral, pela neurologia, pela endocrinologia e mais tarde pela própria citologia, etc., que concluíram pelo caráter científico da Psiquiatria e dos métodos de tratamento psiquiátrico. Vejamos a sua história.

1) As bases da psiquiatria. A psiquiatria moderna foi concebida nos hospícios dos alienados, iniciou sua existência através das descobertas dos cirurgiões e neurologistas, como Broca e seus discípulos, e foi-se desenvolvendo nos consultórios médicos através das pesquisas de eminentes clínicos e cirurgiões. é claro que esta ciência, que se baseia no bom ou mau funcionamento da mente-cérebro, ou do cérebro-espírito, não poderia, de modo algum, ter sido desenvolvida até que as principais questões em que se fundamente (que é a mente, como opera, como adoece, como se pode evitar que adoeça, etc.) não fossem resolvidas previamente por eles.

Eis porque a psiquiatria moderna vai encontrar suas bases e fundamentos nas experiências bem sucedidas do eminente cirurgião Paul Broca e seus discípulos e seguidores, entre os quais o conhecido Dr. Vincent. Graças aos estudos cerebrais do primeiro foi possível localizar e conhecer muitos dos "centros cerebrais'", sede de uma porção de faculdades, como o centro da fala, centro da memória visual, da memória auditiva, etc., que passaram a ser conhecidas como "zonas de Broca", e suas relações com as doenças provenientes de empecilhos físicos que impediam seu bom funcionamento. Em base das operações cirúrgicas do segundo, pode-se estabelecer a relação entre a extirpação de um tumor cerebral e a conseqüente sanidade mental de quem a tinha perdido. Antes deles tudo isto era inteiramente desconhecido, mesmo que pressentido.

2) Nascimento da neurologia. Graças a estudos e pesquisas desse tipo, foi possível estabelecer, em primeiro lugar, um mapeamento geral dos centros cerebrais, sede de nossas faculdades mentais, como premissa indispensável para possíveis intervenções cirúrgicas, capazes de remover os agentes perturbadores da sanidade mental, propiciando a sua cura. Foi possível, também, o nascimento da neurologia e o conhecimento geral dos grandes sistemas nervosos, sua localização e seu funcionamento.

Verificou-se a existência de três grandes centros nervosos ou cérebros, controladores de outros tantos sistemas neurológicos, responsáveis por todo o funcionamento do fisiologismo e do psiquismo do nosso organismo.

Primeiro, o cérebro inferior, ou cérebro primitivo, composto da medula espinhal, dos gânglios basais e dos plexos, formando o sistema nervoso autônomo, a controlar as ações biológicas neurovegetativas e as ações automáticas e involuntárias. Tinha-se tirado o cérebro a uma rã, por exemplo, e vira-se que, mesmo sem ele, podia a rã virar-se quando deitada de costas, podia pular e esfregar uma perna irritada. Os pombos sem cérebro ainda podiam voar; um coelho sem cérebro podia dar os seus saltos e correr, ainda que descontroladamente. Em todos estes casos os animais executavam movimentos complicados e ordenados. Ordenados por quem? Pelo cérebro inferior, que dirige o automatismo biológico.

Segundo, o cérebro intermediário ou messo-córtex, ou córtex motor, localizado bem no meio da caixa craniana, o qual controla as ações intermediárias, visto que ficam entre as automáticas e as voluntárias. Trata-se do automatismo psíquico-emocional.

Terceiro, o novo córtex ou cérebro superior, com os lobos frontais situados na ponta anterior do crânio, que controla as ações voluntárias. Compreendeu-se assim, que toda perturbação mental, pela causa que fosse, como é lógico, tinha que manifestar seus efeitos, na área do córtex frontal, sede da consciência e das ações voluntárias e sede também da inteligência consciente ou razão. Conseqüentemente o primeiro resultado é o obscurecimento da razão. A pessoa ficaria esquisita, neurótica.

O segundo passo de deterioração é quando a doença atinge o messo-córtex ou córtex motor, biologicamente mais moço e resistente, portanto, durante mais tempo, conduzindo o doente segundo um nível inferior de comportamento e de inteligência, o automatismo psíquico, o ID psíquico de Freud. E perecendo ele restará apenas um terceiro passo de deteriorização (os psicanalistas lhe chamariam de regressão) o primeiro cérebro, que será atingido no terceiro e último nível, que finalmente também poderá perturbar-se, mergulhando no automatismo biológico e involuntário, o ID biológico freudiano ou inconsciente automático. A não ser que a doença seja detida, sempre o doente irá passando de um estado mais consciente e voluntário, mais racional e controlado, para outro mais inconsciente, irracional e automático, à medida que os níveis inferiores de inteligência sucessivamente vão sendo chamados a assumir a direção.

3) O início da Psiquiatria. Na segunda metade do século passado, com base nas descobertas de Broca, que permitiram localizar grande parte das faculdades mentais, e portanto de suas doenças, com os conhecimentos hauridos do grande neurologista, Hughlings Jackson, o descobridor das grandes comunicações cerebrais e os sistemas nervosos, simpático, autônomo e central, e finalmente, com os resultados obtidos pelos endocrinologistas e a influência dos produtos glandulares, os hormônios, nas operações mentais e do comportamento; tinha a medicina clínica os elementos mais essenciais para iniciar os processos dos tratamentos psiquiátricos.

Nessa altura a Psiquiatria moderna, propriamente dita, nasce com Kraepelin, distinto discípulo do grande mestre Griesinger. Kraepelin não foi um pesquisador. Foi antes de tudo um eminente médico clínico das doenças mentais e um grande professor, que com base nos ensinamentos do mestre Griesinger e no estudo de milhares de fichas de seus próprios pacientes, fez uma ótima sistematização do quadro das doenças mentais, que ainda serve como esquema dos estudos psiquiátricos nos cursos de psiquiatria dos nossos dias.

O princípio básico de Kraepelin é o seguinte: não há doenças mentais; há apenas doenças. Algumas das doenças mostram sintomas dominantes na esfera mental, e a estas chamamos mentais; mas na sua raiz, também elas são doenças fisiológicas e orgânicas. Mente e cérebro não são duas coisas separadas. Para todo processo mental, normal ou anormal, há sempre um fundo fisiológico e orgânico. Se a mente está perturbada e em desordem é porque em algum lugar do corpo se esconde um processo patológico que precipitou a desordem; um tecido lesado, uma infecção, uma glândula afetada, uma toxina, uma invasão bacteriológica, um órgão em disfunção. é sempre preciso explorar o corpo até achar a disfunção do cérebro-mente. Só um processo mórbido, de uma ou de outra espécie orgânica, pode explicar a brecha que se abre entre o ser humano normal e o esquizofrênico. A psiquiatria somente pode apoiar-se numa base científica que é a medicina. Para ele a psicologia subjetiva era indigna de crédito por ser anticientífica. A mente não pode adoecer. Quando perturbada tem que depender do corpo ou do cérebro.

De fato, algumas doenças mentais menores iam aparecendo como originadas de causas fisiológicas ou físicas, por traumas, por degeneração dos tecidos nervosos, como na arteriosclerose cerebral provocadora da demência senil; por toxinas, pelo álcool, pelos entorpecentes, etc. é certo que tudo isso abrangia apenas algumas poucas doenças da grande população dos hospícios. Contudo, algum dia seriam descobertas, esta era a sua crença, todas as causas físicas ou fisiológicas de todas as doenças mentais.

4) A teoria e a prática. Os clínicos de todo o mundo, que se viam obrigados a lidar com pacientes portadores de sintomas de doenças mentais, não estavam agora às escuras lidando com fantasmas ou com idéias éticas e filosóficas produtoras de perturbações espirituais ligadas a distúrbios físicos e comportamentais. Após os trabalhos de Broca e os seus seguidores, cirurgiões e neurologistas contavam com uma teoria cientificamente válida. A mente funcionava no cérebro e as faculdades mentais estavam ligadas, funcionalmente, aos órgãos ou centros cerebrais correspondentes. As doenças mentais provinham, portanto, dos desarranjos e perturbações desses mesmos centros cerebrais ou órgãos, visto que a mente não podia adoecer. Uma lesão, uma deteriorização de um tecido neuronal, uma pancada, um tumor, etc., eram naturalmente as causas etiológicas daqueles distúrbios funcionais, que se apresentavam como doenças mentais, o que seria a mesma coisa que DOENçAS CEREBRAIS. Lá estava, por exemplo, a arteriosclerose causadora da demência senil, e certos tipos de epilepsia produzidos, claramente, por algum tumor cerebral.

Dispunha, também agora, de métodos práticos de tratamento. Com base nos ensinamentos de seu mestre Griesinger e num número incalculável de fichas dos pacientes por ele tratados durante cinqüenta anos de prática clínica, podia oferecer a seus colegas um MANUAL onde se sistematizavam e descreviam com todos os seus detalhes os sintomas de cada uma daquelas perturbações ou doenças mentais. Um esquema didático na mão dos clínicos e dos estudantes, que ainda permanece imutável até o dia de hoje, nos cursos de psiquiatria, apesar de muitos conceitos terem variado totalmente, depois das grandes descobertas dos últimos tempos. Bastava-lhes estudar o caso concreto de seu paciente, identificá-lo com algum dos tipos de doença, cujos sintomas ele descrevia, e proceder ao seu tratamento com os métodos, que a experiência de algum colega podia testar como praticamente útil, nos casos que a operação cirúrgica cerebral não se fizesse indispensável. Um pouco de psicoterapia, um pouco de fisioterapia, um pouco de terapêutica ocupacional, que apenas servia para entreter o tempo. Isto, talvez, não fosse lá muita coisa, pois apesar dessa teoria etiológica e dessa teoria didática, faltava ainda uma prática terapêutica condizentemente eficiente. Na realidade, não se conheciam as causas fisiológicas da maioria das doenças, cujos sintomas tinham sido estudados e esquematizados, nem se conheciam os remédios eficientes para tratá-los. Apesar de tudo, isto era uma base de partida, suficientemente segura, que satisfazia o orgulho médico e estimularia novas pesquisas capazes de resolver os muitos enigmas ainda pendentes.

1) A paresia define sua causa e encontra o seu remédio. Durante todo o século passado as "marches e demarches" dos médicos neurologistas e psiquiatras pareciam que não passavam de "pura conversa". Nada de real e objetivo podiam oferecer que confirmara suas teses e que pudesse ser oposto aos avanços indiscutíveis da escola psicológica em suas duas frentes: a da hipnose e da psicanálise, e que estavam afirmando as bases da psicoterapia, mesmo no terreno científico.

Foi somente em 1913 que veio a primeira prova insofismável de uma causa fisiológica como geradora de uma doença mental. Nesse ano, os Drs. Noguchi e Moore localizaram os espiroquetas retorcidos e vibráveis da sífilis no cérebro de um parético, urdindo a sua loucura e a sua paralisia. A PARESIA, como é sabido, é uma doença mental, que após um período de loucura e perturbação mental termina numa paralisia geral, e após cinco anos acaba matando o doente. Isso é tudo o que ensinava o manual didático de Kraepelin. Quanto ao remédio, nada de prático e eficiente se conhecia, posto que a verdadeira causa ainda era desconhecida. Assim que, quando os sintomas apareciam, já era tarde, e a doença se tornava duplamente fatal.

E agora vinham esses doutores a mostrar que os causadores da tal doença nada mais eram que aqueles minúsculos e insignificantes espiroquetas da sífilis. A paresia ou paralisia geral provinha, pois, do amolecimento do tecido cerebral devido à ação perfuradora do mesmo espiroqueta pálido que causa a sífilis. Em realidade, a paresia, mais que uma doença em si, vinha a ser um sintoma, apenas, da sífilis; a quarta fase ou a verdadeira sífilis do sistema nervoso cerebral. E aí estava uma loucura, uma doença mental seguida de uma paralisia, cuja causa era positivamente fisiológica e orgânica, e ela estava no cérebro...!

2) Um mal cura outro mal. Desde muito tempo, o Dr. Julius Wagner Jauregg vinha se preocupando com o tratamento de muitos casos de paréticos em suas atividades hospitalares. Ele sabia, segundo um grande número de casos recolhidos na literatura médica, antiga e moderna, que alguns paréticos, principalmente nas fases iniciais, ficavam repentinamente curados "ao saírem de uma febre acidentalmente contraída"... E já vinha tratando de experimentar essa cura a base de culturas provocadoras de febres. Mas sem grandes resultados.

Ora, quando Noguchi e Moore fizeram a sua descoberta em relação com a paresia, Jauregg tornou a preocupar-se pelo seu problema. Ele sabia que, quando Schaudinn localizou o espiroqueta pálido da sífilis no pus da erupção de um sifilítico, em 1905, imediatamente o Dr. Landsteiner lhe advertiu que os tais espiroquetas podiam ser mortos pela FEBRE. Mas que febre, tornara-se a perguntar agora pela milésima vez. Por que não a malária...? E foi aí que encontrou a premissa que vinha completar o silogismo. De fato, nos trópicos existe muita febre amarela, pensava ele, e como existem poucos paréticos, talvez a causa seja que a febre malária matasse os espiroquetas e não deixava progredir a paresia... Pois era de presumir que também nos trópicos houvesse o mesmo número de sifilíticos que em outros lugares, ou se não os havia, essa poderia ser a causa também.

O caso era experimentar, e desde 1917 a 1927 ele experimentou em todos os casos que se lhe apresentavam, conseguindo 40%, 50%, 60% ... de curas totais em casos mais benignos e franca melhoria em todos os outros. Mais tarde, misturou uma dose de cultura de malária com uma dose de salvarsan, um produto químico forjado pelo Dr. Paul Ehrlich como bala mágica contra aqueles espiroquetas. E neste caso a porcentagem de curas subiu a 83%! Isto era extraordinário. Isto significava uma vitória incontestável da ciência sobre um desequilíbrio mental. E marcava a maior vitória até então conseguida pela escola fisiológica ou psiquiátrica em sua concorrência com a escola psicológica, que nos anos anteriores lhe ganhara caminho. Provara definitivamente que, pelo menos, uma doença mental, a paresia, era provocada por uma causa fisiológica, uma infecção sifilítica causadora de lesões cerebrais, e curada por um remédio fisiológico, a febre amarela, sozinha ou juntamente com um remédio químico, o salvarsan.

Mas... essa vitória por muito significativa que fosse, na prática, era ainda muito pequena. A paresia representava, apenas, 10% de todos os doentes mentais internados nos hospitais, mesmo naqueles tempos em que a sífilis não estava sendo eficazmente combatida. Que dizer dos outros? Que dizer dos esquizofrênicos, que em número representavam 60% de todos os desequilibrados mentais? Sim, a esquizofrenia ou demência precoce, que representa sozinha 5% de toda a juventude, que dizer dela?

1) O choque insulínico. Em 1927, quando o Dr. Jauregg terminava a sua descoberta, o Dr. Sakel iniciava a dele.

Alguns anos antes, o Dr. Banting descobrira, no Canadá, a insulina, responsável, desde então, pela salvação de muitas vidas e pela melhoria dos sofrimentos de muitos doentes. A ação milagrosa da insulina, primeiro uma secreção glandular isolada por Banting e logo um produto químico equivalente, consistia na redução da taxa excessiva de açúcar encontrada no sangue dos diabéticos. Inicialmente foi um remédio ideal, e continua sendo para curar a diabetes, ou pelo menos para minorar os seus efeitos perniciosos, mantendo a taxa de açúcar do sangue em seu devido equilíbrio.

Mas, à medida que o uso da insulina ia se divulgando, notara-se que doses excessivas de insulina provocavam reduções excessivas da taxa de açúcar, muito além do metabolismo ideal, levando os doentes até o coma. O coma insulínico, como foi chamado. E observou-se ainda um outro efeito colateral, também muito interessante. Se o diabético que entrava em coma insulínico era, por acaso, um neurótico ou um esquizofrênico, quando saía do coma se encontrava significativamente aliviado ou melhorado mesmo de sua neurose. E aí é que entra em cena outro pesquisador fanático da escola fisiologista, o Dr. Sakel, um jovem psiquiatra da Casa de Saúde de Berlim.

Para começar, Sakel estabeleceu a sua teoria. O neurótico e o esquizofrênico estão normalmente superexcitados. Padecem de excesso de energia, e a fonte energética humana está na adrenalina. De onde neurose é igual a excesso de adrenalina. Ora, no organismo humano existe uma outra secreção glandular que serve para reduzir o excesso de energia (reduzindo a taxa de açúcar cuja queima a produz), servindo assim para manter o equilíbrio energético. Essa secreção é a insulina. Logo...

O Dr. Sakel tinha os seus doentes mentais. Entre eles os toxicômanos. Isso é, quando o toxicômano é privado da sua droga, fica superexcitado e à beira da loucura: se comporta como um maníaco paranóide. Excesso de adrenalina? E agora vinham aqueles casos de "coma insulínico", que pareciam aquietar e curar os doentes diabéticos que também eram neuróticos ou esquizofrênicos. Por que não provar? E provou primeiro com os toxicômanos e depois com toda classe de esquizofrênicos em geral. E o resultado invariável era uma melhora ou uma cura em uma percentagem que, em medicina, se considerava excelente. Hoje, após quarenta anos de uso, o choque insulínico (pelo coma insulínico) é ainda dos mais preferidos em psiquiatria, para os casos de esquizofrenia ou demência precoce, que não obedecem a outro tratamento. Assinalam-se uma percentagem de 69 a 78%, de curas positivas, o que é verdadeiramente extraordinário. E sua tese é a do bom psiquiatra: "A loucura é uma doença, como o câncer é uma doença. Ela tem uma base fisiológica e deve ser tratada medicamente. Para cada tipo de loucura devemos descobrir a sua causa patogênica orgânica e o remédio físico adequado para curá-la. Se com meus choques insulínicos eu ajudei algo a restabelecer a psiquiatria no seu quadro fisiológico, sinto-me, então, muito satisfeito por isso".

2) O choque convulsivo do Metrazol. Nos anos de 1933 a 34, quando o choque insulínico do Dr. Sakel começava a ser conhecido e estava fazendo furor, nos meios psiquiátricos, um jovem moço de Budapest, na Hungria, o psiquiatra Ladislaus Von Meduna, preparava-se para outra experiência que iria agitar os meios da psiquiatria. Desde a época de estudante em que se dedicara ao estudo das doenças mentais, ele vinha elaborando a sua própria teoria: "Os cérebros dos epilépticos são diferentes dos cérebros dos esquizofrênicos; um antagonismo biológico, cuja significação lhe fascinava. E se na morte esses dois tipos de cérebros eram extremamente diferentes, em vida, os dois tipos de desequilibrados mentais, o epilético e o esquizofrênico, eram igualmente diferentes. Significava isso que as duas doenças, a epilepsia e a esquizofrenia, eram biologicamente incompatíveis de modo a excluir-se mutuamente? Então a característica principal e invariável da epilepsia, as convulsões, deveria enxotar os sintomas essenciais da esquizofrenia. Faltava apenas encontrar uma droga que produzisse, à vontade, as convulsões da epilepsia, para opô-las à esquizofrenia e experimentar".

E, após muitas experimentações, Meduna encontrou o Metrazol, uma droga química, que sobretudo, quando aplicada por injeção intravenosa, produzia as convulsões desejadas, à vontade, imediatamente, na hora desejada. A seguir começou a experimentá-la, em cobaias primeiro, claro está, e depois nas próprias pessoas dos esquizofrênicos. E, como no caso do choque insulínico, o tratamento pelo choque convulsivo do metrazol produzia resultados extraordinários. Era um método prático, rápido e, de certo modo, barato. Fácil de aplicar, estava ao alcance de qualquer médico e mesmo dos hospitais do governo, sempre escassos de verbas.

Havia, entretanto, as contra-indicações, em comparação com a insulina, as desvantagens. As convulsões provocadas pelo metrazol pareciam incontroláveis, pelo menos de momento. Houve muitos casos de fraturas de ossos, inclusive da espinha, quando os doentes caíam convulsionados. A insulina é um produto do organismo, uma secreção do pâncreas. Mesmo se em excesso pode ser controlada por uma contrainjeção de glicose. Entretanto, o metrazol é uma droga química sintética, estranha ao organismo e não produzida em nenhuma parte do corpo. A diferença da insulina não pode ser controlada. Não produz coma e convulsões, mas só convulsões e convulsões, convulsões violentíssimas, que não podem ser neutralizadas pela glicose, nem por nenhum outro agente conhecido. Tem que seguir o seu curso.

3) O "curare" ajuda o Metrazol. Em 1939 um explorador americano tinha trazido da selva amazônica uma carga do famoso veneno dos índios, o terrível CURARE. Ora, se a natureza do metrazol é a de provocar violentas convulsões, capazes de quebrar os ossos, a natureza do curare é a de matar "paralisando". Por que não combiná-los? Foi o que fez o psiquiatra Dr. Bennett. E os resultados foram verdadeiramente admiráveis. O curare agia como pára-choque, amaciando as convulsões provocadas pelo metrazol, que surgiam tão gastas e inertes como simples contorções provocadas pela tosse ou pelo riso. E nada de ossos quebrados, com o uso do curare nenhum osso jamais se quebrou.

Mas não é fácil achar à mão as doses necessárias do curare. E então? Então os químicos descobriram o cloridrato de eritroidina-beta com os mesmos efeitos calmantes e controladores do curare. E mais tarde descobriram o bromidrato de escopalamina, mais flexível e mais fácil de achar que o cloridrato. E sempre, no caso desses três auxiliares, os efeitos benéficos das convulsões não se perderam.

4) O choque elétrico convulsivo. Agora é o caso da eletricidade, que por absurdo que pareça já era usada desde longa data, como no caso de um dos imperadores romanos, que era tratado por meio de enguias elétricas.

Também há aquele caso (e outros semelhantes) de um louco que fugira de um hospício da Alemanha e, ao ser perseguido, subiu num poste da rede elétrica, tocou num fio, levou um choque, caiu e, uma vez acordado daquele choque, verificou-se ter recuperado a razão, pelo menos durante seis semanas.

Em 1937, numa clínica de Roma, o Dr. Cerletti conversava um dia com seus assistentes. "As convulsões, produzidas pelo metrazol, são muito úteis para o tratamento da esquizofrenia. Mas são perigosas e muito temidas pelos doentes. Saibam que um choque elétrico de carga adequada produziria as mesmas convulsões, com menos riscos e com a vantagem de ser controlada. Bastaria ter uma máquina adequada para produzir, à vontade, a carga elétrica necessária para provocar esse choque nos pacientes, tantas vezes como o desejarmos".

Essa máquina foi inventada, logo depois, por um tal Bini, do tamanho de uma valise e tão aperfeiçoada que bastava ligar a corrente durante um décimo de segundo, e obtinha-se exatamente a espécie de convulsões que se desejava. Estas convulsões apresentavam uma vantagem enorme sobre as produzidas pela insulina ou pelo metrazol. Os doentes não as temiam. Por quê? Simplesmente porque o tratamento produzia uma amnésia, que lhes fazia esquecer totalmente tudo o que se passava durante ele.

Contudo, mais do que na aplicação das convulsões, a cura da esquizofrenia, tanto as produzidas pelo metrazol como as provenientes do choque elétrico convulsivo, tem se revelado com uma eficiência muito mais extraordinária, quando aplicados estes tratamentos às psicoses afetivas. Muitos médicos não receiam atribuir percentagens de 80 e 90% de curas quando se trata de psicoses maníaco-depressivas: "90% de depressões severas e resistentes desaparecem dentro de três ou quatro semanas, depois de seis ou oito choques convulsivos, sejam pelo metrazol ou pelo choque elétrico".

1) A anoxia como tratamento. Mesmo que em fase de pesquisa, existe ainda uma série de tratamentos que parecem oferecer, também, boas probabilidades de muito ajudar na cura das doenças mentais. Um deles é o método da anoxia ou falta de oxigênio.

Com efeito, num hospício da áustria, um louco deu um nó corrediço com um lençol e suspendeu-se no ar. Socorrido imediatamente ao desprenderem-no do laço verificaram que tinha recuperado a razão. Seu espírito estava completamente lúcido. Choque convulsivo? Choque emocional? Ou simplesmente a falta de oxigênio pela asfixia?

O que acontece com o coma insulínico? Cessa a respiração? Falta de oxigênio. E com o choque convulsivo? Falta de respiração e falta de oxigênio. Por que não experimentar esse tratamento da anoxia, provocando a asfixia artificial nos doentes?

Sim, já se fez e já se está fazendo em alguns hospitais dos Estados Unidos e de outras partes. Com uma máquina apropriada cheia de tubos ministra-se ao paciente uma dose de ar, progressivamente, cada vez menos oxigenado, até deixá-lo quase com nitrogênio puro. Após a dose prevista de ar sem oxigênio, o indivíduo é levado a respiração normal. Método fácil e não muito diferente que uma simples inalação de gás para a extração de um dente. Quanto à sua eficácia como terapia, mesmo que ainda em fase experimental, os resultados parecem ser altamente favoráveis. O veredito médico deverá ser esperado ainda.

2) Da redução da temperatura ao congelamento. Vimos como, sem uma pesquisa prolongada e sistemática, a elevação da temperatura pela febre malária calcinava a sífilis. Em realidade não ficamos sabendo se, na luta pela vida, foram os micróbios produtores da malária os que terminam matando os micróbios espiroquetas da sífilis e conseqüentemente acabavam com a paresia, ou se foi simplesmente o calor produzido pela febre, elevando enormemente a temperatura, que acabou asfixiando, queimando e calcinando os insidiosos agentes da doença. Seria uma pesquisa muito interessante de se fazer visando estabelecer até que ponto somente o calor poderia acabar, não só com essa, mas também com outras doenças mentais.

Mas, e o caso contrário? Qual é o resultado da baixa temperatura em relação a cura das doenças mentais?

Como no caso da insulina, também neste caso as pesquisas começaram de um modo indireto. Médicos interessados na cura do câncer começaram a tratá-lo pelo congelamento local e verificaram real melhora das células cancerosas, com alívio conseqüente da dor. Daí passaram a experimentar o congelamento de todo o corpo para atacar cânceres invisíveis. Verificou-se, então, que a temperatura podia ser forçada a descer cinco graus, dez graus, etc., abaixo da normal, e os pacientes, longe de sentir-se mal, apenas caíam num sono profundo e confortável. Depois, quando a temperatura era levantada novamente até o normal, eles despertavam sorrindo daquele sono gelado, e não só não se queixavam de nada, mas ainda afirmavam sentir-se muito melhor em seu estado geral. Isso sim, não conservavam lembrança nenhuma de tudo o ocorrido durante o sono, mesmo que este tivesse durado cinco dias.

Um sono em tudo parecido com a morte. Não havia pulso: todas as atividades do organismo ficavam suspensas: as dos rins, dos intestinos, etc. Tudo paralisado no momento que se iniciava o sono e tudo recomeçado na hora em que se acordava. Descobriu-se que também o homem, igual que outros animais, pode hibernar. Aquilo era uma verdadeira hibernação. E pesquisando, chegou-se a descer a temperatura a 32°, 30°, 28° e 24°. Isso para o organismo humano era um verdadeiro congelamento. E os resultados?

No que diz respeito ao nosso caso, de dez esquizofrênicos comprovados por certificado de pelo menos cinco psiquiatras, todos eles doentes de um até vinte anos, quando submetidos a essa classe de hibernação, com baixas temperaturas de até 24°, numa única vez, quatro doentes mostraram melhoras acentuadas; três apresentaram leves melhoras temporárias e três não mostraram nenhuma melhora. Como se tratava de pura pesquisa e só com dez casos, isto se tomou, apenas, como "muito encorajador". A opinião era de que "se repetidos os experimentos, chegar-se-ia a muito melhores resultados". Esperemos.

3) Uma ponte para a química. A epilepsia é outra das doenças mentais para as quais a medicina pretende ter encontrado uma causa fisiológica, provocadora de uma "loucura temporária", que se traduz pelo conhecido ataque "epilético-convulsivo". Pode ser um tumor cerebral, uma lesão, ou uma pronunciada ou simples "disritmia". Os psiquiatras subdividiram os comportamentos da epilepsia em três graus: o grande mal, caracterizado por crises convulsivas com estado de inconsciência total, em cujo caso supõe-se lesão cerebral permanente, que ocasionalmente provoca a crise. Essa ocasião é determinada pelo que chamam de episódio desencadeante, que pode ser muito diverso; desde um gole de álcool a uma leve prisão de ventre, ou um pequeno susto, um estado emocional, etc. O petit mal é o segundo grau da epilepsia ou grau intermediário, caracterizado por crises menores e um estado de inconsciência parcial. O terceiro está caracterizado por um comportamento a que os psiquiatras chamam de equivalente psíquico da epilepsia. Seus sintomas, neste caso, podem confundir-se com os de uma psicose ou neurose inteiramente psíquica. Pode ser uma perturbação cerebral tão leve que ninguém a nota; pode manifestar-se em apenas um lapso de tempo, uma inconsciência momentânea, um retardamento do andar, uma rápida distração. Ou pode ser extremamente intensa, manifestando-se em forma de um ritual esmerado e automático, ou de um persistente impulso para cometer um crime.

São esses sintomas da epilepsia, chamados de equivalentes psíquicos, os que levam uma mulher a sair despida à rua ou um homem a matar seu filhinho sem nenhuma causa. Mesmo nestes últimos graus, quando a lesão ou tumor cerebral não são patentes, o encefalograma acusa uma clara disritmia nas ondas elétricas cerebrais, que é muito mais intensa, quando mais perto do ataque ou crise.

Dizem os médicos que em nosso cérebro existem certos focos de células, dos quais umas são motoras e outras são intelectivas ou psíquicas. Ora, quando a lesão ou tumor tem a ver com as células motoras, então há convulsões, crises, ataques, inconsciência total; e quando atinge as células intelectivas, então a inconsciência é parcial, e os sintomas se caracterizam como psíquicos. No primeiro caso, a lesão desencadeia uma atividade físico-motora violenta incontrolável em forma de ataque, de convulsões, agressividade e inconsciência total. No segundo caso, desencadeia uma atividade mental anormal, um equivalente às neuroses e psicoses psíquicas.

Muita gente (e muitos médicos também) tem a idéia de que todos ou a maior parte dos epiléticos são mentalmente anormais e pertencem a este tipo, e isto não é exato. Se não confundirmos a epilepsia psíquica com outras doenças mentais, talvez não chegue a 10% o número dos epiléticos mentalmente anormais, não passando a maioria de epiléticos convulsivos, dentre os quais salientando-se alguns deles que têm chegado à classificação de geniais, como Alexander Magno, Júlio Cesar, Maomé, Petrarca, Dostoiewski, Napoleão, etc. Estes e outros muitos eram epiléticos, e longe de anormais, podem considerar-se supranormais.

4) A Dilantina, outra droga milagrosa. Sabendo que a disritmia é uma das características marcantes da epilepsia e que esta é um distúrbio da atividade eletroquímica do cérebro, os neurologistas acudiram de novo aos químicos em busca de uma droga que a regulasse. E também agora os químicos acharam uma feita sob medida para isso: a dilantina e, em alguns casos, um composto de bióxido de carbono. Durante dois anos de experiências foram analisados 350 casos. Analisemos o resultado.

Quando usada nos doentes do petit mal, a dilantina os libertou completamente dos ataques em 37% dos casos e os reduziu sensivelmente em mais de 20%; quando usada nos doentes do grande mal, a droga libertou totalmente dos ataques a 60% e os diminuiu em 14% e quando aplicada aos de equivalentes psíquicos, os libertou completamente em 62% e os reduziu em 23%. Parece, pois, que mais uma doença que pode ir, desde um distúrbio físico até a mesma demência, começou a ceder à medicação por meio da droga química. Assim sendo, é bem possível que esta nova droga consiga levar um alívio significativo a milhares de crianças incorrigíveis, adultos desequilibrados, suicidas potenciais, gente superexcitada a quem uma única palavra pode mudar-lhe o ritmo da onda cerebral; todos eles colocados nessa franja epilética fronteiriça com a demência.

5) Uma descoberta brasileira também pode servir. Um psicólogo clínico, o Dr. Vitor Mattos, lidando com correntes de alta freqüência, aplicou-as primeiramente na produção de ritmos semelhantes aos testados nos estados hipnoidais do "transe mediúnico" em que entram os "médiuns" espíritas, umbandistas e do candomblé, e experimentou-as logo nos casos de portadores de doenças mentais derivativas dos estados epiléticos. E verificou que, com uma corrente adequada e em sintonia com a freqüência de cada doente, os ritmos perturbados e desequilibrados dos epiléticos podiam ser ordenados e equilibrados, sustando-se os sintomas característicos da epilepsia. No relatório em que publicou essas experiências, mostra com inúmeros detalhes as altas percentagens obtidas nos tratamentos que praticou com esse método.

6) O caso dos alucinógenos. Trinta minutos depois de ter ingerido, via oral ou via intravenosa, uma dose de mescalina ou de ácido lisérgico, começam a manifestar-se sintomas semelhantes aos de um esquizofrênico: alucinações, delírios, despersonalização, desorientação, perturbações mentais, da atividade motora, do humor, etc., expressões fisionômicas idiotas e estereotipadas e posições de doidos autênticos, sorrisos estúpidos, gargalhadas, olhares enviesados, atitudes de êxtase religioso, declamações e atitudes violentas, atrevidas, belicosas ... Pode-se imaginar um grande personagem do presente ou do passado, e portar-se como tal, ou julgar-se um objeto inanimado, ou mesmo algum ente abstrato. Durante doze horas, fica-se inteiramente maluco. E se isto é assim, se uma droga química pode produzir, temporariamente todos os sintomas da loucura, não será o caso de a verdadeira loucura humana ser produzida por algum agente químico de nosso próprio organismo? Nesse caso, deveria ser a química o método apropriado para curá-la? O dióxido de carbono, produzido no corpo também é alucinógeno? Ou a adrenalina, que se produz excessivamente nos momentos emocionais?

Já vimos como o Dr. Sakel iniciou suas pesquisas e o tratamento pela insulina justamente desde essa base. Esquizofrenia, excitação, superatividade, adrenalina. Logo para reduzi-la, a insulina.

Ora, é sabido que a adrenalina, quando não gasta adequadamente pela fuga ou pelo ataque, ela se decompõe em vários subprodutos para ser reassumida pelo organismo. Um desses subprodutos e o adrenocromo. E coisa esquisita: a fórmula química desse adrenocromo é totalmente semelhante a da mescalina. Por que não seria ele? Para sabê-lo, o Dr. Osmond e seus colaboradores canadenses conseguiram isolar o adrenocromo e passaram a injetá-lo em si mesmos e em suas próprias esposas, verificando o extraordinário resultado de obter os mesmos efeitos alucinógenos que produz a mescalina. Para eles não ficou a menor dúvida. A emoção produz a adrenalina em excesso e, descomposta esta, o adrenocromo produz os estados de loucura.

Posteriormente, o Dr. Wooley e auxiliares do Instituto Rockfeller, comprovaram que os subprodutos tóxicos derivados da adrenalina, como o adrenocromo, a adrenoxina, etc., seriam contrabalanceados e neutralizados por outras substâncias químicas, que ajudam a manter o metabolismo químico do organismo, como a serotonina, etc. Portanto, a ação perturbadora da mente estaria ligada tanto ao excesso de adrenocromo como à deficiência de serotonina no sangue do paciente. Tratar-se-ia, talvez, de um defeito na aparelhagem química, que habilita o corpo a manter seu próprio metabolismo.

Partindo desse princípio, como é lógico, a psicofarmacologia se pôs em ação, e nas últimas décadas uma verdadeira soma de psicotrópicos foi posta à disposição dos psiquiatras, proclamando para todos eles resultados maravilhosos. De um famoso tranqüilizante, a reserpina (hoje um produto químico sintético, mais originariamente extraído da Rauwolfia serpentina) diz o Dr. Kline de New York: "Numa série de 150 psicóticos crônicos que não melhoraram quando submetidos ao choque elétrico ou ao coma insulínico, 84% mostraram melhoras acentuadas com a reserpina, e 21% desses pacientes continuaram melhorando mesmo após interrompido o tratamento. E coisa parecida se tem afirmado da clorpromazina e outros semelhantes, etc., operando uns como tranqüilizantes e outros como excitantes.

7) As vitaminas e os hormônios: novo campo da psicoquímica. Em estatísticas de alguns anos atrás, se calculava nos Estados Unidos, que um milhão de americanos padecia de pelagra, dos quais um número elevado se transformava em psicóticos. Ora, a causa da pelagra, os médicos sabiam, era a deficiência da vitamina B1 ou ácido nicotínico. Então começaram a dar ácido nicotínico aos doentes de pelagra, ou grandes doses de espinafre, e os que eram portadores de acentuados sintomas de psicoses, literalmente eram devolvidos à lucidez. A seguir abriu-se um novo caminho para a psiquiatria: o da vitaminoterapia.

Mas o trabalho mais espetacular desenvolvido no campo da química orgânica, nos últimos tempos, tem sido o da endocrinologia. Verificaram especialistas deste setor que alterações do funcionamento glandular endócrino coincidiam com acentuados sintomas neuróticos e esquizofrênicos, bem como com outros muitos sintomas de perturbações mentais e emocionais. Principalmente, a deficiência ou superprodução da glândula tiróide e das glândulas supra-renais foram consideradas como as maiores responsáveis destes distúrbios. E também verificaram que medicamentos químicos ou extratos hormonais relacionados com estas glândulas podiam corrigir eficientemente muitos desses distúrbios. é o caso da tirosina e do estrogênio, por exemplo, ministrados nos respectivos casos.

8) A psicocirurgia ou lobotomia. O Dr. Moniz encontrou uma boa saída para a cura radical de um grande número de neuroses e psicoses, que não sendo originadas por alguma causa orgânica conhecida, ou não querendo reagir aos processos drásticos do coma ou choques convulsivos, achavam-se sem nenhum outro recurso adequado. Partiu ele, em primeiro lugar, da premissa de que durante a I Guerra Mundial, grande número de pacientes tinha removido um lobo frontal inteirinho, e inclusive o lobo dominante, em alguns casos; não obstante, o paciente acordava tão lúcido, tão inteligente, tão bem controlado, como antes da operação. E casos, não raros, até os dois lobos frontais foram removidos, sem alteração essencial na sua personalidade. Os pacientes não se transformavam em idiotas como seria de esperar; regressão em inteligência e conduta ao estado infantil. Diminuição do uso da razão e do juízo, baseados na capacidade de coordenação e sintetização das faculdades e operações mentais, eis o que ficava faltando e não a inteligência.

Mas, em geral, seu estado comportamental e emocional melhorava sensivelmente. Onde foram impulsivos agora ficavam calculados, onde se mostravam ansiosos agora ficavam indiferentes. Todos os relatórios que lera de tais operações apresentavam resultados semelhantes: falta de atenção e enfraquecimento da memória recente, por um lado; mas de outro lado, sempre havia um aplainamento geral das emoções, notável falta de ansiedade e uma impressão acentuada de bem-estar geral.

Refletindo sobre isto, o Dr. Moniz pensou o seguinte : "Quando não há anormalidades perceptíveis no cérebro, que perturbam diretamente a própria mente, como nos casos de epilepsia orgânica e em algumas psicoses funcionais, os sintomas devem ser originados na falta de controle dela sobre as informações que lhe chegam do cérebro emocional. Parece que é nos lobos frontais onde se realiza a associação e a síntese das informações recebidas de todo o cérebro. E é essa síntese final a que se faz eco dos impactos emocionais, que tem o poder de perturbar o funcionamento da mente. Se cortássemos as conexões entre o cérebro emocional e o cérebro intelectual, talvez a mente ficasse impossibilitada de sintetizar as informações vindas do cérebro emocional; em troca ver-se-á livre da ação nociva dessas emoções. Conseqüentemente o estado comportamental do indivíduo ficará melhorado, mesmo que o setor intelectual fique diminuído. Desligando os lobos frontais do resto do cérebro talvez lhes prejudicasse a memória e forçá-los-ia a viver quase só no presente; mas ao mesmo tempo poderia ajudar muitíssimo aos psicóticos que vivem constantemente assombrados por medos, perseguidos por insistentes sentimentos de culpa, torturados por lembranças inadmissíveis e abalados por apreensões e por angústias intoleráveis..."

De acordo com isso, com uma intrepidez que poucos cirurgiões ousariam imitar, ele operou, e seu processo conhecido como lobotomia foi introduzido no mundo médico, dando início à prática da psicocirurgia ou cirurgia das emoções. De fato, o Dr. Moniz fez essa operação em vinte psicóticos crônicos. Nenhum morreu e nenhum ficou pior. Os resultados mais precários foram apresentados nos psicóticos mais do tipo intelectual: os esquizofrênicos. Mas, de seis pacientes maníaco-depressivos, logicamente emotivos, cinco ficaram totalmente livres dos sintomas.

Destes casos parece deduzir-se claramente que, uma vez cortadas as conexões entre os lobos frontais e o resto do cérebro, as informações recebidas por ele, não podendo chegar a eles, as operações mentais de síntese e julgamento serão suspensas e as emoções e outras causas físicas ou psíquicas não poderão perturbá-las, e, conseqüentemente, desses centros não partirão as ordens dos correspondentes comportamentos, nem serão desencadeadas novas emoções, etc. O resultado poderá ser o silêncio intelectual, no que respeita aquelas zonas, coisa que a muitos poderá parecer não muito recomendável, antiético e anti-humano; mas, em conseqüência, também resultará daí a interrupção do comportamento anormal, proveniente das ordens que dali partissem.

ETIOLOGIA POLIGENéTICA E PSICOTERAPIA MULTIFORME

Desde o ponto que a queiramos considerar, como órgão ou como faculdade, a mente humana pode ser perturbada, quer constitutiva, quer funcionalmente. Causas hereditárias, congênitas, ou adquiridas por ocasião de um parto difícil, ou por alguma doença posterior, tumor, lesão, agente invasor, etc., causas orgânicas e causas psíquicas ou funcionais.

Parece, segundo certo consenso unânime, que a mente tem sua sede no cérebro, entendido como um todo e incluindo o cérebro superior, médio e inferior, juntamente com toda a rede dos diferentes sistemas nervosos. Mas, funcionalmente a mente humana exerce sua atividade diretora desde o cérebro superior. E ao que parece, existem nos lobos frontais, certos focos ou centros corticais, onde se realizam as funções de associação e síntese das inúmeras informações recebidas por diversos centros de todo o cérebro. Estas funções de associação e síntese, bem como o poder de escolha e de julgamento da razão, do juízo e do intelecto, determinantes dos comportamentos e libertadoras das emoções que os acompanham e modificam, formam um conjunto diretor, que pode ser perturbado de diferentes maneiras. Quer por uma causa física que atinja os neurônios a elas correspondentes ou impedindo as vias de acesso das respectivas informações e as conseqüentes ordens de execução delas emanadas. Pois informações deficientes ou incertas devem gerar, necessariamente, julgamentos incertos e comportamentos errados. Ou poderão ser perturbadas, também, por motivos psíquicos e emocionais, o que poderá presumir-se, quando não houver anormalidades orgânicas perceptíveis. Uma simples disritmia da corrente bioelétrica, ou uma alteração bioquímica, produto de uma disfunção do metabolismo enzimático e hormonal, poderão provocar estados emocionais que alterem as percepções, imagens e pensamentos, desencadeando novas emoções, produtoras de maiores quantidades de hormônios, em círculo vicioso: hormônios influindo e alterando as funções mentais e estas aumentando e alterando a produção hormonal.

Devemos concluir, então, que não há nenhum distúrbio exclusivamente fisiológico ou exclusivamente psicológico. As duas coisas funcionam conjuntamente, como as engrenagens de uma máquina, perfeitamente regulada. Uma emoção induz uma reação fisiológica e uma condição fisiológica provocará uma emoção e assim por diante, resultando numa doença, que tanto poderá ser física, como mental, embora seus sintomas sejam predominantemente de um ou de outro tipo. O resultado será sempre um DESEQUILíBRIO, seja orgânico, energético, emocional ou psíquico, mas sempre com influências mútuas em todos os casos.

De onde se segue que há múltiplas causas, múltiplas terapias. Mostramos aos nossos alunos um bom número das mais usadas e, segundo o conhecimento empírico, todas elas bastante valiosas e de ótimos resultados. Ficará ao critério do bom psicoterapeuta o uso de um sábio ecleticismo para poder discernir sobre a oportunidade da utilização de uma ou de outra, em cada caso e em cada tipo de paciente.

Ab-reação — Descarga emocional que se produz pela lembrança e verbalização de um fato ou idéia que contenha um conteúdo afetivo inconsciente. A carga afetiva (medo, vergonha, desgostos, etc.), que foi retida no momento do acontecimento, se mantém ligada à representação dele, podendo ser descarregada, num processo que se assemelha à catarse. Pode ser provocada sob hipnose.

Afeto — Termo que em psicanálise exprime qualquer estado afetivo ou emocional, penoso ou agradável, vago ou qualificado, quer se apresente como uma descarga maciça, quer como tonalidade geral.

Agressividade (agressão) — Freud considera a agressividade como um impulso inato no homem, em conseqüência do qual "o próximo não representa para ele somente um auxiliar e objeto sexual, mas também uma tentação para libertar suas tendências agressivas contra ele". Como ação específica de uma pulsão, a agressividade não é somente uma busca de destruição do objeto (atacar), mas também a mobilização com vista a realizar uma tarefa, sem matiz de destruição (atacar um problema). Nos últimos escritos de Freud, a agressão é derivada do instinto de morte, em oposição ao instinto sexual ou instinto de vida, Eros. O desenvolvimento de Eros neutralizaria a agressão.

Associação Livre — A regra da associação livre é a regra fundamental do tratamento psicanalítico. Através desta regra, o paciente deve verbalizar, indiscriminadamente, todos os pensamentos que lhe ocorrem, seja por exemplo uma lembrança do passado, um fato acontecido hoje, a imagem de um sonho, uma paisagem ou um número. Visa eliminar a seleção voluntária de pensamentos e o controle consciente dos assuntos relatados.

Ato falho (parapraxia) — Em psicanálise, atos falhos são um conjunto de fenômenos que se produzem no momento em que um indivíduo se exprimir ou proceder diferentemente do que tenciona fazer. Engloba erros de expressão (lapsos), de leitura ou de audição, esquecimento de palavras, perdas incompreensíveis de objetos familiares. Geralmente são incidentes aparentemente insignificantes, que não têm conseqüências práticas. Muitas pessoas explicam os atos falhos por falta de atenção, acaso, cansaço, etc. Para Freud os atos falhos são formações de compromisso, que nascem da oposição de duas tendências ou intenções concorrentes, uma das quais é manifesta (ou aparente) e a outra é latente (ou inconsciente). Através do ato falho o indivíduo resolve este conflito, manifestando de maneira deformada a tendência latente.

Bissexualidade — Noção primeiramente descrita por Wilhelm Fliess e depois assumida e desenvolvida por Freud, que inclui aspectos genéticos, embriológicos, anatômicos e psíquicos, segundo os quais todos os indivíduos, sejam homens ou mulheres, mantém vestígios do sexo oposto, embora, no curso de sua evolução, se orientem para uma predominância monossexual. Dessas predisposições e das decorrentes identificações que o indivíduo assume no seu desenvolvimento, define-se a sua heterossexualidade ou homossexualidade, permanecendo contudo sempre presentes aspectos secundários relacionados à sua predisposição bissexual inata.

Catarse — (terapêutica ou terapia catártica, método catártico) — No início da psicanálise, falava-se de tratamento catártico em relação com a hipnose. Trata-se da liberação ou descarga emocional (ab-reação) de afetos retidos no inconsciente, pela rememoração e verbalização de uma representação esquecida, geralmente associada a uma cena traumática. Freud se interessou por esse método e posteriormente apontou seus limites e perigos.

Catexia (investimento psíquico) — Faz alusão, em psicanálise, à união da energia psíquica com um objeto externo ou interno, uma atividade, uma parte do corpo, uma idéia, etc., fazendo a representação mental desse construtor psicológico ser dotada de maior ou menor valor psíquico e lhe dando maior ou menor importância dinâmica. Descatexizar ou desinvestir é retirar desse objeto a energia psíquica a ele ligada, que fica assim disponível para ser reinvestida em outro objeto.

Censura — Função de controle que regula o acesso à consciência dos desejos inconscientes ou também a passagem de conteúdos pré-conscientes ao consciente. A censura cumpre, em relação ao ego, uma exigência normativa de seleção e deformação do material inconsciente; possui o poder de proibir e reprimir. Os atos falhos (parapraxias) e os sonhos são expressões do inconsciente que "escapam" parcialmente da ação da censura.

Complexo de castração — Ocorre em resposta aos afetos contidos na situação psíquica do complexo de édipo. Os meninos temem, na fantasia, a castração como realização de uma ameaça paterna, pela rivalidade e hostilidade que eles próprios sentem em relação ao pai e pela culpa secundária aos desejos sexuais que sentem pela mãe. Daí decorre uma intensa "angústia de castração" que introduz o menino no mundo das leis e das proibições, abrindo assim o caminho para o seu desenvolvimento socializado. Na menina, a ausência do pênis é sentida como um dano sofrido, uma falta importante que ela procura negar, compensar ou reparar.

Complexo de édipo — édipo, segundo a mitologia grega narrada por Sófocles (édipo Rei), estava amaldiçoado e deveria vir a matar seu próprio pai e casar com sua própria mãe. Ao descrever a relação da criança (entre os três e os cinco anos) com seus pais, na fase fálica do desenvolvimento sexual infantil, Freud percebeu a presença de desejos amorosos e hostis, contraditórios porém complementares, dirigidos pela criança a seus genitores. Genericamente, predomina o amor pelo genitor do sexo oposto e a raiva e rivalidade pelo genitor do mesmo sexo. A inviabilidade de concretizar esses desejos libidinosos incestuosos e agressivos permite a repressão dos mesmos, que assim se tornam inconscientes acompanhando, contudo, a pessoa por toda a vida. O conceito evoluiu e ganhou uma expressão importante e complexa dentro da psicanálise, sendo a forma acima descrita a mais simplificada possível.

Compulsão à repetição — Tendência a repetir determinados padrões de comportamento, reações infantis etc., pelos quais o indivíduo se coloca altivamente em situações penosas, repetindo experiências antigas de uma forma deslocada, tendo a impressão de que se trata de algo somente motivado pela situação atual. Devido a seus determinantes inconscientes, o paciente repete na transferência essas formas antigas, clichês de comportamento, permitindo dessa forma a sua identificação e interpretação pelo terapeuta. A conscientização da compulsão a repetir determinados comportamentos permitirá ao paciente modificá-los.

Condensação — é a designação de um dos aspectos do trabalho do sonho e também um dos modos essenciais do funcionamento dos processos inconscientes. O relato do sonho manifesto em comparação com o seu conteúdo latente constitui uma versão resumida. Na condensação, vários elementos, objetos ou pessoas são representados por um só elemento, objeto ou pessoa.

Conteúdo latente — Conjunto de significações que se referem ao sentido inconsciente, descoberto através da análise. Se a tarefa de toda a análise é descobrir progressivamente o sentido inconsciente, pode-se pensar que a noção de conteúdo latente é "o conjunto do que a análise revela sucessivamente".

Conteúdo manifesto — é o conteúdo do sonho expresso através da sua narrativa, antes que esse conteúdo seja submetido ao trabalho analítico de descoberta de seus significados inconscientes. O conteúdo manifesto é, portanto, o conteúdo lógico, consciente.

Conflito (conflito psíquico) — Em psicanálise, fala-se de conflito quando, no indivíduo, se opõem exigências internas contrárias; quando não se produz a solução do conflito, surge a neurose. A psicanálise considera o conflito como constitutivo do ser humano. Ocorrem conflitos entre o desejo e a defesa, conflitos entre as diferentes instâncias psíquicas (id, ego e superego), conflitos entre as pulsões e por fim o conflito edipiano, onde se defrontam desejos contrários que, em sua evolução normal, sucumbem a uma proibição. O conflito sexual contido na antítese desejo-proibição do desejo (defesa) cumpre o papel fundamental na dialética da história pessoal.

Defesa — Em psicanálise trata-se de um mecanismo psíquico, consciente ou inconsciente, de natureza adaptativa, que a pessoa lança mão para conservar-se e preservar a sua integridade, defendendo-se contra aquilo que a ameaça tanto do exterior, quanto do interior. Freud diferencia defesas normais e defesas patológicas. Uma mesma defesa, por exemplo, a repressão, pode estar sendo utilizada de uma maneira normal ou patológica, em relação a diferentes contextos. Entre os mecanismos psíquicos de defesa destacam-se a repressão, a regressão, o isolamento, a negação, a projeção, a formação reativa, etc.

Desejo — Na concepção dinâmica freudiana, o desejo é um dos pólos do conflito defensivo. O desejo inconsciente tende a realizar-se, buscando sempre a satisfação, o prazer (princípio do prazer). Se o conflito encontra-se na base da vida psíquica e é a condição da constituição de uma história pessoal, o desejo é precisamente o vetor dinâmico, ao qual se opõe a defesa.

Deslocamento — é o fato de a acentuação, o interesse, a intensidade de uma representação mental ser suscetível de se soltar dela para passar a outras representações originariamente pouco intensas, ligadas à primeira por uma cadeia associativa de idéias.

Ego — Noção utilizada para designar o centro psicológico da personalidade. é uma instância psíquica que Freud, na sua segunda teoria do aparelho psíquico (teoria estrutural), distingue do id e do superego. Contém a parte consciente da mente humana, bem como os mecanismos de defesa, sendo estes, muitas vezes, inconscientes. O ego desempenha uma tarefa de autopreservação e adaptação, através da vontade, da percepção, da memória e do controle dos movimentos voluntários. Possibilita ao indivíduo o adiamento da satisfação dos impulsos.

Eros — Termo pelo qual os gregos designavam o amor e o deus do Amor. Freud utiliza-o na sua última teoria das pulsões para designar as pulsões de vida em oposição às pulsões de morte (ver Pulsões). é a noção psicanalítica para o princípio do prazer. No sentido biológico corresponde ao impulso do amor ou sexual existente no corpo humano. A energia impulsiva, daí resultante, é chamada de libido. Desta forma, Eros é representado pela libido.

Falo — Representação simbólica, no inconsciente, da função do pênis. Enquanto a palavra pênis tem presente a realidade anatômica do sexo masculino, falo toma o sentido figurado de poder e potência.

Fantasia — Representações psíquicas que não correspondem a fatos reais. Freud descobriu que o que seus pacientes contavam a respeito de acontecimentos sexuais ocorridos na infância não assentava muitas vezes em fatos reais, mas eram fantasias. Isto freqüentemente ocorria com as cenas de sedução relatadas. Freud descobriu que essas fantasias eram representantes disfarçados de desejos reprimidos. Daí decorre a noção freudiana da realidade psíquica. "Os sintomas neuróticos não se encontram em estreita ligação com acontecimentos reais, mas com fantasias baseadas em desejos, e que no caso das neuroses a realidade psíquica é mais importante do que a material" (Freud).

Fase — No seu desenvolvimento a criança passa por várias fases de organização e desenvolvimento sexual, cada uma delas com predominância de uma determinada zona corporal. Freud descreveu as fases oral, anal, fálica e genital, segundo o predomínio da libido, na organização psicossexual em cada uma destas fases.

Fixação — A libido, no desenvolvimento psicossexual de um indivíduo, pode ficar ligada aos acontecimentos e vivências de uma determinada fase de desenvolvimento. Essa fixação da libido pode significar uma parada no desenvolvimento psicossexual, sendo um dos fatores determinantes da forma como vai se manifestar uma neurose. A fixação da libido pode, no futuro, abrir caminho para a regressão até essa fase do desenvolvimento.

Fobia — Do grego PHOBOS = ansiedade. Medo doentio.

Hipnose — Sono artificial, que pode atingir até um estado de sono profundo, produzido por sugestão e induzido pela pessoa do hipnotizador no hipnotizado. A hipnose, acompanhada de influência verbal, foi e ainda é, em determinadas circunstâncias, utilizada como método terapêutico.

Histeria — é uma classe de neurose. Suas formas mais comuns são a histeria de conversão, em que o conflito psíquico vem simbolizar-se em sintomas corporais diversos como crises emocionais com teatralidade ou outros sintomas mais duradouros como anestesias, paralisias, aperto na garganta etc.; e a histeria de angústia, em que a angústia é fixada de modo mais ou menos estável neste ou naquele objeto exterior (fobias).

ld — é uma das instâncias psíquicas que Freud descreveu na sua segunda teoria do aparelho psíquico (teoria estrutural), juntamente com o ego e o superego. Pode ser definido como a mais antiga e inconsciente das regiões do aparelho psíquico. Contém tudo que é herdado, o que está estabelecido pela constituição e todos os impulsos originados na organização somática. "A única qualidade que impera no id é a de ser inconsciente." "O núcleo de nosso ser é formado pelo obscuro id, que não tem relações diretas com o mundo externo e até só é acessível por meio de outras agências da mente (...)." " o id obedece ao inexorável princípio do prazer" (Freud). Do ponto de vista econômico, o id é para Freud o reservatório primitivo da energia psíquica; o ego e o superego, com os quais o id entra em conflito, seriam diferenciações dele, estruturados na relação com o meio ambiente.

Identificação — processo psicológico pelo qual um indivíduo assimila um aspecto, uma propriedade, um atributo do outro e se transforma, total ou parcialmente, segundo o modelo dessa pessoa. A personalidade constitui-se e diferencia-se por uma idéia de identificações.

Impulso — Ver Pulsões.

Inconsciente — Para Freud, é inconsciente "todo o processo psíquico cuja existência vem demonstrada por suas manifestações, mas da qual, por outro lado, ignoramos tudo, apesar de que se desenvolve em nós mesmos... todo processo que supomos ativado na atualidade, sem que ao mesmo tempo saibamos nada a respeito dele". Na sua primeira teoria do aparelho psíquico (teoria topográfica), seria a instância psíquica na qual ficariam contidos todos os desejos reprimidos, proibidos e censurados pela pessoa, afastados da sua percepção consciente.

Instinto — Na presente tradução das "Obras Completas" de Freud, o uso do termo instinto equivale a impulso instintivo ou pulsão (do alemão trieb); algumas vezes, na edição original alemã, aparece a palavra instinkt, no sentido clássico, correspondente a um comportamento herdado, próprio de uma espécie animal, que pouco varia de um indivíduo para outro. Esse fato pode acarretar um risco de confusão entre a teoria freudiana das pulsões e as concepções psicológicas do instinto animal, distorcendo e anulando a originalidade da concepção freudiana, particularmente a tese do caráter indeterminado da pulsão e a variabilidade de seus alvos (objetos), o que explica o caráter inacabado e indeterminado do ser humano.

Libido — (do latim, significa desejo, prazer) — Para Freud a libido é a manifestação dinâmica, na vida psíquica, da pulsão sexual. Tem relação com tudo aquilo que pode designar-se com a palavra amor.

Neurose — (palavra grega, relativa a "nervo") — Afecção psicogênica na qual os sintomas são a expressão simbólica de um conflito psíquico que tem suas raízes na história infantil do indivíduo e constituem compromissos entre o desejo e a defesa. Há diferentes tipos de neuroses, entre as quais a neurose obsessiva, a histeria e a neurose fóbica.

Objeto — Em psicanálise, é o alvo, o objetivo para o qual se dirige um impulso ou pulsão, seja sexual ou agressivo, com a finalidade de obter uma satisfação. O objeto pode ser uma pessoa, parte de uma pessoa (objeto pareial), um objeto real mesmo ou um objeto fantasiado. A capacidade de esclarecer relações objetais e particularmente amor objetal com outra pessoa evidencia um importante desenvolvimento da personalidade de um indivíduo.

Parapraxia — Ver Ato falho.

Princípio do prazer — Toda a atividade psíquica tem por objetivo, proporcionar prazer e evitar desprazer. O prazer está ligado à redução das quantidades de excitação e o desprazer está relacionado ao aumento da excitação. O organismo tende sempre à descarga das pulsões instintivas, regido pelo princípio do prazer.

Princípio da realidade — é uma forma de adaptação do ego ao princípio do prazer. "é ao ego que cabe resolver se a tentativa de satisfação deve ser efetuada ou afastada ou se a reivindicação do impulso não deve ser reprimida como sendo perigosa (princípio da realidade) (...)." No que concerne à realidade externa, que nem sempre é favorável, o princípio da realidade impõe-se como princípio regulador. A procura de satisfação já não é mais imediata, já não se efetua pelo caminho mais curto, mas pelos desvios, adiando seus resultados em função da realidade exterior.

Psicose — Termo psiquiátrico e psicanalítico que designa doença mental na qual há perda do senso de realidade e perda do controle sobre as próprias atitudes, sendo estes fatores que a distinguem da neurose. A paranóia, a esquizofrenia, a psicose maníaco-depressiva, a melancolia são as formas mais comuns de psicoses.

Pulsão (impulso) — Processo dinâmico que implica uma pressão ou força (carga energética, fator de movimento) que faz tender o organismo para um alvo ou objeto. Esse impulso ou pulsão tem sua origem numa excitação corporal, sua meta é resolver a tensão presente na fonte pulsional e para isso dirige-se a um objeto, graças ao qual obtém a satisfação. O conceito de pulsão, segundo Freud, é "um conceito limite entre o psíquico e o somático".

Realidade psíquica — Expressão usada por Freud para exprimir os desejos e fantasias inconscientes de uma pessoa, os quais não guardam uma relação lógica com a realidade externa concreta. Os processos internos inconscientes são constitutivos de uma realidade cuja coerência interna pode achar-se em oposição com a realidade exterior. De um modo geral, a neurose e a psicose caracterizam-se pelo predomínio da realidade psíquica na vida do indivíduo.

Regressão (do latim regress, "volta, retorno") — Designação psicanalítica que significa o retorno a uma fase psíquica primitiva do desenvolvimento, incluindo suas atividades, pensamentos, vida afetiva etc. Certos sintomas, por exemplo, se expressam de um modo oral ou anal no comportamento da pessoa. A regressão resulta de uma fixação da libido naquela fase de desenvolvimento do passado, com uma recaída atual ao modo de expressão e comportamento de um estágio anterior. é um mecanismo de defesa contra uma ansiedade atual e ao mesmo tempo, uma resposta patológica que leva o indivíduo a expressar-se novamente de uma maneira infantil.

Repressão — é a ação psíquica que tende a suprimir ou não dar acesso à consciência a determinados conteúdos, idéias, ou afetos considerados desagradáveis ou inoportunos. O conteúdo assim tornado inconsciente é designado como reprimido. Caso a censura que determina a repressão se encontre enfraquecida ou o reprimido se torne excessivamente forte, elementos do reprimido sobrepujam a censura e abrem caminho à força até a consciência, apesar da sua oposição (é o "retorno do reprimido"). Tal falha na repressão pode resultar em sintomas neuróticos ou psicóticos. A censura, neste sentido, é um guardião da saúde mental. Na terapia psicanalítica, ocorre a possibilidade de elaborar tanto a censura que determina a repressão quanto os desejos relacionados aos conteúdos reprimidos, permitindo a conscientização e a aceitação desses conteúdos.

Reprimido — Ver Repressão.

Resistência — é tudo aquilo que nas ações e nas palavras de uma pessoa se opõe ao reconhecimento de seus próprios desejos e conteúdos psíquicos inconscientes. Por extensão, Freud falou em "resistência à psicanálise" para designar uma atitude de oposição às suas descobertas na medida em que elas revelam os desejos inconscientes e infligem ao homem um "vexame psicológico".

Retorno do reprimido — Ver Repressão.

Sentimento de culpa — são remorsos ou auto-recriminações aparentemente absurdas ou um sentimento difuso de indignidade pessoal. é a expressão da agressão contra si mesmo devido a um julgamento moral inconsciente estabelecido pelo superego. Representa um conflito entre o superego que critica e os sentimentos infantis sexuais e agressivos que querem satisfação. Esse conflito inconsciente geralmente se manifesta na pessoa sob a forma de depressão.

Sexualidade — No significado que Freud lhe confere, relativo ao seu efeito no desenvolvimento psíquico e responsabilidade no aparecimento da neurose, constitui um dos objetos centrais da investigação da psicanálise. Em psicanálise, a sexualidade é inseparável do descobrimento do inconsciente e dos processos que dependem dele. Não designa apenas as atividades e o prazer que dependem do aparelho genital, mas toda uma série de excitações e de atividades presentes desde a infância que proporcionam prazer e que se encontram presentes em todas as formas de amor. Nas fases de desenvolvimento infantil, a sexualidade está presente e domina determinadas zonas corporais (a boca, o ânus, o pênis ou a vagina), dizendo-se neste caso sexualidade oral, anal, fálica ou genital. Fantasias sexuais estão presentes na criança desde a tenra infância.

Simbolismo — Em sentido geral, é o modo de representação indireta e figurada de uma idéia, de um conflito, de um desejo inconsciente. Em sentido restrito, é um modo de representação que se distingue principalmente pela constância da relação entre o símbolo e o simbolizado inconsciente; essa constância encontra-se não apenas no mesmo indivíduo e de um indivíduo para outro, mas nos domínios mais diversos (mito, religião, folclore, linguagem etc.) e nas áreas culturais mais distantes entre si.

Símbolo — é um sinal (signo) ou representação que evoca algo ausente ou impossível de representar de outra forma. Em psicanálise, o campo do simbolizado se acha principalmente constituído pelo sexual e se desenvolveu ligado à descoberta freudiana da interpretação dos sonhos nos quais freqüentemente aparecem símbolos.

Sintoma — Em medicina, sintoma é a manifestação visível de uma doença invisível. Em psicanálise, sintoma é a manifestação de um conflito inconsciente. Os sintomas da neurose são uma satisfação compensatória para algum impulso sexual reprimido ou são medidas para impedir tal satisfação. Sensações corporais, ansiedade, medo, hábitos obsessivos e ritualizados, descontrole, alucinações são exemplos de sintomas.

Sublimação — Processo de produção de atividades superiores (intelectuais, artísticas, morais, etc.), indiferente, em aparência, a uma dinâmica e a uma economia sexuais inconscientes, mas que encontra nesta sua fonte, força e regime de funcionamento. Diz-se que a pulsão é sublimada na medida em que é derivada para um novo alvo não-sexual ou um que visa objetos socialmente valorizados.

Superego — Uma das instâncias psíquicas que Freud descreveu, na sua segunda teoria do aparelho psíquico (teoria estrutural), juntamente com o id e o ego. Designa o padrão adquirido através das impressões da infância, influências educacionais e outras influências do mundo exterior. é a instância que julga, censura e proíbe. Freud descreveu o superego como o "herdeiro do complexo de édipo", pela interiorização na criança da autoridade do pai e de todas as proibições e exigências parentais. Na experiência clínica o superego se manifesta determinando sintomas como sentimento de culpa, depressão, etc.

Transferência — Designa um dos fenômenos descobertos através da psicanálise, que se expressa pela relação afetiva do paciente com o psicanalista. O paciente transfere para o analista todos os sentimentos e reações neuróticas, sejam sexuais ou agressivos, relacionados com as pessoas de seu passado em cujo vínculo eles foram causados ou a quem se dirigiam. Trata-se da repetição de atitudes e sentimentos infantis que são vividos com uma sensação de atualidade acentuada. A reatualização de neurose do paciente na transferência é fundamental para o tratamento e a cura da mesma, através da sua conscientização. Daí decorre a noção de "neurose de transferência".

Trauma (traumatismo psíquico) — Acontecimento na vida do indivíduo de forte intensidade, ao qual ele não consegue responder de forma adequada e que determina efeitos patológicos duradouros em sua organização psíquica.

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